Aposentadoria do segurado especial e seu caráter assistencial

Resumo: O presente artigo tem como objetivo expor algumas considerações a cerca da natureza previdenciária ou assistencial da aposentadoria do segurado especial, dando enfoque as mudanças legislativas ocorridas com a evolução histórica do conceito de seguridade social. A previdência social, um dos direitos garantidos pela seguridade social, tem como característica principal a necessidade de contribuição direta pelos segurados para que façam jus a benefícios previdenciários, o que a distingue dos demais aspectos da seguridade social. Porém, os segurados especiais do Regime Geral da Previdência Social contribuem de maneira divergente dos demais, em relação as suas atividades desempenhadas. Como essa prestação se distingue das demais prestações pecuniárias advindas pelos demais segurados, caracteriza em termos práticos, que a concessão de benefícios aos segurados especiais reflete uma prestação de natureza assistencial.

Palavras Chave: Segurado Especial. Natureza Previdenciária. Caráter Assistencial. Benefícios.

Abstract: This article aims to expose some considerations about the social security or welfare nature of the particular insured retirement by focusing the legislative changes with the historical evolution of the concept of social security. Social security, one of the rights guaranteed by social security, has as main feature the need of direct contribution by the insured that are entitled to social security benefits, which distinguishes it from other aspects of social security. However, the special insured of the General Social Security System contribute in different ways from other, in relation to their work activities. As this provision is distinguished from other cash benefits arising for other insured, characterized in practical terms, that the granting of benefits to policyholders reflects a special provision of assistance nature.

Keywords: Special Insured. Nature Social Security. Assistance character. Benefits.

Sumário: Introdução. 1. Noções Gerais sobre Seguridade Social; 2. Regime Geral da Previdência Social e segurado especial. 2.1. Vínculo do segurado especial para a Previdência Social 3. Considerações sobre a natureza universal previdenciária e a natureza universal assistencial; 3.1 A aposentadoria do segurado especial e seu caráter assistencial. Conclusão.

Introdução

Sabe-se que nosso legislador gradativamente vem trazendo mudanças no que tange a aposentadoria por idade do segurado especial, trabalhador rurícola, essas mudanças ocorrem de acordo com a evolução da seguridade social como um todo.

Primordialmente, por ser fonte de direito de acordo com o princípio da isonomia previsto no artigo 5º da nossa Constituição da República Federativa do Brasil, foi garantida recentemente a proteção previdenciária do trabalhador rural. Porém, no inciso II, do parágrafo único, do artigo 194 da mesma Carta Magna, fora instituído princípio setorial prevendo a igualdade na concessão dos benefícios previdenciários: a equivalência entre benefícios concedidos às populações urbanas e rurais.

Em outro sentido, verifica-se que o legislador constituinte adotou a norma do artigo 201 da Magna Carta, reforçando o caráter contributivo da previdência, determinando que o universo dos segurados fique restrito aos contribuintes, ou seja, a quem despende pecuniariamente contribuições a previdência.

Nesse contexto, levando em consideração a situação dos trabalhadores rurais que até então não contribuíam, houve a necessidade de integrá-los gradualmente no sistema contributivo. Em razão disso agregando-se ao princípio setorial acima elencado, a própria legislação previu a possibilidade e de aposentarem tão somente provando o tempo de atividade, sem exigir-lhes contribuições, somente comprovando a atividade rural em regime de economia familiar.

Desse modo, o presente estudo desempenha uma análise do direito ao benefício da aposentadoria por idade ao segurado especial, que, embora seja um benefício elencado na Previdência Social e exija contribuição por parte do segurado, possibilita uma interpretação na aplicação da lei em relação às decisões proferidas pelos tribunais, que se posiciona em ser devido tal benefício ao segurado que exerce atividade em regime de economia familiar independente de contribuição, somente comprovando atividade em regime de economia familiar.

Assim, averiguaram-se, sucintamente, noções sobre a seguridade social, dividindo a seguridade social em assistência social, saúde pública e Previdência Social. Nessa abordagem, percebe-se a essência de cada sistema e sua forma de garantir a ordem sócia.

Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo analisar a natureza da aposentadoria por idade ao segurado especial como e seu caráter, assistencial, tendo em vista que a lei prevê a aposentadoria por idade como benefício previdenciário, sem lhe ter exigido contribuições até o ano de 2011. E a jurisprudência tem efetivamente concedido tal benefício aos que exercem atividade campesina, independentemente de contribuição.

1 Noções gerais sobre Seguridade Social

Nossa magna carta Constituição Federal de 1988, no artigo 194[1] profere que a Seguridade Social é um sistema composto por um tripé, esse se compõe pela Assistência, Previdência e Saúde, e ai ela se define como o conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos assegurados nas áreas acima indicadas, as quais compõem o chamado “tripé”. Nesse sentido, é necessário suscitar a opinião de Fabio Zambite Ibrahim:

“A seguridade social pode ser conceituada como a rede protética formada pelo estado e por particulares, com contribuições de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações positivas no sustento à manutenção de um padrão mínimo de vida.” (IBRAHIM, 2007, p.4)

Sabe-se que todos têm preocupação com infortúnios que a vida pode trazer, sejam eles velhice, doença, acidentes, enfim, adversidades que a vida pode trazer. Assim, o conjunto de princípios que regem e são destinados a estabelecer um sistema de proteção social propriamente dito, contra esses infortúnios acima referidos, que possam impedir o indivíduo de promover as suas necessidades básicas ou de sua família, visando assegurar direitos básicos à saúde, à previdência e a assistência, traduz o conceito de seguridade social. (MARTINS, 2005, p. 44).

Um dos primeiros direitos assegurados pela Seguridade Social é a Assistência, Martinez nos remete um breve conceito sobre a Assistência Social, dizendo que a mesma pode ser conceituada como o conjunto de atividades particulares e estatais com o objetivo de alcançar os mais carentes, consistindo os bens oferecidos em prestações mínimas em dinheiro, serviços de saúde, fornecimento de alimentos e outras que possibilitem o mínimo de subsistência aos considerados hipossificientes. (MARTINEZ, 2013, P. 182).

Enfim, entende-se que a assistência social abrange a garantia da subsistência do grupo familiar, quando este se encontra ameaçado, não havendo necessidade da contribuição por parte do indivíduo para o fornecimento da proteção, estando também conceituado no artigo 4º da Lei 8.212/91[2], e na Lei 8742/93 em seu artigo 1º.

A assistência social no Brasil, segundo estabelecido em Lei, é a prestação de condições, pecuniárias ou não, de maneira gratuita, ao cidadão que comprovadamente tem renda inferior a ¼ de salário mínimo, entre outros requisitos, de modo a elevar dignamente o assistido a uma condição de cidadão com os requisitos básicos de subsistência previstos constitucionalmente.

A Saúde segundo artigo 196[3] da Constituição Federal do Brasil, é direito de todos e dever do Estado, ou seja, independentemente de contribuição qualquer pessoa tem direito de obter atendimento na rede pública de saúde.

Segundo o conceito sucinto de Wladimir Novaes Martinez, consideram-se ações de saúde, no sentido de instituição securitária, um conjunto de normas e medidas governamentais, ações públicas e privadas, direcionadas para a prevenção de doenças. (2013, p. 188)

Sendo segmento autônomo da seguridade social, a saúde tem organização bem diferente. Isso porque não possui restrição a sua clientela protegida, não necessita de filiação e nem tem caráter contributivo, qualquer pessoa tem direito ao atendimento providenciado pelo Estado. Por isso, a saúde é garantida mediante políticas públicas, sociais e econômicas, visando à redução do risco de doenças e de outros agravos, com acesso igualitário e sem distinção a todos. (IBRAHIM, 2007, p. 7).

O terceiro direito assegurado e protegido pela Seguridade Social é a Previdência Social, que segundo Ibrahim:

“A previdência social é um seguro sui generis, pois é de filiação compulsória para os regimes básicos (RGPS e RPPS), além de coletivo, contributivo e de organização estatal, amparando seus beneficiários contra os chamados riscos sociais”. (2007, p. 22)

O mesmo autor profere que a previdência social é a técnica protetiva mais evoluída no Brasil, isso porque busca proteção máxima aos riscos sociais, adversidades da vida que qualquer pessoa esta submetida, como o risco de doença grave, acidente, maternidade, tanto quanto outros eventos imprevisíveis, todos geradores de impedimento para o segurado providenciar sua manutenção. (IBRAHIM, 2007, p. 23).

Assim, a previdência também pode ser conceituada como um seguro publico coletivo, compulsório, mediante contribuição e que visa cobrir os riscos sociais imprevisíveis, e os previsíveis, como a idade avançada, tempo de contribuição, encargos da família, morte.

Como mencionado anteriormente há a obrigatoriedade de filiação e o caráter contributivo do regime da Previdência Social, excluindo desta maneira, o rurícola que de maneira geral, não se encaixam neste seguimento, pois, em sua grande maioria, não são filiados e não contribuem com esse regime, estando encaixados simplesmente em um regime de economia familiar, o qual será abordado nos próximos capítulos.

Assim, vislumbra-se a Previdência Social como garantidora de qualidade de vida ao segurado e à sua família, assegurando estabilidade por meio dos benefícios propostos, considerando as circunstâncias advindas do risco da vida social.

Desse modo, a seguridade social é um instituto que vem se modificando e evoluindo no decorrer do tempo. Abrangendo cada vez mais segurados e oferecendo-lhes proteção, em qualquer um dos âmbitos que a constituem.

2 Regime Geral da Previdência Social e segurado especial

A previdência social como acima qualificada como um dos direitos assegurados pela Previdência Social possui dois regimes básicos, e um deles é o Regime Geral da Previdência Social.

O regime geral da Previdência Social é estabelecido pelo artigo 201[4] da Constituição Federal e é regulado pelas Leis 8.212/91 e a Lei n. 8.213/91, dedicadas a estabelecer as diretrizes referentes aos princípios, ao custeio e ao plano dos benefícios concedidos através da Previdência Social.

Além do mais, cabe ressaltar que o Regime Geral é o mais amplo, e este é responsável pela proteção de grande parte dos segurados trabalhadores, é organizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, autarquia vinculada ao Ministério da Previdência Social. (IBRAHIM, 2007, p. 28).

As principais características do Regime Geral é o caráter contributivo, e exige a filiação dos segurados mediante contribuição, em que pese essa se possa dar de forma presumida incluindo aos trabalhadores do setor privado, os servidores públicos, os do campo e da cidade e os demais também mediante contribuição.

Além do mais, o regime geral da Previdência Social é obrigatório para os trabalhadores remunerados, e, facultativo para os que não exercem atividade remunerada ou não façam parte do regime próprio de Previdência Social, ademais o referido regime é conduzido pelo Instituto Nacional do Seguro Social.

Nesse momento, faz-se necessário introduzir que a legislação como suprareferida estabelece que o RGPS presta-se a cobrir os segurados obrigatórios, bem como, os facultativos. As espécies de segurados obrigatórios são definidas munusciosamente no artigo 11 da Lei 8213, mas podem ser destacadas como: empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso e o segurado especial.

O segurado especial representa a figura do empreendedor familiar rural, tem sua definição estabelecida constitucionalmente no artigo 195, 8º da Constituição da Republica Federativa do Brasil:

“O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei” (art. 195, §8º).

O dispositivo constitucional traz certo favorecimento quanto ao tratamento do segurado especial, sendo ele o pequeno produtor rural e o pescador artesanal, que muitas vezes por possuírem poucos meios de subsistência, a produção do trabalho é voltada tão somente para a subsistência familiar, fazendo com que os quais muitas vezes não possuam condições de efetuar suas contribuições mensalmente ao regime de previdência social, como os demais segurados. Porém vale ressaltar que este dispositivo não exclui essas pessoas do recolhimento, já que também é previsto constitucionalmente que o custeio da seguridade social é responsabilidade de toda a sociedade, conforme artigo 195 da CFRS/88. (IBRAHIM, 2007, p.101).

Regulam também o acima disposto dois princípios constitucionais primordiais, qual sejam, o Princípio da diversidade da base de financiamento e Equidade na forma de participação e custeio. O primeiro explica o que a constituição federal expõe no artigo 195 acima referido, onde prevê que o sustento financeiro da seguridade social não deve ser incumbência de um único setor da economia ou de uma determinada classe social. Já o segundo Principio Constitucional da Equidade na participação do custeio determina que ao eleger a forma como a sociedade vai contribuir, o legislador estabeleça padrões justos e razoáveis a todos os participantes, cada um é chamado a contribuir de acordo com suas possibilidades, isso que acontece com os segurados especiais, são chamados a contribuir de forma adequada ao desenvolvimento de sua atividade no âmbito econômico, particularmente o que os afasta de outras categorias de trabalhadores que por terem, remunerações mensais, também contribuem de forma mensal. (BERWANGER, 2011, p. 77)

2.1 Vínculo do segurado especial para a Previdência Social

Conforme exposto no princípio da fonte de custeio e no princípio da diversidade na base de financiamento, qualquer benefício que seja criado deve ter a fonte de custeio, esse custeio provém de diversas fontes não somente dos contribuintes segurados, mas também das empresas, do poder público e de toda a sociedade.

Destaca-se que o salário de contribuição é à base de cálculo para a contribuição, calculado através de alíquotas que não se cumulam, mas que variam conforme o valor, caracterizando a contribuição para o sistema do empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso.

Considera-se ainda, contribuição sobre remuneração (não salário) a do segurado individual e do facultativo elencadas no artigo 21[5]da Lei n. 8.212/91.

A esse respeito,

A contribuição dos segurados contribuintes individuais […] e facultativos é obtida – regra geral – aplicando-se a alíquota de 20% sobre o respectivo salário de contribuição […].

Os segurados contribuintes individuais e facultativos estão obrigados a recolher sua contribuição, por iniciativa própria, até́ o dia 15 do mês seguinte àquela a que as contribuições se referissem, prorrogando-se o vencimento para o dia útil subseqüente, quando não houvesse expediente bancário no dia 15. Com a entrada em vigor da Medida Provisória n. 83, de 12.12.2002, convertida na Lei n. 10.666, de 8.5.2003, cujos efeitos passam a ser exigi- dos em 1.4.2003, foi atribuída à empresa contratante a obrigatoriedade de descontar e recolher 11% da remuneração paga a contribuinte individual a seu serviço, limitado ao limite máximo do salário de contribuição” (CASTRO; LAZZARI, 2013, p. 244).

Observa-se que os segurados contribuintes individuais e facultativos, recolhem sua contribuição por iniciativa própria, todavia, quando vinculado o trabalho a empresa, esta recolherá os 11% da remuneração a ser paga como contribuição a seguridade social.

Por fim, há a contribuição sobre a produção realizada pelo rural, seja como individual ou segurado especial estabelecidas no artigo 25[6] da Lei de Benefícios. Como individual, contribuem o empregado rural que não se distingue do empregado urbano e o trabalhador eventual chamado de bóia-fria, todos da mesma forma que o contribuinte individual anteriormente mencionado.

Já o empregador rural e o segurado especial contribuem através de uma alíquota que incidirá sobre o resultado da comercialização da produção, todavia, o empregador rural deve recolher contribuições como contribuintes individual para fins de benefícios no Plano de Benefícios, tendo em vista que a contribuição sobre a produção financia tão somente as prestações por acidente do trabalho.

Desse modo Jane Lucia Wilhelm Berwanger comenta sobre o assunto:

“[…] O já citado art. 25 da Lei 8.2012/91 atribui o mesmo fato gerador, iguais base de cálculo e alíquota para o empregador rural e para o segurado especial. Ou seja, o segurado especial contribui com a alíquota de 2% sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção e 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.

A diferença entre empregador e segurado especial se dá no Plano de Benefícios. Enquanto aquele, para ter direito, deve recolher as contribuições como contribuinte individual, para o segurado especial não precisa nem mesmo comprovar o recolhimento das contribuições previstas no art. 25”. (2008, p. 126-127).

Assim, o segurado especial necessariamente precisa comprovar o trabalho na agricultura em regime de economia familiar, todavia, não é necessário comprovar a contribuição sobre a produção de todo o período laborado, eis que se admite outros documentos como prova do exercício na atividade.

De todo o exposto, faz-se necessário averiguar a natureza jurídica previdenciária universal em contraponto com a natureza jurídica assistencial universal, eis que o benefício da aposentadoria por idade ao segurado especial, objeto do presente estudo, não precisa da efetiva contribuição sobre a produção e sim a prova do exercício da atividade. Desse modo, o intuito é descobrir a real natureza jurídica do benefício da aposentadoria por idade ao segurado especial.

3 Considerações sobre a natureza universal previdenciária e a natureza universal assistencial;

Sabe-se que a previdência brasileira possui natureza universal contributiva, e para que a mesma cubra eventuais riscos sociais, tem-se necessidade de contribuição direta dos seus beneficiários. A mesma possui um sistema de filiação obrigatório destinado a cobertura de acontecimentos inesperados, além da proteção ao segurado. Menciona-se ainda, a cobertura aos dependentes e aos de baixa renda.

Destaca-se a natureza previdenciária disposta no artigo 201[7], caput, da Constituição Federal de 1988, denotando-se da leitura do referido dispositivo legal a filiação obrigatória ao regime e o caráter pecuniário contributivo das contribuições, sempre observado critérios de preservação do equilíbrio financeiro e autarial.

Nesse sentido, vale ressaltar a opinião de Fabio Zambitte Ibrahim.

“Em verdade, a natureza dos regimes básicos previdenciários é institucional ou estatutária, já que o Estado, por meio de lei, utiliza-se de seu Poder de Império e cria a figura da vinculação automática ao sistema previdenciário, independente da vontade do beneficiário. Por isso, o seguro social é vinculado a ramo público ou social do Direito (Direito Previdenciário), ao contrario do seguro tradicional que é vinculado a ramo privado (Direito Civil)”. (2007, p.23)

Assim, ainda outra característica do sistema previdenciário é a compulsoriedade, no Brasil qualquer pessoa, nata ou naturalizada, que venha a exercer atividade remunerada no território Brasileiro filia-se automaticamente ao RGPS, sendo obrigadas ao recolhimento ao sistema. Logo, a previdência possui natureza universal contributiva, de filiação automática e instituição obrigatória.

A seguridade social possui também seu modo assistencial, dedicada aos carentes, que não contribuem para o sistema, mas que cumpridos determinados requisitos fazem jus a cuidados para sua subsistência. Encontra-se elencado na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 6º[8], os direitos sociais, dentre os vários, encontra-se descrito a assistência aos desamparados e a Previdência Social: “

Os direitos sociais são devidos a todas as pessoas, indistintamente, sendo obrigação de o Estado garanti-los principalmente aos mais vulneráveis, o objetivo da assistência social é prestar serviços básicos, vitais, ou essenciais a pessoas hipossificientes. (MARTINEZ, 2013, p.184).

Sobre o custeio da assistência social tem-se explicado por Martinez, que esta provém meios da sociedade como um todo, sendo um consenso entre pensadores, destinando-se a contribuição pessoal à Previdência Social. (2013, p.185).

Considerando as disposições sobre a assistência social, e o exposto nos artigos 203 e 204 da Constituição Federal de 1988, tem-se uma noção da natureza jurídica da assistência social como protetivo, sem exigir a contribuição do necessitado, diferentemente da Previdência Social que requer a participação do segurado, sendo uma contraprestação seus benefícios concedidos.

Além disso, outros aspectos que levam a tal entendimento, observa-se que a aposentadoria por idade somente foi criada no ano1991, deixando de ser a aposentadoria por velhice, como forma de equiparar as populações urbanas e rurais, além de levar em conta a não discriminação impositiva pelo antigo nome e considerando o princípio da isonomia quando de sua criação (MARTINEZ, 2013, p.845).

Desse modo, o trabalhador rural não detinha a referida cobertura anterior a tal data, fazendo com que a Previdência Social estabelecesse o artigo 142 da Lei n. 8.213/1991 como tabela de transição para se incluir o segurado rurícola gradativamente ao sistema, sem exigir deste a contribuição adequada para o custeio do benefício.

Nesse contexto vale ressaltar o disposto no (§2 do art. 55 da Lei n. 8.213, o qual passou a considerar o tempo de serviço do trabalhador rural exercido anteriormente a novembro de 1991, sendo este computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência,de acordo com o que a lei dispõe na regra de transição estabelecida no artigo 142 da referida.

Compreende-se que a Previdência Social, com o objetivo de integrar o segurado rural ao sistema, estendeu-lhe um período de transição, ou seja, 15 anos após a Lei n. 8.213/91, de forma a complementar as condições exigidas para a concessão do benefício gradativamente, concedendo neste lapso temporal o benefício para o segurado que se comprova a idade exigida e o labor rural no período de carência independentemente de contribuição para Previdência Social.

Com a mesma ideia de eximir o segurado rural da contribuição no período de transição, como forma de integrá-lo ao sistema previdenciário, vale-se ainda destacar a opinião de Fábio Zambitte Ibrahim:

“Como se sabe, a carência do segurado especial, como regra geral e de modo distinto aos demais segurados, é contatada somente com base do tempo de atividade rural, mesmo sem comprovação do recolhimento […]. A regra prevista no art. 143, da Lei nº 8.213/91, nada mais faz do que estender esse direito a todos os trabalhadores rurais, mas somente durante 15 (quinze) anos, a partir de 24/07/91” (2007, p. 508).

Entende-se, portanto, que o próprio sistema permitiu que o segurado rural fizesse jus a concessão do benefício de aposentadoria por idade ao segurado rurícola sem a comprovação da contribuição. Considerando tal hipótese, passar-se-á a análise da aposentadoria do rurícola especial como benefício assistencial.

Portanto, ao levar em conta o segurado especial que exerce atividade em regime de economia familiar, e faz jus ao benefício de aposentadoria por idade, consequentemente a natureza protetiva e assistencial da assistência social, verifica-se que o referido benefício é um tem caráter assistencial e não previdenciário.

3.1 A aposentadoria do segurado especial e seu caráter assistencial.

Devido todas essas mudanças acima elencadas no sistema legislativo da Previdência Social, a abertura da possibilidade dos segurados especiais computarem como tempo de serviço independentemente de contribuição período anterior a vigência da Lei 8213/91, e também o advento constitucional do Princípio setorial da Uniformidade e Equivalência dos Benefícios, possibilitou um tratamento isonômico e igualitário no que tange as populações rurícolas e urbanas.

Todavia, é relevante mencionar que a aposentadoria por idade ao segurado especial, até o momento em que o mesmo se enquadra na tabela de transição da carência e contribuição do benefício do artigo 142 da Lei n. 8.213/91, esta possui natureza jurídica desconexa com a da Previdência Social, estudada anteriormente e concluída como “contributiva”.

Para solução de tal impasse, deve-se observar algumas peculiaridades para a concessão da aposentadoria por idade ao segurado especial que traz o artigo 143 da Constituição Federal de 1988:

“Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício”.

Percebe-se que a lei exige a comprovação pelo segurado do exercício da atividade campesina seja ela em regime de economia familiar ou não, não necessariamente a contribuição do período desse modo faz-se necessário,

Nesse sentido, há várias decisões jurisprudenciais que abarcam essa possibilidade, e nos fazem refletir sobre a verdadeira natureza jurídica do beneficio, antes do advento da Lei 8.213/91 que criou a regra de transição.

TRF-4 – REMESSA EX OFFICIO EM AÇÃO CÍVEL REOAC 220549320144049999 RS 0022054-93.2014.404.9999 (TRF-4) Data de publicação: 17/04/2015. Ementa: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TERMO INICIAL. TUTELA ESPECÍFICA. TRABALHO A PARTIR DOS 12 ANOS. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. Restando comprovado nos autos o requisito etário e o exercício da atividade rural no período de carência, é de ser concedida a aposentadoria por idade rural à parte autora a contar do requerimento administrativo, nos termos da Lei n.º 8.213 /91, desimportando se depois disso houve perda da qualidade de segurada (art. 102, § 1º, da LB). 3. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC , sem a necessidade de um processo executivo autônomo”  

“PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHAS. TRABALHADORA RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR E COMO BOIA-FRIA. CONTAGEM A PARTIR DOS 12 ANOS. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL COMPROVADA. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. DIREITO ADQUIRIDO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ESPECÍFICA. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários, a partir dos 12 anos de idade, pode ser demonstrado através de início de prova material, desde que complementado por prova testemunhal idônea. Precedentes da Terceira Seção desta Corte e do egrégio STJ. 2. Cuidando-se de trabalhador rural que desenvolve atividade na qualidade de boia-fria, deve o pedido ser analisado e interpretado de maneira "sui generis", uma vez que a jurisprudência tem se manifestado no sentido de acolher, em tal situação, a prova exclusivamente testemunhal (art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil). 3. A contemporaneidade entre a prova documental e o período de labor rural equivalente à carência não é exigência legal, de forma que podem ser aceitos documentos que não correspondam precisamente ao intervalo necessário a comprovar. Precedentes do STJ. 4. Aplicável a regra de transição contida no artigo 142 da Lei n.º 8.213/91 aos filiados ao RGPS antes de 24-07-1991, desnecessária a manutenção da qualidade de segurado na data da Lei n.º 8.213/91. 5. Restando comprovado nos autos o requisito etário e o exercício da atividade laborativa rural no período de carência, há de ser concedida a aposentadoria por idade rural à parte autora a contar do requerimento administrativo, nos termos da Lei n.º 8.213/91, desimportando se depois disso houve perda da qualidade de segurada (art. 102, § 1º, da LB). 6. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo)”.(TRF-4 – AC: 51807220104049999 PR 0005180-72.2010.404.9999, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 06/04/2011, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 13/04/2011)

As decisões acima mencionadas nos fazem refletir que o segurado especial até a completa transição da tabela do artigo 142 da Lei n. 8.213/1991, têm direito ao benefício da aposentadoria por idade independentemente de contribuição, e ou, direito de averbação de período laborado na agricultura em regime de economia familiar para fins de aproveitamento em aposentadoria por tempo de contribuição, sem também necessidade de contribuir. Percebe-se que os julgadores levam em conta a realidade social do segurado especial, considerando que várias das negociações no meio agrícola são realizadas informalmente.

Desse modo, os requisitos para o segurado especial até 24 de julho de 2006 não adentram a contribuição, mas tão somente a atividade no meio rural em regime de economia familiar, garantindo a isonomia e equivalência entre os segurados urbanos e rurais.

Conclusão

Da breve análise efetivada no presente trabalho, percebemos que a natureza jurídica da aposentadoria por idade ao segurado especial possui caráter assistencial, tendo em vista a possibilidade que o advento da Lei 8213/91 trouxe no que tange o parágrafo segundo do artigo 55, onde profere que o tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea.

A presente pesquisa revelou que o benefício de aposentadoria por idade ao segurado especial até o preenchimento da tabela de transição elencada no artigo 142, da Lei n. 8.213/91 não exige do segurado a contribuição do período de carência, mas tão somente a prova do labor em regime de economia familiar.

Portanto, verificou-se que a aposentadoria por idade ao rurícola é um benefício assistencial até o preenchimento da tabela de transição da carência do segurado. Todavia não é um benefício inconstitucional, pois o sistema em que se encontra é solidário e garante a isonomia e equivalência entre os urbanos e rurais.

Considerando que o benefício não exige a contribuição do segurado especial, mas tão somente o labor na agricultura, denota-se que a sua natureza jurídica torna-se comprometida, doravante o caráter contributivo da Previdência Social.

Desse modo, como a seguridade social é formada por um tripé composto pela assistência social, saúde e Previdência Social garantindo a ordem social, e levando em conta o princípio uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, a aposentadoria por idade ao segurado especial não deixa de ser um benefício previdenciário, considerando sua disposição na lei da previdência, mas avaliando seus requisitos percebe-se sua natureza jurídica assistencial.

Portanto, a aposentadoria por idade segurado especial é um benefício assistencial até o preenchimento da tabela de transição da carência do segurado. Todavia não é um benefício inconstitucional, pois o sistema em que se encontra é solidário e garante a isonomia e equivalência entre os urbanos e rurais.

Diante do acima exposto, conclui-se que a lei, em virtude da atividade extremamente penosa desenvolvida por esta categoria e de suma importância para a sociedade, facilitou o acesso destes ao sistema previdenciário. A aposentadoria por idade concedida aos segurados especiais é uma forma justa de retribuição ao trabalhador pelo seu labor, além de garantia para aqueles que não possuem mais forças para o trabalho e, portanto, não possuem mais meios de subsistência, pois esta categoria vive do que planta, sendo o benefício previdenciário, na maioria das vezes, a única fonte de renda do trabalhador com idade avançada.

 

Referências
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______. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. TRF-4 – REOAC: 220549320144049999 RS 0022054-93.2014.404.9999, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA Data de Julgamento: 08/04/2015, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. (17/04/2015)Disponível em: < http://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/182314545/remessa-ex-officio-em-acao-civel-reoac-220549320144049999-rs-0022054-9320144049999 >. Acesso em: 27 de junho de 2016.
______. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. TRF-4 – AC: 51807220104049999 PR 0005180-72.2010.404.9999, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 06/04/2011, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 13/04/2011). Acesso em 27 de junho de 2016.-
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Notas
[1] Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. […]
[2] Art. 4º A Assistência Social é a política social que provê o atendimento das necessidades básicas, traduzidas em proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência, independentemente de contribuição à Seguridade Social.
[3] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
[4] Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. […]
[5] Art. 21. A alíquota de contribuição dos segurados contribuinte individual e facultativo será de vinte por cento sobre o respectivo salário-de-contribuição.[…]
[6] Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:[…]
[7] Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei.
[8] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Informações Sobre o Autor

Jéssica Stefani

Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul, militante na área previdenciária, formada pela Universidade de Passo Fundo, pós graduando em Direito da Seguridade Social pela Universidade Cândido Mendes – Legale


Equipe Âmbito Jurídico

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