Análise do papel do Supremo Tribunal Federal no paradigma constitucional, mediante a decisão sobre a aplicabilidade da Lei da “ficha limpa” nas eleições de 2010

Resumo: O presente artigo se propõe a fazer uma análise da decisão do Supremo Tribunal Federal com relação à Lei Complementar nº 135/2010, mais conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, a respeito de sua vigência ou não nas eleições que aconteceram no mesmo ano de sua publicação. Para isso, serão abordados aspectos gerais da função e atuação do tribunal constitucional brasileiro através de sua evolução, aspectos constitucionais, além da utilização de referenciais de juristas como Ronald Dworkin, em seus trabalhos com o Direito como integridade, e Hans Kelsen e seu normativismo jurídico. A partir daí, vai-se buscar refutar tal decisão com base em princípios e na ordem moral e social vigente. Este trabalho foi orientado pela professora Dra. Maria Sueli Rodrigues de Sousa.


Palavras-chaves: constitucionalidade – ficha limpa – princípios – STF- tribunais.


Abstract: This article proposes to make an analysis of the decision of the Supreme Court regarding the Supplementary Law No. 135/2010, known as the “Law of Clean Card,” about their validity or not the elections that took place in the same year publication. To do so, will be discussed general aspects of the function and performance of the Brazilian Constitutional Court through its evolution, constitutional aspects, besides the use of references of jurists such as Ronald Dworkin, in their work with law as integrity, and Hans Kelsen and his legal normativism. From there, it will be sought to refute such a decision based on principles and moral order and social system.


Keywords: constitutionality – clean card – principles – STF – courts.


A política sempre foi e sempre será uma das questões mais debatidas tanto no Brasil, quanto nos outros países do Globo.  No nosso País, em especial, uma decisão da corte suprema, STF (Supremo Tribunal Federal), chamou a atenção de toda a população, principalmente dos políticos. Isso provocou uma reviravolta nas eleições do ano de 2010, devido à aprovação pelas casas legislativas da Lei Complementar nº 135/2010, mais conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, que alterou as causas de inelegibilidade antes dispostas na Lei Complementar nº 64/1990.


No dia 04 de junho de 2010 foi aprovada a Lei da Ficha Limpa. Nesse mesmo ano ocorreriam eleições para os cargos de presidente, governadores, deputados federais estaduais e senadores. No entanto, de acordo com o disposto no artigo 16 da Constituição Federal de 1988, “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência” (CF, 1988), tal lei não poderia interferir no pleito que se realizaria naquele ano. Devido a isso, o caso foi levado ao STF que julgou e considerou inconstitucional a validade da lei para aquela eleição.


Torna-se válido ressaltar que a Lei Complementar nº 135/10 deve sua origem a um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, apresentado ao Congresso Nacional, que obteve aprovação. Tal projeto teve apoio maciço da população, alcançando quase dois milhões de assinaturas através de um abaixo assinado que percorreu todos os estados da federação e o Distrito Federal.


A intenção dos idealizadores dessa Lei, sem dúvida, era a de recuperar a moralidade, a probidade e o respeito à coisa pública por parte dos operadores da maquina pública, os políticos, eleitos democraticamente. Tal ideia surgiu após assistirmos a inúmeros escândalos envolvendo nossos representantes, sejam eles do legislativo ou do executivo.


Com vista nisso, alguns políticos entraram com ação junto ao STF, órgão responsável pelo controle de constitucionalidade na aplicação das leis, com a intenção de que a Lei da Ficha Limpa não fosse válida já nas eleições de 2010. Por seis votos a cinco os Ministros daquela casa decidiram que as implicações dessa lei só teriam validade nas próximas eleições que ocorrerão em 2012, e que os mandatos que haviam sido cassados deveriam retornar a seus titulares devidamente eleitos pelo povo.


A principal argumentação dos Ministros que votaram contra a aplicação da lei no mesmo ano foi a inconstitucionalidade, com base no art. 16 da CF/88 como já foi citado, e com base em princípios considerados como diretrizes fundamentais para o ordenamento jurídico. Isso nos remete à obra de Ronald Dworkin em que os princípios de justiça e equidade são apontados como fundamentais no processo de interpretação e aplicação do direito[1].


“O Direito como integridade pede que os juízes admitam, na medida do possível, que o direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a eqüidade e o devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que os apliquem nos novos casos que se lhe apresentem, de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e eqüitativa segundo as mesmas normas. Esse estilo de deliberação judicial respeita a ambição que a integridade assume, a ambição de ser uma comunidade de princípios”. (Dworkin, 2003, p. 291)


Vários princípios foram citados durante a leitura do voto de cada um dos Ministros, dentre eles o princípio da anterioridade expresso no já citado art. 16 da CF/88, da anulidade que garante a inexistência de surpresas ou “alterações na regra do jogo” segundo o Ministro Luiz Fux, recém chegado ao Tribunal em substituição ao Ministro Eros Graus que havia se aposentado, e da irretroatividade da lei segundo o qual nenhuma lei poderá retroagir seus efeitos, salvo a lei penal quando isto for beneficiar o réu, além do tão falado principio da segurança jurídica (Art. 5º, XXXVI da CF/88) que seria um dos fundamentos da nossa Constituição. Tal segurança se traduz objetivamente pelas normas, as quais não podem se contradizer nem se chocar, e instituições do sistema jurídico do País. Vale ressaltar que toda essa argumentação visa atingir a estabilidade do nosso processo eleitoral.


Nesse caso, como a Constituição é a regra maior do nosso País, nenhuma outra norma poderia ir a confronto com algo disposto nela. Isso suscita outro aspecto levado em consideração nos votos dos Ministros, a tão comentada e buscada segurança jurídica. O jurista Hans Kelsen aborda muito bem esse aspecto em sua obra, segundo ele, é extremamente necessário que o direito seja um sistema previsível, ou seja, as regras jurídicas não podem suportar exceções ou não pode haver normas que se contradigam[2].


“Duas normas jurídicas contradizem-se e não podem, por isso, ser afirmadas simultaneamente como válidas quando as proposições jurídicas que as descrevem se contradizem; e uma norma jurídica pode ser deduzida de uma outra quando as proposições jurídicas que as descrevem podem entrar num silogismo lógico.” (Kelsen, 1998, p. 84)


Após o exposto acima, poderá surgir um questionamento: afinal, qual a função do STF e qual seu papel em questões como essa? Primeiramente, entende-se como sendo a função primordial do Supremo a análise constitucional da aplicação de determinadas normas em determinados casos, ou seja, esse Tribunal tem por função julgar se a aplicação de uma norma está de acordo ou fere a algum princípio constitucional, além de coibir abusos dos demais poderes[3]. É a partir daí que se poderá observar a função política também exercida por esse órgão. Em casos como esse da “ficha limpa” uma decisão que deveria ser da alçada dos poderes legislativo e executivo passa a ser de competência e responsabilidade do judiciário.


Sendo assim, seria oportuna a abordagem do tema da judicialização da política, tendo em vista que o STF exerce papel de destaque nesse processo. Tal processo ocorre tanto por uma expansão das competências do judiciário, que acaba por abarcar casos que anteriormente não seriam de sua alçada, quanto pela utilização de procedimentos característicos dos tribunais para a resolução de conflitos por parte de agentes políticos e/ou administrativos[4].


Com isso, os tribunais, principalmente o Supremo Tribunal Federal, de certa forma, são incitados a exercerem seu papel político, ainda que sua função primordial não seja essa. Eles são chamados a intervir onde os poderes legislativo e executivo estão se mostrando insatisfatórios ou improdutivos, isto é, as questões políticas passam a ser também da alçada dos tribunais.


“A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostra falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições ocorre uma aproximação entre direito e política, tornando-se difícil distinguir entre um “Direito” e um interesse “político” sendo possível caracterizar o desenvolvimento de uma política de diretório.” (SILVA, 2009, p. 01)


Temos que ressaltar a evolução da imagem dos tribunais no cenário sócio-estatal como requisito para justificar a atuação hodiernamente. Numa breve retomada das gerações dos direitos humanos, que tiveram como pano de fundo as transformações do aparelho do Estado frente a sociedade, cujas funções que foram ampliadas e consolidadas por valores duradouros provenientes das demandas do povo.


“As questões de legitimidade, da capacidade e da independência assumem, como vimos, maior acuidade em momentos em que os tribunais adquirem maior protagonismo social e político. […] Em primeiro lugar, tal protagonismo é produto de uma conjunção de factores que evoluem historicamente, pelo que se torna necessário periodizar a função e o poder judiciais nos últimos cento e cinqüenta anos a fim de podermos contextualizar melhor a situação presente. Em segundo lugar, as intervenções judiciais que são responsáveis pela notoriedade judicial num dado momento histórico constituem uma fracção intima do desempenho judiciário, pelo que um enfoque exclusivo nas grandes questões pode ocultar ou deixar sub-analisado o desempenho que na prática quotidiana dos tribunais ocupa a esmagadora maioria dos recursos e do trabalho judicial. Em terceiro lugar, o desempenho de rotina, num determinado pais ou momento histórico concreto, não depende só de factores políticos, como questões de legitimidade, da capacidade e da independência podem fazer crer.” (SOUSA SANTOS, MARQUES e PEDROSO, 1995, p.5)


A primeira geração dos direitos humanos surge com a transição da sociedade feudal para a sociedade burguesa como uma expressão racional do homem. Segundo John Locke, a liberdade natural estaria associada ao direito à propriedade. Logo, a consolidação do Estado liberal juntamente com o positivismo jurídico ocorreu por satisfazer os interesses da burguesia gerando o Estado de Direito.


Havia predominância do poder legislativo no cenário estatal e, sem atender ao papel político, o Judiciário atuava limitado à legalidade, numa lógica formal de valorização da norma e adequando os fatos às normas. Ao utilizar a lógica formal, baseada apenas na racionalidade, o operador do Direito poderia julgar de forma imprudente, sobretudo por desconsiderar a influência de fatores adversos no caso concreto, diferentemente dessa, há a lógica material, isto é, analisar as questões utilizando um raciocínio que dê importância a natureza dos fatos, ou seja, há aparecimento da razoabilidade nas decisões. Por exemplo, um sujeito “A” atira em direção a um outro sujeito “B”, mas o tiro não o atinge. Na lógica formal, usada, não raramente, no paradigma do Estado Liberal, a lei estaria posta como premissa principal e essa situação caracterizar-se-ia como uma tentativa de homicídio, entretanto na lógica matéria, considerando-se critérios de razoabilidade somados à racionalidade, os fatos possivelmente teriam mais relevância em relação à norma em si, pois poderia ser quer o sujeito “A” tivesse outra intenção ao atirar, como apenas ferir o sujeito “B” ou testar a arma, mesmo que numa direção inadequada, somente depois dos fatos definidos em sua natureza é que a lei entraria em cena para finalizar com a decisão numa conclusão que fosse tida como mais justa juridicamente.


Nesse momento, o direito é considerado como o que estava na apenas na lei, dessa forma o poder judiciário passou a ser reconhecido, sobretudo na França, como “mera boca da lei”, pois não possuía a força do poder legislativo e nem o poder econômico do executivo. A atividade de juiz era de simples operador do direito, baseado na hermenêutica mecânica que impossibilitava a natureza criativa da interpretação e limitava a aplicação da lei. No Estado Legal francês, a lei é considerada a vontade atual do povo, portanto questionar a lei seria questionar a soberania popular, daí observa-se que o Judiciário quando enclausurado pelo texto da lei torna-se omisso política, social e moralmente.


Por outro lado, com a segunda geração dos direitos humanos ou com o advento dos direitos coletivos o Estado passou a ser um agente promotor, o qual forneceria os mecanismos de viabilização dos direitos fundamentais. O direito à vida pressuporia direito à saúde, moradia, segurança, entre outros. O Estado social seria necessário para impor a organização, os métodos de hermenêutica, desenvolvidos principalmente por Savigny, remetiam as leis aos contextos histórico-sociais possibilitando maior presença do Direito em âmbito social.


“Foi especialmente sob a inspiração da escola Histórica de Savigny que surgiu outro caminho, a chamada interpretação histórica. Sustentaram vários mestres que a lei é algo que representa uma realidade cultural, – ou, para evitarmos a palavra cultura, que ainda não era empregada nesse sentido, – era uma realidade histórica que se situava, por conseguinte, na progressão do tempo. Uma lei nasce obedecendo a certos ditames, a determinadas aspirações da sociedade, interpretadas pelos que a elaboram, mas o seu significado não é imutável”. (REALE, 2004, p. 282)


De acordo com Novelino, a partir do paradigma do Estado Democrático, o Judiciário é visto como agente assegurador dos direito fundamentais. Os fatores que contribuíram para essa concepção foram principalmente dois:


a) O enfraquecimento do Poder Legislativo, não como poder, mas como função baseada em certos aspectos da realidade nacional;


b) O reconhecimento da normatividade dos princípios os quais passaram a servir de diretriz na atividade jurídica.


A valorização dos princípios traz em discussão o poder discricionário do juiz, pois se utilizada de maneira incorreta geraria insegurança jurídica, violaria o princípio da isonomia e levaria ao excesso de subjetivismo nos julgamentos. De um papel meramente reativo no paradigma do Liberal, os tribunais, no período do Estado Providência passam a assumir uma moralidade política e atender às demandas sociais não apenas num sentido reativo, mas sim com uma posição proativa buscando uma atividade judicial que não se curvasse diante obscuridades de leis, não fosse omissa ao relacionar-se com o interesse público. Logo, Novelino[5] vê a necessidade de, dentro da teoria da argumentação, desenvolver o conhecimento da discricionariedade, a qual envolver a aplicação de princípios e procedentes com objetivo de justificar os resultados dos tribunais. Isso mostra a aceitação da doutrina de Dworkin[6] e a importância de “ir além do direito” para resolver casos mais complexos.


Então, enquanto o tribunal apenas tinha na função judiciária o escopo de legitimar ações dos demais poderes, validar a ordem vigente e aplicar automaticamente as normas do ordenamento, estava castrado pela ilusão de um Direito completo, fechado e coerente, mas a partir do momento em que assume responsabilidade social e reconhece que ao julgar casos concretos está permitindo arranjos e rearranjos da sociedade, constitucionalmente propõem-se a atuar independente do Legislativo ou do Executivo e intervir nesses poderes quando necessário para não ser omisso e nem negar seu caráter de produção ao aplicar normas.


Um instrumento utilizado com freqüência é a revisão judicial e o controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal, no caso do Brasil. Tal controle advém do princípio da supremacia constitucional e se baseia no caráter rígido da Constituição. Ou seja, ele visa garantir que nenhuma norma esteja em desacordo com princípios dispostos na Carta Maior do Estado.


Existem dois tipos de inconstitucionalidade, por ação ou por omissão. Nesse caso, a inconstitucionalidade por ação se dá quando da criação de atos legislativos ou administrativos em oposição ou desacordo com princípios constitucionais, enquanto que a inconstitucionalidade por omissão decorre da falta desses elementos legislativos e administrativos para a plena aplicabilidade das normas da Constituição.


A Constituição brasileira de 1988 prevê controles de constitucionalidade de ordem política e jurisdicional, os quais podem se dar de forma difusa ou concentrada. Através do controle difuso cada juiz exerce a função de reconhecer a inconstitucionalidade de uma norma, podendo a demanda chegar ao STF que dará a ultima palavra sobre o assunto. Já no controle concentrado, há a figura da Ação Direta de Inconstitucionalidade que faz parte da competência de poucos entes administrativos do Estado. Através dessa Ação, o agente impetra, diretamente no STF, o caso em que considera determinada lei como sendo contrária a algum principio ou preceito constitucional, cabendo, também, somente ao Supremo a decisão de considerar tal norma como inconstitucional, ou não.


Pode haver resistência do Legislativo e do Executivo com relação à revisão judicial, principalmente por entenderam que essa prerrogativa torna o poder Judiciário como um guardião final dos valores constitucionais, esse fato é de tendência fragmentadora se visto de forma superficial. É como se o Judiciário estivesse ratificando sua independência e buscando destacar-se dos demais poderes, similar ao ocorrido com a prevalência do Legislativo no contexto Liberal. Mas a questão é que não se pode colocar a separação de poderes de forma rígida e definitiva, estabelecendo as competências exclusivas de cada poder, modelando formalmente a atuação de todos eles.


“A separação dos poderes não comporta funções e papéis tão estáticos. Os poderes negociam informalmente seus espaços ao longo do tempo, e o Supremo não tem, ao contrário do que se diz, a última palavra. O Supremo tem, é claro, a última palavra para resolver um caso judicial ‘x’ ou ‘y’. Mas os mesmos assuntos e problemas podem ser reavivados pelo sistema político, e as decisões anteriores do Supremo podem ser desafiadas. Isso faz parte do jogo democrático”. (MENDES, 2011, p. 64)


Há ainda a perspectiva de Alexander Bickel, que analisa no contexto dos Estados Unidos que o problema crítico da revisão judicial é o fato de ele ser aplicado e entendido como uma “força contramajoritária” [7]. Se uma lei é originada do poder Legislativo e os representantes são eleitos legitimamente de forma democrática, então a lei deveria não ser questionada, porém há no republicanismo moderno o direito de contestabilidade, a decisão é legítima e não arbitrária não por ser unânime e sim por permitir a contestabilidade. As decisões do congresso podem ser tomadas sem consultar diretamente o povo, porém tem que levar em consideração todos os interesses. Para a decisão ser legítima deve considerar todos os pontos de vista. É preciso que a representatividade dos órgãos de decisão não seja proporcional e sim diversa. Quanto mais gente participando mais considerações a serem apreciadas.


A contestabilidade é uma característica que não interessa maioria ou minoria e, sim, um ambiente onde todos possam contestar. Nenhuma decisão pode ser tomada sem ouvir o outro lado. Então, ao haver revisão judicial e invalidação de determinada lei, o Judiciário está agindo contra a vontade da maioria de forma antidemocrática. Contudo, para Bickel, a sociedade ou pelo menos a maioria democraticamente falando, não aspira à satisfação apenas de todos os seus desejos num momento determinado, mas preza também por salvaguardar princípios que definem a sua sociedade. Além disso, se, por exemplo, o STF desconsidera a revisão judicial para definir a constitucionalidade da regra em questão, estaria sendo omisso e descaracterizando seu papel de contrapôr-se aos demais poderes, em especial ao Legislativo, para a manutenção do equilíbrio dos poderes e protetor dos valores constitucionais, que são a própria vontade do povo, já que a Constituição é a sua expressão.


“Quando a Suprema Corte declara inconstitucional um ato do legislativo, (…) ela frustra a vontade dos representantes do povo real (…); ela exerce controle não em nome da maioria prevalecente, mas contra essa maioria. (…) o judicial review é uma instituição anômala na democracia americana (BICKEL, 1986, pp. 17-19)


Para Bickel a impossibilidade de se estabelecer um exercício do judicial review plenamente compatível com a teoria democrática implica que o melhor que podemos alcançar é uma ‘acomodação tolerável’ entre aqueles dois elementos, capaz de atenuar a acusação quanto ao caráter antidemocrático do judicial review. Isso se efetivaria se o processo de interpretação e aplicação de normas constitucionais viabilizasse a expressão de um aspecto da vontade popular real: é que, segundo Bickel, uma boa sociedade não desejara apenas satisfazer as necessidades da maioria, mas também se esforçará para apoiar e manter ‘valores gerais duradouros’. (1986, p.25) Exatamente nesse ponto reside o argumento de Bickel para viabilizar esse judicial review toleravelmente acomodado às exigências de uma democracia representativa: comparados aos legisladores e agentes executivos, os tribunais têm mais habilidades para tratar com esses valores duradouros, com ‘as questões de princípios’.” (JARDIM-ROCHA JÚNIOR, 2001, pp. 266-267)


A atividade de julgar faz parte da integridade do Direito, na qual o juiz é visto como um ator componente do empreendimento coletivo que é o Direito e que, portanto, deve desempenhar seu papel legitimamente a favor da justiça. Essa atividade é representada pela figura do Juiz Hércules que seria “[…] um juiz criterioso e metódico. Começa por solucionar diversas hipóteses para corresponderem à melhor interpretação dos casos precedentes, mesmo antes de tê-los lido.” (Dworkin, 2003, p. 288), ou seja, seu objetivo ao fazê-lo foi demonstrar que o trabalho do juiz não pode estar reduzido ao texto legal, assim poderia estar agindo injustamente com relação à interpretação complexa do Direito. Tal interpretação deve pressupor, para Dworkin, integração entre aspectos formais e materiais, ou seja, associar devido processo legal, equidade e justiça. Numa visão principiológica, é tornar regras jurídicas e princípios jurídicos como pilares da atividade judicial em qualquer ordenamento jurídico, pois isso constrói a ideia de desenvolvimento do Direito[8].


“Uma interpretação tem por finalidade mostrar o que é interpretado em sua melhor forma possível, e uma interpretação de qualquer parte de nosso direito deve, portanto, levar em consideração não somente a substância das decisões tomadas por autoridades anteriores, mas também o modo como essas decisões foram tomadas: por quais autoridades e em quais circunstâncias.” (Dworkin, 2003, p. 292)


Para Dworkin, a ausência de lei não implica na falta de obrigações jurídica. Por isso, os princípios são tidos como necessários para a composição do Direito visto como ciência, pois assim permite-se a constituição de sua validez e coerência. Logo, os princípios são a fundamentação dos juízos alcançados, a irredutibilidade do juízo torna-o um princípio[9].


Então, observa-se, diante do paradigma constitucional em que vivemos, tamanha relevância que se remete ao Supremo Tribunal Federal no que diz respeito aos casos que requerem uma análise constitucional mais refinada e uma resposta contundente e definitiva. Devido a isso, o STF convive, assim como a maioria senão todos os outros tribunais brasileiros, diariamente com a enorme demanda e consequente sobrecarga de seus juízes e funcionários.


Assim como já foi abordado, os tribunais deixaram de ser meramente reativos e instrumentos garantidores da legitimidade dos demais poderes, e passaram e ser proativos, exercendo papel fundamental no contorno da sociedade como a conhecemos, além de terem se tornado uma espécie de “porto seguro”, única instituição com caráter mais confiável e capacidade para resolver todos os anseios, sejam eles individuais ou coletivos.


Uma das funções mais acionadas no STF é a da política. Um bom exemplo disso foi a demanda a respeito da lei da “Ficha Limpa”, totalmente apoiada por nós, cuja decisão representou um grande avanço no sentido da moralização e da luta contra a corrupção no campo político brasileiro. Isso, de certa forma, também corrobora para a tão almejada “Reforma Política” em nosso País, que há tempos vem sendo protelada, mas continua sendo de essencial importância.


Com base no exposto, conclui-se que foi através do respeito aos princípios constitucionais e da ideia de supremacia da Constituição que o STF decidiu, de forma insatisfatória para uma parte da população, pela invalidade da LC 135/10 para as eleições do ano de 2010. É através desse tipo de decisão que o Supremo afirma seu papel de corte constitucional e sua função dentro da sociedade como um todo.


 


Referências bibliográficas:

BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the supreme court at the bar of politics. 2. ed. New Haven: Yale University, 1986.

CASTRO, Marcos Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a Judicialização da Política. Trabalho apresentado no XX Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu, 22-26 out. 1990.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

____. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

JARDIM-ROCHA JÚNIOR, José. Problemas com o Governo dos Juízes: sobre a legitimidade democrática do judicial review. Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 38 n. 151 jul./set. 2001. Disponível em <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/715/4/r151-17.pdf>. Acesso em 01/07/2011.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MENDES, Conrado Hubner. O Supremo ainda é muito obscuro. Época, Rio de Janeiro, n. 684, pp. 64-66, 27 jun. 2011. Entrevista concedida a Luiz M. Carvalho.

NOVELINO, Marcelo. O Papel do STF diante dos novos paradigmas da teoria do Direito. In: I CONGRESSO DE ESTUDOS JURÍDICOS DO CENTRO ACADÊMICO CROMWELL DE CARVALHO. Teresina, 2010.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27 ed. Ajustada ao novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2002.

RODRIGUES, Ivan Maynart Santos. Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Constitucional e a Corte Suprema na Constituição Federal de 1988. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 75, 01/04/2010 [Internet]. Disponível em https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7550. Acesso em 04/07/2011.

SILVA, Mario Bezerra da. Judicialização e o processo político. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 63, 01/04/2009 [Internet]. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6044. Acesso em 04/07/2011.

SOUSA SANTOS, Boaventura de; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas. Coimbra: Centro de Estudos Sociais, 1995.


Notas:

[1] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. pp 271 – 331.

[2] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. pp 79 – 91.

[3] RODRIGUES, Ivan Maynart Santos. Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Constitucional e a Corte Suprema na Constituição Federal de 1988. 2010.

[4] CASTRO, Marcos Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a Judicialização da Política. Caxambu, 1990.

[5] NOVELINO, Marcelo. O Papel do STF diante dos novos paradigmas da Teoria do Direito. 2010.

[6] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. 2003.

[7] BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the supreme court at the bar of politics. 1986.

[8] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. 2003.

[9] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. 2002.

Informações Sobre os Autores

Alano Rodrigues Barros

Acadêmico de Direito

Thalison Clóvis Ribeiro da Costa

Estudante de Direito.


Equipe Âmbito Jurídico

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