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Análise das violações dos direitos das crianças e dos adolescentes no âmbito familiar

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Resumo: O presente artigo visa investigar os constantes abusos e violações dos direitos das crianças e dos adolescentes praticados pela própria família em face de seus filhos, netos, enteados e sobrinhos, bem como analisar seus direitos sob a ótica constitucional e legislação correlata. Nesse sentido busca enfatizar o papel-dever do Estado, da sociedade e da família em protege-los diante de sua vulnerabilidade, a fim de lhes proporcionarem uma vida digna. Para tanto, serão abordadas as três principais e piores espécies de violência existentes contra as crianças e adolescentes praticadas no âmbito familiar, entre elas: a violência sexual; física, inserindo-se o trabalho infantil; e psicológica, tendo com uma de suas facetas a alienação parental. Para tal, buscou-se através da revisão bibliográfica e da análise do livro “a violência sexual contra crianças e adolescentes” apontar os fatores que influenciam no alarmante índice de violências presentes no seio familiar.[1]

Palavras-chave: Crianças e Adolescentes. Violência Familiar. Proteção Estatal.

Sumário: Noções introdutórias. 1. A Constituição Federal como guardiã dos direitos da criança, do adolescente e da família. 2. O Estatuto da Criança e do Adolescente como efetivador dos Direitos Fundamentais. 3. A violência no âmbito familiar. 3.1. Violência sexual. 3.2. Violência física. 3.2.1. O trabalho infantil e a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). 3.3. Violência psicológica. 3.3.1. Alienação parental. Considerações Finais. Referências.

Noções introdutórias

O tema sobre a violação dos direitos da criança e do adolescente é o grande ponto deste estudo, sua complexidade e dificuldade em se lidar são devido a grande polêmica que sempre está envolvido, principalmente por envolver àqueles que mais do que ninguém deveria tutelá-los e protegê-los de toda e qualquer possível ameaça, sua família.

Muitos são os casos de violações dos direitos dos jovens (ler-se crianças e adolescentes), e é neste ângulo que este artigo buscará explicitamente analisar, se limitando a abordar os três principais pontos que envolvem a violação dos direitos da criança e do adolescente no âmbito familiar, demonstrando os terríveis e muitas vezes irreversíveis efeitos e consequências que a violência tanto sexual, quanto física e psicológica exercem sobre a criança e o adolescente, trazendo-lhes sequelas inimagináveis, uma vez que estes se encontram em fase de desenvolvimento físico, psicológico e moral.

Serão abordados ainda os meios que buscam protegê-los e assegurá-los a fim de lhes proporcionarem melhores condições de vida, os respeitando enquanto pessoas indefesas em fase de desenvolvimento e aprendizado. Para isso será discorrido sobre o papel da Organização Internacional do Trabalho (OIT) com a Convenção de nº 182 no combate para a erradicação do trabalho infantil como uma consequência da violência física, mas que também afeta o desenvolvimento psíquico.

Ao abordar sobre a violação do direito da criança e do adolescente no que tange o abuso sexual no âmbito familiar, almeja-se compreender os motivos e as causas que contribuem para o alto e alarmante índice de violência sexual por meio de indagações que possibilitem respostas condizentes com o objetivo almejado.

São inúmeros os casos que envolvem a violência familiar. Nesse sentido a Constituição Federal de 1988 adota direitos e garantias tidos como fundamentais para a consolidação de uma família estruturada, atribuindo maior ênfase a proteção da criança e do adolescente por serem o elo mais fraco e vulnerável dessa relação, os protegendo das usurpações e violações, muitas vezes rotineiras. Nessa perspectiva surge o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) promulgado pela Lei 8.069/90 tutelando os direitos, garantias e deveres que exercem na sociedade, respeitando seus direitos enquanto pessoa em fase de desenvolvimento e os resguardando de toda e quaisquer ameaças.

1. A Constituição Federal como guardiã dos direitos da criança, do adolescente e da família

Uma Constituição para exercer o papel para que fora criada, isto é, a finalidade de reger a vida em sociedade, garantindo direitos e deveres aos cidadãos e ao próprio Estado, necessita, como afirma Lassalle (2000), da aprovação do Poder Legislativo, pois trata-se de uma lei que diferente das outras, se sobressai por ser uma norma fundamental, não se enquadrando, portanto, no mesmo âmbito da lei comum.

Antes da promulgação da CF/88 as crianças e os adolescentes, ou melhor, a família, não tinha tantos aparatos legais e não lhe era dada a atenção necessária no que cerne a proteção de seus direitos e suas garantias constitucionais. Somente após sua promulgação que passaram a serem tratados com absoluta prioridade na segurança e efetivação dos seus direitos.

Diversos são os textos presentes na Constituição Federal de 1988 que garantem aos cidadãos, em especial às crianças, os direitos tidos como fundamentais e indispensáveis para sua formação. Entre eles está o art. 6º abordando sobre os direitos sociais como a educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, a proteção à infância, assistência aos desamparados, entre outros. A educação é a base que desenvolve e molda a criança e por esse motivo merece atenção prioritária, haja vista sua indispensabilidade para sua formação, sendo obrigação/dever do Estado e da família, conforme os arts. 205 e 206, inc. I, II, promovê-la e incentivá-la proporcionando-lhe a igualdade e liberdade ao acesso ao ambiente escolar.

O Estado é o principal responsável pelo dever de efetivar e garantir a educação básica de qualidade e gratuita, como afirma o art. 208, alcançando todas as crianças e adolescentes que não dispõem de meios financeiros para adentrar em escolas particulares, penalizando o Poder Público caso não se importe com a responsabilidade em oferecer ensino obrigatório. Esta atuação do Estado em relação a educação encontra-se exposta do art. 205 ao 214 da CF. O art. 229 deixa claro que o dever de cuidar e ajudar é uma obrigação mútua, de modo que tanto os pais devem educar, criar e assistir seus filhos, quanto estes devem ampará-los e ajuda-los quando precisarem.

A atual Carta Magna a fim de assegurar os direitos da Criança e do Adolescente, trata como prioridade absoluta a proteção e a garantia dos seus direitos frente aos possíveis abusos e usurpações que estas possam sofrer, atribuindo a todos (Sociedade, Estado e principalmente a Família), por meio do artigo 227, o dever de proteger, garantir e respeitar sua condição de pessoa em desenvolvimento físico, moral e psicológico, proporcionando-lhes os meios fundamentais e necessários para crescerem e viverem dignamente, salvando-os de todo e qualquer tipo de discriminação e violência, uma vez que como afirma Batistela (2009, p. 56):

“(…) “todos” devem contribuir para a prevenção do abuso. Se isso for praticado, com certeza o índice de abusos e violência cairá. No entanto, esse “todos” pode soar como ninguém e, na verdade, na prática é assim que muitas vezes soa. A expressão, “todos” deveria significar, primeiramente, o Estados e os pais e depois os outros”.

A preocupação do Estado não tem foco apenas nas crianças, mas atribui especial atenção e proteção à família, pois esta de acordo com o artigo 226 da Carta Magna é a “base da sociedade”. Para existir uma sociedade baseada nos princípios morais, é preciso garantir a família os meios necessários para sua solidificação e é neste tocante que o Estado almeja trabalhar, atuando nos mais diversos ramos familiares, usando os aparatos legais para proteger cada indivíduo que integra esta instituição. Essa segurança estatal encontra-se melhor explicitado no parágrafo § 8º do art. 226 o qual afirma o dever do Estado em assegurar a assistência familiar através de mecanismos que coíbam a violência no âmbito de suas relações. Nesse tocante está inserido o art. 227, VII, §4º.

As violações do direito da criança e do adolescente são inúmeras, e o índice de casos envolvendo abusos sexuais são assustadores. Pensando na proteção da criança e na sua vulnerabilidade, a CF no art. 227, inc. VII, § 4º, abre a possibilidade da criação de mecanismos que venham punir severamente os indivíduos que praticarem atos que atentam contra a dignidade da pessoa humana e a usurpação dos seus direitos, quanto ao abuso, violação e exploração sexual de menores vulneráveis, numa tentativa de prevenir e consequentemente reduzir, ou até mesmo extinguir, tais índices.

2. O Estatuto da Criança e do Adolescente como efetivador dos Direitos Fundamentais

Desde os tempos mais remotos, tanto crianças quanto adolescentes eram tratados com descaso pela sociedade, não dispondo de nenhum direito ou garantia legal que lhes possibilitassem os meios necessários para obterem as mínimas condições imprescritíveis a uma vida digna e saudável. Com os constantes ataques contra a sua dignidade e integridade física, psicológica ou moral, o Estado, preocupando-se em protege-los, passou a criar mecanismos que possibilitassem assegurar seu pleno desenvolvimento, respeitando sua personalidade e condições a elas inerentes.

A partir de então fora criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com a promulgação da Lei 8.069/90, com o intuito de promover a dignidade da pessoa humana e firmar seu cumprimento, tendo como principal objetivo segundo Silva (2013, p. 19), “a proteção integral da criança e do adolescente, de tal forma que cada brasileiro que nasce possa ter assegurado seu pleno desenvolvimento, desde as exigências físicas até o aprimoramento moral e religioso”, protegendo e garantindo os direitos dos jovens “fracos” e indefesos que ora ou outra sofrem com a arbitrariedade e descaso do meio social.

O ECA ao tratar sobre as crianças e adolescentes, os colocam na condição de seres incapazes, uma vez que necessitam de cuidados e proteção. No entanto, mesmo com as notáveis mudanças que este proporcionou para a efetivação e garantias dos seus direitos, sua atuação mostra-se ainda, muitas vezes, distantes da realidade, como a exemplo da efetivação do direito a educação, a moradia, e a alimentação que tanto a CF/88 garante no artigo 6º e no art. 227, quanto o próprio Estatuto no art. 4º, intitulando-os como direitos fundamentais e indispensáveis para sua formação, mas que na realidade não garante plenamente seu perfeito desenvolvimento.

O artigo 98 da Lei nº 8.069/90, com o intuito de evitar, prevenir ou impedir a reincidência de tais abusos, discorre acerca das medias de proteção à criança e ao adolescente, aplicando-lhes sempre que houver ameaça aos seus direitos, determinando através da autoridade competente, entre outros, à “colocação em família substituta”, como afirma o art. 101, IX, sendo esta segundo Silva (2013) “aquela que assume o lugar da família natural por razões inquiridas pelo Estado”.

“Art. 98 – As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I- Por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II- Por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

III- Em razão de sua conduta”.

Estas violações e privações impedem o desenvolvimento dos indivíduos, acarretando-lhes prejuízos invariáveis quando adultos, sendo necessário propor meios para protegê-los das constantes violações e ameaças.

3. A violência no âmbito familiar

A violência é um termo que possui várias vertentes que, no entanto, está sempre vinculada a violação da liberdade pessoal, seja ela física, psicológica, moral ou sexual. Seus efeitos são devastadores e sua ação despersonaliza o indivíduo vítima do sequestro das suas faculdades, pois como afirma Vilela apud Batistela (2009, p. 14) em sua obra “A violência sexual contra crianças e adolescentes”: “a violência é sempre, pois, um atentado direto contra a liberdade pessoal, por isso mesmo, uma ação alienante e despersonalizadora. Aliás, é nesses termos ou em termos equivalentes que os autores comumente a definem”.

A violência é fruto de diversas causas, muitos acreditam que o instinto humano é uma delas, assim como a educação, o impedimento em atingir certos objetivos, os fatores culturais e sociais, entre outros. Não existem diferenças nem separação no que se refere, por exemplo, à violência sexual contra crianças, estas independentes da cor, raça, classe social, entre outros, se fazem presentes na vida de diversas meninas e meninos.

“A violência contra crianças tem se manifestado em qualquer ambiente, classe, etnia e tempo na História, supostamente justificada, porém sempre injusta e imperfeita. Verifica-se, portanto, que fatores externos, como o meio, também colaboraram para a perpetuação da violência, embora não sejam sua causa única, pois outros fatores, como estímulos externos, também podem ser seus motivadores. (BATISTELA, 2009, p. 25)”.

Como foi visto, a Criança e o Adolescente podem, a qualquer momento e por qualquer pessoa, serem vítimas de violências, seja no meio social ou familiar. Para tentar amenizar tal situação e até mesmo resolvê-la, elas têm assegurado por Lei todos os direitos indispensáveis para viverem dignamente. Entre esses, está o direito à convivência familiar e comunitária disposto no artigo 19 do ECA, sendo este um dos principais e inquestionáveis direitos que o jovem necessita para se desenvolver psíquica, física e moralmente. Nesse tocante, sendo a família a base/estrutura da criança, e para que todos os direitos fundamentais sejam efetivados, é preciso que a convivência familiar seja garantida.

É correto afirmar a importância da responsabilidade integral dos pais em assegurar, conforme Silva (2013, p. 107) “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação (…)”, uma vez que se trata de família, a qual de acordo com o art. 25 do ECA, é formada pelos pais e seus descendentes (os filhos). Ocorre, entretanto, que numa entidade onde deveria ser protegido, zelado e promovido os direitos e garantias das crianças e adolescentes, ocorrem as mais horrendas atrocidades e violações no âmbito familiar, contra os próprios filhos (as), sobrinhos (as), enteados (as), vulneráveis, fracos e impossibilitados de lutar e evitar a consumação da conduta violenta pelos seus pais e padrastos.

Entre as diversas violências existentes, três são merecedoras de destaque, uma vez que mesmo com condutas diferentes estão interligadas: a violência sexual, física e psicológica. E são elas que serão analisadas a seguir.

3.1. Violência sexual

A violência sexual contra crianças sempre fez parte da história social dos indivíduos do Brasil e do Acre. Muitos são os relatos de ataques contra os indígenas principalmente as crianças do sexo feminino pelos emigrantes que chegaram ao Estado. Entre os casos sobre a violência sexual, muitos são envolvendo crianças e adolescentes, uma vez que esta (a violência) se configura na atuação do mais forte contra o mais fraco, impedindo sua reação, pois como diz Batistela (2009, p. 33), “verifica-se, que a questão da violência sexual tem como base a manipulação de adultos sobre não adultos, o mais forte que domina o mais fraco, buscando subjugá-lo”.

Mesmo com tantos meios de combater a violência sexual contra os jovens, os índices de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil são assustadores. Uma das causas que Batistela (2009) acredita é devido a sociedade atual não ter sida construída e firmada sobre os princípios básicos para sua solidificação. Essa desestruturação foi quem colonizou o Brasil, afetando a família e o pensamento da subordinação sexual. Este pensamento fazia parte de uma cultura aceitável pela sociedade e que ainda hoje se faz presente em muitas regiões, em especial no Acre.

“Conclui-se ser necessário, no Acre e no Brasil, uma radical mudança de mentalidade com respeito à violência sexual a criança e adolescentes. Não se pode mais achar que isto seja normal, ou culturalmente aceitável, a não ser que se corra o risco de a sociedade nacional tornar-se caótica. (BATISTELA, 2009, p. 48)”.

Entre as diversas indagações e os diversos meios que buscam entender os fatores que influenciam nos índices dos abusos sexuais, está a desestruturação da família. Uma família desestruturada que não se baseia nos princípios familiares, munida de amor, respeito, educação e proteção, está propensa à destruição, afastando-se dos valores morais, tornando uma das causas mais prováveis e condizentes com a realidade. Sendo a desestruturação familiar “uma das hipóteses mais prováveis, dentre outras relevantes, do auto número de crianças e adolescentes abusados (…)” (BAUMAN, 2004, p. 11).

Essa desestruturação é uma consequência da liquidez da sociedade moderna. O amor paterno e materno está se degradando e o próprio conceito de amor segundo Bauman (2004) decaiu aos padrões mais baixos. Esta decadência dos padrões do amor surge como resultado das experiências vivenciadas como sinônimo de paixão, sejam elas boas ou más, quebrando a ideia de um amor estável, único e verdadeiro, e consequentemente descaracterizando-o como tal, tornando-o uma mercadoria de consumo.

“Em vez de haver mais pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões do amor, esses padrões foram baixados. Como resultado, o conjunto de experiências às quais nos referimos com a palavra amor expandiu-se muito. Noites avulsas de sexo são referidas pelo codinome de “fazer amor”. (BAUMAN, 2004, p. 11)”.

É inadmissível a afirmação de que a violência sexual infantil faça parte da adequação social do Acre, vista como uma ação cultural e aceita. É necessário mudar essa concepção ultrapassada e desumana, não só do Acre mais também nos demais países e regiões do Brasil que veem o abuso como algo natural ou até mesmo um direito. É este tipo de pensamento que proporciona a propagação de uma mentalidade precária e desumana, contribuindo com as tamanhas e inimagináveis consequências que a violência sexual causa no psicológico e físico de uma criança. Seus efeitos são devastadores e muitas vezes irrecuperáveis, causando-lhes transtornos, depressão e revolta principalmente quando estes abusos partem dos próprios pais ou familiares.

Atualmente muito se busca fazer para ressocializar, ou ao menos minimizar, as consequências sofridas pelas vítimas de abusos sexuais. Entre os meios existentes, há casas que cuidam e amparam crianças e adolescentes que sofreram tais atrocidades, possibilitando melhoras nas condições físicas, psicológicas e espirituais, em principal foco a fé em Jesus Cristo como uma forma de se agarrarem novamente a vida. Mesmo com o ECA visando proteger os direitos dos menores há ainda grandes dificuldades em prevenir os ataques sexuais contra crianças, primeiramente pela omissão da própria família, dos órgãos responsáveis e da própria sociedade.

3.2. Violência física

Todos têm seus direitos e garantias previstas na Constituição e outras legislações, tornando-os sujeitos possuidores de direitos, ou ainda segundo Messuti (2003), sujeitos de direitos. Entretanto, quando tais direitos previstos são violados, estes diminuem a pessoa vítima a um patamar inferior como um não-sujeito de direito. “Seguindo este raciocínio, não-sujeito de direito é um antigo sujeito de direito, alguém que perdeu ou viu diminuída sua condição de sujeito de direito, alguém que foi despojado de algo”. (MESSUTI, 2003, p. 72).

A violência física, entre outros, é um dos fatores que proporcionam a decadência da natureza humana, do homem enquanto um ser munido de direitos e deveres, afetando diretamente sua personalidade e essência, tornando-o reduzido ao não-sujeito de direito, causando-lhe dor e sofrimento e atentando contra os direitos humanos que visam proteger os indivíduos das atrocidades.

“Como se podem traçar as características de um "não-sujeito de direito"? Parece difícil definir um conceito negativo. Carbonnier sugere que o não-sujeito de direito toma consciência de sua baixa condição por meio do estímulo da dor, porque um estado anterior lhe havia permitido conhecer a condição de sujeito de direito. (MESSUTI, 2003, p. 72)”.

“O paradoxo reside em que essa presumida racionalidade é uma racionalidade inalcançável, pois estabelece um vínculo entre dois momentos manifestamente heterogêneos. O sentido da pena, enquanto união do padecimento e do fazer padecer, diz Ricoeur, consiste na suposta equivalência entre o mal sofrido, por um lado, e o mal cometido, por outro. (MESSUTI, 2003, p. 114)”.

Todo e qualquer tipo de violência deve ser penalizado, no entanto, a racionalidade que a pena propõe mostra-se como uma utopia na busca pela correspondência entre o mal sofrido e o mal cometido pelo delinquente.

3.2.1 O trabalho infantil e a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

O trabalho infantil de meninos e meninas é também propulsor da violência física.  Desde os tempos mais remotos sempre existiu na sociedade antiga e agora na sociedade contemporânea. O índice de casos envolvendo abusos e violações contra seus direitos são assustadores, em principal foco o trabalho infantil no seio familiar.

Muitos são os fatores que proporcionam sua propagação, onde dois se destacam pelo número assustador de incidências. O primeiro segundo a Ministra Kátia Magalhães Arruda (2014) diz respeito ao grande número de desemprego existente, decaindo a qualidade de vida de uma grande parcela da sociedade, e o segundo devido (principalmente) a baixa qualidade da educação.

É visto que em uma sociedade pobre economicamente o índice de casos envolvendo crianças com o trabalho infantil é grande, muitos deles surgem pelo fato dos pais não poderem sustentar seus filhos, colocando-os para trabalhar ou ajudando-os nas lavouras. Nesse sentido Bauman (2004) na sua Obra “Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos” afirma que os pais veem no seu filho uma forma de investimento, que virá no futuro contribuir para a renda da família. “A expectativa de vida era curta e todos se perguntavam se o recém-nascido viveria o suficiente para que suas contribuições à renda familiar pudessem se fazer sentir”. (BAUMAN, 2004, p. 28). Ocorre que este ato de necessidade acaba sofrendo abusos por parte de empregadores e dos próprios pais que tiram proveito da situação, colocando a criança para trabalhar em seu lugar.

No intuito de evitar a arbitrariedade e vendo a necessidade de buscar formas para erradicar o trabalho infantil, foi formada a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo Arruda (2014) ainda existe cerca de 215 milhões de crianças e adolescentes vítimas do trabalho infantil. O ingresso dessas crianças no mercado de trabalho de modo precoce, impede que estas tenham acesso à educação, gerando um ciclo vicioso de miséria na família, pois essa privação impede a criança de no futuro obter novas oportunidades na vida devido a impossibilidade de se integrar socialmente, sem contar os danos e abalos causados que envolvem a violência física, moral e psicológica. Desse modo, a Convenção 182 da OIT afirma que o segundo motivo do trabalho infantil no âmbito familiar é devido a baixa qualidade da educação ou até mesmo a falta dela.

Para a Convenção da OIT estabelecida no seu preâmbulo, a simples diminuição da pobreza com o crescimento econômico do país e da família, conduzirá ao progresso social e evitará, diminuirá e até extinguirá o trabalho infantil, visto que o trabalho de crianças é um fator explícito do crescimento da pobreza. Muitas crianças abusadas, de acordo com Arruda (2014), não estão no âmbito familiar e quando estão são “oriundas de famílias pobres ou marginalizadas, portanto, extremamente vulneráveis à exploração”. (p. 192). Neste tocante, cabe a seguinte indagação: Um país desenvolvido e progredido economicamente está apto para combater e eliminar o trabalho infantil? A resposta é não. Apenas o crescimento econômico não é suficiente para eliminar o trabalho infantil, principalmente no seio familiar, pois já faz parte da cultura social, e por isso “o progresso não basta para a eliminação das piores formas de trabalho infantil: é necessário determinação política e incansável vontade de lutar por essa causa”. (ARRUDA, 2014, p. 193).

Muito ainda se falta para diminuir a exploração do trabalho infantil da criança e do adolescente. Primeiro é preciso mudar o pensamento social com políticas públicas condizentes com a realidade, pois esta é parte integrada culturalmente na sociedade. Quando isso ocorrer os gastos que houver para extinguir ou ao menos diminuí-la serão mínimos em relação aos benefícios proporcionados.

3.3. Violência psicológica

3.3.1. Alienação parental

A violência psicológica envolve as demais violências explanadas (física e sexual). A criança vítima de violência sexual cria consequências devastadoras no seu psíquico, as quais influenciarão o resto da sua vida, sendo estas as mais difíceis de serem revertidas.

Assim como as demais violências acima supracitadas, a alienação parental caracteriza-se como mais uma das inúmeras violências existentes no âmbito familiar, que como as demais, causa espanto e revolta, possuindo íntima relação com a violência psicológica exercida pelos pais ou familiares contra a criança e o adolescente. Pensando nisso, o ordenamento jurídico brasileiro passou a tutelá-lo com a criação da Lei 12.318/2010, conceituando-a e dispondo sobre as formas que a envolve.

“Art. 2o – Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.

Sabe-se que um indivíduo quando criança encontra-se na fase do descobrimento, das dúvidas, das indagações e do aprendizado, ou seja, esta é a fase que a criança ou o adolescente está se desenvolvendo e conhecendo o mundo ao seu redor. É neste ponto que merecem uma atenção especial, pois cada palavra, cada gesto, cada atitude, pode influenciar direta e indiretamente na personalidade e no seu desenvolvimento físico e psicológico, podendo-lhe causar benefícios ou malefícios que muitas das vezes são irreversíveis.

A alienação parental é um dos fatores responsável pela violência e abalos psicológicos, principalmente nas crianças. Esta por estar em fase de desenvolvimento é vulnerável e por isso fácil de ser alienada. Muitos casos envolvendo o tema da alienação parental são relacionados a separação dos pais, que como forma de vingança afetam seus filhos (mesmo de forma involuntária), por meio de palavras e ações, a criarem um certo tipo de desprezo ou um pensamento obscurecido do pai ou da mãe, destruindo o vínculo afetivo existente.

Muitos casais se separam devido não existir mais uma fortificação nos laços que os unem. A fragilidade nos laços humanos está cada vez mais evidente e gerando mais insegurança nas relações. As redes estão ocupando cada vez mais espaço na sociedade, trocando os relacionamentos pessoais pelos virtuais, diminuindo a interação e o convívio social, afetando as ligações pessoais pela facilidade em tecer novas amizades midiáticas, e de igual modo, a facilidade em desmanchá-las. Não existe mais uma relação contínua e duradoura, pois os laços estão sendo mantidos no mundo da virtualidade.

É neste tocante que ocorre a violência psicológica como consequência da alienação parental tendo como vítimas as crianças e os adolescentes no âmbito familiar. De acordo com Bauman (2004) os filhos vistos muitas vezes como uma forma de manter o casamento, como um investimento para ajudar seus pais, entre outros. A família atualmente está fragilizada e os filhos que antes eram tidos como alegria e motivo para a continuação duradoura, são vistos como um objeto de consumo, gerando desconfiança tanto pelo motivo de proporcionar esta continuação, quanto da possibilidade de dissolvê-la. “Os filhos eram, na visão de todos, bons investimentos, e como tal eram saudados. Quanto mais, melhor. Além disso, dizia a voz da razão, era uma aposta”. (BAUMAN, 2004, p. 28).

É mister salientar que esse tipo de alienação mesmo tendo maior incidência na ruptura dos laços matrimoniais, não se limita a este, podendo ocorrer também na existência do casamento, com as brigas, xingamentos, discussões, entre outros, na presença dos seus filhos acarretando graves problemas psicológicos. Além da alienação por parte do pai ou da mãe, há também a alienação exercida pelos avós e parentes maternos ou paternos em relação ao pai ou a mãe da criança.

A alienação parental viola dentre outros direitos, os direitos humanos fundamentais, que entre eles está uma convivência familiar saudável como afirma o art. 3º da lei de alienação parental, ocasionando danos psicológicos e morais, devendo o Ministério Público exercer as medidas necessárias para preservar o desenvolvimento psicológico sadio, aplicando penas cíveis ao pai ou mãe ocasionador da síndrome da alienação parental na criança ou adolescente.

Considerações finais

Atualmente, muito se busca fazer na frustrante tentativa de encontrar mecanismos eficazes nacional e internacionalmente na luta contra a exploração do trabalho infantil no âmbito familiar. Mesmo com diversas legislações e todos aparatos legais como as convenções, jurisprudências e doutrinas, sua erradicação ainda caminha a passos lentos.

Todos os tipos de conhecimentos ajudam o homem a desenvolver-se e libertar-se, pelo menos em parte, daquilo que se constitui seu maior problema, “a ignorância” a respeito dos direitos pertinentes a ele. Desse modo, cada forma de conhecimento conduzirá o homem a um estágio de libertação, mas por mais que ele tente nunca conseguirá se ver totalmente livre desse mal. Todo ser humano se encontra preso pelas cadeias da ignorância, que escraviza, que empobrece e que limita. A ignorância aprisiona desde o nascimento, entretanto, como oposto da ignorância, o conhecimento liberta, enriquece e amplia os horizontes de oportunidades e realizações.

É possível compreender que os altos números de violência sexual contra crianças e adolescentes, em especial contra meninas, não são problemas advindos somente de um fator, mas de diversos fatores culturais, psicológicos, espirituais e sociais que contribuem para esta triste realidade. Entretanto, existem diversos meios utilizados para combater e prevenir a violência, entre elas está uma família saudável e estruturada, a assistência de todos os responsáveis pelo zelo da sua segurança, a educação, a punição devida aos agressores, entre outros. No entanto é sabido que sua extinção é algo ainda utópico e devemos trilhar um longo caminho, se não possível extingui-la, pelo menos reduzi-la ao mínimo.

É a partir do conhecimento racional, hipotético e questionador que o homem tenta superar os fatores que o faz acomodar, ele luta por seus direitos humanitários ameaçados pela opressão que o tenta limitá-lo e reprimi-lo. É preciso ainda repensar acerca das prioridades da sociedade, pois as crianças são o elo mais frágil do seio social e por isso necessitam de maior atenção e cuidados, recebendo proteção e zelo para crescerem e se tornarem cidadãos sadios e responsáveis.

Apesar de muitas leis não terem a efetividade que deveriam ter no país, a sociedade tem o direito e o dever de reivindicar e de garantir os direitos da criança e do adolescente e não somente se conformar com o mínimo que é oferecido, pois ter direitos é um direito que adquiriram muito antes da formação social e da existência da lei, é um direito natural sendo, portanto, fundamentalmente um direito de ter direitos.

 

Referências
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Direito Internacional do Trabalho e Convenções Internacionais da OIT comentadas. San Pablo: LTR Editora, 2014. Disponível em: <http://vlex.com/source/direito-internacional-trabalho-conven-es-internacionais-oit-comentadas-12131>. Acesso em mai 2016.
BATISTELA, Daniel. A Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes. São Paulo: Editora Reflexão, 2009.
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os Direitos Humanos no Brasil. 23 ed. São Paulo: Ática, 1994.
FEARN, Nicholas. Aprendendo a filosofar em 25 lições: do poço de Tales à desconstrução de Derrida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 5 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000.
LEONI, Bruno. Liberdade e a lei: os limites entre a representação e o poder. 2 ed. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010.
MESSUTI, Ana. O tempo como pena. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
MORIN, Edgar, 1921. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2000.
SILVA, Antônio Fernando do Amaral e. Estatuto da criança e do adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 12 ed. São Paulo: Malheiros editores ltda, 2013.
SOUZA, Rainer G. Thomas Hobbes. Mundo educação. Disponível em: <http://mundoeducacao.uol.com.br/historiageral/thomas-hobbes.htm>. Acesso em: mai. 2016.
Nota:
[1] Artigo orientado pela Profa. Dircilene da Silva Ladico. Possui Graduação em Direito – Ênfase em Advocacia Empresarial (bacharelado) – pela FAPLAN – Faculdades Anhanguera (2008). Mestre em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões de Santo Ângelo – RS (2010). Professora do curso de Direito e integrante do Colegiado de Graduação em Direito da Universidade Tiradentes no Estado de Sergipe (Unit-SE).

Informações Sobre o Autor

Ueveny Valina de Araújo

Acadêmico de Direito no Centro Universitário AGES UniAGES


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Equipe Âmbito Jurídico

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