As excludentes da responsabilidade civil brasileira

O artigo aborda as hipóteses em que não haverá a necessária obrigação de indenizar ainda que sobreviva o dano.


A figura do estado de necessidade foi delineada nos arts. 160, II, 1.519 e 1.520 do Código Civil e são literalmente repetidos no art. 188 e seus incisos, art. 929 e 930 caput do Novo Código Civil Brasileiro, estes descrevem atos lesivos, porém não ilícitos que não acarretam o dever de indenizar, porque a própria norma jurídica lhe subtrai a qualificação de ilícito.


Segundo Maria Helena Diniz o estado de necessidade consiste na ofensa do direito alheio para remover perigo iminente, quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário e quando não exceder os limites do indispensável para a remoção do perigo.


Será legítimo quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário. Não libera de quem o pratica de reparar o prejuízo que causou. Não podemos, aceitar, que o prejuízo recaia sobre a vítima inocente, e que esta permaneça irressarcida.


Todavia, o agressor causador do perigo se sofrer prejuízo, restará não indenizado. Desta forma, se a vítima for inocente do perigo que gerou o estado de necessidade terá que ser ressarcida, ainda que quem esteja obrigado a reparar tenha ação regressiva contra o verdadeiro causador do perigo original.


O Código Penal define o estado de necessidade e exclui a ilicitude quando em situação de conflito ou colisão, ocorre sacrifício do bem de menor valor.


É previsto no art. 24 do CP e pode excluir a antijuridicidade ou a culpabilidade. Não pode alegar tal estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo, pois dele era exigível conduta diversa. O perigo deve ser atual, não provocado pelo agente e o sacrifício do bem deve ser o único meio capaz de afastar o perigo.


É o caso do policial que deixa de prender criminoso por saber de que este possui índole perigosa. Se de tal omissão resultar um dano, o Poder Público ficará sujeito a reparar o dano em razão da omissão de seu preposto, pois este tinha o dever legal de enfrentar o perigo em razão do cumprimento de suas funções públicas.


O estado de necessidade se justifica pela inexigibilidade de conduta adversa, de forma que em situações jurídicas extremadas, sem que o agente a tenha provocado, para se salvar de perigo atual e efetivo, se vê obrigado a causar um dano a outrem. É o caso do alpinista que arremessa o companheiro ao abismo que se sustenta na mesma corda, pois era séria a ameaça de romper-se com o peso dos dois.


Silvio Rodrigues pontifica que a destruição ou deterioração de coisa alheia ordinariamente constitui ato ilícito, porque a ninguém é dado fazê-lo.


Todavia, a lei excepcionalmente entender ser lícito o procedimento de quem deteriora ou destrói coisa alheia, se o faz para evitar um mal maior, contanto que as circunstâncias tornem o ato absolutamente necessário e não exceda ele os limites do indispensável para remoção do perigo.


E cita o exemplo do herói que, para salvar vidas humanas, lançou automóvel alheio contra veículo que, sem motorista, descia pela ladeira praticou um ato nobilíssimo, mas não obstante deve indenizar o prejuízo causado ao dono do automóvel que assim ficou destruído.


A legítima defesa vem elencada no art. 160, I e parágrafo único do C.C., exclui a reparação de dano à vítima quando agiu ao revidar de imediato uma agressão atual ou iminente e injusta a um direito seu ou de outrem, usando moderadamente dos meios necessários.


A agressão revidada deve ser injusta (na forma objetiva), também exclui a responsabilidade criminal do agente.


A legítima defesa ou exercício regular do direito reconhecido e o próprio cumprimento do dever legal exclui a responsabilidade civil, mas, entretanto, se ocorrer o aberratio ictus, e, terceira pessoa for atingida (ou algum bem) deve o agente reparar, tende este ação regressiva contra o agressor a fim de se ressarcir da importância desembolsada.


Carlos Roberto Gonçalves ressalta que só a legítima defesa real, e praticada contra o agressor, deixa de ser ilícito e apesar do dano, não faz jus ao ressarcimento.


Já a legítima defesa putativa não exime o réu de indenizar apesar de excluir a culpabilidade do ato, conservando a antijuridicidade do ato. Na legítima defesa putativa( erro de fato) o ato é ilícito não culpável para esfera criminal, no entanto, na esfera cível mesmo a mais remota e leve culpa gera a obrigação de indenizar, pois tal fato é fruto de negligência e do julgamento equivocado dos fatos.


Ensina o Professor Damásio Evangelista de Jesus em seu Código Penal Anotado, ao abordar a excludente de ilicitude, interpretando a expressão “direito”, é empregada em sentido amplo, abrangendo todas as espécies de direito subjetivo (penal e extrapenal). Desde que a conduta se enquadre no exercício de um direito, embora típica, não é antijurídico.


Embora quem pratique o ato danoso em estado de necessidade seja obrigado a reparar o dano causado, o mesmo não acontece com aquele que o pratica em legítima defesa, no exercício regular de um direito e no estrito cumprimento do dever legal.


Exige-se para que se configurem as excludentes da responsabilidade civil que autorizem o dano e a obediência a certos limites. De sorte que o excesso na legítima defesa já possui caráter antijurídico e, dá azo a reparação.


Na esfera civil, o excesso quer ocorra por negligência, imprudência ou imperícia configura a hipótese disposta no art. 159 CC. Diverso do que ocorre na legítima defesa real, a putativa,s e baseia em erro, inexistindo agressão e, sim, um equívoco do pseudo-agredido. Sendo sua conduta ilícita, penalmente irrelevante, posto que ausente o dolo, mas ingressa na órbita civil e enseja a indenização.


Outra excludente é a culpa exclusiva da vítima ou fato da vítima. É quando a vítima se expõe ao perigo concorrendo com culpa exclusiva ou concorrente para o evento danoso. Em se tratando de culpa concorrente à responsabilidade do agente será proporcional de acordo com a sua concorrência para o dano. Diante da culpa exclusiva da vítima, resta totalmente excluída a responsabilidade civil do agente.


É tollitur quaestio (suprimida questão). Não ocorre indenização. O que importa, no caso, como observam Alex Weill e François Terre é apurar se a atitude da vítima teve o efeito de suprimir a responsabilidade do fato pessoal doa gente, afastando sua culpabilidade.


Surge dificuldade quando há concorrência de culpa entre a vítima e o agente, pois leva o julgador ter que mensurar até aonde a vítima propiciou o dano, para então delimitar a responsabilidade civil do agente.


 Na culpa anulada, ficará prejudicada responsabilidade civil de indenizar, devendo cada um recolher seu dano. Algumas leis, excepcionalmente, não admitem a redução da indenização em caso de culpa concorrente da vítima obrigando o causador o dano a pagar o valor integral.


É o que estabelece, por exemplo, o Decreto 2.681/1912(sobre a responsabilidade civil das companhias de estrada de ferro) prescreve a culpa concorrente da vítima, não exonera o transportador da obrigação de compor os danos. Somente a culpa exclusiva poderá isentá-lo.


Na hipótese de passageiro pingente ou do passageiro no estribo do vagão, devem as empresas de transporte reparar o dano conseqüente de desastre ocorrido com passageiro que viaja perigosamente.


Quanto ao fato de terceiro vem regulado nos arts. 1.519 e 1.520 CC concedendo o último ação regressiva contra o terceiro que criou a situação de perigo, para haver a importância gasta no ressarcimento ao dono da coisa.


Se o ato de terceiro é a causa exclusiva do prejuízo, desaparece a relação de causalidade entre ação ou omissão do agente e o dano.


Neste caso, o fato de terceiro se reveste de características similares ao caso fortuito ou à força maior, é que poderá ser excluída a responsabilidade do causador diretor do dano. Marcada a inevitabilidade sem que, para tanto, intervenha a menor culpa por parte de quem sofre o impacto consubstanciado pelo fato de terceiro.


Há um aspecto dicotômico em relação ao fato de terceiro na culpa objetiva e na culpa subjetiva.


Quanto a primeira, destaca-se o fato de terceiro que concorre com culpa exclusiva para o dano, e mesmo assim, não exclui a responsabilidade direta do agente de reparar os danos causados à vítima, gerando o direito de regresso em face de terceiro o real provocador do dano. O mesmo acontece em relação pelos atos praticados pelos seus prepostos. Vide súmula 187 STF, in verbis:


 “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.


Caso fortuito e de força maior


São fatos imprevisíveis, incontroláveis pelo agente e, por isso, inevitáveis. Fortuito em latim quer dizer casual; é uma imprevisão, um acidente, que mostra incontrolável ao agente e superior às suas forças.


O art. 1.058 § único do C.C não faz distinção entre o caso fortuito e força maior. A principal característica é inevitabilidade. O caso fortuito decorre de fato ou ato alheio à vontade das partes: greve, motim, guerra, e etc.


Arnoldo Medeiros da Fonseca reconhece pouca ou nenhuma diferenciação que se estabelece entre os dois conceitos. Há um substractum em comum qual seja o da ausência de toda e qualquer culpa por parte do responsável na hipótese do fortuito ou da força maior aliada à impossibilidade absoluta (não relativa) de se cumprir aquilo por que se obrigou.


Aponta Silvio Rodrigues que os dois conceitos parecidos e servem de escusa para responsabilidade fundada na culpa, desaparecendo o dever de reparar.


Ensina a doutrina que para a configuração do caso fortuito, ou de força maior, faz-se imperiosa a presença de certos requisitos: a) fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor, pois, se há culpa, não há caso fortuito; e se há caso fortuito não pode haver culpa, na medida em que um exclui o outro. Como dizem os franceses, citados por Carlos Roberto Gonçalves, “culpa e fortuito são coisas que gritam juntos;b) fato deve ser superveniente e inevitável; c) o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano.


São excludentes, pois afetam o nexo de causalidade, rompendo-o entre o ato do agente e o dano sofrido pela vítima.


O caso de força maior apesar do fato ser previsível e inevitável é mais forte que à vontade ou ação do homem. Na concepção de Esmen, a força maior configura pelo caráter do obstáculo e no caso fortuito o caráter imprevisto.


Para o legislador, não se importa se é caso fortuito ou de força maior, excluindo a responsabilidade doa gente de reparar os danos causados à vítima.


A amplitude do conceito dado pelo legislador visa enfraquecer o princípio básico da responsabilidade civil. Agostinho Alvim ensina que se torna por caso fortuito (ou fortuito interno) o acontecimento relacionado com a pessoa do devedor ou com sua empresa.


De outra sorte, o fortuito externo liga-se a um acontecimento externo, absolutamente estranho ao comportamento humano, o que se dá com fenômenos da natureza (raios, terremotos).<


br>Esclarece Sérgio Cavalieri Filho que está diante do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível “e, por isso, inevitável.


Por outro lado, a força maior é quando se está diante de um evento inevitável ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da natureza, como as tempestades, enchentes (act of God).


Tal distinção segundo seus defensores, permite seja dado tratamento diferenciado. Sustenta o doutrinador que for responsabilidade contratual se fundada em culpa basta o caso fortuito para exonerar o devedor de sua responsabilidade.


Todavia, se fundada na teoria do risco apenas a força maior determinaria a exclusão da responsabilidade.


Há uma tendência doutrinária a sustentar que, se o fato determinador do dano decorreu de evento relacionado à pessoa, à coisa, ou à empresa do agente causador do dano (caso fortuito ou fortuito interno), deve o julgador ser mais rigoroso no reconhecimento da excludente de responsabilidade. Deve-se apurar detalhadamente os requisitos da inevitabilidade e imprevisibilidade.


A cláusula de não indenizar está adstrita a ser excludente no âmbito da responsabilidade contratual e consiste na estipulação, inserida no contrato, por meio da qual uma das partes declara, com a anuência da outra parte, que não será responsável pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento absoluta ou relativo, da obrigação ali contraída. Os riscos são transferidos para a vítima por via contratual.


Paira grande controvérsia de sua validade ou não sobre a cláusula de não indenizar, para uns deve ser nula por ser contrária ao interesse social. Já para outros que a defendem em prol do princípio de autonomia da vontade.


Também deve ser enfocada à luz do CDC, é insustentável por contrariar os princípios instituídos no art. 51, I da Lei 8.078/90, e que expressamente considera nula de pleno direito.


Para Aguiar Dias, “a cláusula ou convenção de irresponsabilidade consiste na estipulação prévia por declaração unilateral, ou não, pela qual à parte que viria a obrigar-se civilmente perante outra afasta, de acordo com esta, a aplicação da lei comum ao seu caso”. Visa anular, modificar ou restringir as conseqüências normais de um fato da responsabilidade do beneficiário da estipulação.


Para uns tal cláusula é imoral, vedando-se principalmente nos contratos de adesão, principalmente para se proteger a parte mais fraca. Outros defendem-na com base na autonomia da vontade, contanto que o objeto do contrato seja lícito.


É fato que o direito pátrio não simpatiza com tais cláusulas e a jurisprudência de forma radical não a admite nos contratos de transporte e, ainda editou a Súmula 161 STF que decreta sua ostensiva inoperância no que tange ao transporte.


Também não se admite cláusula de exoneração na matéria delitual e sendo seu domínio restrito à responsabilidade contratual. Não terá validade se visa afastar uma responsabilidade imposta em atenção a interesse de ordem pública.


Só será tolerada se a cláusula de não-indenizar for destinada à mera tutela do interesse individual. É inteiramente ineficaz a declaração unilateral do hoteleiro que não se responsabiliza pelos frutos das bagagens dos viajantes hospedados em seu hotel.


Dois seriam os requisitos de validade para a cláusula de não-indenizar: a bilateralidade do consentimento e a não-colisão com o preceito cogente de lei (ordem pública e os bons costumes).


São múltiplas as aplicações cabíveis da cláusula de não-indenizar como no contrato de compra e venda, no que tange a não-garantia em razão de falta da área com relação à evicção e aos vícios redibitórios; nos depósitos de bagagens de hóspedes; no contrato de depósito bancário; no contrato de seguro, de mandato e de locação. Nos contratos típicos de adesão como os de leasing, os de SFH, e de utilização de cartões de crédito.


O CDC a considera abusiva e, portanto, nula no art. 51, a cláusula contratual que impossibilitar, exonerar ou atenuar a responsabilidade civil do fornecedor por vícios de qualquer natureza, incluídos os acidentes de consumo e os vícios redibitórios.


Tem-se por não escrita a cláusula de não-indenizar em contratos bancários de locação de cofres a clientes. No tocante a integridade da vida e da saúde, sempre se exclui a cláusula de irresponsabilidade.


Prescrita a ação de reparação de danos, fica afastada qualquer possibilidade de recebimento da indenização. A responsabilidade do agente causador do dano se extingue. A obrigação de reparar é de natureza pessoal (art. 177CC) prescrevem em 20(vinte) anos.


Se o fato também é ilícito penal, a prescrição da ação penal não influi na ação de reparação do dano, que tem próprios prazos de prescrição.


Não se deve confundir o prazo especial de cinco anos do art. 178, § 10, I CC referente à prescrição das prestações alimentícias decorrentes do parentesco ou de casamento, e não à indenização estipulada em forma de pensões periódicas em decorrência de ato ilícito (Art. 1.537 e 1.539CC). O não pagamento de pensões alimentícias pode acarretar até prisão civil do devedor.


Quanto ao art. 1.245 CC, manda que perdure a responsabilidade do construtor pelo prazo de cinco anos, desde que haja fornecido os materiais.


É um prazo de simples garantia, pois durante o qüinqüênio o construtor fica adstrito a assegurar a solidez e a segurança da construção, entretanto, se excedido prazo poderá o proprietário demandar o construtor pelos prejuízos que lhe advieram pela imperfeição da obra.


Só a cabo de vinte anos, prescreve a ação do primeiro contra o segundo para reposição da obra em perfeito estado. A teoria da unidade de prazo para ação e para a garantia não tem apoio sério do sistema legal.


O CDC distingue os prazos. São decadenciais regulados no art. 26 e, são de 30(trinta) dias tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis; já os duráveis o prazo é de 90(noventa) dias.


A contagem do prazo decadencial inicia-se a partir da efetiva entrega do produto ou do término da execução dos serviços (§1º).


Sendo vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito embora o prazo seja idêntico tanto para os vícios aparentes quanto para os ocultos. A diferença reside na fluição deste.


O prazo prescricional, porém, é único para todos os casos de acidentes de consumo.


Danos causados por fato do produto ou do serviço prescreve em cinco anos; contando-se a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.


Respeitados os princípios consumeristas como a de proteção ao consumidor poderá ser outro prazo desde que seja favorável ao consumidor, podendo então a vítima se valer do prazo prescricional vintenário (art.177CC) e, ainda a Súmula 194 STJ. In verbis: Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por e defeitos da obra.



Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


Equipe Âmbito Jurídico

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