As funções do Direito Penal e as finalidades da sanção criminal no Estado Social Democrático de Direito

Resumo: O presente artigo trata das funções do Direito Penal e as finalidades da sanção criminal no Estado Social Democrático de Direito, abordando a função do Direito Penal de proteção de bens jurídicos essenciais e as finalidades preventivas da sanção penal, tudo tendo como norte a dignidade da pessoa humana


Sumário: 1- As funções do Direito Penal; 2- As finalidades da sanção criminal; 3- Bibliografia citada.


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1- AS FUNÇÕES DO DIREITO PENAL


Para uma compreensão segura da ciência penal é importante saber qual é a função do Direito Penal, a sua missão dentro do Estado Social Democrático de Direito, Material, insculpido na Carta Constitucional de 1988.


O Direito Penal, nesse contexto, tem certas funções. A primeira delas é a indispensável proteção de bens jurídicos essenciais, protegendo de modo legítimo e eficaz os bens jurídicos fundamentais do indivíduo e da sociedade.


Bem, em sentido amplo, é qualquer coisa – objeto material ou imaterial – que satisfaz uma necessidade humana, é tudo que tem valor para o ser humano, que se apresenta como digno, útil ou necessário[1]. Dentre o imenso número de bens existentes, aqueles mais essenciais receberão proteção pela via do Direito Penal, pois se apresentam como bens jurídico-penais essenciais. Como informa Alice Bianchini, “o direito penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens (princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos)”, “o que concede ao direito penal um caráter fragmentário [p. 141]”[2]. Os bens jurídico-penais essenciais devem ter referência explícita ou implícita[3] na ordem constitucional dos direitos humanos fundamentais (não se restringindo com essa expressão apenas o previsto no Título II da CF/88), sendo, portanto, concretizações desses valores máximos presentes no Texto Supremo.


Como alerta Figueiredo Dias, é somente por esta via “que os bens jurídicos se ‘transformam’ em bens jurídicos dignos de tutela penal ou com dignidade jurídico-penal[4]. Nesse diapasão, afirma Luiz Régis Prado que “o conceito de bem jurídico deve ser inferido na Constituição, operando-se uma espécie de normativização de diretivas político-criminais”[5]. Assim, deve “ser rechaçada a ação legislativa que outorgue proteção a bens que não sejam constitucionalmente direta ou indiretamente amparados”[6] e “uma lei penal anterior só poderá ser recepcionada quando houver uma congruência desta com a norma constitucional, ou seja, quando a lei penal tutelar bem jurídico protegido pela Constituição, situação em que a mesma passa a ter eficácia e validade”[7].


A função aludida de indispensável proteção de bens jurídicos essenciais é relatada expressamente por Fernando Fernandes ao dizer que o fim último que deve estar direcionado o Direito Penal é a indispensável tutela dos bens jurídicos essenciais, a partir da contenção das condutas lesivas ou que exponham a perigo tais bens[8].


Para melhor entender o significado desta função de indispensável proteção de bens jurídicos essenciais, é preciso dividir o conceito em dois componentes: 1) a proteção de bens jurídicos essenciais e 2) a necessária ou indispensável proteção, que se traduz na imposição da sanção penal à conduta que atente contra bem jurídico-penal essencial.


Na atualidade, a doutrina é unânime em afirmar, ao menos, que a função do Direito Penal se traduz na proteção de bens jurídicos essenciais[9].


Assim, com apoio em Hassemer, pode-se acertadamente defender que “uma ameaça penal contra um comportamento humano é ilegítima, sempre que não possa lastrear-se na proteção de um bem jurídico”[10], o que é acentuado por Polaino Navarrete ao mencionar que sem a presença de um bem jurídico de proteção prevista no preceito punitivo, o próprio Direito Penal, além de resultar materialmente injusto e ético-socialmente intolerável, careceria de sentido como tal ordem de direito[11], tendo o bem jurídico importância sistemática fundamental[12].


O que se quer demonstrar é que a função do Direito Penal, voltada para a aplicação de sua específica sanção, não se condiciona apenas em proteção de bem jurídico essencial.


O Estado só fará incidir a sanção penal quando verificar a indispensabilidade da proteção a ser dada ao bem jurídico essencial, ou seja, a necessidade concreta de proteção pela via sancionatória penal. Não é só pelo fato de ocorrer a violação do bem jurídico essencial que incidirá a sanção penal, pois essa somente ocorrerá quando for indispensável.


O Direito Penal, num primeiro momento, que é no plano do tipo penal incriminador, exerce a função de proteção de bens jurídicos essenciais, protegendo, v.g., a vida ao estabelecer tipificações cujas normas proíbem atentados contra esse bem fundamental. Em casos como, por exemplo, de legítima defesa, onde a vítima em contra-ataque fere ou mata seu agressor, o direito não protegerá este, apesar de sua vida ser um bem jurídico-penal essencial. A função do Direito Penal deve ser acrescentada do vocábulo indispensável, do modo como o emprega expressamente Fernando Fernandes na citação exposta (indispensável tutela dos bens jurídicos essenciais[13]).


Isso significa que se deve entender como incompletos enunciados expressos da função do Direito Penal que somente exprimam “proteção de bens jurídicos essenciais”. Apesar de ser possível inferir da globalidade dos ensinamentos de diversos autores a menção de ser preciso a necessidade da pena, deveriam expressamente mencionar esse caracter logo no enunciado da função do Direito Penal, já que essa é o ponto de partida para todo o desenvolvimento científico.


Assim, é certo que o Direito Penal protege os bens jurídicos essenciais, mas correto é que a sanção, que simboliza a proteção em si, só atuará quando o caso trouxer a necessidade ou indispensabilidade.


A função de indispensável proteção de bens jurídicos essenciais reforça o princípio da intervenção mínima (subsidiariedade e fragmentariedade), que permeia o Direito Penal, reservando a atuação deste para os casos indispensáveis, onde realmente se revelam insuficientes as tutelas extrapenais. Assim, protege os bens jurídicos essenciais, e não quaisquer bens, e ainda, somente contra determinadas configurações de agressão.


Referida função se apresenta como um fundamento autêntico do regime estatal social e democrático, e isso traz como conseqüência que o tipo penal incriminador que não contenha um bem jurídico claramente definido e delimitado é nulo por ser materialmente inconstitucional, e a sanção ligada à ofensa do bem jurídico somente poderá incidir quando indispensável e necessária à proteção dele.


A segunda função do Direito Penal é a função garantidora ou de garantia. A garantia se expressa na proteção da dignidade do indivíduo supostamente autor de um delito frente ao Estado, ficando este adstrito a atuar somente de acordo com a legalidade e a cumprir os princípios garantidores do Direito Penal elencados na Carta Constitucional e legislação inferior.


É verdadeiro que o Estado, por meio do Direito Penal e de sua sanção, tem em vista assegurar a manutenção do ordenamento jurídico, mas também é certo que essa atuação não pode ser efetuada de qualquer forma e medida para proteger a convivência dos seres humanos em sociedade. São necessários limites, que são por outro lado garantias consagradas à dignidade, vida e liberdade das pessoas.


Atente-se que algumas das garantias fornecidas ao indivíduo supostamente delinqüente protegem seus bens jurídicos essenciais, como, v.g., sua integridade física e moral na proibição de tortura, o que traz à mente a primeira função (indispensável proteção de bens jurídicos essenciais). Outras garantias, como, por exemplo, a presunção de inocência, fornecem ao indivíduo a prerrogativa de um tratamento tal que não o considere culpado antes do trânsito em julgado de uma condenação.


Se a função de garantia for tomada em sentido amplíssimo, é possível fazer a constatação lógica de que ela engloba a função de indispensável proteção de bens jurídicos essenciais, pois funciona como uma garantia individual apenas sofrer sanção penal nos casos onde for indispensável a proteção do bem essencial. Assim, na nossa visão, não é possível uma oposição ou delimitação estanque entre as duas funções, ambas se complementando na busca de um sistema constitucional que seja garantidor da dignidade humana.


Possui relação direta com as duas funções enunciadas o pensamento de Aníbal Bruno, quando constata que o Direito Penal é um sistema jurídico de dupla face, “que protege a sociedade contra a agressão do indivíduo e protege o indivíduo contra os possíveis excessos de poder da sociedade na prevenção e repressão dos fatos puníveis”[14].


Tendo sua atuação pautada em prol dessas duas funções, é possível dizer que o Direito Penal cumpre uma função genérica. Esta pode ser descrita, utilizando as palavras de Fernando Fernandes, como a função de assegurar a “manutenção da viabilidade da vida em sociedade[15]. Aliás, essa é a função do Direito como um todo.


2- AS FINALIDADES DA SANÇÃO CRIMINAL


Essas são as funções do Direito Penal, sendo importante agora discorrer sobre as finalidades da sanção penal, que não deixam de ser também funções do Direito Penal. Quando se procura estudar o tema dos fins da sanção penal, parte-se para verificar se a sanção penal tem finalidade retributiva ou preventiva, ou ambas.


A proteção fornecida pelo Direito Penal, por meio de sua específica sanção, mantendo a viabilidade da vida em sociedade, visa a controlar a fenômeno criminal e parece adequado o entendimento de que a sanção penal, dentro do Estado Social Democrático de Direito, Material, deve ter exclusivamente finalidades preventivas, a nosso ver, de: a) prevenção geral positiva; b) prevenção geral negativa; e c) prevenção especial positiva.


A prevenção geral visa surtir efeitos sobre todo o corpo social, e funciona nos três momentos penais: cominação, aplicação e execução da sanção[16]. A prevenção especial visa com exclusividade o delinqüente do caso concreto, devendo ser meta da execução penal.


A sanção penal não é instrumento de justiça retributiva, devendo a finalidade de retribuição ser afastada dentre as finalidades próprias da sanção num Estado Social Democrático de Direito, Material.


No que toca à pena, entendimento que pode ser estendido à medida de segurança, apregoa Roxin que “a pena estatal é uma instituição exclusivamente humana, criada com o fim de proteger a sociedade, não podendo, por isso, ser imposta se não é exigida por razões preventivas”[17]. Anabela Rodrigues defende que a pena “não pode justificar-se através da retribuição, mas deve, pelo contrário, ter um fundamento racional, realizar objetivos práticos de defesa do direito e da sociedade”[18].


Com a mesma visão, Figueiredo Dias escreve:


Uma pena retributiva esgota o seu sentido no mal que se faz sofrer ao delinqüente como compensação ou expiação do mal do crime, nesta medida puramente social-negativa que acaba por se revelar não só estranha, mas no fundo inimiga de qualquer tentativa de socialização de delinqüente e de restauração da paz jurídica da comunidade afetada pelo crime; inimiga em suma, de qualquer atuação preventiva e, assim, da pretensão de controle e domínio do fenômeno da criminalidade”[19].


A finalidade de prevenção geral positiva pode ser cunhada do próprio enunciado da função do Direito Penal de indispensável proteção de bens jurídicos essenciais. Isso porque a prevenção geral positiva é finalidade da sanção, e esta representa a indispensável proteção em si.


A prevenção geral positiva, portanto, tem seu efeito preventivo ligado ao sentimento de tranqüilidade que surge nas pessoas do corpo social quando verificam que no caso concreto houve a indispensável proteção do bem jurídico essencial, provocando na sociedade a crença de que ocorreu a real manutenção da vigência da norma violada. Pode-se utilizar as seguintes palavras de Jakobs para caracterizar esta prevenção geral positiva, desde que sempre se vislumbre na norma a proteção de um bem jurídico:


prevenção geral, porque pretende produzir um efeito em todos os cidadãos, positiva, porque este efeito não se pretende que consista em medo ante a pena, mas sim em uma tranqüilização no sentido de que a norma está vigente, de que a vigência da norma, que havia sido afetada pelo fato, voltou a ser fortalecida pela pena[20].


Em complemento à prevenção geral positiva, aceita-se como finalidade da sanção penal um certo grau de intimidação (prevenção geral negativa), visto que esta parece ser inerente ao Direito Penal, pois a intimidação é sentimento concreto experimentado pelas pessoas diante de uma possível intervenção penal.


A prevenção especial positiva orienta-se pelos ditames da (res)socialização do delinqüente e pela sua não estigmatização pela resposta penal. Deve sempre ser atendido o princípio da socialidade, que assumirá dignidade jurídico-constitucional em toda a parte onde vigore a cláusula do Estado de Direito Social, tendo o Estado “uma obrigação de ajuda e de solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe o máximo de condições para prevenir a reincidência e prosseguir a vida no futuro sem cometer crimes”[21].


Ao fazer referência à pena de prisão, Anabela Rodrigues destaca que a execução penal além de contribuir para “a eficácia e para a rentabilidade da justiça” deve também, “evitar ou atenuar a estigmatização dos reclusos (impedir a dessocialização e promover a não-dessocialização)”[22].


Esses ditames da prevenção especial positiva são metas da execução penal na nossa ordem jurídica, repleta de disposições que a obrigam. A finalidade de prevenção especial positiva está expressamente prevista: I) art. 6º do Pacto de San José da Costa Rica[23]: “as penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”; II) art. 1º da Lei de Execução Penal (lei 7.210/84): “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Na nossa Constituição, a prevenção especial positiva está implicitamente prevista: 1) na proteção da dignidade humana (art. 1º, III). Sustenta Alice Bianchini que “o princípio da dignidade da pessoa exige que todos os esforços sejam empreendidos no sentido de se evitar os efeitos deletérios da prisionização, e que não se abandonem, mas, antes, até mesmo se intensifiquem, também, as preocupações no âmbito da reinserção social do condenado”[24]; 2) no objetivo constitucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I). Uma sociedade solidária deve se sensibilizar e ter uma atuação positiva para com os apenados; 3) na proibição de se submeter alguém a tortura ou tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III); 4) no princípio da humanidade das sanções (art. 5º, XLII), que veda a pena de morte (exceto em caso de guerra), de caráter perpétuo, de trabalho forçado, de banimento e cruel; 5) na garantia de respeito à integridade física e moral dos presos (art. 5º, XLIX). O enumerado nos itens 1, 3 e 5 já constavam no Pacto de San José: “Art. 5º – Direito à integridade pessoal. 1 – Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2- Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.


Todas essas finalidades da sanção criminal, devem, como ressaltam Zaffaroni e Pierangeli:


contribuir para diminuir os antagonismos, fomentar a integração e criar as condições para uma generalização comunitária do sentimento de segurança jurídica, que será maior na medida em que a estrutura social seja mais justa (maior grau de justiça social) e, em conseqüência, cada homem sinta que é maior o espaço social de que dispõe e a comunidade lhe garante ou, ao menos, deve procurar não aumentar os antagonismos e as contradições[25].


 


Bibliografia citada

ANDRADE, Manuel da Costa. A dignidade penal e a carência de tutela penal como referências de uma doutrina teleológico-racional do crime. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, ano 2, fasc. 1, jan./mar. 1992,  p. 173 e ss.

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Notas:

[1] Nesse sentido, cf.: Luiz Régis Prado (PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.  p. 18); Assis Toledo (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1999.  p. 15).

[2] BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.  p. 28-29; 141. grifo do autor.

[3] Essas referências são denominadas de cláusulas penais de criminalização. O fato de existirem referências  expressas não quer dizer que estejam excluídas outras possibilidades de criminalização, implicitamente verificáveis. Assim, e.g.: Francesco Palazzo (PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito penal. Tradução de Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989.  p. 105).

[4] DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.  p. 67. grifo do autor. É o que Figueiredo Dias denomina de “princípio da congruência entre a ordem legal dos bens jurídicos e a ordem axiológica constitucional” (DIAS, Jorge de Figueiredo. Sobre o estado actual da doutrina do crime – 1ª parte: sobre os fundamentos da doutrina e construção do tipo-de-ilícito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 0, dez. 1992,  p. 27).

[5] PRADO, Luiz Régis. Bem…, cit.,  p. 51.

[6] Idem. Ibidem. p. 143.

[7] MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Prescrição penal: prescrição funcionalista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.  p. 49.

[8] FERNANDES, Fernando. O processo penal como instrumento de política criminal. Coimbra: Almedina, 2001.  p. 6. Essa mesma função do direito penal pode ser inferida de passagens de certos autores, como, v.g., Fragoso, ao mencionar que “as lesões de bens jurídicos só podem ser submetidas à pena, quando isso seja indispensável para a ordenada vida em comum” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – a nova parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1992. V. 1. p. 5. grifo nosso). Figueiredo Dias traz a aludida função do direito penal como uma finalidade da pena, expondo que “primordialmente, a finalidade visada pela pena há de ser […] a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto” (DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões…, cit.,  p. 130. grifo do autor). Como o Direito Penal é representado por sua específica sanção, uma teoria do Direito Penal é sempre uma teoria da pena e vice-versa, não havendo equívoco científico em tratar a função por nós descrita como uma finalidade da pena. Preferimos, no entanto, tratar como finalidades da sanção penal o tema que envolve a retribuição e a prevenção. Costa Andrade, em observação aos autores do funcionalismo racional teleológico (v.g., Roxin, Figueiredo Dias), verifica uma proposição fundamental dessa corrente: “o direito penal só pode intervir para assegurar a proteção, necessária e eficaz, dos bens jurídicos fundamentais, indispensáveis ao livre desenvolvimento ético da pessoa e à subsistência e funcionamento da sociedade democraticamente organizada. O direito penal só está, noutros termos, legitimado a servir valores ou metas imanentes ao sistema social e não fins transcendentes de índole religiosa, metafísica, moralista ou ideológica” (ANDRADE, Manuel da Costa. A dignidade penal e a carência de tutela penal como referências de uma doutrina teleológico-racional do crime. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, ano 2, fasc. 1, jan./mar. 1992,  p. 178).

[9] Dentre muitos: Aníbal Bruno leciona que a defesa realizada pelo Direito Penal visa a “proteção de bens jurídicos essenciais” (BRUNO, Aníbal. Direito penal – parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1967. T. 1.  p. 11); Assis Toledo ensina que “a tarefa imediata do direito penal é, portanto, de natureza eminentemente jurídica e, como tal, resume-se à proteção de bens jurídicos” (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios…, cit.,  p. 13); Fábio Guedes Machado ao escrever que “a missão do Direito Penal consiste na proteção dos valores elementares da consciência, do caráter ético social e, por acréscimo, na proteção de bens jurídicos particulares” (MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Prescrição…, cit.,  p. 48); Gisele Mendes de Carvalho sustenta que “constitui escopo primordial do Direito Penal a proteção de bens jurídicos – bens essenciais do indivíduo ou da comunidade” (CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídico-penais da eutanásia. São Paulo: IBCCrim, 2001.  p. 95); Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira expõe que “as normas penais deveriam e devem destinar-se apenas a punir condutas que atentem diretamente contra os bens essenciais ao homem e à vida comunitária” (OLIVEIRA, Marco Aurélio Costa Moreira de. O direito penal e a intervenção mínima. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 17, jan./mar. 1997,  p. 147); Jescheck diz que “o Direito Penal não pode intervir perante qualquer perturbação da vida comunitária, mas somente deve limitar-se à proteção dos valores fundamentais da ordem social. O Direito Penal tem encomendada a missão de proteger bens jurídicos” (JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Tradução de Mir Puig e Muñoz Conde. Barcelona: Bosch, 1981. V. 1.  p. 9-10. grifo do autor. tradução nossa); Figueiredo Dias afirma que “a função do Direito Penal é uma função exclusiva de proteção de bens jurídicos” (Entrevista. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 13, jan./mar. 1996,  p. 13), opinião que deve ser compatibilizada com a anterior do autor. Tomando como referencial a lei, o Código Penal Português, com a reforma de 1995, prevê no seu art. 40, “1”, que “a aplicação de penas e medidas de segurança visa à protecção de bens jurídicos […]”.

[10] HASSEMER, Winfried. História das idéias penais na Alemanha do pós-guerra. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 6, abr./jun. 1994,  p. 52.

[11] POLAINO NAVARRETE, Miguel. El bien jurídico en el derecho penal. Sevilha: Public de la Universidad, 1974.  p. 21-22.

[12] POLAINO NAVARRETE, Miguel. Derecho penal – parte general. Barcelona: Bosch, 1996.  p. 281.

[13] FERNANDES, Fernando. O processo…, cit.,  p. 6.

[14] BRUNO, Aníbal. Direito…, cit., T. 1.  p. 18-19.

[15] FERNANDES, Fernando. O processo…, cit., p. 6. Outros autores, por outras palavras, expressam entendimento assemelhado: Aníbal Bruno afirma que o “fim do Direito Penal é, portanto, a defesa da sociedade [p. 14]” ou “assegurar as condições de existência e continuidade da organização social [p. 21]” (BRUNO, Aníbal. Direito…, cit., T. 1.  p. 14; 21); Bitencourt explica que o “estado faz uso do direito penal, isto é, da pena, para facilitar e regulamentar a convivência dos homens em sociedade” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão – causas e alternativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.  p. 103); Maurício Antônio Ribeiro Lopes diz que o “Direito Penal tem sua razão de ser em constituir um meio que possibilita o desenvolvimento da vida em sociedade” (LOPES, Maurício Antônio Ribeiro; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.  p. 256); Maria da Conceição Ferreira da Cunha informa que o Direito Penal “é imprescindível para a própria defesa dos valores essenciais à vida do homem em sociedade” (CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Constituição e crime: uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995.  p. 272); Jescheck aponta como função: “proteger a convivência humana na comunidade” ou “proteção da sociedade” [p. 30] (JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado…, cit., V. 1.  p. 3; 30. tradução nossa); Roxin sustenta que a função do Direito Penal é “garantir as condições de coexistência social” (ROXIN, Claus.  Tem futuro o direito penal? Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 790, ago. 2001,   p. 465); Jakobs ensina que “a pena deve ser necessária para a manutenção da ordem social” (JAKOBS, Günther. El principio de culpabilidad. Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, Madrid, v. 45, f. 3, sept./dic., 1992,  p. 1052. tradução nossa).

[16] Nesse sentido, cf.: Edmundo Oliveira (OLIVEIRA, Edmundo. Política criminal e alternativas à prisão. Rio de Janeiro: Forense, 2001.  p. 18).

[17] ROXIN, Claus. Acerca da problemática do direito penal da culpa. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1983, p. 8.

[18] RODRIGUES, Anabela Miranda. A determinação da medida da pena privativa de liberdade. Coimbra: Editora Coimbra, 1995.  p. 257.

[19] DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões…, cit.,  p. 95. grifo do autor.

[20] JAKOBS, Günther. El principio…, cit.,  p. 1074. tradução nossa.

[21] DIAS, Jorge de Figueiredo. O Código Penal português de 1982 e a sua reforma. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 8, out./dez. 1994,  p. 23.

[22] RODRIGUES, Anabela Miranda. Novo olhar sobre a questão penitenciária. Coimbra: Editora Coimbra, 2000.  p. 9.

[23] O Pacto de San José da Costa Rica é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo 27, de 26 de maio de 1992, aprovou o texto desse Tratado e o Governo brasileiro, em 25 de setembro de 1992, depositou a carta de adesão a essa convenção, determinando seu integral cumprimento pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, publicado no Diário Oficial de 09.11.1992, p. 15.562 e ss. Os direitos humanos previstos nesse Tratado, conforme disposição do art. 5º, § 2º, da CF/88, possuem status constitucional de direitos fundamentais (cláusulas pétreas, portanto).

[24] BIANCHINI, Alice. Pressupostos…, cit.,  p. 115.

[25] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro – parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.  p. 95.

Informações Sobre o Autor

Vanderson Roberto Vieira

Graduado em Direito pela Unesp (Universidade Estadual Paulista). Mestre em Direito Penal pela mesma Instituição. Professor de Direito Penal do Curso de Direito da UNIFAIMI – Mirassol – SP


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Equipe Âmbito Jurídico

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