Animais de estimação em condomínios edilícios

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Resumo: Muitos condomínios proíbem a existência de animais de estimação nas convenções e estatutos sem qualquer justificativa. Este artigo procura informar que as proibições gerais impostas não podem ocorrer e o que vigora entre os condminos é o bom senso e a razoabilidade. Há jurisprudência debatendo o tema.

O objetivo deste artigo não é tratar de questões psicológicas como o prazer, carinho e afeto que um animal de estimação provoca nos proprietários, ou o repúdio em quem os odeia, mas sim demonstrar os aspectos legais acerca dessa realidade nos condomínios edilícios.

O condomínio edilício é um instituto jurídico disciplinado pelo Código Civil Brasileiro de 2.002 e pode ser conceituado como uma edificação que possui partes com propriedade exclusiva e autônoma (apartamentos, escritórios e salas, por exemplo) e parte com propriedade comum dos condôminos (rede de água, esgoto, solo, dentre outros). Existe condomínio edilício vertical e horizontal, ou seja, um conjunto de casas ou um prédio de apartamentos.

Uma polêmica bastante rotineira nos condomínios edilícios é a permissibilidade ou não da existência de animais de estimação.

O tema enseja cuidados de quem está adquirindo uma unidade num condomínio edilício porque o comprador do imóvel poderá possuir animais de estimação ou mesmo ser contrário à existência deles no imóvel em negociação.

Partindo deste prisma, a primeira medida a ser tomada é analisar a convenção do condomínio e as regras que o compõem, visando, assim, evitar contratempos que porventura possam advir após a compra do imóvel desejado.

Convenção de condomínio é o estatuto que regulamenta os interesses dos condôminos, ditando as regras gerais e específicas do local. É um documento escrito que prevê as normas atinentes à administração condominial, competência das assembleias, deliberações, despesas ordinárias e extraordinárias, sanções, regimento interno, além de outros interesses que os moradores houverem por bem estipular. A matéria é regulada pelos artigos 1.332 a 1.334 do Código Civil. Trata-se, então, de um negócio jurídico proveniente da autonomia privada da vontade coletiva, onde as normas postas na convenção tornam-se obrigatórias para todos – proprietários, possuidores ou terceiros. Embora possua inicialmente força obrigatória, as regras disciplinadas na convenção não são absolutas porquanto podem ser relativizadas quando contrárias à ordem pública, a boa-fé, aos princípios gerais do direito e principalmente à norma constitucional.

Feitas estas ponderações iniciais, imaginemos uma situação em que o novo proprietário do imóvel, desconhecedor das regras do condomínio, receba uma notificação informando que no local não se permitem animais de estimação. O que fazer? Eis um problema criado.

Analisando pormenorizadamente a convenção do condomínio, uma das três situações certamente ocorrerá no que tange a permissão de animais de estimação: 1) Existência de regras expressas que os proíbem; 2) existência de regras expressas que os permitem, seja ou não com ressalvas; 3) nada diz a respeito.

Na segunda situação acima apontada, qual seja, existência de regras na convenção que permitem animais de estimação, maiores digressões acerca do tema tornam-se desnecessárias porque a própria norma do condomínio já autoriza a existência dos mesmos. A ressalva apontada geralmente diz respeito ao comportamento a ser tomado pelos proprietários quando estiverem circulando na área comum do condomínio como, por exemplo, estarem os animais presos na coleira; descer pelo elevador de serviço; recolher a sujeira sob pena de multa, dentre outras.

A terceira situação apontada é quando inexistem regras expressas na convenção do condomínio. Ora, o silêncio quanto a permissibilidade dos animais de estimação enseja uma interpretação de que se pode perfeitamente tê-los porque a legislação pátria não proíbe. O que não é proibido é permitido! No direito privado, ao contrário do direito público, pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe.

A controvérsia diz respeito à primeira situação, ou seja, quando existirem regras expressas que proíbem a existência de animais de estimação nos condomínio edilícios.

Em casos assim, é perfeitamente possível socorrer-se ao Judiciário para ver garantido o direito de possuir animais de estimação, mormente porque a legislação brasileira não proíbe. Se não há proibição pela lei geral, não é permitido à convenção do condomínio fazê-lo.

O direito de possuir animais de estimação é uma garantia e uma liberdade de quem os quer ter, não podendo regras proibitivas de condomínios, sem respaldo legal, vigorar à margem da lei.

O Código Civil Brasileiro, responsável pelo regramento dos condomínios edilícios – artigos 1.331 a 1358 – especificamente nada dispõe sobre a permissibilidade ou não dos animais de estimação. Ora, conforme dito acima, se não existem regras que proíbem, então é permitido.

No entanto, não é somente o silêncio da lei que permite tê-los. De acordo com a legislação brasileira, animais de estimação são considerados coisas, portanto, suscetíveis de serem apropriados e possuídos pelo homem, fazendo parte do seu patrimônio, como ocorre com outros bens quaisquer.

Ora, não é crível admitir-se que as convenções de condomínio, por serem documentos escritos firmados entre particulares, tenha o condão de proibir o direito de propriedade e posse de outrem garantido pela lei civil brasileira.

Aliás, o direito de propriedade é uma garantia constitucional, e proibir a posse e propriedade dos animais de estimação em condomínios é ferir a própria Constituição da República. A convenção condominial ou o regimento interno que assim dispuser estará eivado do vício da inconstitucionalidade.

As proibições da existência de animais de estimação impostas pelos condomínios violam o direito de propriedade porquanto limitam esse direito constitucional, ou seja, extirpam o direito de usar, gozar e fruir desse bem.

Outrossim, dispõe o artigo 1.335, inciso I, do Código Civil:

“Art. 1.335. São direitos do condômino:

I – usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;”

Portanto, as convenções condominiais que proíbem animais de estimação estão violando não só a Constituição da República no tocante ao direito de propriedade, como também a legislação civil infraconstitucional que igualmente dispõe sobre o direito de propriedade e posse, além da regra específica acima que garante ao proprietário condômino o direito de usar, fruir e dispor livremente da sua unidade.

Obviamente não se está a dizer que a liberdade de possuir animais de estimação está acima de tudo e de todos.

O que impera entre os cidadãos de bem é o respeito mútuo e o pacífico convívio entre as pessoas, principalmente nos condomínios edilícios. Por isso, mesmo sendo uma garantia legal e constitucional possuir animais de estimação, o bom senso e a razoabilidade deve ser observado.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no acórdão proferido pela 5ª Câmara de Direito Privado – autos de apelação n.º 9105791-97.2003.8.26.0000 – assentou que o “exercício do direito de propriedade não deve ser obstado por convenção ou regulamento interno, salvo se causar risco ou incômodo aos demais moradores. Inexiste motivo para admitir a limitação no caso concreto. Presença de dois cães de pequeno porte, inofensivos e que não interferem no sossego dos demais habitantes do prédio. Incidência do princípio da razoabilidade, segundo o tolerável no convívio social”.

Assim, existindo conflito entre o direito de propriedade e uma convenção condominial proibitiva, vige o bom senso e a razoabilidade na análise de cada caso concreto.

 Foge ao senso comum admitir-se, por exemplo, que animais de grande porte frequentem lugares comuns extremamente pequenos, pois neste caso há risco de ataque do animal com reduzida possibilidade de defesa da vítima e dificulta, ainda, o direito de ir e vir das pessoas; ou também que animais barulhentos interfiram no sossego dos moradores. Enfim, existe o direito de propriedade sobre os animais, porém não pode ser encarado de forma absoluta.

Noutra decisão advinda do Tribunal de Justiça de São Paulo, o Eminente relator fundamentou sua decisão expondo:

É certo que o regimento interno e a convenção não podem interferir no direito de propriedade dos moradores de uma residência coletiva; porém, tais direitos não podem se sobrepor aos da mesma comunidade (Apelação Cível n 268.420-2 Ubatuba, Sétima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, rel. Des. Benini Cabral). Do cotejo dos dois princípios acima mencionados, o que deve prevalecer é o equilíbrio. Assim, se o animal não causar nenhum incômodo ou risco aos demais condôminos, não podem a convenção ou o regimento proibir sua permanência dentro da unidade autônoma de cada morador. Se, por outro lado, existir o incômodo ou houver a possibilidade de riscos para o resto da coletividade, a regra tem que ser seguida por todos os que nela habitam. (TJSP – Apelação nº 157.304-4/3, Relator Des. Oscarlino Moeller – 5ª Câmara de Direito Privado, julgado em 05.09.07).

Outra situação que deve imperar é o respeito ao silêncio e ao sossego dos moradores. Aliás, o próprio artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil, diz que:

“Art. 1.336. São deveres do condômino:(…)

IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.”

O respeito com o próximo e a razoabilidade é uma questão que deve sempre ser observada por todos, quer seja o proprietário na escolha de um animal, quer seja o condomínio na imposição das regras acerca do tema.

Portanto, uma convenção condominial que proíbe de forma genérica a permanência de animais de estimação viola o direito constitucional de propriedade na medida em que não se pode vedar o exercício deste direito dos proprietários em usar, gozar e dispor da sua unidade autônoma, além do que, especificadamente sobre animais de estimação, a legislação civil brasileira nada diz.

Entretanto, eventuais restrições justificadas podem ser estipuladas pelos condomínios quando houve perigo à segurança, regras sobre higiene, perturbação do sossego alheio, enfim, restrições ponderadas e razoáveis que não significa violação ao direito de propriedade até porque não se trata de um direito absoluto e irrestrito.

Assim, aqueles que desejam a companhia prazerosa de um animal de estimação podem buscar no Judiciário seu direito de possuí-los quando a convenção do condomínio, de forma genérica e inexplicável, repita-se, proibir.

O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o tema, donde colhemos a seguinte ementa:

“DIREITO CIVIL. CONDOMINIO. ASSEMBLEIA GERAL. IMPOSIÇÃO DE MULTA PELA MANUTENÇÃO DE ANIMAL EM UNIDADE AUTONOMA. NULIDADE DA DELIBERAÇÃO. CONVENÇÃO E REGIMENTO INTERNO. PRECEDENTE DA TURMA. RECURSO DESACOLHIDO.

I – A condômino assiste legitimidade para postular em juízo a nulidade de deliberação, tomada em assembleia geral, que contrarie a lei, a convenção ou o regimento interno do condomínio.

II – A exegese conferida pelas instancias ordinárias a referidas normas internas não se mostra passível de analise em sede de recurso especial (Enunciado n. 5 da Sumula/STJ).

III – Fixado, com base na interpretação levada a efeito, que somente animais que causem incômodo ou risco a segurança e saúde dos condôminos e que não podem ser mantidos nos apartamentos, descabe, na instancia extraordinária, rever conclusão, lastreada no exame da prova, que concluiu pela permanência do pequeno cão.” (STJ – Resp. 10250/RS RECURSO ESPECIAL 1991/0007439-0 – Relator MIN. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA – j. 23/03/1993).

O que se infere da decisão acima é que o condomínio somente pode impor restrições ao direito do proprietário em possuir animais de estimação nas unidades condominiais quando causar incômodo e houve perigo à saúde e segurança dos demais moradores.

Concluindo, as convenções de condomínio devem ser elaboradas com precisão e seguir os mandamentos legais estipulados na lei civil brasileira, além de outras regras que satisfaçam o convívio pacífico entre os moradores. No entanto, tais convenções não podem extirpar de forma genérica o direito de propriedade daqueles moradores que desejam possuir um animal de estimação, sob pena de violar o direito de propriedade, previsto na lei civil e na Constituição da República. Referido direito, entretanto, não é absoluto porque pode ser relativizado quando em conflito com o direito dos outros moradores no tocante ao sossego, saúde e segurança, por exemplo.

Assim, deve vigorar entre os moradores de condomínios edilícios o bom senso e a razoabilidade, inclusive no tocante às regras acerca dos animais de estimação. Caso contrário, havendo proibição geral ou regras desarrazoadas inseridas na convenção condominial, medidas judiciais podem ser tomadas para garantir o direito de propriedade daqueles que os desejam possuir em suas unidades autônomas, desde que respeitando, sempre, o direito dos demais pares.


Informações Sobre o Autor

Marcelo Bacchi Corrêa da Costa

Advogado. Pós-graduando lato sensu em direito público e pós-graduando em ciências penais.


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Equipe Âmbito Jurídico

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