Resumo: Constitui-se em objeto de estudo do presente artigo versar sobre um tema contemporâneo, abrangente e controverso na esteira da psicologia jurídica e do direito penal, qual seja o fenômeno do stalking. Far-se-á uma análise deste comportamento à luz do direito brasileiro e comparado, a partir das suas características, particularidades e evolução histórica, colacionando-se, por fim, a jurisprudência que versa sobre a vertente problemática. Em arremate, ter-se-á como objetivo contribuir com sugestões para enfrentar tal modalidade de violência emergente na sociedade contemporânea.
Palavras-chaves: stalking; contravenção penal; perseguição; assédio moral.
Abstract: It constitutes the object of study of this article concerns a contemporary theme, comprehensive and controversial in the wake of forensic psychology and criminal law, namely the phenomenon of stalking. Far will be an analysis of this behavior in light of Brazilian law and compared, from its characteristics and peculiarities, historical development, collect yourself, finally, the law that deals with the problematic aspects. In finishing, it will have as objective to contribute suggestions to deal with this emerging form of violence in contemporary society.
Keywords: stalking; misdemeanor; persecution; bullying.
Sumário: Introdução. 1. Conceito. 2. Sujeito ativo e sujeito passivo. 3. Características. 4. Bullying e stalking: diferenças e similitudes. 5. O stalking no contexto global. 6. O stalking no ordenamento jurídico brasileiro. 7. A jurisprudência pátria sobre o tema. 8. Conclusão. 9. Referências.
Introdução
A violência tem se disseminado copiosamente na sociedade contemporânea e as políticas de segurança pública não são eficazes o bastante para enfrentá-la, sobretudo em face dos novos contornos das práticas delituosas e perspicácia dos infratores. Nos idos de hoje, há um crescente número de vítimas de violência cujas agressões não se restringem ao âmbito patrimonial ou contra a integridade física do indivíduo, mas que também atinge o seu estado psicológico, o que pode resultar em consequências irreparáveis.
Não raras vezes, a ruptura de uma relação amorosa faz com que o ex-namorado ou companheiro, instigado pelo ciúme ou por outros sentimentos, dê início a uma incessante e obstinada perseguição psicológica à ex-namorada ou companheira por intermédio do encaminhamento de várias correspondências, reiterados contatos telefônicos, mensagens indesejadas, frequência aos mesmos ambientes sociais com habitualidade etc., causando-lhe perturbação, medo, intranquilidade e outros inúmeros transtornos.
A rigor, o vertente comportamento é desprezado pela opinião pública que prefere se ocupar dos crimes de grande repercussão na sociedade, objeto de grande divulgação na imprensa, destinando-se, por outro lado, ínfima atenção ao problema em tela, notadamente quando se observa a intrínseca relação deste modo de agir com crimes de maior gravidade.
Não se pode perder de vista que o stalking caracteriza-se como uma realidade emergente e mais comum do que se pode pensar ou imaginar. O crescente número de casos diagnosticados tem despontado o interesse em refletir e fomentar o debate sobre a situação jurídica controvertida em tela.
Em face do exposto e considerando a seriedade e atualidade da questão, o presente artigo objetiva tecer alguns apontamentos sobre o tema à luz da psicologia jurídica, do direito penal brasileiro e do direito comparado, colacionando-se, por fim, a jurisprudência correlata.
1. Conceito
O vocábulo stalking tem origem na língua inglesa, não havendo ainda um adequado termo correspondente no idioma português, apesar de a tradução literal da palavra significar caçada, espreita ou perseguição. [1]
Trata-se de uma modalidade de violência que se constitui num verdadeiro cerco psicológico e social realizado de forma reiterada por um agente contra a sua vítima, servindo-se de diversos mecanismos que variam desde um simples olhar vingativo até agressões verbais que ofendem a honra do perseguido.
Nessa ordem de ideias, válidas são as palavras de Damásio de Jesus as quais servem de baluarte para uma melhor compreensão do fenômeno quando assim o conceitua:
“O stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade do sujeito passivo, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: telefonemas em seu aparelho celular, residencial ou de ocupação, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, mensagens em faixas amarradas, pregadas ou fixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída de sua escola ou trabalho, espera da sua passagem em determinado lugar, frequência constante no mesmo local de lazer, supermercados, lojas, etc”. [2]
Nos dias atuais, uma modalidade de stalking muito comum é a praticada pelos chamados paparazzi, vocábulo de origem italiana usado para indicar os repórteres fotográficos que registram imagens de pessoas famosas sem permissão, quer seja em local aberto ao público ou não, tornando conhecido de todos, após publicar na imprensa as fotografias obtidas, a vida pessoal das celebridades, invadindo a esfera de privacidade delas. [3]
Neste particular, impende dizer que de modo algum se pretende defender a censura do trabalho jornalístico dos paparazzi, mas apenas que a referida atividade seja realizada de acordo com a lei, sem causar transtornos à vida particular das pessoas. Aliás, a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito e a Constituição Federal assegura a liberdade de expressão. Além do mais, é sabido que os meios de comunicação e a opinião pública exercem um importante papel que contribui para a afirmação das liberdades e garantias fundamentais e a manutenção da ordem pública.
Há também o cyberstalking, isto é, o stalking realizado pela rede mundial de computadores. As vítimas desta violência virtual podem ser usuários de bate-papo molestados por recados ofensivos que lhes são enviados, internautas que veem suas páginas pessoais de relacionamento invadidas por anônimos, gerando-lhe desconforto e mal-estar etc.
Apesar das dificuldades de se punir o cyberstalker em virtude da ocultação da sua identidade sobrepostas por apelidos e falsos nomes, em outros países já existem projetos de lei que contêm instrumentos repressivos. Nessa esteira, Antonio Milagre exemplifica:
“Nos Estados Unidos, um projeto de lei em trâmite no Comitê Judiciário da Assembleia de New Jersey, amparando na clássica “ordem de distância permanente da vítima, prevê como punição aos stalkers que forem condenados “ordem de distância virtual”, ou seja, não mais poderão eles enviar e-mails ao (à) autor (a) da ação. Uma outra proposta sugere a criação de um “cadastro de stalkers”. [4]
Depreende-se, portanto, que as ações caracterizadas como stalking são diversificadas e com diferentes gradações, o que dificulta a construção de um conceito abrangente e capaz de encerrar todas as hipóteses e desdobramentos que tais atos persecutórios incutem no meio social.
2. Sujeito ativo e sujeito passivo
Entende-se que qualquer pessoa física pode figurar como sujeito ativo ou passivo desta infração penal, independentemente do sexo ou idade, pois se cuida de uma infração comum, ante a ausência de qualquer particularidade da conduta e por não se exigir nenhuma qualidade ou condição específica. Entretanto, os números apontam que, na maioria das vezes, o sujeito ativo é o homem enquanto o polo passivo é ocupado pela mulher.
3. Características
A prática de stalking apresenta traços bem característicos que auxiliam na sua compreensão e identificação, mediante a análise de determinado contexto fático e a respectiva adequação às características que lhe são próprias.
Nessa perspectiva, faz-se oportuno destacar o escólio de Damásio de Jesus ao apontar a existência de características peculiares ao fenômeno do stalking, a saber: incursão na esfera de intimidade e privacidade da vítima; reiteração de ações; prejuízo à higidez psicológica e emocional do sujeito passivo; ofensa à sua idoneidade moral; modificação do seu estilo de vida; e imposição de limitações à liberdade de ir e vir. [5]
Igualmente, não é incomum que o agente procure imputar fatos que são aviltantes à reputação da vítima ou lhe dirija palavras desabonadoras que ofendam a dignidade e decoro, com o objetivo principal de exercer um domínio emocional em relação ao indivíduo que sofre a perseguição. Às vezes, a ação persecutória se intensifica ao ponto de haver ofensa à integridade física da vítima. O agente não mede esforços e empenha-se decididamente a dominar e oprimir o indivíduo perseguido até que este se entregue por não mais conseguir esboçar qualquer resistência.
Atemorizada com a situação, geralmente o ofendido não tem coragem de enfrentar o problema e, tampouco, buscar auxílio com familiares, amigos e demais pessoas próximas, afastando-se até mesmo do convívio social, dependendo do caso. Há também o receio de que a notícia dos fatos se torne pública, em detrimento de sua honra, autoestima e prestígio no seio da sociedade.
Ao dissertar sobre o tema, Ademir da Veiga identifica os seguintes efeitos do stalking na vida do ser humano:
“Os efeitos potenciais de stalking atingem a saúde mental e emocional da vítima infligindo-lhe uma negação ou dúvida, ou seja, a vítima não acredita o que lhe está acontecendo. Em seguida, ao perceber a gravidade do fato, a vítima é tomada de uma frustração, culpa, vergonha, baixa autoestima, insegurança, choque e confusão, irritabilidade, medo e ansiedade, depressão, raiva, isolamento, perda de interesse em continuar desenvolvendo suas atividades corriqueiras, sentimentos suicidas, perda de confiança em sua própria percepção, sentimento violento para com o stalker, habilidade diminuída ao executar seu trabalho ou na escola, ou de realizar tarefas diárias. Isso tudo causa efeitos potenciais na saúde psicológica da vítima de stalking como distúrbios do sono, problemas sexuais e de intimidade, dificuldade de concentração, fadiga, fobias, ataques de pânico, problemas gastrointestinais, flutuações no peso, automedicação e desordem pós-traumático (sic) do stress. “[6]
Urge, portanto, repensar a resposta penal constante na legislação em relação à presente conduta, com vistas a assegurar o caráter pedagógico da sanção criminal de maneira proporcional aos danos psicológicos e até mesmo físicos decorrentes da prática lesiva de stalking, notadamente porque as repetições destes atos que, a princípio, poderiam ser considerados irrelevantes e inócuos, podem ocasionar sérios danos quando se leva em consideração a sua totalidade e contumácia.
4. Bullying e stalking: diferenças e similitudes
Ambas as condutas assemelham-se no que concerne à classificação do comportamento, uma vez que são modalidades de violência e intimidação que transgridem a estrutura psicológica e moral do indivíduo, impingindo-lhe verdadeiro e típico assédio moral. Afora isso, não se vislumbra outras semelhanças, porquanto no bullying a aflição e angústia do ofendido é o próprio fim pretendido, ao passo que no stalking o sofrimento do perseguido é apenas um meio para que o perseguidor alcance seus desígnios não tolerados ou consentidos pela vítima, como, por exemplo, a reconciliação forçada de um relacionamento amoroso. [7]
Nessa linha de raciocínio, merece registro o entendimento de Lélio Calhau explicitado nos seguintes termos:
“Bulling é um assédio moral, são atos de desprezar, denegrir, violentar, agredir, destruir a estrutura psíquica de outra pessoa sem motivação alguma e de forma repetida. […] Já o stalking, uma outra espécie de assédio moral, é diferente. Nele, o agressor quer neutralizar a vítima para que ela faça algo contra a sua vontade e que seja do interesse do stalker.” [8]
Como se vê, as distinções entre os dois comportamentos são bem visíveis e não podem ser desconsideradas, devendo-se analisar com cautela e prudência cada caso, a fim de apurar e identificar a veracidade dos fatos, associá-los e distingui-los de outras formas de violência, até porque, às vezes, as situações denunciadas podem caracterizar um infundado receio de perseguição e assédio psicológico.
5. O stalking no contexto global
A vertente modalidade de violência tem se alastrado em diversos países e atingido milhões de pessoas. Segundo Damásio de Jesus, tem-se a estimativa de que nos Estados Unidos da América, em 2002, aproximadamente um milhão de mulheres e quatrocentos mil homens foram afligidas com tal moléstia. [9] Noticia-se que, desde 1996, na capital da Áustria, cerca de quarenta mil episódios foram constatados e que na Inglaterra, anualmente, seiscentos mil homens e duzentas e cinquenta mil mulheres são vítimas de stalking. [10]
As normas penais sobre stalking sofrem variações em maior ou menor grau de acordo com cada país. A propósito, Ademir da Veiga relembra que o Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, foi o precursor em editar uma lei para reprimir o stalking, a qual foi promulgada em 1990, sendo acompanhado, anos depois, por outros estados estadunidenses. [11] Na Inglaterra, há previsão de condenação penal do stalker na hipótese de o ofendido ser acometido de danos físicos e abalos psíquicos em decorrência deste comportamento persecutório. [12]
Na Espanha, Hirigoyen menciona que foram adotadas medidas protetivas em prol das mulheres ofendidas por essa modalidade de violência, oferecendo-lhes “pulseiras de proteção contra maus-tratos” [13] vinculadas a uma rede de comunicação à distância (telemática), por meio de “uma manga especial de que deverão ser portadoras as pessoas condenadas por agressão, de maneira que sinais são emitidos se o agressor se aproximar da vítima a uma distância inferior a cinco metros ou se ele tentar retirar o aparelho” [14] ou usá-lo quando julgar estar em situação de perigo iminente.
Além dos países supracitados, também há legislação específica que disciplina a questão na Áustria, no Japão e na China.
6. O stalking no ordenamento jurídico brasileiro
De plano, importa salientar que a persecução penal e a consequente repressão ao stalking é uma tarefa árdua e complexa, haja vista que se trata de uma conduta silenciosa e planejada de maneira sagaz pelo stalker que não deixa vestígios ou quaisquer outros elementos de prova contundentes, o que dificulta a atuação da polícia.
As práticas de stalking vão de encontro aos direitos fundamentais insculpidos na Constituição da República, razão pela qual devem ser refreadas e repelidas por todos os cidadãos brasileiros.
No ordenamento jurídico pátrio, o tipo penal que mais guarda relação com o stalking é a contravenção penal de perturbação da tranquilidade, prevista no artigo 65 da Lei de Contravenções Penais. [15] Contudo, dependendo da dimensão e extensão da gravidade dos fatos, outras contravenções podem ser praticadas como desdobramento do iter criminis, a exemplo da perturbação do trabalho ou do sossego alheios [16], importunação ofensiva ao pudor [17] e vias de fato. [18]
A diversidade de condutas que encerra o fenômeno de stalking, muitas vezes o agente se excede e passa a encetar ações mais gravosas que paulatinamente atingem bens juridicamente protegidos mais relevantes, o que pode redundar na tipificação dos crimes de constrangimento ilegal (art. 146, CP), de ameaça (art. 147, CP), lesões corporais (art. 129, CP), dentre outros.
Em tais casos, existe a possibilidade de ficar caracterizado o crime continuado, na hipótese de o agente, mediante mais de uma ação e pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução pratica o stalking e outras infrações penais, sendo que estas subsequentes devem ser tidas como continuação da primeira, conforme dispõe o artigo 71 do Código Penal brasileiro.
Como já dito alhures, as estatísticas apontam que as mulheres são as maiores vítimas desta conduta persecutória. Assim, com o objetivo de prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, a Lei Federal 11.340, de 07 de agosto de 2006, criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra o gênero feminino. Não há duvidas de que os casos de stalking no seio da família estão incluídos no rol de formas de violência contra a mulher. [19]
De acordo com o artigo 22 da supracitada lei, verificada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o magistrado poderá aplicar, imediatamente, ao agressor, de forma conjunta ou separada, as seguintes medidas protetivas de urgência:
“I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.”
Com efeito, as aludidas providências não obstam o emprego de outras estabelecidas na legislação vigente, sempre que a segurança da vítima ou o contexto fático o reclamarem, devendo a medida tomada ser informada ao Ministério Público.
Como se observa, a legislação brasileira possui importantes mecanismos de prevenção e repressão das ações do stalker, na medida em que obstaculiza a sua aproximação da vítima, empreenda contato com a ofendida por qualquer meio de comunicação ou frequência de determinados locais.
Cumpre lembrar que também existe a possibilidade de o juiz decretar, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial, a prisão preventiva do agressor, principalmente quando se constatar a reiteração dos atos e o descumprimento das medidas protetivas, conforme prevê o art. 20 da Lei 11.340/06.
7. A jurisprudência pátria sobre o tema
Muito embora de maneira tímida, o Poder Judiciário brasileiro já tem apreciado a problemática em apreço. Nesse sentido, faz-se oportuno compendiar o seguinte aresto da Turma Recursal do Juizado Especial Criminal do Distrito Federal, da lavra do Juiz João Timóteo de Oliveira, assim ementado:
“CONTRAVENÇÃO PENAL. PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. Comete a contravenção penal de perturbação da tranqüilidade, por acinte, prevista no art. 65 da Lei das Contravenções Penais, o agente que por meio de mensagem telefônica, gravada por secretária eletrônica, exterioriza palavras ameaçadoras, deixando recados ofensivos, fatos que causam perturbação emocional. A condenação de multa imposta ao infrator deve ser mantida. Negado provimento ao recurso para manter a r. sentença.” [20]
Depreende-se da ementa do acórdão acima transcrito que o stalker deixava reiteradas mensagens gravadas na secretária eletrônica com conteúdo ofensivo consistente em ameaças e vilipêndios que causaram abalo psicológico e perturbação emocional à vítima, retirando-lhe a tranquilidade pelo fundado temor de sofrer algum mal injusto. Assim, o Juízo recursal confirmou a sentença de origem mantendo sem reparos a condenação do réu ao pagamento de pena de multa, fixada em 60 dias-multa, por incidir na infração penal consignada no art. 65 da Lei de Contravenções Penais.
Igualmente, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro retrata outra situação comumente vivenciada pelas vítimas de stalking, consoante ementa a seguir reproduzida:
“Civil. Responsabilidade civil. Danos morais. “Stalking”. Ação indenizatória. Abuso de direito. Assédio moral e psicológico. Rompimento de relacionamento amoroso. União estável. Constituição de novo vínculo afetivo pela mulher. Ex-companheiro que, inconformado com o término do romance, enceta grave assédio psicológico à sua ex-companheira com envio de inúmeros e-mails e diversos telefonemas, alguns com conteúdo agressivo. Perseguição na residência e no local de trabalho. Ameaça direta de morte. Condutas que evidenciam abuso de direito e, portanto, ilícito a teor do disposto no artigo 187 do Código Civil de 2002. Tipificação da conduta ilícita do “stalking”. Danos morais reconhecidos. Indenização fixada com proporcionalidade e razoabilidade diante das circunstâncias do caso concreto. Sentença mantida. Recurso desprovido”. [21]
No caso retromencionado, a autora rompeu um relacionamento afetivo com o réu, que, por sua vez, começou a praticar atos de perseguição no ambiente de trabalho e na residência da ex-companheira, por meio do envio de mensagens eletrônicas e ligações telefônicas, contendo ameaça em algumas delas. O ápice da perseguição consistiu em agressão ao casal e danos patrimoniais. Assim, diante do robusto conjunto probatório, os Desembargadores acordaram, por unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Infere-se, pois, que o stalking pode acarretar consequências no âmbito penal e na seara cível, com o dever de indenizar o ofendido pela prática do ato ilícito em face do dano moral sofrido e até mesmo dano material.
Nesta senda, ainda em relação ao referido julgado do tribunal fluminense, merece destaque trecho do voto do Desembargador Antonio Ibrahim ao descrever a verdadeira intenção do stalker por detrás da perseguição insidiosa. Ei-lo:
“[…] Nem sempre o amante inconformado pretende, se não de forma mediata, o reatamento do vínculo. Muita vez seu objetivo é vingar-se, privando o outro de tranquilidade. Trata-se de técnica de infernização da vida do outro, que se vê, não raro, impedido de retomar seus afazeres cotidianos por medo ou angústia porque, quase sempre, o objetivo do ofensor é o de ocultar sua baixa autoestima, ou sentimento de inferioridade, com a máscara do “último romântico”. […] Na espécie de que se trata, o assédio praticado pelo ofensor é claro, ainda que as ameaças feitas à vítima tenham vindo ocultadas pelo véu de palavras aparentemente amigáveis ou por atitudes ordinariamente benfazejas, como o envio de flores ou felicitações “[…] [22]
Deve-se esclarecer, por último, que não é toda e qualquer tentativa de reatamento de uma relação amorosa que se traduzirá em stalking. Nessa perspectiva, não há qualquer objeção àquele que busca se reconciliar com a pessoa em relação a quem nutre sentimentos de afeto ou nostalgia. O que não se revela adequado é exceder os limites do que se tem por razoável e passar a ofender a higidez moral e psicológica de outrem, transmudando os bons sentimentos em instrumentos de violência e abuso.
8. Conclusão
A violação da intimidade, o constrangimento e os males causados pelo ex-parceiro caracteriza o que, hodiernamente, convencionou-se conceituar como stalking, que se encontra tipificado como contravenção penal na legislação extravagante.
Esse tipo de assédio não se restringe às relações afetivas rompidas, mas pode ser encontrada no ambiente de trabalho e nos mais diversos locais em que haja interação social, como, por exemplo, nas instituições de ensino.
Malgrado haja punição a esse tipo de assédio, muitos casos não se integram às estatísticas, visto que muitas vítimas, por medo do agressor, não buscam proteção do Estado. Esse fato é preponderante para que o agressor se sinta livre e impune para continuar com as ameaças.
O stalking tem crescido a cada dia e para conter, reduzir e extinguir essa prática, necessário se faz que haja uma campanha de conscientização e inibição de tal comportamento. O fato de haver previsão punitiva dessa prática é um ponto que favorece a coibição do stalking e se devidamente aplicada, certamente, será um importante instrumento para afastar esse mal.
Ainda assim, o stalking não é objeto da atenção que a gravidade dos fatos mereceriam, notadamente pelo legislador brasileiro, haja vista que seria perfeitamente adequada a inserção de um tipo penal autônomo, o que permitiria um efeito pedagógico e repressivo mais efetivo.
Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia – UNIR
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