Resumo: Carnelutti em seu livro “As misérias do Processo Penal”, capítulo VI – Das provas, e a “Lei 11.690 de 09 de junho de 2008” que altera as regras de provas e procedimentos no Código de Processo Penal instituídos pelo Decreto-Lei n° 3.689 de 03 de outubro de 1941, comungam a perspectiva de que a missão das provas e das testemunhas no processo penal é demonstrar se o acusado é ou não culpado. Para tanto, hodiernamente é relativizado o Princípio da Imparcialidade do Juiz, que é conduzido à extirpação das provas ilícitas e subsidiariamente conferido de poderes em busca de outras provas complementares ao processo amparado pelo Princípio da Verdade Real que rege o Direito Processual Penal pátio, tudo em cumprimento às garantias constitucionais.
Palavras-chave: Processo Penal; Misérias; Provas; Nova Lei.
Abstract: Carnelutti is his book “The miseries of Criminal Procedure”, chapter VI- From the evidence, and “Law 11.690 of 09 june 2008”amending the rules of evidence and procedures in the Criminal procedure Code introduced by Decree-law No. 3.689 October 03, 1941, they share the view that mission of the evidence and witnesses in criminal proceedings is to demonstrate that the accused is guilty or not. Therefore, today’s is relativized the Principle of Impartiality of the Judge, who is led to the illegal removal of evidence and given the alternative of power in search of other supporting evidence to process supported by the Principle of Real Truth governing Criminal Procedure courtyard, all in compliance with constitutional guarantees.
Keywords: Criminal Procedure; Miseries; Proof; New Law.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho entre o prisma de Carnelutti e a Lei n° 11.690/08 (nova Lei de Provas), faz menção que as provas frente à condenação do réu, demonstram-se imprescindíveis ante a Constituição Cidadã de 1988, cujo artigo 5º, LVII, apregoa que ninguém será julgado culpado senão por sentença transitada em julgado.
Com este intuito, o inquérito policial, de forma inquisitiva objetiva à prévia colheita de provas que instruirão o processo, a qual percorrerá segundo Carnelutti um trecho da história onde ocorreu o fato buscando rastros que comprovem a ocorrência do delito e sua autoria. As provas, neste contexto, servem para voltar atrás e reconstruir os atos que sucederam e contribuíram ao crime.
Num segundo momento do trabalho, observar-se-á que em juízo ocorre o processo acusatório, garantindo ao réu frente às garantias fundamentais previstas no art. 5°, LV da Constituição Federal de 1988, o Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório.[1]
Na linha de um processo garantista, é reservada ao juiz a possibilidade de participação supletiva à realização de provas, não lesando sua imparcialidade pelo fato do desconhecimento final daquilo que ocorrerá, ou seja, tanto poderá encontrar provas inocentadoras como mais gravosas; sua perspectiva, no entanto é dirimir a dúvida e evitar uma conseqüência mais gravosa, ou erros.
Neste diapasão, passaremos a analisar sob o prisma de Carnelutti a utilidade das provas, vislumbrando posteriormente as alterações trazidas aos dispositivos 155, 156, 157, 159, 201, 210, 212, 217 e 386 do Código de Processo Penal, todos introduzidos pelo novo diploma legal sobre provas (Lei nº 11.690/08).
2 A NECESSIDADE DAS PROVAS MATERIAIS E DAS TESTEMUNHAIS PARA EFETIVAÇÃO DO PROCESSO PENAL SEGUNDO CARNELUTTI
Segundo o autor supra, a produção de provas é como o trabalho de um historiador, pois se faz necessário a utilização de paciência e técnica voltadas ao aprimoramento do trabalho que edificará o inquérito policial, conseqüentemente no trabalho do Ministério Público, da defensoria pública, advogados e do juiz.
Aduz que o erro é grave quando se erra o caminho, pelo fato deste ser determinante à realidade dos fatos, os quais conduzirão o destino de um homem. Com efeito, atribui uma crise de civilidade a atravessarmos, a literatura policial é um fenômeno, tornando o descobrimento do delito, numa espécie de jogo onde as pessoas se deliciam em fazer o trabalho dos peritos, médicos, advogados, Ministério Público e Juiz (incriminam, julgam e sentenciam o suspeito).
O Princípio da Inocência positivado no art. 5° LVII da CF/88 [2] tem o caráter de boa fé do legislador quanto ao devido processo legal, no entanto, é uma capacidade ilusória, face à imperfeição humana de julgar previamente.
Evidente que há outro instrumento de peso no centro do processo além das provas materiais, interessante é observar que as testemunhas como todos os demais seres humanos estão propensas às tentações, lembranças e esquecimentos eventuais ou propositais, constituindo relativo perigo ao deslinde processual.
Quanto à atenção depositada, deve ser posto em pés de igualdade o acusado e as testemunhas, porque a prova testemunhal é mais infiel, bem como, as testemunhas são tolhidas em suas privacidades a tal ponto que se influenciam pelos jornalistas, fotógrafos, advogados etc.
Desta forma, uma civilização em progresso, traz como conseqüência uma possível persuasão não só das testemunhas, mas também da coletividade, trazendo o risco de julgar pelo anseio popular.
3 AS INOVAÇÕES GARANTISTAS TRAZIDAS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PELA LEI N° 11.690/2008
A lei, como expressão da vontade popular traz aos entes federativos e demais poderes da União, além do setor privado, diretrizes procedimentais. Com este condão, a nova Lei de Provas n° 11.690/2008, dota o Poder Judiciário através de mudanças no Código de Processo Penal de inovadores seguimentos quanto aos institutos das provas e procedimentos adotados para efetivação do processo penal.
Visando a concretização de uma instrução processual garantista em detrimento à Carta Magna Brasileira, além de relativa atualização do Código de Processo Penal editado há mais de 60 (sessenta) anos, passaremos a breves comentários sobre as mudanças ocorridas nos 09 (nove) dispositivos da lei em voga como enfatiza seu artigo primeiro [3]:
Art. 155 CPP-
“O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”
Neste dispositivo é vedado ao juiz fundamentar sua decisão somente em provas colhidas na fase inquisitória, ou seja, no inquérito policial, excetuando aquelas que, por impossibilidade, não possam ser novamente, na fase acusatória, serem refeitas, a exemplo o exame de corpo de delito quando os vestígios do objeto a ser averiguado já desapareceram.
Art.156 CPP-
“A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I- ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II- determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
O juiz não pode contrariar o Princípio da Inércia (o estado-juiz tem que ser acionado para manifestar-se) que é característica intrínseca ao sistema acusatório, entenda-se como produção de provas antecipadas antes de iniciada a ação penal, se a mesma for requerida previamente por quem de direito na ação penal pública ou privada, pois, ao estado-juiz só é permitido atuar de ofício na segunda hipótese, onde, para dirimir dúvidas à sua livre convicção, é autorizado produzir provas em busca da verdade real dos fatos.
Art.157 CPP-
“São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.”
É facultado às partes acompanhar a decisão incidental quanto à ilicitude das provas, sendo também considerados ilícitos os frutos dela oriundos.
No entanto, há corrente doutrinária diversa que considera válida a prova ilícita, a exemplo do professor Fernando Capez que sabiamente ressalta:
“Grinover, Scarance, Magalhães esclarecem que é praticamente unânime o entendimento que admite “a utilização no processo penal, da prova favorável ao acusado, ainda que colhida com a infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros. No mesmo sentido, Torquato Avólio, ao lembrar que “a aplicação do princípio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defesa, também garantido constitucionalmente, e de forma prioritária no processo penal, onde impera o princípio do favor rei, é de aceitação praticamente unânime pela doutrina e jurisprudência”. De fato a tendência da doutrina pátria é acolher essa teoria, para favorecer o acusado (a chamada prova ilícita pro réu), em face do princípio favor rei, admitindo sejam utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, desde que em benefício da defesa (Súmula 50 das Mesas de Processo Penal da USP).” (CAPEZ, 2008, pg. 543)
Art.159 CPP –
“O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
§ 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.
§ 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.
§ 3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico.
§ 4o O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.
§ 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:
I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responder e a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar;
II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.
§ 6o Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.
§ 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.”
Quanto à perícia, denota-se que na ausência de um perito oficial, é possibilitado a dois profissionais com curso superior “de preferência” na área referente ao laudo pericial, emitirem o mesmo. Dá também às partes, ao Ministério Público e a outros indicados no parágrafo terceiro supracitado possibilidades de indicarem assistentes técnicos para acompanharem a perícia, desde quando estes tenham sido admitidos pelo juiz.
Poderão ainda, as partes para o esclarecimento da perícia, requerer no desenvolver da ação penal, a oitiva dos peritos emitentes do exame de corpo de delito.
Art.201 CPP –
“Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
§ 1o Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.
§ 2o O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.
§ 3o As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico.
§ 4o Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido.
§ 5o Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.
§ 6o O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.”
De mais salutar neste novo dispositivo, encontra-se a comunicação de todos os atos processuais ao ofendido, bem como a possibilidade de ser atendido por profissionais da saúde e assistência judiciária gratuita.
Art.210 CPP –
“As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso testemunho.
Parágrafo único. Antes do início da audiência e durante a sua realização, serão reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemunhas.”
Tal dispositivo escassamente acresceu, apenas deu garantia quanto a não comunicabilidade das testemunhas durante as audiências, observando sua aplicabilidade, sobretudo àquelas compromissadas.
Art.212 CPP –
“As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.”
Destarte, é bastante inovadora esta disposição, onde as partes poderão questionar-se sem a intermediação do juiz, o qual atuará como órgão fiscalizador e sujeito à quesitações suplementares.
Art.217 CPP –
“Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.
Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.”
Com efeito, a utilização nas audiências de videoconferência para não causar constrangimento ou humilhação ao réu é bastante significativa, pois consolida parte dos direitos humanos em que é alicerçado o texto constitucional moderno.
Art. 386 CPP- (O juiz absolverá o réu mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:)
“IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;
VII – não existir prova suficiente para a condenação.
Parágrafo único.
II– ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas.”
O dispositivo deixa evidente que a falta de prova ou comprovação da não participação do réu à infração penal deverá o juiz absolvê-lo, bem como diante das outras possibilidades indicadas, a exemplo das excludentes de ilicitude, e discriminantes putativas.
NOTAS CONCLUSIVAS
Em cumprimento ao Regime Democrático de Direito e uma Constituição garantista, o processo penal atual quanto às provas, é dividido em duas fases distintas, o inquérito policial (inquisitório) e o processo judicial (acusatório), sendo este voltado ao contraditório e à ampla defesa do réu, portanto garantista.
Depreende-se segundo Carnelutti, a importância do sistema de provas junto ao processo para elucidação dos fatos, devendo o mesmo ser o mais próximo possível da veracidade dos atos praticados pelas partes, ideal que hoje é basilar ao Processo Penal, melhor dizendo, hodiernamente denominado Princípio da Verdade Real conferindo ao Juiz poderes à produção de provas quando achar insuficientes as contidas no processo para o inequívoco julgamento.
Outro ponto abordado por Carnelutti que é salutar à efetividade processual contemporânea é a observação das testemunhas que hoje são facilmente influenciadas pela mídia, a qual tornou as atrocidades humanas em hobbies de alguns espectadores e como fontes de audiência para os meios de comunicação.
A propósito, o Código Processual vigente permite a prisão pelo crime de falso testemunho, além de inadmitir as provas ilícitas e as delas derivadas, salvo exceções.
Isto posto, as misérias do processo penal apregoadas por Carnelutti, têm sido alvo de erradicação no Código Penal Pátrio, buscando o legislador contemporâneo dar mais segurança jurídica ao processo penal e garantir a dignidade da pessoa humana, basilar à concretização da Carta Cidadã de 1988, adaptando então, as leis às necessidades vigentes.
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