Resumo: O presente trabalho objetivou verificar a inconstitucionalidade da lei 11.705/2008 a chama “lei seca”. Analisamos se a Lei que alterou o Código de Trânsito Brasileiro criminalizando meras condutas se torna eficaz para a efetiva aplicação legal. Verificamos se a Lei 11.705/2008 afronta princípios, constitucionais e de direito penal, e qual a opinião da doutrina pela transformação de crimes de perigo concreto em perigo abstrato. Foi dado ênfase, em um comparativo entre a Lei 11.705/2008 e os princípios da inocência, ofensividade ou lesividade, e da intervenção mínima. Por fim, buscou-se trazer algumas decisões judiciais, inclusive do Supremo Tribunal federal, seguinto o entendimento majoriario da doutrina penal.
Sumário: Introdução. 1.1. Crime de perigo. 1.1.1. Origem. 1.1.2. Dicotomia:perigo concreto e perigo abstrato. 1.1.2.1. Perigo concreto. 1.1.2.2. Perigo abstrato. 1.1.2.2.1. Utilização do perigo abstrato. 2.1. Momento histórico de criação do CTB. 2.2. Utilização dos crimes de perigo no CTB. 2.3. Transformação dos crimes de perigo concreto em perigo abstrato no código de trânsito brasileiro. 3.1. Princípios penais frente os crimes de perigo abstrato. 3.1.1. Crimes de perigo abstrato e o princípio de inocência. 3.1.2. Crimes de perigo abstrato e o princípio da ofensidade ou lesividade. 3.1.3. Crimes de perigo abstrato e o princípio da intervenção mínima ou ultima ratio. 3.1.4. Crimes de perigo abstrato e o princípio da culpabilidade. 4.1. Discussões doutrinarias atuais em torno dos crimes de perigo abstrato aplicadas aos delitos de trânsito. 4.2. Julgados em torno dos crimes de perigo abstrato. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO.
O Código Nacional de Trânsito Brasileiro, lei nº. 9.503 de 23 de setembro de 1997 em seu artigo 306 trazia a seguinte redação:
“Artigo 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.”
A regra anterior trazia esculpido na norma a necessidade de se expor a dano potencial a incolumidade de outrem, ou seja, considerado de perigo concreto.
No magistério de Luiz Flávio Gomes[1] os crimes de trânsito deviam ser classificados de acordo com a doutrina tradicional, mas são de perigo concreto. Para este autor, os crimes de trânsito dos artigos 304, 306, 308, 309, 310 e 311 não são de perigo abstrato isto é:
“não basta ao acusador apenas comprovar que o sujeito dirigia embriagado (art. 306) ou sem habilitação (art. 309) ou que participava de ‘racha’ (art. 308), etc.”
E prossegue:
“Doravante exige-se algo mais para a caracterização do perigo pressuposto pelo legislador. Esse algo mais consiste na comprovação de que a conduta do agente (desvalor da ação), concretamente, revelou-se efetivamente perigosa para o bem jurídico protegido”.
Ao se presumir, prévia e abstratamente, o perigo, resulta que, em última análise, perigo não existe, de modo que acaba por se criminalizar simples atividades, ferindo de morte modernos princípios de direito penal.
Por fim, o doutrinador Luiz Flávio Gomes[2] esclarecia que:
“o conceito de perigo é sempre relacional, isto é, o perigo sempre se refere a algo ou a alguém (perigo para o quê? Perigo para quem?)”
Com a alteração[3] do artigo 306 do Código Nacional de Trânsito Brasileiro o sua redação passou a seguinte:
Artigo 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência
Com esta alteração o crime previsto no artigo 306 passou de crime de dano para crime de perigo abstrato, ou seja, não se necessita mais a prova do dano, mas a simples conduta de dirigir embriagado.
Contudo a moderna doutrina penal conclui pela inconstitucionalidade dos delitos de perigo abstrato em nossa legislação. Essa interpretação se deve à reforma penal de 1984 que baseou nosso direito penal na culpabilidade e também nos princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.
Celso Delmanto[4] ao referir-se sobre os crimes de perigo abstrato afirma que:
“Quanto aos crimes de perigo abstrato, entendemos que em um Estado Democrático de Direito são eles de questionável constitucionalidade, em face dos postulados constitucionais da intervenção mínima, da ofensividade e da proporcionalidade ou razoabilidade entre a conduta e a resposta penal (ínsitos ao conceito de substantive due process of law). Verifica-se, assim, que a mera subsunção do fato ao tipo penal – antijuricidade formal – não basta à caracterização devendo-se sempre indagar acerca da antijuricidade material, a qual exige efetiva lesão ou ameaça concreta de lesão ao bem juridicamente protegido, requisitos esses que constituem verdadeiro pressuposto para a caracterização do injusto penal”.
No mesmo sentido é o posicionamento de Cezar Roberto Bitencourt[5], vejamos:
“São inconstitucionais todos os crimes de perigo abstrato, pois, no âmbito do direito penal de um estado democrático de direito, somente se admite a existência de infração penal quando há efetivo, real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico determinado”.
Nesta perspectiva, comenta o prodigioso doutrinador Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli[6]:
“não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares manifestações de tutela jurídica desses bens. Embora seja certo que o delito é algo mais – ou muito mais – que a lesão a um bem jurídico, esta lesão é indispensável para configurar a tipicidade. É por isto que o bem jurídico desempenha um papel central na teoria do tipo, dando o verdadeiro sentido teleológico (de telos, fim) à lei penal. Sem o bem jurídico, não há um “para quê?” do tipo e, portanto, não há possibilidade alguma de interpretação teleológica da lei penal. Sem o bem jurídico, caímos num formalismo legal, numa pura “jurisprudência de conceitos“.
Assim sendo, mais uma vez se verifica a importância em se estudar a interpretação dos crimes de perigo abstrato, especificamente o artigo 306 do CTB, utilizando de métodos a demonstrar com clareza os posicionamentos doutrinários entre os mesmos.
1.1 CRIME DE PERIGO:
Primeiramente, deve-se ressaltar que a missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade entre outros, denominados bens jurídicos.
Francisco de Assis Toledo[7] diz que:
“bens jurídicos são valores ético-sociais que o direito seleciona com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”.
Na mesma trilha está a lapidar lição de Claus Roxin[8], segundo a qual:
“cada situação histórica e social de um grupo humano os pressupostos imprescindíveis para uma existência em comum se concretizam numa série de condições valiosas como, por exemplo, a vida, a integridade física, a liberdade de atuação ou a propriedade, as quais todo o mundo conhece; numa palavra, os chamados bens jurídicos”.
O bem jurídico objetiva embasar o trabalho de seleção dos tipos penais incriminadores, que somente se justificam na medida em que tutelam valores essenciais de uma comunidade, afastando, desta forma, incriminações de mero dever.
Para Fernando Capez[9]:
“A natureza do Direito Penal de uma sociedade pode ser aferida no momento da apreciação da conduta. Toda ação humana está sujeita a dois aspectos valorativos diferentes. Pode ser apreciada em face da lesividade do resultado que provocou (desvalor do resultado) e de acordo com a reprovabilidade da ação em si mesma (desvalor da ação).
Todo lesão aos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal acarreta um resultado indesejado, que é valorado negativamente, afinal foi ofendido um interesse relevante para a coletividade. Isso não significa, porém, que a ação causadora da ofensa seja, necessariamente, em si mesma sempre censurável. De fato não é porque o resultado foi lesivo que a conduta deva ser acoimada de reprovável, pois devemos lembrar aqui os eventos danosos derivados de caso fortuito, força maior ou manifestações absolutamente involuntárias. A reprovação depende não apenas do desvalor do evento, mas, acima de tudo, do comportamento consciente ou negligente do seu autor.
Como visto, uma das formas de classificar o delito é quanto ao resultado e, neste aspecto, o crime pode ser de dano ou de perigo, subdividindo-se em perigo concreto ou abstrato.
O Crime de perigo é aquele em que há o fenômeno da subsunção legal (tipicidade) sem a produção de um dano efetivo. Vale dizer, a tipicidade se completa sem que seja necessária a ocorrência de lesão ao bem jurídico tutelado pelo legislador, neste caso, o delito em questão se consuma com o simples perigo criado para o indivíduo, não há um resultado danoso para o bem jurídico, sendo que esse permanece incólume.
A lei contenta-se, para haver intervenção do Direito Penal, com a simples prática da ação que pressupõe perigosa e, por conseguinte danosa.
Na definição de Walter Coelho[10] crime de perigo:
“é aquele que, sem destruir ou diminuir o bem-interesse penalmente protegido, representa, todavia, uma ponderável ameaça ou turbação à existência ou segurança de ditos bens ou interesses, com relevante probabilidade de dano”.
No ensinamento de Magalhães Noronha[11]:
“crimes de dano são os que só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico tutelado: homicídio, lesões corporais etc. crimes de perigo são os que se contentam com a probabilidade de dano”.
Destaca-se que o os crimes de perigo são subsidiários em relação aos crimes de dano, pois como muito bem pontua Walter Coelho[12]:
“diante da relevância do bem jurídico tutelado, estende o Direito Penal a sua proteção desde a remota e potencial situação perigosa (contravenção), passando pelo perigo iminente ou próximo (crime de perigo), ate a efetiva lesão do interesse a ser resguardado”.
1.1. 1 ORIGEM:
A origem do termo “risco” não é precisa. Para Anthony Giddens[13], a palavra provém, provavelmente, de um termo árabe, aproveitado e utilizado pelos espanhóis quando das grandes navegações, que significaria: “correr para o perigo ou ir contra uma rocha”, enquanto que outros autores afirmam que o termo deriva do baixo-latim risicu, que significa, ousar, ou seja, atuar perante a possibilidade de perigo.
É evidente a relação entre risco e perigo, seja qual for a definição adotada. Risco é o adjetivo que se coloca ao agir humano diante do perigo, ou da possibilidade de perigo. Não há risco sem potência de perigo, sem iminência de perigo. O risco refere-se à tomada de consciência do perigo futuro, e às opções que o ser humano faz ou tem diante dele.
O perigo e o risco sempre estiveram presentes na atividade humana. O atuar em vida, o relacionamento com o outro e com as forças naturais sempre envolveram expectativas de perigo. No entanto, este perigo sempre foi considerado um elemento alheio à ordem social, uma ameaça alienígena que ocupava as atenções de maneira periférica e acessória.
A sociedade de risco é fruto do desenvolvimento do modelo econômico que surge na revolução industrial, que organiza produção de bens através de um sistema de livre concorrência mercadológica.
Neste sentido, a sociedade pós-industrial é caracterizada por ser uma sociedade de risco, isso significa que, em contraposição à sociedade industrial, em que vivíamos numa sociedade segura, o avanço tecnológico e industrial da contemporaneidade e a produção de riquezas acarretaram crescente exposição do ser humano a riscos, que são inerentes ao processo de evolução.
Para Marta Rodriguez de Assis[14]:
“É uma sociedade surgida surpreendentemente, uma vez que derivada do superdesenvolvimento da modernidade industrial, que acabou gerando efeitos e ameaças que não puderam ser assimiladas pela racionalidade da época industrial”.
Ainda segundo a autora:
“a sociedade mundial do risco parece nascer com a percepção social dos riscos tecnológicos globais e de seu processo de surgimento até então despercebido. É uma teoria política sobre as mudanças estruturais da sociedade industrial e, ao mesmo tempo, sobre o conhecimento da modernidade, que faz com que a sociedade se torne crítica de seu próprio desenvolvimento”.
O risco contemporâneo, no entanto, por apresentar características inéditas, como um alto potencial lesivo, como a dificuldade de conhecer sua real extensão e suas possíveis conseqüências, envolve a sociedade em uma sensação de insegurança coletiva, intensificada pela ação de meios de comunicação de massa e pela desintegração de pautas de confiança e de expectativa no agir.
Denise Nóbrega Ferraz[15] esclarece que como conseqüência deste risco:
“há uma supervalorização da vítima. Tem-se o fenômeno da identificação social com a vítima, o sujeito passivo, mais do que com o autor, o sujeito ativo. Esse fenômeno fundamenta-se na caracterização da sociedade de risco como uma sociedade de classes passivas. Ocasionando, inclusive, uma mudança de concepção da lei penal, que passa de Magna Charta exclusivamente do delinqüente para ser considerada também a Magna Charta da vítima”
Essas características se aliam a outros fatores a fim de explicar a expansão do direito penal, como ainda, o descrédito de outras instâncias de proteção, a inexistência, a insignificância ou o desprestígio de outros mecanismos não penais, como a ética, o direito civil e o direito administrativo.
Ainda segundo Denise Nóbrega Ferraz[16]:
“esses ramos não detém a autonomia necessária para tutelar lesões a bens jurídicos, o que conduz a um alastramento da delinqüência e ao incremento de proibições penais. Trata-se o direito penal como o único instrumento eficaz de pedagogia político-social, como mecanismo de socialização, de civilização, supondo uma expansão ad absurdum da outrora ultima ratio.
Outros fatores são os novos gestores da moral coletiva, ou gestores atípicos da moral, que são as associações ecológicas, feministas, de consumidores, de vizinhos, pacifistas, antidiscriminatórias, ou, em geral, as ONGs que protestam contra a violação de direitos humanos. Essas associações contribuem para uma progressiva ampliação do direito penal na medida em que cresce a necessidade de efetiva proteção dos seus interesses”.
Assim, para conter a insegurança dessa denominada sociedade de risco, a realidade reclama uma adaptação do direito, primordialmente do direito penal, essa complexidade, pois os seus instrumentos tradicionais, ou seja, os crimes de resultado e de lesão, se afiguram insuficientes frente dessa nova ordem globalizada, surgindo uma nova concepção de direito penal, denominada por alguns doutrinadores como o direito penal moderno.
Contudo, a resposta do Estado tem sido da concepção de um Direito Penal cada vez mais punitivo e preventivo. Um desses efeitos traduz-se na abundante utilização de tipos penais de perigo abstrato, em contraposição aos de lesão e perigo concreto, paradigma do Direito Penal Clássico.
Para Diego Romero[17]
“essa técnica legislativa e político-criminal das últimas décadas, mormente das duas últimas, quando a sociedade global tomou consciência dos riscos e ameaças que caracterizam o processo de evolução da tecnologia, suscita não só conflitos com princípios fundamentais da ciência penal, senão também sérios e graves problemas de legitimação do ius puniendi, de sua fundamentação e de seus limites, já que a criminalização com uso do modelo dos tipos de perigos abstratos trata-se de flagrante antecipação da punição criminal.
Vislumbra-se, então, que tentando dar uma resposta radical aos novos riscos e desafios criados pela sociedade contemporânea, o Direito Criminal é chamado “em primeira mão”, e levado a trabalhar cada vez mais com os crimes de perigo abstrato, que abrangem no muito das vezes situações prévias ao crime (punem o pré-delito). No entanto, este alargamento do uso de tipos preventivos, constitui-se em notória contradição aos princípios do Direito Penal Liberal, que primam sempre pela punição do resultado efetivamente lesivo ao bem jurídico tutelado”.
Vejamos a dicotomia entre perigo concreto e perigo abstrato.
1.1.2 DICOTOMIA: PERIGO CONCRETO E PERIGO ABSTRATO:
Como vimos, a afetação do bem jurídico pode ocorrer de duas formas, quais sejam, de dano ou lesão e de perigo.
Há dano ou lesão quando a relação de disponibilidade entre o sujeito e o bem jurídico afetado, ou seja, quando, efetivamente, concluiu-se a disposição, seja de forma permanente, como no homicídio, seja de forma transitória como na lesão corporal de natureza leve.
Quanto aos crimes de perigo há afetação do bem jurídico quando a tipicidade requer apenas que essa relação tenha sido colocada em perigo, subdividindo-se em perigo concreto e perigo abstrato, vejamos cada um deles.
1.1.2.1 PERIGO CONCRETO:
Primeiramente, deve-se frisar que o fundamento da punição dos crimes de perigo concreto encontra-se, como bem relata José Francisco de Faria Costa,[18] no fato de:
“o legislador querer, sem duvida proteger um determinado bem jurídico e pode fazê-lo porque considera que o por em perigo é elemento bastante para justificar uma pena criminal”,
Neste sentido, conceitua, Ângelo Roberto Ilha da Silva[19], o crime de perigo concreto como sendo:
“aquele segundo o qual, para o aperfeiçoamento do tipo, exige-se a verificação efetiva do perigo, devendo este ser constatado caso a caso. No delito de que se cuida, consoante a quase totalidade da doutrina, o perigo é indicado no modelo legal, ou seja, constitui elemento do tipo”.
Diante do conceito acima, podemos dizer que crime de perigo é aquele que, sem destruir ou diminuir o bem jurídico tutelado pelo direito penal, representa uma ponderável ameaça ou turbação à existência ou segurança de ditos valores tutelados, uma vez existir relevante probabilidade de dano a estes interesses.
Neste diapasão, tem-se que nos crimes de perigo concreto, a realização do tipo pressupõe efetiva produção de perigo para o objeto da ação, de modo que a ausência de lesão para o objeto da tutela penal pareça meramente obra do acaso.
Juarez Cirino dos Santos[20] aduz que:
“segundo a moderna teoria normativa do resultado de SCHÜNEMANN, o perigo concreto se caracterizaria pela ausência casual do resultado, e a casualidade representa circunstância em cuja ocorrência não se pode confiar”,
Denise Nóbrega Ferraz[21] diz que foram criados múltiplos critérios classificatórios visando caracterizar os crimes de resultado de perigo, citando como sendo os mais importantes:
“Primeiramente Angioni parte da premissa de que o juízo acerca dos crimes de perigo deve passar por três avaliações: a do momento da conduta típica, a do momento do resultado do perigo e a do momento do processo penal. Quando a análise é feita antes do processo penal, fala-se numa perspectiva ex ante, enquanto a verificação, no curso do processo penal, deve ser tanto ex ante quanto ex post.
Já Schröder considerou necessário trasladar a base do juízo do momento em que se dá o fato típico para a situação em que a ação viria a provocar uma lesão numa clara análise ex post, ou seja, no lugar de juízos prognósticos do perigo, dever-se-iam ser feitos diagnósticos baseados na situação de perigo.
Um avanço quanto a esse pensamento ocorreu na Alemanha, a partir de uma construção idealizada por Eckard Horn, que pode ser conceituada como a teoria do injusto pessoal monista-subjetiva, e outras de cunho normativo pregada por Bernd Schünemann, Heinnrich Demuth e Jüngen Wolter.
Horn atribui aos crimes de resultado de perigo uma natureza ontológica, pois, para ele, o injusto é composto apenas pelo desvalor da ação, ficando o desvalor do resultado para o âmbito da condição objetiva de punibilidade. Afirma que a situação de perigo seria um estado de desenvolvimento de uma ação que culmina em uma lesão, a qual não existirá sem uma situação prévia, mas que, se comprovada, acarretará o perigo.
Essa teoria foi basicamente criticada, encontrando poucos seguidores. Entendeu-se, principalmente, que o critério formulado encontra-se falho, na medida em que se mostra extremamente determinístico, exigindo uma lei que demonstre a impossibilidade da realização da lesão.
A concepção normativa, por sua vez, pode ser classificada a partir de três posições, todas elas partindo da ótica da imputação objetiva, observando a situação perigosa sob a ótica do risco.
Schünermann propõe que, “somente haverá de se constatar a situação como de perigo concreto, quando os meios normais para eliminar a potencialidade lesiva da situação não forem suficientes, devendo, para tanto, adotarem-se medidas extraordinárias”. Segundo ele, não excluiriam o perigo as capacidades excepcionais da vitima, desconhecidas pelo agente.
Dehmuth entende que existem situações em que o bem se vê de tal forma ameaçado por uma situação perigosa que as medidas preventivas normais mostrar-se-iam insuficientes para a sua devida proteção.
Finalmente, Wolter parte da teoria normativa modificada do resultado de perigo, cujo pensamento exige uma relação de adequação entre a ação típica e o evento de perigo, pois, somente a partir do risco criado pelo sujeito, é que o bem jurídico deve ser protegido.
Todas essas teorias foram objeto de críticas, pois, em algum momento, careciam de sistematização e seriam de difícil sustentação prática. Mas reconheceu-se que essas teorias muito contribuíram para o estudo dos crimes de perigo concreto.
Isso porque o estabelecimento da perspectiva sobre a qual é elaborado o conceito de crime de perigo concreto, se ex ante ou ex post, é determinante para se conhecer a legitimidade desse tipo de crime”.
Diego Romero[22] alega que para a caracterização dos crimes de perigo concreto faz-se necessário a coexistência de no mínimo três situações, são elas:
“primeiramente, é fundamental existir um objeto tutelado que entre no âmbito de conhecimento e volição daquele que pratica determinada ação que acaba expondo tal objeto a perigo de dano; em segundo lugar, esta ação realizada deve criar real e individual perigo de dano ao objeto da ação; e em terceiro lugar, do ponto de vista do bem jurídico, esta exposição concreta a perigo traduz-se em uma situação em que apresenta-se provável a causação de uma lesão, que não pode ser evitada de forma alguma”.
1.1.2.2 PERIGO ABSTRATO:
Quanto aos crimes de perigo abstrato, ou de mera conduta perigosa, tratam de uma de uma presunção legislativa de perigo.
O legislador parte de uma determinada conduta e a considera, por si só, como lesiva ou potencialmente perigosa ao bem jurídico e a descreve, na norma penal, como conduta criminosa, sendo que, para a sua configuração não se exige a comprovação do perigo real, pois este é presumido pela norma, sendo uma presunção júris ET de jure.
Nestes casos verifica-se que a punição se impõe ainda que a conduta praticada pelo agente não seja apta a causar nenhum dano ou perigo concreto de dano ao bem jurídico-penal.
Delito de perigo abstrato são, nas palavras de Claus Roxin[23]:
“aqueles em que se castiga a conduta tipicamente perigosa como tal, sem que no caso concreto tenha ocorrer um resultado de exposição a perigo”.
Vislumbra-se que os crimes de perigo abstrato não buscam responder a determinado dano ou prejuízo social realizado pela conduta, senão evitá-la, barrá-la, prevenindo e protegendo o bem jurídico de lesão antes mesmo de sua exposição a perigo real, concreto, efetivo de dano. Ao fazer uso desta modalidade delitiva, quer o Direito Penal da atualidade proporcionar, ou melhor, dar a sensação de segurança ao corpo social.
A definição jurídica de tal modalidade delitiva dependerá não da previsão de uma conduta com probabilidade concreta de dano, isto é, de um resultado efetivamente perigoso para a vida social, mas da prática de um comportamento simplesmente contrário a uma lei formal, em outras palavras, a simples realização de um ato proibido pelo legislador, sem causar necessariamente dano ou sequer um perigo efetivo à ordem jurídica, ou seja, pune-se ainda que não ocorra o dano efetivo do bem jurídico, ou, ao menos, sua possibilidade concreta. Pune-se, pois, a pura violação normativa.
Para Miguel Reale Júnior[24]:
“na construção do modelo típico dos crimes de perigo abstrato, o legislador, adstrito à realidade e à experiência, torna puníveis condutas que, necessariamente, atendida a natureza das coisas, trazem ínsito um perigo ao bem objeto de tutela”.
Desta forma, verifica-se que se buscou um tratamento à criminalidade moderna nos moldes concebidos pelo direito penal de tradição iluminista, sem critérios, razão pela qual se entendeu que os crimes de perigo abstrato são uma indevida antecipação da tutela penal.
Nota-se, que o legislador facilita os caminhos da punição criminal, pois se renuncia a prova de um dano e a prova da causalidade entre a conduta e o resultado, já que este é presumido, na busca de uma efetiva repressão ao crime.
Todas as críticas, feitas pela doutrina alemã, aos crimes de perigo abstrato foram sistematizadas por Juarez Cirino dos Santos[25], vejamos:
“JAKOBS fala da ilegitimidade da incriminação em áreas adjacentes à lesão do bem jurídico; GRAUL rejeita a presunção de perigo dos crimes de perigo abstrato; SCHRÖDER propôs admitir a prova da ausência de perigo; CRAMER pretendeu redefinir o perigo abstrato como probabilidade de perigo concreto. Por outro lado, destacando a finalidade de proteção de bens jurídicos atribuída aos tipos de perigo abstrato, aparentemente indissociáveis de políticas comprometidas com o controle ecológico, o controle das atividades econômicas e, de modo geral, a garantia do futuro da Humanidade no planeta, HORN e BREHM propõe fundar a punibilidade do perigo abstrato na contrariedade ao dever, como um perigo de resultado (e não como resultado de perigo) e FRISCH pretende compreender os delitos de perigo abstrato como delitos de aptidão (Eignungsdelikte), fundado na aptidão concreta ex ante da conduta para produzir a conseqüência lesiva”.
Importante ainda ressaltar que, no âmbito dos delitos de perigo abstrato, a demonstração da periculosidade da conduta, imposta à parte acusatória, não exige grandes considerações, uma vez que o tipo penal não prevê resultado nem situação concreta de perigo.
1.1.2.2.1 UTILIZAÇÃO DO PERIGO ABSTRATO:
A técnica dos delitos de perigo abstrato constitui-se numa das características mais visíveis do desenvolvimento atual das legislações penais, acentuando-se seu uso nos campos mais problemáticos da regulação positiva, nos quais se sente a necessidade de política de segurança mais aguda, como, por exemplo, no direito penal econômico e do meio ambiente, até mesmo para facilitar e diminuir os problemas processuais (dificuldades na produção de provas, na verificação dos sujeitos ativos) nas averiguações destes delitos.
E é justamente essa a razão pela qual os crimes de perigo abstrato são criticados pela nossa doutrina majoritária, segundo Renato Mello Jorge da Silveira[26]:
“(…) passou-se a punir até mesmo simples desobediências às abstrações legais e não a atos de autoridades. A demasia, demonstrada gritante, decorre da ideologia do crescimento penal, nascida da duvidosa eficácia das normas extra penais. Com isso também as normais (sic) penais passam a ter eficácia duvidosa, ampliando-se o desprestígio do direito”.
E continua o autor:
“(…) em conseqüência, o juiz, mesmo sem visualizar a proximidade de um dano, de uma ofensa a bem jurídico, passa a dispor da atribuição de procurar potencialidades danosas; também o legislador tem o poder de criar bases normativas destinadas a punir condutas de mero perigo abstrato, isto é, causadoras de um nada, nasceram leis formais, concedendo-se ao julgador um amplo e ilusório espectro de poder, mediante normas penais em desarmonia com a regra matriz dos crimes de perigo, contida no art. 132, do Código Penal. Como se sabe, esse delito é o grande paradigma dos demais crimes de perigo, exigindo que a conduta crie um perigo direto e iminente”.
A prova da periculosidade da conduta, necessária para a caracterização da tipicidade, é realizada pela simples demonstração da potencialidade do ato de causar danos ou lesões, que podem ser refutados pelo autor do fato, com os elementos da ampla defesa a seu alcance.
Atualmente existe no mundo uma tendência à criação de microssistemas jurídicos, como resposta à necessidade do Direito de acompanhara a dinâmica social. Com o surgimento de novos bens jurídicos, indispensáveis para uma convivência harmônica da sociedade, o legislador tenta suprir os anseios sociais através da ampliação da área de atuação do Direito Penal. O grande problema é que ao inserir nestes microssistemas o Direito Penal, este passa a ser utilizado numa área estranha a sua. Desta forma, passa-se a tutelar bens não tradicionais e limitar garantias fundamentais pelo uso inadequado do Direito Penal.
Diante da utilização em excesso dos delitos de perigo abstrato é que surge a importância do estudo, pois, os delitos de perigo abstrato podem trazer consigo falha na determinação ou abstração que traga consigo a sua inconstitucionalidade por violação a vários princípios constitucionais penais.
2.1 MOMENTO HISTÓRICO DE CRIAÇÃO DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
A desenfreada e descontrolada freqüência dos acidentes de trânsito no Brasil, ocorridos antes da lei 9.503/97, situando-nos, cada vez mais, na posição de campeões mundiais do genocídio motorizado, além das mortes no trânsito, havendo vários casos de mutilações, feridos e de catastróficos danos materiais, que destroçavam veículos, cargas preciosas, danificando as próprias rodovias e, até mesmo, destruições causadas com cargas perigosas que são transportadas e esparramadas é que foram o estopim para a criação do Código de Transito Brasileiro.
O Professor José Roberto de Souza Dias[27] em um artigo publicado no site do Instituto Chamberlain traz que:
“A sociedade brasileira tem enfrentado grandes desafios ao longo da história. São tantos os problemas vividos que é quase impossível enumerá-los e colocá-los em um gráfico que revele claramente a importância e significado. Mas, sem dúvida, o trânsito tem sido uma das preocupações no cotidiano de nossas ruas e estradas.
O dia em que se escrever “a história contemporânea da família brasileira” se perceberá que o Estado, com suas leis e aparato repressivo, é um grande ausente quando necessário se faz garantir o direito à paz e à tranqüilidade de seus cidadãos. O trânsito é um exemplo disso.
Mas, o processo histórico, com suas circunstâncias, tem suas exceções. No momento em que o trânsito mais matava no Brasil, que o número de acidentes, feridos e mortos ultrapassava a estatística das guerras, o Governo Federal, em 1993, compreendendo o apelo da família brasileira, criou o Programa PARE, de redução de acidentes de trânsito.
O PARE consagrava uma nova forma de relacionamento entre Estado e Sociedade. Instituído no Ministério dos Transportes, através da Portaria 621/2003, abria espaço para a participação social, através das associações de familiares e vítimas de trânsito, universidades, escolas, sindicatos, governos estaduais e municipais, etc. Sem recursos, mas com muita garra, coordenações do PARE foram se organizando em todo o Brasil.
Em 1995, “uma Chama Pela Paz no Trânsito”, saiu da cidade de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, atravessou vários estados e entregou ao Presidente Fernando Henrique Cardoso um abaixo assinado, com mais de um milhão de assinaturas, pedindo a aprovação de um novo Código Brasileiro de Trânsito. Dois anos depois, em 23 de setembro de 1997, o novo código de trânsito foi sancionado.
Mas essa não foi a única vitória da mobilização social iniciada em 1993 com o Programa PARE. A difusão do cinto de segurança em todo o território nacional, o transporte de crianças no banco traseiro, a obrigatoriedade de bancos altos nos assentos de trás e principalmente a redução na gravidade dos acidentes foram algumas das expressivas vitórias conquistadas pela mobilização social, representada pelo Programa PARE.
Importante se faz lembrar as ações locais que ajudaram a conquistar a opinião pública e a diminuir a gravidade dos acidentes tais como: os comandos educativos durante as festas juninas no nordeste, as férias de verão no sul e no sudeste e os comandos de saúde dos caminhoneiros, inclusive na região norte, no período que antecedia o maior fluxo de cargas de eletrodomésticos, provenientes da zona franca de Manaus”.
Esses números tornaram os acidentes de trânsito um importante problema de saúde pública e sobrecarregavam o setor, em função dos elevados percentuais de internação e dos altos custos hospitalares, além de gerarem problemas para a sociedade, tais como perdas materiais, despesas previdenciárias e grande sofrimento para as vítimas e seus familiares. Neste cenário é que foi criado o Código de Trânsito Brasileiro.
Com relação ao Novo Código de Trânsito Ulysses Fonseca Louzada[28] ao explanar sua opinião sobre o assunto esclarece que:
“Lendo-se o texto da lei, não há como não se ficar um tanto perplexo pela forma como estão expostas várias matérias sob pontos dos mais diversos ramos do direito. A impressão que se tem é que o legislador quis fazer uma coletânea de tudo que existe a respeito do trânsito, sem preocupação com a técnica, com a forma e com o fundo; despejou dentro de um código tudo a respeito do trânsito e disse: agora vocês cumpram, na tentativa de acabar com a criminalidade nas vias públicas”.
Na nova legislação de trânsito o tema educação foi tratado como essencial para mudar as condições do trânsito brasileiro tendo sido abordados por vários ângulos, como os pontos em carteira por infrações de trânsito cometidas, a obrigatoriedade do uso do capacete e do cinto de segurança, entre outras, foram utilizadas para dar um basta na situação catastrófica existente, na qual, o trânsito brasileiro matava mais que as guerras, sendo que, quando de sua promulgação, o Código de Trânsito Brasileiro, foi considerado o mais moderno do mundo.
2.2 UTILIZAÇÃO DOS CRIMES DE PERIGO NO CTB.
Como vimos no tópico acima, a nova legislação de trânsito foi criado em um momento conturbado do País no que se refere a violência no trânsito, diante do quadro vigente à época, cumpriu ao Novo Código de Transito Brasileiro a relevante missão de regular situações que transformam uma atividade lícita em meio de perpetração de crimes.
Não é a toa que foi criado um capítulo próprio para os considerados Crimes de Trânsito, sendo elencados fatos que outrora eram simples infrações administrativas ou contravenções penais, cujas sanções encerram severidade, incidindo, ainda, casos em que houver efetivo resultado lesivo, bem como, naqueles em que se configuram simples exposição a perigo.
Quanto ao assunto, Arnaldo Rizzardo[29] esclarece que:
“Embora as contundentes críticas à imperfeição da legislação, detectável em muitos dos dispositivos, mais grave seria a omissão ou o silêncio ante o quadro que vinha perpetuando os abusos, as incoerências, as atrocidades, os crimes, as irresponsabilidades.(…)
Cria-se um novo ramo ou campo do direito penal. Saem da vala comum do Código Penal os chamados crimes do automóvel, que eram sempre enquadrados na modalidade culposa do homicídio e das lesões corporais, o que implicava penas ridiculamente baixas e ineficazes, tornando o crime sem importância, como ressaltava um dos tantos pareceres que justificava emendas apresentadas ao projeto de lei nas Casas do Congresso”.
André Luiz Callegari[30] esclarece que, à época, para a caracterização dos crimes de transito, necessário que configura-se o perigo concreto, vejamos:
“Portanto, nos delitos previstos no Código de Trânsito, só pode ser esta a interpretação, é dizer, são delitos de perigo concreto, necessitando sempre da prova da existência do perigo, tendo em vista a natureza material da antijuridicidade e também a moderna visão do Direito Penal, devendo-se sempre levar em conta não só o desvalor da ação, mas, também, o desvalor do resultado”.
Coma inclusão de diversas condutas tipificadas como crime, importante especificar os bens-jurídicos protegidos pelo Código de Trânsito na época de sua edição, como bem relacionou Maurício Antonio Ribeiro Lopes[31], vejamos:
“Defendeu a vida no art. 302 ao prever, ainda que canhestramente, o crime de homicídio culposo na direção de veículo. Também a integridade física foi tutelada no art. 303 em tipo penal que padece de defeitos estruturais análogos ao seu antecedente, com a descrição da lesão corporal culposa na direção de veículo. Esses mesmos bens jurídicos mereceram reforço na proteção conferida pelo crime especial de omissão de socorro em acidente de trânsito (art. 304).
A segurança pública foi amparada pelo art. 305 que disciplinou o crime de evasão do condutor causador do acidente (art. 305). Também a segurança e a incolumidade pública restaram defendidas com o crime previsto no art. 306 (direção sob a influencia de álcool ou substância de efeitos análogos), pela incriminação das disputas de corrida ou competição não autorizadas (art. 308), pelo crime de mera conduta descrito no art. 311 (tráfego em velocidade incompatível com a segurança em locais específicos).
Os arts. 309 (direção sem habilitação ou permissão) e 310 (entrega de veículo a pessoa não habilitada) tutelam indiretamente a segurança.
À administração pública esta preservada no crime de desobediência descrito no art. 307 e pelo crime do art. 312 (fraude processual)”.
Entretanto, para Edson Miguel da Silva Júnior[32], a lei 9.503 quando criou vários crimes de perigo relacionados À direção de veículo automotor cometeu um duplo equívoco:
“Primeiro, a redução dos acidentes de trânsito não se consegue com legislação criminal. Homicídio e lesão corporal culposos na direção de veículo automotor há muito são crimes e não alcançaram o esperado êxito na prevenção ou mesmo na punição dessas condutas. Indicando, portanto, que os novos tipos desempenham mais uma função simbólica do que de proteção da incolumidade pública ameaçada pelo trânsito cada vez mais desordenado e congestionado das nossas cidades; pela falta de tempo normal do nosso estilo de vida; pelo culto à velocidade expresso em máquinas cada vez mais velozes; pela falta de educação de trânsito etc.
Segundo, como observa João José Caldeira Bastos, os crimes de perigo, em regra, não passam de complicadores do sistema jurídico-penal, que já funciona seletivamente, e com previsível parcimônia, até mesmo nas ocorrências de dano. Arrematando, que tal criminalização colocará em cheque, mais uma vez, a credibilidade funcional da Polícia Judiciária, do Ministério Público e da Magistratura, em prejuízo da comunidade”.
A grande questão colocada em discussão quanto à inclusão de crimes de perigo concreto na legislação de trânsito, a época, foi o fato de que, primeiramente, não existe dano a ser reparado e, segundo, porque ausente a vítima concreta, já que o bem jurídico em questão é a segurança viária, contudo, é sempre necessário a prova da existência do perigo.
2.3 TRANSFORMAÇÃO DOS CRIMES DE PERIGO CONCRETO EM PERIGO ABSTRATO NO CÓDIGO DE TRÂNSITO.
As grandes alterações legislativas no que diz respeito ao trânsito, como vimos sempre tiveram como cenário de fundo o caos no trânsito, o que fez com que o legislador criasse uma lei bastante rigorosa para o transito.
Desta forma, a criminalidade no trânsito foi declarada como um dos principais fatores de problemas sociais dentro de nosso País, socorrendo-se o legislador, sem critérios, novamente, ao Direito Penal como “solução” dos crimes de trânsito, com o retorno à utilização do delito de perigo abstrato, tão contestados pela doutrina no passado.
A legislação anterior, por opção do legislador, trazia em seu bojo a técnica de tipificar as condutas como sendo de perigo concreto (artigos 306, 308, 309, 310 e 311 Lei. nº. 9.503/97), isso porque ao final dos tipos penais encontram-se os termos: “expondo a dano potencial ou a incolumidade de outrem); “desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada”; “gerando perigo de dano”; etc.
Com as recentes modificações introduzidas pela Lei nº. 11.705, de 19 de junho de 2008, retornamos à utilização de delitos de perigo abstrato, isto porque basta a mera condução de veículo automotor com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência para que se configure o crime.
Portanto, o motorista que for flagrado dirigindo embriagado, de acordo com a nova lei, já cometeu o crime de trânsito, pois se trata de mera presunção de perigo.
Quanto as alterações realizadas André Luís Callegari[33] esclarece que:
“No sentido de defesa dos delitos de perigo abstrato, afirma-se que o adiantamento da barreira de intervenção penal inclusive anteriores a colocação em perigo, obedece-se a uma regra de experiência, neste caso empiricamente contrastada, que permite afirmar a perigosidade inerente a determinados comportamentos. Isso foi explicado, no delito de dirigir embriagado, por Silva Sanchez a partir da consideração da conduta típica como um caso de “imprudência sem resultado” criminalizada excepcionalmente ao menos por duas razões: em primeiro lugar, por tratar-se de uma imprudência permanente, que se prolonga no tempo, o qual a torna mais perigosa que um ato isolado; em segundo lugar, a situação descrita admite uma maior objetivação da infração do dever de cuidado em comparação com outras formas de condução perigosa (cansaço ou sono, por exemplo).
O problema referido de adiantamento das barreiras de proteção penal parece contrastar com a antijuridicidade material, é dizer, estaríamos desvalorando a simples ação do sujeito, independentemente da produção do resultado. Assim, nos delitos de perigo abstrato não se faz necessária a verificação de um resultado de perigo concreto para a vida ou integridade física das pessoas, posto que o perigo é presumido. Basta a condução do veículo com a concentração superior de álcool prevista na lei”.
Os crimes de perigo concreto são aqueles em que a probabilidade da lesão concreta implica de algum modo uma comoção para o bem jurídico, é dizer, que temporal e especialmente o bem jurídico provavelmente afetado esteve em relação imediata com a colocação em perigo.
Isto tem importância desde o ponto de vista processual-penal, pois é necessário então provar que um bem jurídico foi posto em perigo, que houve uma relação entre o comportamento típico do sujeito e o bem jurídico.
Nos delitos de perigo abstrato, em troca, presume-se ipso iure o perigo para o bem jurídico, não havendo, pois, possibilidade de prova em contrário, basta comprovar a realização do comportamento típico, desde então que a doutrina se tem declarado contra, pois se opõe ao princípio garantidor de nullum crimem sine iniuria, que surge de uma concepção material da antijuridicidade e do injusto.
No fundo, mediante o recurso ao delito de perigo abstrato pode-se estar castigando criminalmente em razão a uma determinada visão moral, política ou social, ou bem, uma mera infração administrativa.
Insta salientar, acerca deste ponto, que a melhor doutrina tem rechaçado abertamente esse tipo de cominação penal sob o argumento de que não se pode abdicar das regras de salvaguarda democrática integrantes da técnica de construção penal em um Estado de Direito no momento da confecção de normas penais, em nome de um combate mais “eficiente” e “duro” à criminalidade.
Segundo as preciosas lições do Professor Miguel Reale Junior[34]:
“é forçoso dar-se a moldura de delito de perigo concreto ao tipo indeterminado, visando adequá-lo às exigências constitucionais, graças ao estabelecimento de referências ao labor interpretativo e construtivo do juiz. Do contrário, o poder discricionário transforma-se em arbítrio, entregue exclusivamente às livres convicções subjetivas do magistrado, gerando a mais grave das inseguranças”.
Assim, verifica-se que não pode haver crime sem que haja resultado, já que a lesão ou perigo real de lesão ao bem jurídico tutelado é a base do juízo da antijuridicidade, caso contrario corre-se o risco de ferir vários princípios do Direito Penal, como veremos mais adiante.
3.1 PRINCÍPIOS PENAIS FRENTE OS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO.
Os crimes de perigo abstrato ou presumido, como vimos, dispensam a comprovação da existência da situação em que se colocou em perigo o bem jurídico protegido, havendo, neste sentido, uma presunção juris et de jure, no entanto, geram a punição pelo mero descumprimento da lei formal, sendo que, o perigo não é elementar do tipo, ao contrário dos crimes de perigo concreto, sendo apenas a motivação para sua criação, o que segundo alguns doutrinadores fere princípios constitucionais penais.
Mas antes de nos aprofundarmos no tema, vejamos o posicionamento de Norberto Bobbio[35], sobre o que são princípios:
“Os princípios gerais são, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. O nome de princípios induz em engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios são ou não são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as demais. E esta é a tese sustentada também pelo estudioso que mais amplamente se ocupou da problemática, ou seja, Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos vêm a ser dois e ambos válidos: antes de tudo, se não normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio de espécies de animais, obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. Para regular um comportamento não regulado, é claro: mas agora servem ao mesmo fim para que servem as normas expressas”.
A Constituição pátria consagra o princípio da igualdade de forma genérica em seu art. 5º, caput, e com formas mais específicas em seus incisos, podendo-se também afirmar que a tipificação de delitos que visem a ofender tal princípio resultará em ilegítima.
É certo que a Constituição Federal impõe incriminações a determinadas condutas como a pratica de racismo, o trafico de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo, a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
No Brasil, como vimos, podemos vislumbrar várias vedações implícitas e explícitas de criminalizações. Não é possível em face da Constituição Federal, criminalizar, por exemplo, o estabelecimento de associações para fim lícito, a recusa em associar-se ou em permanecer associado, a busca da tutela de um direito em juízo entre outros.
Se é correto que há imposições de criminalizações para a consecução da resguarda de certos bens, também não é menos correto afirmar que nem todo bem constitucionalmente valioso e consagrado requer uma tutela penal, contudo, toda legislação deve observar os princípios constitucionais para não irem de encontro a Constituição Federal.
Vejamos alguns princípios de natureza penal que conflitam com os crimes de perigo abstrato.
3.1.1 CRIMES DE PERIGO ABSTRATO E O PRINCÍPIO DE INOCÊNCIA.
O princípio da presunção de inocência emerge do inciso LVII, do artigo 5º da Constitucional Federal, o qual tem a seguinte redação “in verbis”:
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
Pelo princípio da presunção de inocência, como podemos verificar no texto da Carta Magna acima exposto, o Estado tem que comprovar a culpabilidade do indivíduo que, a priori, é presumidamente inocente. Mas esta presunção é relativa, sendo afastada caso se comprove que o acusado é realmente responsável pelo delito que lhe foi reputado.
Pierpaolo Cruz Bottini[36] ao abordar o tema esclarece que:
“O ônus da demonstração da periculosidade, neste caso, deve recair sobre a parte que busca a incidência da pena, e não o contrário. O princípio da presunção de inocência impõe uma diretriz clara à aplicação do direito penal. Trata-se de garantia fundamental que preserva o cidadão diante da atividade repressiva e notadamente agressiva do estado no exercício do ius puniendi, também atrelada ao princípio da dignidade humana e a necessidade de impedir a imposição da pena arbitrariamente. A presunção de inocência é um corolário inafastável do direito penal de um Estado Democrático de Direito”.
A comprovação da responsabilidade penal do agente, que gera como conseqüência o afastamento da presunção de sua inocência, deve se dar de acordo com o devido processo legal, sendo-lhe garantido o contraditório e a ampla defesa.
Desta forma, o acusado será cercado de garantias para que não sofra medidas repressivas sem que seja caracterizada a sua culpabilidade.
Ainda, segundo Alexandre de Moraes[37]:
“a presunção de inocência condiciona toda condenação a uma atividade probatória produzida pela acusação e veda taxativamente a condenação, inexistindo as necessárias provas.”
Contudo, Pierpaolo Cruz Bottini[38], sobra a produção de provas nos crimes de perigo abstrato, relata que:
“Importa ressaltar que, no âmbito dos delitos de perigo abstrato, a demonstração da periculosidade da conduta, imposta à parte acusatória, não exige grandes considerações, uma vez que o tipo penal não prevê resultado nem situação concreta de perigo. A prova da periculosidade da conduta, necessária para a caracterização da tipicidade, é realizada pela simples demonstração da potencialidade do ato de causar danos ou lesões, e esta constatação decorre da verificação dos elementos ontológicos e nomológicos, que podem ser refutados pelo autor do fato, em um salutar e democrático embate argumentativo.
No entanto, nos espaços de precaução, verifica-se justamente a ausência de provas de periculosidade da conduta, que não podem ser aferidas nem pelo Estado nem pelo particular, devido à não disponibilidade de conhecimento científico sobre a matéria. Nestes casos, a falta de evidências de risco não decorre da incapacidade de uma das partes em apresentá-las, mas da própria ausência absoluta de conhecimento nomológico capaz de sustentar a tipicidade. A falta de dados e informações afetará os argumentos da acusação e da defesa. Logo, imprimir ao acusado a obrigação de produção de prova de inocuidade da conduta, dentro de um contexto de clara incapacidade científica para qualquer aferição consistente, levará à violação do princípio e inocência”.
3.1.2 CRIMES DE PERIGO ABSTRATO E O PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE OU LESIVIDADE.
Primeiramente é de se destacar que entre nós é venerada a idéia minimalista que, por sua vez, advoga que, para racionalizar e minimizar a atuação do sistema repressivo por excelência é que foi formulada a teoria do bem jurídico penal, de sorte que o Estado só tem legitimidade para exercer o jus puniendi quando se vê diante de uma conduta que tenha lesionado um bem jurídico ou o tenha exposto em perigo de lesão, senda daí que surge o aforismo nullum crimen sine injuria – não há crime sem lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico relevante.
O princípio da lesividade ou ofensividade, nullum crimen sine injuria, consiste precisamente na consideração de que toda incriminação deva ter por finalidade a proteção de bens jurídicos de lesões ou exposições a perigo, ou seja, o modelo legal deve descrever uma conduta que seja apta a vulnerar um bem merecedor da tutela penal.
O princípio da lesividade ou ofensividade está implicitamente previsto no texto constitucional, pois tem embasamento no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF-88) – o Direito Penal só pode atuar na vida das pessoas quando for estritamente necessário, pois o sistema repressivo cerceia a liberdade do ser humano e a liberdade é inerente à dignidade humana.
Ângelo Roberto Ilha da Silva[39], sobre o assunto, esclarece que:
“Com efeito, o Estado Democrático de Direito caracteriza-se, entre outros traços, pelo respeito à dignidade da pessoa humana e pelo respeito à liberdade, não tendo um fim em si mesmo, ao contrário, devendo estar a serviço do bem-estar da população, não deve intervir na vida de seus súditos de modo arbitrário, proibindo condutas de mero dever de obediência, ou pretender conformar seus cidadãos a um determinado posicionamento político ou moral, com a ameaça de pena”.
Há forte corrente doutrinária que aponta a inconstitucionalidade dos delitos de perigo abstrato por ofender o principio da lesividade.
Cezar Bitencourt[40] afirma que, em razão do princípio da lesividade:
“são inconstitucionais todos os chamados crimes de perigo abstrato (…) somente se admite a existência de infração penal quando há efetivo, real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico determinado”.
No mesmo sentido Luiz Flávio Gomes[41] assevera que, tendo em vista o princípio da lesividade:
“que está vedada a possibilidade de o legislador configurar o delito como uma mera desobediência ou simples infração da norma ou mesmo como simples desvalor da ação (é o que se dá no perigo abstrato)”.
Alice Bianchini[42] também afirma que os delitos de perigo abstrato ofendem os princípios da lesividade, da dignidade da pessoa humana e da culpabilidade. Segundo a autora:
“na medida que o direito penal somente se deve reservar as condutas que mais gravemente ofendam bem de fundamental importância para a coexistência humana, a punição a título de perigo encontra-se ameaçada” (…) “A existência concreta de perigo é, minimamente, o que se deve exigir da conduta criminalizada. Além disto, somente bem jurídico de elevada dignidade penal pode ser objeto de punição a tal título, sob pena de a criminalização da conduta representar um ato atentatório à dignidade do agente que eventualmente venha a sofrer a imposição de sanção por tê-la praticado”.
Nilo Batista[43], ao tratar sobre o princípio da lesividade enumera quatro funções principais:
“a primeira consiste em “proibir a incriminação de uma atitude interna”. Por essa função não será possível responsabilizar criminalmente alguém sem que tenha esboçado qualquer conduta que vise a atingir bem alheio, ainda que tenha havido cogitação (cogitationis poenam Nemo patitur). A segunda função está em “proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor”, segundo a qual não se devem criminalizar meros atos preparatórios, auto lesão etc. A terceira função visa a “proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais”, tratando-se, pois, de suprimir o direito penal do autor para dar lugar ao direito penal do fato. A quarta função tenciona “proibir a incriminação de condutas desviadas que afetem qualquer bem jurídico”.
Damásio E. de Jesus[44] ao relatar sobre o princípio da ofensividade esclarece que:
“O Direito Penal só deve ser aplicado quando a conduta ofende um bem jurídico, não sendo suficiente que seja imoral ou pecaminosa. Entre nós, esse princípio pode ser extraído do art. 98, I, da Const. Federal, que disciplina as infrações penais de menor potencial “ofensivo”.
Diante do que vimos, de acordo com o princípio da lesividade, não há crime sem a ofensa a um bem jurídico, seja através da criação de um dano, seja pela criação de uma probabilidade de dano, assim sendo, só poderá ser punida conduta que resulte danosa a um bem jurídico penalmente tutelado ou que represente um perigo provável de dano a este bem.
3.1.3 CRIMES DE PERIGO ABSTRATO E O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA OU ULTIMA RATIO.
O princípio da intervenção mínima aparece na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, mais precisamente em seu artigo 8º que reza:
“A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada”.
Punha-se, assim, um princípio orientador e limitador do poder criativo do crime. Surge o princípio orientador da necessidade, ou da intervenção mínima, preconizando que só se legitima a criminalização de um fato se a mesma constitui meio necessário para a proteção de um determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção se revelam suficientes para a tutela desse bem, a criminalização é incorreta. Somente se a sanção penal for instrumento indispensável de proteção jurídica é que a mesma se legitima.
O direito penal não se constitui sola ratio ou prima ratio, enquanto tutelador de bens jurídicos, devido a seu caráter fragmentário deve ser utilizado de forma subsidiária, ou seja, como ultima ratio.
Segundo Luiz Luisi[45] ao comentar o princípio da intervenção mínima, esclarece que:
“Não se pode ignorar, evidentemente, as dificuldades práticas com que o legislador se defrontará para, em muitos casos, usar com correção, o critério da proporcionalidade e o da necessidade. Todavia, a simples presença de tais axiomas orientadores na elaboração das normas penais, ainda que difícil, por vezes, sua prática aplicação, tem o mérito de fazer “prendere conscienza”, quer dizer, tomar consciência por parte do legislador – e a expressão é de Francesco Palazza -, da necessidade lógica e legal da proporção e de que, em se tratando da criação de tipos penais, é necessário ao legislador ter presente que ele tem o direito de intervenção mínima, ou seja, tem o direito de criar o tipo penal quando o caminho da tutela penal se apresenta como inarredável e inalteravelmente necessário”.
A lição de Nelson Hungria[46] esclarece bem a noção do principio da intervenção mínima, vejamos:
“Somente quando a sanção civil se apresenta ineficaz para a reintegração da ordem jurídica, é que surge a necessidade da enérgica sanção penal. O legislador não obedece a outra orientação. As sanções penais são o último recurso para conjugar a antinomia entre a vontade individual e a vontade normativa do estado. Se um fato ilícito, hostil a um interesse individual ou coletivo, pode ser convenientemente reprimido com sanções civis, não há motivo para a reação penal. Sob o ponto de vista histórico e político jurídico, que é o único admissível in subjecta matéria, ou, melhor, tendo-se em vista a formação, através das leis editadas pelo Estado, dos dois sedimentos jurídicos que se chamam direito civil e direito penal, pode concluir-se que o ilícito penal é a violação da ordem jurídica, contra a qual, pela sua intensidade ou gravidade, a única sanção adequada é a pena, e ilícito civil é a violação da ordem jurídica, para cuja debelação bastam as sanções atenuadas da indenização, da execução forçada ou in natura, da restituição ao status quo ante, da breve prisão coercitiva, da anulação do ato etc.”.
Damásio E. de Jesus[47] ressalta que:
“Procurando restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a definição desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas ou cruéis, a criação de tipos delituosos deve obedecer à imprescindibilidade, só devendo intervir o Estado, por intermédio do Direito Penal, quando os outros ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita”.
Desta forma, podemos entender que de acordo com o princípio da intervenção mínima o direito penal deve intervir o menos possível na vida em sociedade, somente entrando em ação quando, comprovadamente, os demais ramos do direito não forem capazes de proteger aqueles bens considerados de maior importância.
3.1.4 CRIMES DE PERIGO ABSTRATO E O PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE.
A imposição de multa de pena somente deve ser atribuída a autor de um injusto penal a quem se possa imputar tal fato como tendo sido praticado de forma reprovável.
Damásio E. de Jesus[48], sobre o princípio da culpabilidade, leciona que:
“Nullum crimen sine culpa. A pena só pode ser imposta a quem, agindo com dolo ou culpa, e merecendo juízo de reprovação, cometeu um fato típico e antijurídico. É um fenômeno individual: o juízo de reprovabilidade (culpabilidade), elaborado pelo juiz, recai sobre o sujeito imputável que, podendo agir de maneira diversa, tinha condições de alcançar o conhecimento da ilicitude do fato (potencial consciência da antijuridicidade). O juízo de culpabilidade, que serve de fundamento e medida da pena, repudia a responsabilidade penal objetiva (aplicação de pena sem dolo, culpa e culpabilidade)”.
Ângelo Roberto Ilha da Silva[49], quanto ao princípio da culpabilidade, esclarece que:
“A designação “culpa” está indissociavelmente ligada a uma idéia negativa, reprovável, ou melhor, à referibilidade a alguém como causador de um resultado nocivo. Assim, não se atribui o sucesso de um empreendimento, por exemplo, a um culpado. A bancarrota de uma empresa poderá ter ocorrido por culpa de seu diretor, jamais o sucesso. Este advém de mérito. O culpado e a culpa estão relacionados invariavelmente a resultados maléficos. Daí estar correta a afirmação de Assis Toledo, segundo a qual a “culpa adquire, pois, na linguagem usual, um sentido de atribuição censurável, a alguém, de um fato ou acontecimento”.
Ainda segundo o tema Fernando Capez[50] preleciona que:
“O direito penal não se presta a punir pensamentos, idéias, ideologias, nem o modo de ser das pessoas, mas, ao contrário, fatos devidamente exteriorizados no mundo concreto e objetivamente descritos e identificados em tipos legais. A função do estado consiste em proteger bens jurídicos contra comportamentos externos, efetivas agressões previamente descritas em lei como delitos, bem como estabelecer um compromisso ético com o cidadão para o melhor desenvolvimento das relações intersociais. Não pode castigar meros pensamentos, idéias, ideologias, manifestações políticas ou culturais discordantes, tampouco incriminar categorias de pessoas. Os tipos devem definir fatos, associando-lhes penas, e não estereotipar autores. Na Alemanha nazista, por exemplo, não havia propriamente crimes, mas criminosos. Incriminavam-se os “traidores” da nação ariana e não os fatos eventualmente cometidos. Eram tipos de pessoas, não de condutas, castigavam-se a deslealdade com o Estado, as manifestações ideológicas contrárias à doutrina nacional-socialista, os subversivos e assim por diante. Não pode existir, portanto, um direito penal do autor, mas sim do fato”.
Diante do exposto, verificamos que o princípio da culpabilidade estabelece a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal, não se tratando de elemento do crime, mas sim, pressuposto para a imposição da pena somente no caso de dolo ou culpa tendo embutido na conduta um juízo de reprovação.
4.1 DISCUSSÔES DOUTRINARIAS ATUAIS EM TORNO DOS PERIGOS ABSTRATO APLICADAS AOS DELITOS DE TRANSITO.
Como bem ressaltou Rui Barbosa[51], a legislação vem sendo maltratada desde o seu nascedouro, pois:
“no Brasil, a lei se deslegitima, anula e torna inexistente, não só pela bastardia da origem, senão pelos horrores da aplicação”.
A grande discussão da doutrina para considerar os delitos de transito de perigo abstrato inconstitucionais diz respeito a afronta da lei aos princípios penais constitucionais. Sobre a força dos Princípios Constitucionais, Celso Antônio Bandeira de Mello[52] menciona que:
“violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”.
Celso Delmanto[53] ao tratar dos crimes de perigo abstrato e sua constitucionalidade esclarece que:
“Quanto aos crimes de perigo abstrato, entendemos que em um Estado Democrático de Direito são eles de questionável constitucionalidade, em face dos postulados constitucionais da intervenção mínima, da ofensividade e da proporcionalidade ou razoabilidade entre a conduta e a resposta penal (ínsitos ao conceito de substantive due process of law). Verifica-se, assim, que a mera subsunção do fato ao tipo penal – antijuricidade formal – não basta à caracterização devendo-se sempre indagar acerca da antijuricidade material, a qual exige efetiva lesão ou ameaça concreta de lesão ao bem juridicamente protegido, requisitos esses que constituem verdadeiro pressuposto para a caracterização do injusto penal.
Especificamente sobre os crimes de trânsito Roberto Delmanto[54] afirma que:
“Melhor seria que o legislador houvesse optado por punir apenas administrativamente, embora com severidade, o motorista que, embriagado de acordo com o relato de testemunhas e parecer médico ou por resultado de teste de bafômetro ou exame de sangue voluntários, expusesse a incolumidade de outrem a perigo real, concreto e efetivo.
E só viesse a penaliza-lo criminalmente se descumprisse as sanções administrativas impostas ou causasse lesão corporal ou homicídio culposos, nestes casos com aumento de pena pela embriaguez como já consta dos arts. 303, parágrafo único, e 302, parágrafo único, inciso V, do Código de Trânsito Brasileiro.
O Direito Penal só deve ser aplicado em último caso, quando os demais ramos do direito se mostrem incapazes de solucionar graves conflitos sociais, e não como solução primeira a “mágica” para eles. A lei seca teve o mérito de conscientizar a todos da incompatibilidade entre o álcool e o ato de dirigir. Seus autores tiveram a melhor das intenções, mas, infelizmente, trilharam por caminho legalmente equivocado, que precisará ser refeito dentro dos princípios constitucionais, para o bem comum”.
Ainda sobre o assunto, Armando Sérgio Prado de Toledo e Salvador José Barbosa Júnior[55] afirmam que:
(…) o juiz não pode aplicar a lei ao caso concreto sem antes observar se a norma respeita aos princípios e regras hauridos da Constituição. E esse dever impõe-se com mais intensidade em relação às questões criminais. Ora, se a solução do litígio nessa seara do direito pode acarretar a violação autorizada de direitos fundamentais do indivíduo, como a privação da liberdade ou a diminuição do patrimônio, tem-se que é extremamente desabonador ao estado que se diz de Direito condenar criminalmente alguém com base em lei de discutível constitucionalidade. E é por isso a Lei 11.705, de 19 de junho de 2008, conhecida como “lei seca” por ter modificado profundamente o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, ao adotar o sistema de taxa de alcoolemia para tipificar o delito de embriaguez ao volante, há de ser interpretada à luz da Constituição Federal.
Apesar da louvável intenção do legislador em diminuir sensivelmente o elevado custo social derivado dos resultados danosos dos acidentes de trânsito envolvendo veículos conduzidos por motoristas embriagados, a adoção de medidas legislativas de antecipação de tutela penal requer cuidado. O direito penal, em qualquer país democrático, diante das drásticas conseqüências de suas sanções, deve ser reservado aos casos relevantes, insatisfatoriamente controlados pelo direito civil e administrativo.(…)
A cisão do tratamento a ser outorgado ao condutor alcoolizado e ao motorista ébrio em virtude do uso de substância psicoativa que determine dependência é incompreensível. (…)
Ao que parece, a escolha legislativa em desconformidade com os princípios constitucionais inevitavelmente gerará mais impunidade, em virtude da dificuldade na formação da prova”.
Na mesma toada Luiz Flávio Gomes[56] preleciona que:
“1º) Quantidade ínfima de álcool no sangue deve ser desconsiderada. Uma pessoa chegou a ser flagrada depois de ter ingerido dois bombons com licor. Isso é um exagero. Por mais que se queira evitar tantas mortes no trânsito brasileiro (mais de 35 mil por ano), não pode nunca a administração pública atuar com falta de razoabilidade. Quem usa um anti-séptico bucal não pode sofrer nenhum tipo de sanção. A infração administrativa do art. 165 exige estar sob a influência do álcool ou outra substância psicoativa.
Nem toda quantidade de álcool no sangue é suficiente para configurar a infração administrativa do art. 165. O parágrafo único do novo art. 276 diz: “Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos.” Nesse caso o sujeito deve ser liberado e o carro também. Não se aplica multa e não se fala em prisão. Não é necessário que uma terceira pessoa venha conduzir o veículo.
2º) Um grave equívoco que deve ser evitado consiste em prender em flagrante o sujeito todas as vezes que esteja dirigindo com seis decigramas ou mais de álcool por litro de sangue (0,3 no bafômetro – que equivale a dois copos de cerveja). A existência do crime do art. 306 pressupõe não só o estar bêbado (sob a influência do álcool ou outra substância psicoativa), senão também o dirigir anormalmente (em zig-zag, v.g.). Ou seja: condutor anormal (bêbado) + condução anormal (que coloca em risco concreto a segurança viária).
Não se pode nunca confundir a infração administrativa com a penal. Aquela pode ter por fundamento o perigo abstrato. Esta jamais. O Direito penal atual, fundado em bases constitucionais, é dotado de uma série de garantias. Dentre elas está a da ofensividade, que consiste em exigir, em todo crime, uma ofensa (concreta) ao bem jurídico protegido. Constitui grave equívoco interpretar a lei seca “secamente”. Não há crime sem condução anormal. A prisão em flagrante de quem dirige normalmente é um abuso patente, que deve ser corrigido prontamente pelos juízes.
Em síntese: quem está bêbado (com qualquer quantidade de álcool no sangue, com menos ou mais que seis decigramas) mas não chega a perturbar a segurança viária, não está cometendo crime. Logo, não pode ser preso em flagrante. O agente, nesse caso, sofre as conseqüências administrativas previstas no art. 165 do CTB (multa, suspensão da habilitação etc.), mas não pode ser preso em flagrante, não há que se falar em fiança etc. Claro que o carro fica apreendido até que um terceiro, sóbrio, venha a conduzi-lo. Mas nem sequer é o caso de se ir à Delegacia de Polícia”.
Como bem ponderado pelo Doutrinador Luiz Flávio Gomes a quantidade ínfima de álcool no sangue deve ser desconsiderada até mesmo porque, como relatou no texto acima, uma pessoa chegou a ser flagrada depois de ter ingerido dois bombons com licor, o que é um exagero, pois se a legislação for interpretada literalmente, esta pessoa, sofreria penalidades administrativas de perda da carteira por um ano, pagamento de multa no valor aproximado de R$ 1.000,00 (mil reais) e, caso ultrapassado o limite de 0,6 estabelecido pelo artigo 306 do CTB poderia ser presa em flagrante delito e responderia a processo penal.
O Professor Adel El Tasse[57] em artigo publicado no jornal Gazeta do Povo critica veementemente a chamada “Lei seca”, vejamos:
“Alguns assuntos são, em especial, delicados para serem abordados com racionalidade, entre os quais, no momento, as questões relativas à lei nº 11.705/2008 (Lei Seca), pois estabeleceu-se um discurso que divide a sociedade entre o bem e o mal. No primeiro grupo estariam os exemplares defensores da lei; no outro os infratores de trânsito insensíveis, e muitas vezes assassinos, a combatê-la. A verdade é que este forçado maniqueísmo é uma brutal mentira.
Na realidade a Lei Seca é uma monstruosidade, calcada na idéia de um excessivo intervencionismo estatal sobre as liberdades, ampliando perigosamente, em um país infelizmente refém da corrupção e dos abusos, os campos de ação imotivada dos agentes públicos.
A lei em questão nasceu morta ante suas gritantes inconstitucionalidades. Fere os princípios da lesividade; da ultima ratio; do in dubio pro reo; da não-incriminação; da proporcionalidade; da adequação social; enfim, agride o próprio bom senso.
Só pode haver intervenção punitiva na hipótese do trânsito de veículos se o motorista colocar em risco a segurança viária (lesividade), constatação possível apenas pela anormalidade na direção e não pela presunção em seu desfavor por haver ingerido certa quantidade de álcool (in dubio pro reo), que a bem da verdade pode em nada agravar o risco de acidente se, a despeito da ingestão de álcool e de tudo que se possa dizer em defesa da Lei Seca, o motorista mantém-se dirigindo em quadro de normalidade. A anormalidade precisa ser demonstrada por atos externos concretos do condutor do veículo; não é decorrência de presunção pelo consumo de determinada substância.
A Lei Seca torna mais grave o ato de beber – mesmo sem qualquer efetiva lesão a quem quer que seja – que grande parte dos crimes, inclusive os que importem em violência à pessoa (proporcionalidade), tornando a medida inaceitável. Utiliza-se das medidas coercitivas penais como primeira alternativa do sistema jurídico, o que agride a idéia de que o sistema punitivo é a derradeira hipótese de ação estatal (ultima ratio).
Ademais, é consenso do homem médio brasileiro que o consumo não exagerado de substância alcoólica é meio de salutar integração social, não podendo a lei, pela irracionalidade e pelo exagero, a pretexto de proibir o álcool na direção – em verdade, tendo em conta a importância do veículo na vida normal dos cidadãos –, impedir o próprio consumo de bebidas alcoólicas.
A Lei Seca, retirado o manto de cinismo que tem recoberto o discurso de sua defesa, não passa de uma das piores legislações já editadas, excessivamente ampliadora da intervenção do Estado, que pode até obrigar uma pessoa a produzir prova contra si mesma. A idéia não é nova, durante a Inquisição a pessoa acusada de bruxaria ou confessava e era queimada ou era detida até que confessasse para, então, ser queimada. Nas leis de segurança das ditaduras militares latino-americanas o modelo também foi o mesmo, como segue sendo para os acusados de terrorismo nos EUA de Bush.
O “politicamente correto” seria defender a Lei Seca, como se defendendo que as pessoas não mais se matem no trânsito. Ocorre, porém, que a Lei Seca mantém no trânsito o participante de racha, o motorista que não respeita a faixa de pedestres, os que excedem o limite de velocidade; somente retira do trânsito quem gosta de um bom sagu ou de mignon ao vinho ou, no fim de semana, almoça ou janta com os amigos e toma uma taça de vinho ou um copo de cerveja. Não é desenvolvida fiscalização em relação a quem dirige com excesso de velocidade, ataca os pedestres ou dirige de forma agressiva, pois os agentes policiais estão todos ocupados demais vendo quem bebe ou deixa de beber. Em resumo: mantêm-se intocados os assassinos do trânsito, mas agride-se o cidadão comum.
Alguém aí já ouviu falar em Estado Autoritário?”
O Juiz Federal Rodrigo Esperança Borba[58] da 2ª Vara Federal de Divinópolis/MG manifesta-se sobre a “lei seca” concluindo que:
“A nova redação dada ao art. 306 do CTB pelo art. 5º, VIII, da Lei nº. 11.705/2008 incorreu abruptamente em inconstitucionalidade, desrespeitando todo um bloco de princípios penais, de cunho constitucional, presente em todo Estado que se pretende Democrático de Direito, em que deveria o direito Penal ter o papel fundamental de garantia do indivíduo, só devendo lhe afetar quando observados, entre outros, os princípios da subsidiariedade, ofensividade, culpabilidade e da proporcionalidade, o que, como exposto, não é o caso da denominada “lei seca”.
Trata-se, pois, de uma lei, ao menos em sede penal, esqueceu-se de embeber-se da fonte constitucional, sendo uma lei seca de constitucionalidade.
A única interpretação possível, como já decidido pelo STF no HC 81057/SP acima mencionado, quando se deparou com a hipótese de posse de arma de fogo sem munição à disposição do agente, é a de que com a novel redação do art. 306 do CTB deve haver a concreta exposição da segurança viária a perigo.
E mais: deve o agente conduzir o veículo sob a influência de álcool, e, ainda que haja esta influência do álcool no modo de condução do motorista, a quantidade da substância em seu sangue deve ser igual ou maior que 0,6 g por litro.
O efeito desta desordenada hipertrofia do direito Penal produz efeito justamente contrário a sua motivação, pois, sabendo-se da notória dificuldade do Judiciário e executivo em dar azo À persecução penal, em razão de notórias insuficiências humanas e materiais de tais instituições, a tendência é que normas desproporcionais segreguem-se no descrédito, como outras tantas normas penais em vigor.
Em suma, esta hipertrofia quantitativa de normas penais causa um crescimento desordenado de todo o ordenamento jurídico, ou seja, uma hipotrofia sistêmica, sendo a sua conseqüência o enfraquecimento do Direito Penal”.
Da análise das ponderações acima transcritas de boa parte da doutrina, verificamos que todos criticam veementemente a chama “Lei Seca” ante a sua manifesta inconstitucionalidade inclusive já tendo sido objeto de análise no caso concreto como veremos a seguir.
O que essa Lei tem causado é apenas um terror psicológico sobre os motoristas colocando em condições de igualdade os motoristas que bebem três chopes ou três taças de vinho e os motoristas que estejam efetivamente bêbados, entretanto, mesmo embriagados, se na condução do veículo automotor o condutor não causar perigo de dano efetivo a incolumidade pública, não deve se falar em crime.
4.2 JULGADOS EM TORNO DOS CRIMES DE PERIGO ASBTRATO.
Como vimos, a doutrina é praticamente unânime no sentido de que a análise da tipicidade não deve se restringir ao seu aspecto adjetivo, devendo haver também conformação material para se concluir pela imputação do fato ao autor.
Sob esse aspecto, a discussão em epígrafe chegou à Corte Suprema, onde em sede de Recurso de Hábeas Corpus, cuja decisão, por óbvio, produziu efeitos exclusivamente inter partes, foi decidido pela Primeira Turma, por maioria de votos, pela adoção da tese da atipicidade quando o porte for de arma de fogo desmuniciada, desde que também não haja munição facilmente acessível ao portador, em que pese o objeto da decisão tenha sido travado sobre a lei do porte de arma, a discussão enfrentada foi sobre a adoção dos crimes de perigo abstrato.
O Supremo Tribunal Federal[59] se posicionou sobre o tema no decisum RHC 81057-SP, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, assim ementado:
“EMENTA: Arma de fogo: porte consigo de arma de fogo, no entanto, desmuniciada e sem que o agente tivesse, nas circunstâncias, a pronta disponibilidade de munição: inteligência do art. 10 da L. 9437/97: atipicidade do fato:
1. Para a teoria moderna – que dá realce primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso – o cuidar-se de crime de mera conduta – no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação – não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de fato.
2. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna teoria geral do Direito Penal; para o seu acolhimento, convém frisar, não é necessário, de logo, acatar a tese mais radical que erige a exigência da ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido: basta, por ora, aceitá-los como princípios gerais contemporâneos da interpretação da lei penal, que hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte.
3. Na figura criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte da arma de fogo inidônea para a produção de disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o objeto material do tipo.
4. Não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação para a prática de outros crimes, particularmente, os comissíveis mediante ameaça – pois é certo que, como tal, também se podem utilizar outros objetos – da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena.
5. No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal – isto é, como artefato idôneo a produzir disparo – e, por isso, não se realiza a figura típica”. (RHC 81057, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 25/05/2004, DJ 29-04-2005 PP-00030 EMENT VOL-02189-02 PP-00257 RTJ VOL-00193-03 PP-00984)
Verifica-se da ementa acima, que o objeto em análise diz respeito a inexistência de crime quando não houver perigo de lesividade, desta forma, depreende-se que não apenas a doutrina penal critica os crimes de mera conduta (perigo abstrato), mas também alguns julgados já estão se manifestando sobre a impossibilidade de criminalizar conduta sem potencial lesivo.
Em recente decisão prolatada pelo Juiz de Direito Ricardo Teixeira Lemos[60] da 1ª Vara Criminal da Comarca de Aparecida de Goiânia, o magistrado, declarou, de ofício, a inconstitucionalidade da chamada “lei seca”, vejamos, os argumentos expendidos:
“(…) Não fosse só essas violações, mas deparo-me com outra evidente violação dos direitos constitucionais, isto em face do novo texto dos artigos 165, 276, 277, 291 e 306 da Lei 11.705/08, a famigerada Lei Seca.
Por entender, como interprete maior e final da lei, logicamente se não houver esgotamento das instancias recursais, que a dita lei padece de evidente inconstitucionalidades, daí porque entendo de ofício proceder ao seu controle difuso para este caso que me é dado a apreciar.
Efetivamente, o legislador infraconstitucional, fez recente alteração na dicção dos artigos do Código de Transito Brasileiro, isto pela nova lei 11.705/08, vejamos:
(…)Por fim, o art. 291, § 1º, aplica-se aos crimes de transito de lesão corporal culposa o disposto nos artigos 74, 76, 88 da Lei 9099/95, exceto se o agente estiver:
I – sob a influência de álcool ou substâncias psicoativas que determine dependência…
Antes de apontar as inconstitucionalidades desses artigos do CTB, cumpre-se esclarecer:
O povo brasileiro pode se dizer como regra geral, é conhecido mundialmente porque ama o futebol e cerveja No futebol, apesar de recentes e vexatórias derrotas, mas a marca de craques é inquestionável. Já a cerveja, basta dizer que recentemente a AMBEV adquiriu a cervejaria americana Anhesuser-Bushc fabricante da Budweiser. Entretanto, a Lei Seca obsta que o brasileiro beba uma cerveja no bar com amigos.
Pois bem, filio-me a corrente da teoria do direito penal mínimo, ou seja, legislador não deve elevar à categoria de crimes aquilo que o povo pode resolver de outra forma, é a aplicação do princípio da adequação social, ou seja, elevar à categoria de crime, com severas punições o uso de bebidas alcoólicas, dentre elas, é claro, a cerveja, é o mesmo que incriminar quem gosta de futebol.
Registre-se, por oportuno não sou contra a punição de quem dirige embriagado e causa acidentes, mas sou contra a punição de quem bebeu sim socialmente algumas cervejas com amigos e sofre as punições agora apontadas na lei 11.705/08. Pois, basta hoje ingerir um copo e se dirigir sofrerá os rigores da Lei Seca.
Ora, sabe-se que o brasileiro gosta sim de cerveja, mas nem todos são alcoólatras e cometem crimes. Sabe-se que a cerveja é o elo de ligação que resolve pendências e negócios dos mais diversos, tal como uma refeição qualquer não podemos também ignorar que famílias tomem cervejas, fomentando a economia em todas às ordens. Ir a um bar e não tomar umas cervejas é mesmo que comer sem feijão ou dormir sem tomar banho, assim, sente-se o povo brasileiro que indiscutivelmente ama a cerveja.
A cerveja é o brasileiro, isto em todos os níveis sociais, portanto não aceito a pecha que seja coisa de pobre ou ignorante. Olha que conheço gente boa que gosta de uma cerveja, aliás estou até preocupado com esse seguimento, principalmente do meu convívio diário. Aliás, aproveito para registrar, quem me conhece sabe, de futebol nunca gostei, já de cerveja, pouco gosto, bebo esporadicamente; mas sou testemunha das paixões brasileiras, futebol e cerveja.
Até entendo que a sanção da lei 11.705/08, Lei Seca, acabou por culminar com a separação do casal, que sempre deu certo, futebol e cerveja.
O povo brasileiro está ressentido desse fato, e mais a lei, antes de mais nada, tem que trazer também, benefícios que superem os coarctados àqueles por ela propugnado.
Diminuiu os números de acidentes sim, sem dúvidas, mas qual prejuízo que a lei trouxe ao casal cerveja – futebol, em fim para a economia? Não há dúvida que para a economia houve um retrocesso], não só para as cervejarias, mas para o comércio em geral, isto em troca de algumas almas que em tese momentaneamente foram salvas de acidentes.
O individuo bêbado dirigindo deve responder na proporção dos seus atos, mas quem fez uso de cerveja ou outras bebidas não pode ter, tratamento igualitário tal como apresenta a Lei Seca. Todos os argumentos que se levantam para sustentar a viabilidade da Lei Seca ou qualquer ângulo que se analise a questão não resistem a fria e jurídica interpretação. São falhas as premissas que não se sustentam se analisarmos outros fatos, que em tese também causam prejuízos à sociedade e situações das mais diversas.
A Lei Seca precisa sim sofrer serias alterações deve tratar diferentemente as situações das mais diversas. O que não pode é pegar o mínimo pelo geral, tal como fez a lei. Não se pode punir de forma tão severa quem simplesmente faz uso de uma latinha de cerveja, isto na mesma proporção de quem se encontra absolutamente embriagado.
Eis aqui o que se vislumbra de plano é a violação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Pois bem, voltemos aos artigos que foram alterados pela lei 11.705/08, por entender inconstitucionais.
O art. 165 é inconstitucional na parte que deixa ao agente da autoridade de averiguar por outros meios de prova o estado etílico da pessoa. Ora, aqui o legislador está incentivando a obtenção das provas ilícitas, conforme se depreende o art. 277, § 2º, conduta reprovada pela Constituição e recente alteração do CPP, art. 5º, LVI CF/88 e art. 157, § 1º/3º da lei 11.690/08.
Já o parágrafo 3º do art. 277 do CTB, que são aplicadas as penalidades do art. 165, ao condutor que se recusar a submeter a qualquer dos procedimentos previstos.
Ora, quais são os procedimentos previstos? Estão no caput do art. 277: testes de alcoolemia, exames clínicos, periciais ou outros exame.
Em fim, a pessoa deverá ser submetida a bafômetro ou exame de sangue ou outros. Da forma como está, não tem escolha, o infrator terá que produzir prova contra si, ao contrário, levará multa, com pontuação gravíssima, CNH e veículo apreendido e suspensão por 12 meses da CNH.
Qualquer leigo sabe que esse artigo é inconstitucional, afronte o princípio do contraditório e ampla defesa. Em direito processual quem é acusado não produz prova contra si, mas produz defesa.
Já o art. 306, conduzir veículo com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas… tem a pena de 06 meses a 03 anos, multa, apreensão da CNH e suspensão, etc.
Não há dúvida de que diante do teor de álcool, que basta um pouco mais de uma xícara de café, um vinho ou a ingestão de alimento que tenha álcool e poderá sofrer essas conseqüências, drásticas e paulatinas.
Fere de morte os princípios da proporcionalidade e a razoabilidade.
Se comprovado que o condutor de veículo está absolutamente embriagado, aí sim deve sofrer as conseqüências administrativas, caso envolva em infrações, pois isso pode não ocorrer, deverá responder proporcionalmente ao mal causado.
Para comprovar o ferimento do princípio da proporcionalidade, avoco a Lei de Tóxico com a Lei Seca.
Trazer consigo para uso próprio substância entorpecente que causa dependência física ou psíquica, o infrator é levado para a delegacia, nada sofrerá, apenas se compromete a comparecer em juízo, quando lhe será proposto tratamento, se aceito, arquiva-se o procedimento, ao contrário o MP apresentará proposta de transação com meras penas alternativas, mas não é imposta pena privativa de liberdade, portanto trazer consigo entorpecente para uso é crime.
Já beber não é crime. Mas se bebeu e dirigir veículo passa a ser, se pego é autuado em flagrante, pagará fiança, que pode ter um valor considerável para algumas pessoas, responderá a um processo criminal, não terá direito a transação penal ou sursis processual, face a vedação da Lei Seca, art. 291, não se aplica a lei 9099/95. Seu carro será apreendido e pagará multa de quase mil reais, sua CNH é apreendida e ficará suspensa por 01 ano. Enfim, para algo que não é tão grave, digamos, o Padre que celebrou a missa e tomou o vinho, poderá ser vítima dessa situação.
É evidente então que a lei não observou a proporcionalidade.
No magistério da insuperável Maria Sílvia Zanello Di Pietro, ensina:
“…a proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais, mas segundo os padrões comuns na sociedade em que vive…”
Portanto, não guarda proporcionalidade punir com mesmo rigor condutas que em tese não violam bens jurídicos de maior relevo.
Também não é razoável adotar punições para o mesmo fato, em todas as searas do direito, seja penal, administrativo ou civil. No caso de dirigir sob efeito de álcool tem uma conduta com repercussão drástica, tanto que é punido com multas, apreensão do veículo e CNH, além da suspensão por 12 meses. Tem punição privativa de liberdade, com pena de 06 meses a 03 anos e também a suspensão da CNH, verdadeiro bis in idem.
Não é razoável e nem proporcional permitir que quem comete um crime contra Administração Pública, como o peculato, corrupção passiva, tenha pena de 02 a 12 anos, tem direito aos benefícios da lei 9099/95, como sursis processual, art.88 do CPB, ou seja, verdadeiramente não é punido, tem a conduta despenalizada dependendo do valor auferido, pode ser beneficiado pela insignificância, face a excludente de tipicidade, mas se tomar uma colher de remédio que contenha álcool terá severíssima punição.
A lei 11.705/08, que alterou diversos dispositivos do CTB, Lei 9503/97, está eivado de reais inconstitucionalidades.
Assim, faço de ofício o controle difuso, declarando inconstitucional os artigos 165, 276, 277, 291 e 306 da Lei Seca, logo o auto de flagrante lavrado e seu desfavor, padece de evidentes nulidades, tornando-se imprestável para qualquer fim.
Pois que, Genivaldo de Almeida imbuído de extinto natural de defesa, se fosse orientado por advogado jamais se submeteria a bafômetro, logo ele não fez espontaneamente e não faria prova contra si, daí seria inconstitucional o art. 277 e seus parágrafos, pois Genivaldo não pode ser obrigado a produzir prova contra si, mas de se defender das acusações que lhe são imputadas.
Ora, se não há prova técnica válida de constatação de que Genivaldo de Almeida ingeriu bebida alcoólica, não se poderia contra ele ser lavrado auto de flagrante, daí porque o referido auto é nulo, sendo que o relaxamento da sua prisão que é absolutamente ilegal se impõe.
Ao teor do exposto, fica declarado inconstitucionais, incidente tatum, os dispositivos já referidos, inclusive e especialmente, no caso, os art. 165 e 277 com seus parágrafos, incisos e alíneas”.
Diante destas ponderações o próprio Ministério Público esta requerendo o arquivamento de inquérito policial tendo em vista que o indiciado estava conduzindo uma motocicleta Honda CG 125 com uma concentração de álcool no sangue de 0,45mg/l, tendo sido sua conduta enquadrada no tipo penal previsto no artigo 306 do CTB, com a redação dada pela Lei 11.705/2008 da conduta praticada pelo agente, sob o seguinte fundamento[61]:
“Tendo em vista que a adoção pura e simples da responsabilização objetiva baseada na alcoolemia não atende a um juízo de constitucionalidade, a adoção da interpretação antes exposta pode proporcionar alguma sobrevida ao tipo penal do artigo 306 do CTB, evitando-se que a sociedade fique desguarnecida de qualquer instrumento penal de repressão da conduta de embriaguez ao volante.
Porém, como destacado, a aplicabilidade do crime fica restrita aos casos em que for comprovada a efetiva influência do álcool ou substância psicoativa na capacidade de condução do motorista, elemento típico que se extrai de uma leitura sistemática do texto da lei. Assim, mantém-se a exigência de demonstração de perigo concreto (na modalidade abstrata) na conduta do agente para a caracterização do crime, de tal forma que resta minimamente preservado o caráter subsidiário da utilização do Direito Penal, por meio de uma interpretação do texto legal compatível com o princípio constitucional da proporcionalidade”.
Assim, não apenas a doutrina, que já critica veementemente, os crimes de mera conduta, mas também os operadores do direito começam a por em pratica a doutrina e rechaçam a utilização da legislação penal nos crimes de perigo abstrato nos casos concreto.
5. CONCLUSÃO.
Como vimos neste trabalho, não só o artigo 306 do Código de Transito Brasileiro, mas também os artigos alterados pela lei 11.705/2008, a chamada “Lei Seca” padecem de Constitucionalidade, por ferir, frontalmente princípios Constitucionais e do próprio Direito Penal.
Não se nega que, no atual estágio da evolução do homem e suas sociedades, principalmente no que se refere ao trânsito, deve o Estado intervir no cotidiano das pessoas, através de leis, com a finalidade de promover a segurança viária, perseguindo, assim, o bem comum.
O Direito Penal é conhecido como a ultima ratio, ou seja, podemos entender que de acordo com este princípio, o direito penal deve intervir o menos possível na vida em sociedade, somente entrando em ação quando, comprovadamente, os demais ramos do direito não forem capazes de proteger aqueles bens considerados de maior importância, devendo agir respeitando os ditames constitucionais e a ordem jurídica vigente.
Entretanto, o legislador, no ímpeto de alcançar resultados que não foram obtidos anteriormente, simplesmente por ineficácia de suas políticas públicas através da falta de fiscalização, atropela os princípios constitucionais e lança mão, desde logo, da última arma que tem à disposição para salvaguarda de bens jurídicos fundamentais do ser humano o Direito Penal.
Nesse discurso de salvaguardar um bem juridico maior, o Estado utiliza, para esta suposta proteção, dos chamados crimes de perigo abstrato ou de mera conduta, entretanto, não basta a simples subsunção do fato a norma, mas sim, deve se exigir efetiva lesão ou ameaça concreta de lesão ao bem juridicamente protegido, requisitos esses que constituem verdadeiro pressuposto para a caracterização do injusto penal.
Deste modo, a chamada “Lei seca” ao em vez de se utilizar do Direito Penal para a proteção do trânsito com as suas condutas sendo consideradas criminosas imputando-lhe penas restritivas de liberdade, deveria utilizar-se do Direito Administrativo, imputando, aos autores dos “delitos”, penalidades administrativas cominadas com aplicação de multa, reforçando a fiscalização é o que bastaria para regular as condutas no trânsito, utilizando-se, apenas do direito penal, nos casos de efetiva agressão aos bens jurídicos, como no caso das lesões corporais e dos homicídios ocorridos no trânsito.
Diante do que vimos é inegável a inconstitucionalidade da Lei 11.705/2008 a chamada “Lei seca”, todavia, deve a Suprema Corte, como de costume, haverá de dizer à última palavra sobre a legalidade da norma.
Assessor de Desembargador Tribunal de Justiça do Paraná; Especialista em Processo Civil pela PUC/PR e em Direito Público pela ESMAFE/PR
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