As gerações de direitos humanos e o estado democrático de direito

Resumo: Este trabalho visa, de uma maneira concisa e breve, analisar no que consistem as gerações de direito, cada uma delas, em particular, e a sua relação com o Estado Democrático de Direito, de maneira a demonstrar que a efetivação desses direitos somente se pode dar em países nos quais a democracia e o Estado de Direito vigem, não só de direito, mas principalmente de fato, apresentando, assim, a relação entre e concretização de direitos humanos fundamentais e a democracia característica dos Estados de Direito.


Palavras-chave: gerações de direitos humanos, direitos fundamentais, internacionalização, Estado democrático de direito, igualdade, justiça.


1. GERAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS:


A positivação dos direitos que hoje são alcunhados de fundamentais e que correspondem, de mais a mais, às gerações de direitos humanos deu-se, nas variadas Cartas Fundamentais, em correspondência ao transcurso da história da humanidade e efetivamente se perfectibilizou no ordenamento jurídico pátrio, com a proporção que hoje se concebe, com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, como uma conseqüência histórica da transmudação dos direitos naturais universais em direitos positivos particulares, e, depois, em direitos positivos universais (PIOVESAN, 2004, p. 124).


Por isso mesmo, inexiste equívoco quando se confere a essa Norma Fundamental a atribuição de refletir um momento histórico significativo, o atual, porque o máxime do alargamento no campo dos direitos e garantias fundamentais até hoje conquistado, colocando-se, ainda, “entre as Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria” (PIOVESAN, 2004, p. 25).


São, assim, considerados humanos, os direitos conferidos a todo e qualquer sujeito, no intuito de se resguardar sua dignidade, direitos esses que “a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir” (HERKENHOFF, 1994, p. 31), todos decorrentes de alterações no pensamento filosófico, jurídico e político da humanidade, e que, positivados, convencionou-se designar por “direitos fundamentais”.


Como precedente histórico de processo de internacionalização dos direitos humanos, assinala-se a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho, convenções pelas quais foi possível, pela primeira vez, “redefinir o status do indivíduo no cenário internacional, para que se tornasse verdadeiro sujeito de direito internacional” (PIOVESAN, 2004, p. 125).


Em ambas as convenções, criadas antes da Primeira Guerra Mundial, visou-se estabelecer limites à atuação estatal e garantir a observância dos direitos fundamentais, assinalando a necessidade de se relativizar a soberania dos Estados.


“Vale dizer, o advento da Organização Internacional do Trabalho, da Liga das Nações e do Direito Humanitário registra o fim de uma época em que o Direito Internacional era, salvo raras exceções, confinado a regular relações entre Estados, no âmbito estritamente governamental. Através destes institutos, não mais se visava proteger arranjos e concessões recíprocas entre os Estados. Visava-se sim ao alcance das obrigações internacionais a serem garantidas ou implementadas coletivamente que, por sua natureza, transcendiam os interesses exclusivos dos Estados contratantes. Estas obrigações internacionais voltavam-se à salvaguarda dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos Estados” (PIOVESAN, 2004, p. 128-129).


Na sequência, após a Segunda Grande Guerra, palco de massacres e conhecido genocídio das mais distintas etnias, efeito do fortalecimento do totalitarismo estatal dos anos 30, a humanidade percebeu a premência de se resguardar, mediante eficazes medidas, a dignidade da pessoa humana.


Conforme assinala Thomas Buerguenthal:


“O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse” (IN. PIOVESAN, 2004, p. 131).


E efetivamente, remonta a história, somente com o pós-guerra, depois de todas as atrocidades ocorridas sob o argumento da hibridização da raça ariana, projeto político e industrial sabidamente abraçado por Adolf Hitler, com a real ruptura do paradigma dos direitos humanos, mediante uma negação dos valores mais comezinhos ao homem concedidos, emergiu, significativamente, no pensamento ocidental, a necessidade de se reconstruir tais direitos.


O Tribunal de Nuremberg, no qual foram julgados os crimes cometidos ao longo do Nazismo, ou por líderes nazistas, ou por oficiais militares, teve sua composição e procedimentos básicos fixados pelo acordo de Londres e tinha, claramente como objetivo, reprimir futuras práticas de atos contrários aos direitos humanos e demonstrar, para a comunidade internacional a força normativa dos direitos humanos, de amplitude universal, significa dizer, a comunidade internacional testemunhou a importante marca de que os direitos humanos, a partir de então, deixavam de ser questão de direito doméstico, para tornarem-se matéria de cunho extra-estatal.


Desse momento histórico, portanto, resultaram a Declaração Universal, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 1948 e a Convenção Internacional sobre a prevenção e punição do crime de genocídio, ambas marcos inaugurais de “uma nova fase histórica, que se encontra em pleno desenvolvimento” (COMPARATO, 2004, p. 56).


Fábio Konder Comparato analisa e relata essa nova fase, asseverando:


“Ela é assinalada pelo aprofundamento e a definitiva internacionalização dos direitos humanos. Meio século após o término da 2ª Guerra Mundial, 21 convenções internacionais, exclusivamente dedicadas à matéria, haviam sido celebradas no âmbito da Organização das Nações Unidas ou das organizações regionais. Entre 1945 e 1998, outras 114 convenções foram aprovadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho. Não apenas direitos individuais, de natureza civil e política, ou os direitos de conteúdo econômico e social foram assentados no plano internacional. Afirmou-se também a existência de novas espécies de direitos humanos: direitos dos povos e direitos da humanidade” (COMPARATO, 2004, p. 56).


Dessa maneira foi que a Declaração definiu, como nunca antes, os padrões éticos e morais a serem perseguidos pelos Estados, conferindo uma gama extensa de direitos e faculdades sem as quais um ser humano já não mais poderia desenvolver sua personalidade intelectual, física e moral e acarretando uma repercussão tal que “os povos passaram a ter consciência de que o conjunto da comunidade humana se interessava pelo seu destino” (PIOVESAN, 2004, p. 146).


Ademais, além de internacionalizar os direitos ali contidos, a Declaração também teve a função de conjugar, harmonizar ou conciliar as gerações de direitos civis e políticos (primeira geração de direitos) aos direitos econômicos, sociais e culturais (segunda geração), equalizando, desta forma, o discurso liberal e o discurso social defensores da cidadania, atando o valor da liberdade ao da igualdade, dicotomia que até então não se cria pudesse ser ultrapassada.


Em breves linhas, os fatos históricos dão conta de que até a subscrição desta Declaração, tal antagonismo entre o direito à liberdade e o direito à igualdade era reputado intransponível, porquanto, se de um lado, consagravam-se a ótica contratualista, fundante do Estado Liberal, erigido filosoficamente pelos ideais de Locke, Montesquieu e Rousseau e pelo qual ao Estado era vedada a atividade excessiva, restritiva da liberdade dos cidadãos, por outro, imperiosa era a proteção de direitos sociais, a consagrar a igualdade entre os indivíduos, no qual o Estado passava a ser visto como “agente de processos transformadores”, no sentido de prestador de direitos sociais (PIOVESAN, 2004, p. 147), valores tais cujos vetores claramente apontavam para sentidos ontologicamente opostos, razão de ser da flagrante dicotomia anunciada.


“Considerando este contexto, a Declaração de 1948 introduz extraordinária inovação, ao conter uma linguagem de direitos até então inédita. Combinando o discurso liberal da cidadania com o discurso social, a Declaração passa a elencar tanto direitos civis e políticos (arts. 3º a 21), como direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 a 28) (PIOVESAN, 2004, p. 148).


Feito sucinto escorço histórico da emergência dos direito humanos no âmbito internacional, mister separar, uma a uma, as gerações de direitos, consoante proposição contida neste trabalho.


Impende salientar, no entanto, tal sistematização dos direitos humanos em gerações de direitos, não acompanha qualquer hierarquização desses valores, mas tão só corresponde ao seu reconhecimento em dado momento histórico e em determinados ordenamentos jurídicos.


1.1 Direitos humanos de primeira geração:


Os direitos humanos de primeira geração são resultantes, principalmente, da Declaração Francesa dos direitos do Homem e do Cidadão e da Constituição dos Estados Unidos da América de 1787, que surgiram após o confronto entre governados e governantes, é dizer, da insatisfação daqueles com a realidade política, econômica e social de sua época, e que resultou nessas afirmações dos direitos de indivíduos em face do poder soberano do Estado absolutista (LAFER, 1988, p.126).


Tais documentos, segundo Comparato (2006, p. 51):


“[…] representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as organizações religiosas. Mas em contrapartida, a perda da proteção familiar estamental ou religiosa tornou o indivíduo muito mais vulnerável às vicissitudes da vida. A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca, a segurança da legalidade, com a garantia da igualdade de todos perante a lei. Esses direitos, visando a proteção das liberdades individuais ao impor limites ao Estado, recebem a denominação, por alguns autores de direitos humanos de primeira geração ou primeira dimensão.”


E Cesar Lafer (1988, p. 126) afirma:


“Os direitos humanos da Declaração de Virgínia e da Declaração Francesa de 1789 são neste sentido, direitos humanos de primeira geração, que se baseiam numa clara demarcação entre Estado e não Estado, fundamentada no contratualismo de inspiração individualista. São vistos como direitos inerentes ao indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que precedem o contrato social. Por isso, são direitos individuais: (I) quanto ao modo de exercício – é individualmente que se afirma, por exemplo, a liberdade de opinião; (II) quanto ao sujeito passivo do direito – pois o titular do direito individual pode afirmá-lo em relação a todos os demais indivíduos, já que esses direitos têm como limite o reconhecimento do direito de outro […]”.


Filosoficamente, pode-se creditar o surgimento e o resguardo dessa geração direitos à moral individualista e secular, que colocava o indivíduo como centro do poder e rechaçava, de outra parte, a promiscuidade entre poder político e religioso, assinalando a secularização do poder do Estado (BOBBIO, 1992, p. 60). São, destarte, os direitos individuais, que resguardam as liberdades individuais e impõem limitações ao poder do Estado, decorrentes da evolução do direito natural e sofrendo importante influência dos ideais iluministas, como se pode extrair do pensamento filosófico de Rousseau, Locke e Montesquieu, principalmente.


Em verdade, há quem assinale que as dimensões de direitos humanos foram separadas conforme o lema da Revolução Francesa de 1789, liberte, igualité, fraternité, ao qual a liberdade corresponderia à primeira, a igualdade a segunda e a fraternidade à terceira geração de direitos, sobrevindo, somente anos depois, as quarta e quinta gerações de direitos humanos, expressão originariamente criada por Karel Vasak na aula inaugural no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estraburgo e posteriormente emprestada por Norberto Bobbio (LIMA, 2003).


Essa dúvida, no entanto, desmerece maiores delongas, já que não perfaz a matéria que se pretende analisar neste trabalho, razão porque breves as linhas que encerram tal explanação.


1.2 Direitos humanos de segunda geração:


Mais tarde, porém, com a consagração dos direitos de liberdade, ocorreu a passagem destas, as chamadas liberdades negativas, para os direitos políticos e sociais, que exigiam uma intervenção direta do Estado, para ver-se concretizados, com a passagem da consideração do indivíduo singular, primeiro sujeito a quem se atribuiu direitos naturais, para grupos de sujeitos, sejam famílias, minorias étnicas ou até mesmo religiosas. Os direitos sociais ou prestacionais, como o direito à saúde, configuram, assim, um dos elementos que marcaram a transição do constitucionalismo liberal para o constitucionalismo social, direitos que impõem, determinam ou exigem do Estado enquanto ente propiciador da liberdade humana, não mais aquela atividade negativa, de restrição de sua atuação, mas uma ação positiva, através de uma efetiva garantia e eficácia do direito fundamental prestacional (HUMENHUK, 2004).


De segunda geração, são, pois, os direitos ao trabalho, à saúde, à educação, dentre outros, cujo sujeito passivo é o Estado, que tem o dever de realizar prestações positivas aos seus titulares, os cidadãos, em oposição à posição passiva que se reclamava quando da reivindicação dos direitos de primeira geração (LAFER, 1988, p. 127). Foram positivados somente nas Constituições francesas liberais de 1791 e 1973, sendo ampliados e reafirmados pela Constituição francesa de 1948, carta política esta que correspondeu com a consciência da população, verdadeira interessada na efetivação de tais direitos, dos problemas resultantes da revolução industrial e a condição dos operários (LAFER, 1988, p. 127-128; COMPARATO, 2001, p. 51).


1.3 Direitos humanos de terceira geração:


À par das dificuldades e das conquistas decorrentes da diuturna luta social pelo reconhecimento e pela eficácia dos direitos civis e políticos, de primeira geração, e dos direitos econômicos, sociais e culturais, direitos de segunda geração, outros valores, até então não tratados como prioridade na sociedade ocidental, foram colocados na pauta de discussão em período posterior ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Referidos valores, para serem efetivados, exigiam soluções inovadoras que só o reconhecimento de direitos de estirpe diversa dos já positivados poderia satisfazer. Estes novos direitos passaram, assim, a serem alcunhados de direitos de terceira geração.


Tais direitos, também conhecidos como direitos da solidariedade ou fraternidade, caracterizam-se, assim, pela sua titularidade coletiva ou difusa, tendo coincidido o período de seu reconhecimento ou positivação com o processo de internacionalização dos direitos humanos (TAVARES, 2006, p. 421-422; ALMEIDA, 1996, p. 45).


Sobre esta geração de direitos, destaca Ingo Wolfgang Sarlet, que (1998, p.50-51):


“[…] trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. […] Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre referir os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. Cuida-se na verdade do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais.”


Tais direitos, sabe-se, caracterizam-se pelo distintivo de demandarem a participação intensa dos cidadãos, sem a qual não tem eficácia, requerendo a existência de uma consciência coletiva na atuação individual de cada membro da sociedade, em aliança com Estado.


1.4 Direitos humanos de quarta geração:


Há doutrinadores, ainda, que reconhecem a existência de uma quarta geração ou dimensão de direitos humanos, que se identificariam com o direito contra a manipulação genética, direito de morrer com dignidade e direito à mudança de sexo, todos pensados para o solucionamento de conflitos jurídicos inéditos, novos, frutos da sociedade contemporânea. Há, ainda, doutrinadores, como o constitucionalista Paulo Bonavides, que entendem que a quarta geração de direitos identificar-se-ia com a universalização de direitos fundamentais já existentes, como os direitos à democracia direta, à informação e ao pluralismo, a exemplo (SARLET, 1998, p. 52).


1.5 Direitos humanos de quinta geração:


Finalmente, os direitos humanos da quinta geração, como os de quarta, também não são pacificamente reconhecidos pela doutrina, como o são os das três primeiras. No entanto, os direitos que por essa geração são reconhecidos, quais sejam, a honra, a imagem, enfim, os “direitos virtuais” que ressaltam o princípio da dignidade da pessoa humana, decorrem de uma era deveras nova e contemporânea, advinda com o exacerbado desenvolvimento da Internet nos anos 90.


Tais valores, portanto, são defendidos e protegidos por essa geração de direitos, com a particularidade de protegê-los frente ao uso massivo dos meios de comunicação eletrônica, merecendo, assim, proteção não só as pessoas naturais, mas também as pessoas jurídicas (art. 50, Código Civil de 2002).


2. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO:


Visando uma melhor elucidação do termo, necessária uma breve fragmentação do instituto, para se examinar, assim, o que seja, o Estado de Direito e o Estado Democrático.


No entanto, mister ressaltar, tal definição fragmentada, por si só, não é o bastante para conceituar o que seja o Estado Democrático de Direito, que exige um novo e terceiro conceito, incorporando um “componente revolucionário de transformação do status quo” (DA SILVA, 2002, P. 119).


Igualmente, não se vislumbra nesse trabalho a possibilidade de que um Estado que não seja de Direito possa vir a ser Democrático. E ainda, entende-se que a democracia não é um valor que se garante através da normatização de direitos e deveres perante o Estado, exigindo também, ainda mais, a concretização dos direitos humanos, como mais adiante se verá.


2.1. O Estado de Direito:


Originariamente, o Estado de Direito era uma definição de Estados liberais, cujas características mais marcantes se perfazem na submissão de todos à lei e cuja elaboração era de competência do Legislativo, formado por representantes do povo, na separação de poderes, que dividisse de maneira independente e harmônica o Legislativo, Executivo e Judiciário, garantindo, assim, a imparcialidade e justeza na elaboração e aplicação das normas e na garantia dos direitos humanos e fundamentais.


Tais exigências, que remontam à origem dessa forma de Estado, ainda consistem a base principal do Estado Democrático de Direito, configurando, assim, uma grande conquista da civilização liberal (DA SILVA, 2002, p. 113).


Advém, portanto, do princípio da legalidade a concepção do Estado de Direito, porque a democracia, nesses Estados, pauta-se principalmente em normas positivas, vigentes para todos, sem restrições. É, de fato, na essência dessa forma de Estado a subordinação da atuação estatal à Constituição e à legalidade democrática.


“A lei é efetivamente o ato de maior realce na vida política. Ato de decisão política por excelência, é por meio dela, enquanto emanada da atuação da vontade popular, que o poder estatal propicia ao viver social modos predeterminados de conduta, de maneira que os membros da sociedade saibam, de antemão, como guiar-se na realização de seus interesses” (DA SILVA, 2002, p. 121).


Mas, não é qualquer lei que torna democrático o Estado de Direito, e sim normas que visem a concretização da igualdade e da justiça, “não pela sua generalização, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais” (DA SILVA, 2002, p. 121).


Portanto, não é equívoco dizer-se que no Estado de Direito, a lei é um valor basilar a ser considerado e respeitado, mas que, por ser democrático, o Estado deverá efetivar as normas e preceitos normativos que respaldem valores tais que concretizem a igualdade e a justiça, principalmente (DA SILVA, 2002, p. 121).


2.2 O Estado Democrático:


O Estado Democrático é, assim, aquele no qual há a soberania popular, é dizer, aquele que exige a participação efetiva e positiva do povo na res publica, mas que não se encerra na simples formação de instituições representativas ou na democracia representativa, mas que impõe, isto sim, a participação da população nas decisões importantes do Estado.


É, em outras palavras, o Estado que, em contraponto ao Estado Liberal, todos têm direito igualitário à participação, atuação esta que a própria Carta Fundamental deve exigir e reclamar dos cidadãos.


Por isso invoca-se, não raras vezes, o Estado Social de Direito, para ultrapassar aquele conceito clássico e liberal de Estado Democrático, como sendo tão somente aquele no qual se respeita a legalidade das normas, para estabelecer-se, entre a democracia e a igualdade, um nó górdio que não se desata ou que, uma vez cortado, implica na inviabilidade de ambos os conceitos, Estado esse no qual a concepção mais recente do Estado Democrático de Direito reflete exatamente um processo de efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do controle das decisões, e de sua real participação nos rendimentos da produção (DA SILVA, 2002, p. 118).


Segundo lição de Alain Touraine, sociólogo francês estudioso da área, o conceito de democracia não se restringiria tão só à existência de poderes separados e independentes, ou mesmo pela preexistência de normas legais a prescrever, permitir e sancionar as condutas. Para o autor, a democracia é um conceito muito mais amplo, que se define pela natureza dos elos entre a sociedade civil, sociedade política e Estado (TOIRANE, 1996, p. 50). Assim, continua o autor, caso haja vasta influência de cima para baixo, não haverá democracia, que necessita, sim, que sejam os cidadãos os atores sociais que orientam seus representantes.


Entende-se, pois, que a democracia, para que subsista e se realize plenamente, impõe a efetivação dos direitos fundamentais, pré-requisitos que são para uma sociedade justa e igualitária.


“A democracia existe realmente quando a distância que separa o Estado da vida privada é reconhecida e garantida por instituições políticas e pela lei. Ela não se reduz a procedimentos porque representa um conjunto de mediações entre a unidade do Estado e a multiplicidade dos atores sociais. É preciso que sejam garantidos os direitos fundamentais dos indivíduos; é preciso também que estes se sintam cidadãos e participem da construção da vida coletiva. Portanto, é preciso que estes dois mundos – o Estado e a sociedade civil – que devem permanecer separados, fiquem também ligados um ao outro pela representatividade dos dirigentes políticos. Essas três dimensões da democracia – respeito pelos direitos fundamentais, cidadania e representatividade dos dirigentes – completam-se; aliás, é a sua interdependência que constitui a democracia” (TOURAINE, 1996, p. 43).


Não se adentrará, ante a falta de espaço neste trabalho, nas diferentes formas de democracia possíveis, consoante seja o Estado liberal, Constitucionalista ou Conflitual (como na França, por exemplo).


Mas, qualquer que seja o Estado de Direito de que se trate, todos somente terão o distintivo da democracia, não somente pela existência de poderes independentes, mas, isto sim, pelo grau de concretização que o Estado atribui aos direitos fundamentais, corolários que são dos direitos humanos universais: a democracia envolve, assim, mais do que a representatividade dos dirigentes ocupantes dos cargos políticos, o “aumento do controle do maior número de pessoas sobre sua própria existência” e o aumento da capacidade de “reduzir a injustiça e a violência” (TOURAINE, 1996, p. 51-88).


2.3 O Estado Democrático de Direito:


Como já mencionado anteriormente, o Estado Social de Direito nem sempre foi capaz de assegurar a democracia, não obstante a busca pela justiça social e a obediência aos ditames da lei.


É, pois, o Estado Democrático de Direito, um Estado pelo qual se busca a materialização, principalmente, do princípio da legalidade, aqui entendido não como um valor de cunho programático, que se satisfaz com a positivação em norma fundamental, mas sim um enunciado normativo que impõe uma conduta, tanto do Estado, quanto da sociedade civil, na medida em que está voltado para a efetivação de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inc. I, CRFB/88), garantindo o desenvolvimento nacional (art. 3º, inc. II, CRFB/88), erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CRFB/88) e instituindo o bem geral, sem preconceitos de raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CRFB/88), somente constituindo-se em Estado Democrático quando efetiva o preceito insculpido no parágrafo único do art. 1º da Carta Federal, pelo qual todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição


Em epítome, o Estado Democrático de Direito é o que se propõe a realizar o bem-estar social, sob o fundamento de uma lei justa e que assegura a participação mais ampla possível do povo, no processo político decisório.


2.4. A relação entre as gerações de direitos humanos e o Estado Democrático de Direito:


Ao analisar o trajeto percorrido para a internacionalização das gerações de direitos humanos, desde seu surgimento até à atualidade, afere-se que é o mesmo caminho que se perseguiu até o alcance do Estado Democrático de Direito, porquanto os fundamentos e do desenvolvimento histórico das gerações de direitos e do Estado Democrático de Direito são exatamente os mesmos, e inclusive sua ascensão e reconhecimento ocorreu no mesmo contexto histórico, constituindo, ambos, duas faces da mesma moeda.


O Estado Democrático de Direito teve como conseqüência direta o aumento de bens e direitos susceptíveis da tutela jurídica (princípio da legalidade) que, por sua vez, torna a atividade jurídica do aplicador do direito mais complexa, sempre em busca da maior efetivação possível dos direitos humanos positivados na Carta Fundamental.


Cabe ao aplicador do Direito minudenciar o caso concreto, sempre em observância aos princípios garantidores de direitos fundamentais, executando sempre sua árdua tarefa sem ferir a ordem instituída: O Estado Democrático de Direito.


3. CONCLUSÃO:


Após esse trabalho, conclusão outra não haveria como se alcançar senão a de que a relação entre a efetividade dos direitos humanos é o ponto nevrálgico para a realização do Estado Democrático de Direito, é dizer, sem a concretização dos direitos humanos, positivados com fundamentalidade na Carta Constitucional de cada Estado, a Democracia e o Direito, que compõem essa forma de Estado, não passam de expressões vazias, e a Carta Fundamental não é senão mera folha de papel.


 


Bibliografia:

ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria geral dos direitos humanos. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 12ª tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CARIGÉ, Augusto Nascimento. O Estado democrático de direito e as gerações de direitos. Encontrado em http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BA8AE3B6F-C5E3-4EC0-97A6-435226FA5C27%7D_Artigocorrigido.doc Acesso em 8 de novembro de 2009.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2ª tiragem. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

HERKENHOFF, João Batista. Curso de direitos humanos. Vol. 1. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994.

HUMENHUK, Hewerstton. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 227, 20 fev. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4839>. Acesso em: 12 out. 2009.

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

LIMA, George Marmelstein. Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 173, 26 dez. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4666>. Acesso em: 08 nov. 2009.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 6ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2004.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 1998. 392 p., 23 x 16 cm. ISBN 8573480696.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2006.

TOURAINE, Alain. O que é democracia? 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

Informações Sobre o Autor

Dymaima Kyzzy Nunes

Graduada em Direito pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina – CESUSC em 2007, também aprovada no mesmo ano para o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, hoje atuante como assistente da Procuradoria de Justiça do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.


Equipe Âmbito Jurídico

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