As contradições da estabilidade no setor público

Diariamente, milhares de brasileiros procuram desesperadamente um emprego para seu sustento e de sua família. Isso não é novidade. O desemprego está se tornando uma verdadeira doença social presente em todas as esferas de governo. Atualmente, em uma época de conturbação financeira e política, não só no Brasil, mas em todo o mundo, o emprego fixo e certo é a grande esperança para se planejar a vida com maior segurança e previsibilidade. É no setor público que se verifica a famigerada estabilidade profissional, ou seja, a probabilidade de demissão é mínima. Há muito tempo se acredita que o ingresso nesse setor através de concurso público é a porta para se alcançar a dignidade humana, a partir do salário certo, justo e pontual.

A Constituição Federal de 1988 afirma expressamente essa garantia da estabilidade para os servidores públicos, senão vejamos:

Art.41- São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

Essa estabilidade, porém, não é incontestável. Caso fosse assim, estando já estável no cargo, poderia o servidor fazer qualquer contravenção ou abuso prejudicando o Poder Público e a coletividade, não tendo qualquer receio de perder o cargo. Tornariam-se verdadeiros deuses. Isso é inadmissível. Diante disso, o próprio constituinte, elencou os possíveis casos de demissão do servidor estável, in verbis:

Art. 41 (…)

§ 1° – O servidor público estável só perderá o cargo:

I-   em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II-  mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III- mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma da lei complementar, assegurada ampla defesa.

Constata-se, portanto, que essa estabilidade profissional não é absoluta. Porém, ela deve rigorosamente respeitar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Não sendo permitida a demissão a livre vontade e conveniência do superior, como assim ocorre na iniciativa privada.

Nota-se que as possibilidades de perda do cargo são extremamente relevantes tanto para o Poder Público quanto para a sociedade. Não seria prudente uma pessoa condenada por sentença judicial continuar no setor público. No caso de pena privativa de liberdade, como ela seria capaz de cumprir integralmente seu horário de trabalho? Onde estariam os princípios da moralidade e da ética se até mesmo seus servidores são condenados por qualquer crime em sentença judicial transita em julgado? Assim, para resguardar o Poder Público, é preferível que seus servidores sejam pessoas de ilibada conduta.

No segundo caso, os princípios da moralidade e da ética devem estar presentes no Poder Público. Aquele servidor que é considerado por processo administrativo prejudicial, nocivo ou alheio ao interesse público e da coletividade, deve ser excluído do quadro funcional público. Vale ressaltar que os princípios do contraditório e da ampla defesa devem obrigatoriamente estar presentes em todas as suas fases.

Já o terceiro caso é uma inovação constitucional. O servidor deve sempre estar atento à sua produtividade e competência. Não pode ele se estagnar e tornar-se um verdadeiro obstáculo para a consecução dos objetivos reais e imprescindíveis do Poder Público. Com o procedimento de avaliação periódica de desempenho, pode se constatar quais os servidores que estão abaixo do nível exigido pelo Poder Público. Tais servidores são considerados verdadeiros pesos supérfluos e prejudiciais, devendo ser, portanto, eliminados dos quadros funcionais públicos. Tudo isso em prol do interesse da coletividade, que não admite sustentar um servidor que não faz nada ou que prejudica o Poder Público e, conseqüentemente, a própria sociedade.

Diante do exposto, conclui-se que a estabilidade no setor público é condicionada aos princípios da moralidade e do interesse coletivo, não se tolerando abusos, omissões e condutas prejudiciais ao interesse da coletividade por parte dos servidores públicos.

Se a Constituição Federal se restringisse somente a esse disciplinamento, poderia-se declarar que a estabilidade no setor público é quase absoluta, só sendo alterado nos casos já mencionados. Alteração recente foi feita no corpo constitucional. Agora são admitidas a quebra da estabilidade e a conseqüente perda do cargo estável em um determinado caso alheio à conduta do servidor, senão vejamos:

Art. 168 (…)

§ 4° – Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde de que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.

O art. 168 afirma que a União, os Estados, Municípios e o Distrito Federal têm um limite nas despesas com pessoal ativo e inativo, e sendo esse limite ultrapassado, devem eles adotar as medidas necessárias para a normalização nas finanças, como redução de pelo menos 20% das despesas com cargos em comissão e função de confiança e a exoneração de servidores não estáveis. Caso essas medidas não sejam suficientes, em último e drástico caso, haverá a perda de cargo de servidores estáveis.

A estabilidade no setor público entra em cheque. Por irresponsabilidade e incapacidade dos administradores que não fizeram uma programação correta das despesas pessoais de seus servidores e estão assim gastando em demasia com quadro de servidores, as finanças públicas estão sendo prejudicadas, necessitando, com urgência, de alterações.

O servidor estável, em último caso, será prejudicado não por atitudes suas (como aquelas advindas de sentença judicial, de processo administrativo e de procedimento periódico de avaliação), mas, exclusivamente, por irresponsabilidade do administrador. Será isso justo? Será isso admissível? E o direito de estabilidade do servidor?

O constituinte, com o escopo de amenizar tal arbitrariedade do Poder Público que irá prejudicar um servidor “inocente”, previu o seguinte:

1- Indenização ao servidor estável correspondente a um mês de remuneração por tempo de serviço;

2- O cargo objeto da redução será considerado extinto, vedada a criação de cargo, função ou emprego com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos.

Tais previsões, sem sombra de dúvida, amenizam a quebra da estabilidade e a perda do cargo, mas pairam no ar a injustiça e o descaso com o servidor que lutou para passar em um concurso público e que está pagando por erro e irresponsabilidade de um administrador que admitiu um número maior de servidores que comporta as finanças públicas.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Rebeca Ferreira Brasil

 

Advogada, formada pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR e mestranda em Políticas Públicas e Sociedade da UECE

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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