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Arroubos Inconstitucionais

O governo Lula, até o surgimento do escândalo de corrupção envolvendo um empresário do ramo do jogo e o assessor parlamentar da Presidência da República, Waldomiro Diniz, estudava quais seriam os parâmetros da regulamentação para os bingos e as máquinas caça-níqueis. O apoio do Planalto aos bingos encontrava inúmeras resistências, como a de um grupo de procurados da República, que elaborou um relatório mostrando evidências de ligações entre os bingos e o crime organizado. Apesar disto existia uma política governamental de apoio à atividade dos bingos e tudo indicava que o Poder Executivo seguiria o caminho da regulamentação, mesmo enfrentando resistências, visto o alto valor pago em impostos e geração de mais de 150 mil postos de trabalho.

A possibilidade de exploração da atividade dos bingos no Brasil foi autorizada mediante a elaboração de leis federais. Estas tramitaram no Parlamento, propiciando sua discussão com a sociedade, procedendo-se a aprovação no Congresso Nacional e sanção presidencial, atendendo-se todos os trâmites legais. Iniciou-se com a Lei Zico e estendeu-se na Lei Pelé (9615/98). Esta última regulou a atividade dos bingos nos artigos 59 e 81. No ano posterior, em 1999, o tema dos bingos passou ao debate nacional, sendo alvo de discussões na sociedade e no Parlamento. Tal movimentação levou a edição outra Lei Federal, a chamada Lei Maguito (9981/00), que revogou os dispositivos 59 e 81 da Lei Pelé, deixando os bingos sem regulamentação federal. Entretanto, os bingos que iniciaram sua operação no período anterior, ou seja, durante a vigência da Lei Pelé, continuaram a existir, amparados nos princípios do respeito ao direito adquirido e ao negócio jurídico perfeito. Assim, na falta de uma regulação federal, revogada pela Lei 9981/00, os poderes estaduais passaram a editar leis que forneciam parâmetros para o funcionamento das casas. Além disto, amparadas nos princípios constitucionais, inúmeras liminares foram expedidas pelo Poder Judiciário autorizando o funcionamento dos bingos pelo País.

No intuito de trazer uma regulação federal, que unificasse a legislação sobre bingos e caça-níqueis no Brasil, o governo Lula preparava uma proposta de regulamentação com vistas a fornecer segurança legal ao funcionamento dos bingos, evitando que os estados legislassem sobre a matéria e que operação das casas de jogo tivessem como única segurança de operação, as liminares concedidas pelo Poder Judiciário. Os bingos, enfim, teriam novamente uma regulamentação oficial federal de operação. Entretanto, a postura do Palácio do Planalto mudou radicalmente logo após o escândalo envolvendo seu assessor parlamentar Waldomiro Diniz, que recebeu dinheiro de um empresário do ramo do jogo, para financiar campanhas eleitorais de candidatos do partido do Presidente da República, o PT.

O caso abalou os alicerces do governo que dirige o País atualmente, visto que o Waldomiro Diniz era a pessoa de confiança do homem forte do governo, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Waldomiro também era o responsável por articular o apoio de parlamentares ao governo no Congresso Nacional com o objetivo de aprovar os projetos e reformas constitucionais de interesse do Executivo.

Logo, a primeira atitude do governo que desejava regulamentar a atividade dos bingos no Brasil foi editar, rapidamente, uma Medida Provisória (168) – com vistas a evitar o crescimento do escândalo, no dia 20.02.2004, proibindo a atividade dos bingos no País. Entretanto, a MP foi além, impondo pesadas multas para aqueles que insistirem em continuar em atividade; declarando nulas todas as autorizações, concessões e licenças aprovadas por qualquer entidade ou Ente da Federação; determinando à CEF a rescisão unilateral de todos os contratos  em vigor, sem qualquer indenização e revogando dispositivos de Leis Federais, como a 9.981/00, 9.615/98 e MP 2.216-37. Além de tudo, impôs o início da vigência da MP 168 na data de sua publicação.

É extremamente temerário que o Poder Executivo, conduzido pelo presidente Lula, adote Medidas Provisórias sem a previsão de relevância e urgência exigidas pela Constituição. Cabe às outras instituições da República, garantidoras do Estado de Direito, evitar arroubos autoritários, oportunistas e inconstitucionais do Executivo. Logo, é imperativo para a sociedade que o Congresso Nacional aprecie a matéria com firmeza e que o guardião da Constituição, o STF, seja provocado por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Atos como a adoção desta Medida Provisória geram insegurança jurídica e risco de quebra do Estado de Direito. Um ato de tal discricionariedade não pode revogar Leis aprovadas e discutidas no Parlamento com a participação da sociedade. O desejo dos homens não pode prevalecer sobre o Império das Leis.

Artigo redigido em 29.02.2004

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Márcio C. Coimbra

 

advogado, sócio da Governale – Políticas Públicas e Relações Institucionais (www.governale.com.br). Habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos. Professor de Direito Constitucional e Internacional do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. PIL pela Harvard Law School. MBA em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Mestrando em Relações Internacionais pela UnB.
Vice-Presidente do Conil-Conselho Nacional dos Institutos Liberais pelo Distrito Federal. Sócio do IEE – Instituto de Estudos Empresariais. É editor do site Parlata (www.parlata.com.br) articulista semanal do site www.diegocasagrande.com.br e www.direito.com.br. Tem artigos e entrevistas publicadas em diversos sites nacionais e estrangeiros (www.urgente24.tv) e jornais brasileiros como Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Jornal de Brasília, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão, Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed. Síntese – IOB Thomson (www.sintese.com).

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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