Aspectos da responsabilidade civil por defeitos e vícios dos produtos e serviços em face do Código de Defesa do Consumidor

Sumário 1. Noções Gerais; 2. Da responsabilidade do fornecedor por danos decorrentes da nocividade ou periculosidade dos produtos ou serviços; 3.   Da responsabilidade  pelo fato do produto ou serviço;  4.  Da responsabilidade por vício do produto ou serviço;  5. Excludentes de responsabilidade do fornecedor; 6. O  caso  fortuito  e  a  força  maior  como  causas de exclusão da  responsabilidade no CDC; 7. Prestador de serviços e peças originais; 8. Órgãos públicos como fornecedores; 9. Garantia legal e garantia contratual dos produtos e serviços;   10. Prazo prescricional; 11. Da responsabilidade do comerciante; 12. Da responsabilidade dos profissionais liberais.


1. Noções Gerais


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A lei consumerista garante como direito fundamental dos consumidores a proteção da vida, da saúde e da segurança contra riscos provocados por produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos, oferecidos  e colocados no mercado de consumo (art. 6º, I, do CDC).


O  produto ou serviço  figura como  objeto de interesse na relação de consumo  e quando este for colocado em circulação, apresentar um defeito potencial ou real,  será fato gerador da responsabilidade civil do fornecedor por danos causados ao consumidor.


Os defeitos dos produtos e serviços são tratados nos arts. 12 a 14  e os vícios nos arts. 18 a 20,  todos do CDC.


2.  Da responsabilidade do fornecedor por danos decorrentes da   nocividade ou  periculosidade dos produtos ou serviços


O artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) dispõe sobre a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço estabelecendo que:    


O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem,  fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.


Um produto é considerado defeituoso quando colocado no mercado e apresente risco potencial ou real à segurança do consumidor. Esse defeito sendo perigoso ou nocivo,  além  do  esperado  e que seja a causa do dano ( art. 12, § 1º, do CDC).


Maria Helena Diniz ensina que:  “Dano pode ser definido como lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral”. 1


Quanto aos defeitos relativos à prestação de serviços, o § 1º, art. 14, do CDC., assim dispõe:  “ O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, …” . Constata-se pelo enunciado que o defeito do produto ou do serviço estão intimamente ligados a falta de segurança que legitimamente e essencialmente o consumidor ou o usuário esperam.


O CDC adota a  responsabilidade objetiva, sendo que não há de se demonstrar a existência de culpa  do fornecedor,   pois este assume o risco pelos danos que os  produtos e  serviços possam causar aos consumidores, entretanto, o § 4º , do art. 14 do CDC, adota a teoria da responsabilidade subjetiva para os  profissionais liberais, de modo que o consumidor ao deduzir a sua pretensão em juízo, deverá provar a culpa do profissional liberal (advogados, médicos, engenheiros, etc).


Segundo a teoria do risco ( ou da responsabilidade civil objetiva), o sujeito de direito que através de sua atividade criar um risco de dano a outrem, deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa. Os  elementos constitutivos desta teoria são: nexo de causalidade,  dano, ação de um agente ou risco.


Os produtos ou serviços não poderão acarretar riscos à saúde ou à segurança dos consumidores (art. 8º do CDC).


Produtos potencialmente nocivos ou normalmente perigosos (art. 9º do CDC) – são aqueles que apresentam certo grau de periculosidade,  e devem conter informações a respeito do procedimento para o seu uso, conservação e dos riscos inerentes ao consumo, tais como:  bebidas alcoólicas, agrotóxicos, produtos fumígenos (produtos nocivos à saúde);  armas de fogo, fogos de artifício (produtos perigosos); dedetização,  pulverização com herbicidas (serviços nocivo à saúde). Nas hipóteses elencadas , o fornecedor deverá informar  de maneira ostensiva e adequada a respeito da respectiva nocividade ou periculosidade . 2


Produtos e serviços de alto grau de nocividade ou periculosidade (art. 10, caput, do CDC) –  não é lícito ao fornecedor introduzir no mercado produtos e serviços que possam apresentar indevido grau de periculosidade.


Uma vez postos e descoberta a sua alta periculosidade (expressão cujos sentido e alcance devem ser buscados pelo intérprete), o fornecedor tem o dever (pós-contratual ou de vigilância) de comunicar o fato imediatamente às autoridades e aos consumidores, mediante anúncios publicitários, porque se assim não  proceder, deve incorrer nas sanções previstas para  a infração definida no artigo 64,  consoante o qual é crime “deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado”, incorrendo nas penas de detenção e multa “quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos” (art. 64, parágrafo único). 3  Produtos anormalmente perigosos  – são produtos que podem apresentar defeitos de criação ou de produção e,  neste caso, o fornecedor deverá comunicar também o fato às autoridades e aos consumidores, mediante anúncios publicitários, às suas custas,  tais como:  erro na fórmula de um medicamento,  lote de alimentos enlatados sem os devidos cuidados, etc.


3. Responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço


Os produtos colocados no mercado se apresentarem defeitos e causarem danos, caracteriza o dever de reparação por parte do fabricante, produtor, importador, etc. A culpa é presumida diante da Teoria da Responsabilidade Objetiva, tendo em vista que o produto ou serviço é defeituoso quando sua utilização colocar em risco a segurança do consumidor ou de terceiro.      


 Os defeitos podem ser:


a) Defeitos de criação –  o fornecedor responde pela concepção ou idealização de seu produto, que causou danos, como por exemplo: a escolha de um material inadequado, escolha de um componente químico nocivo ou não suficientemente testado, erro no projeto tecnológico.


b) Defeitos de produção – falhas no processo produtivo da linha de produção. Ex. falha de máquina, falha do funcionário, falha no controle de qualidade, etc.


c) Defeitos de informação – são relativos à forma de colocação do produto no mercado, incluindo a publicidade, informações técnicas, embalagens, demonstrações práticas, etc. Ex.  informações errôneas ou insuficientes sobre o uso do produto, Informações insuficientes sobre a nocividade  do produto ou a forma de evitá-la. 4  


O defeito do produto é definido pelo fato de não oferecer  a segurança esperada nas circunstâncias previstas quando de sua apresentação, de  seu uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam nos termos do art. 12, I, II e III, do CDC.  O produto, devido ao defeito, ameaça a integridade física do consumidor e coloca em risco o patrimônio, etc.  É de se ressaltar  que o produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade estar no mercado.


4.  Da responsabilidade por vício do produto ou serviço 


A responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço é aquela atribuída ao fornecedor por anormalidade que sem causar riscos à saúde e à segurança do consumidor, afeta a funcionalidade do produto ou do serviço  nos aspectos de qualidade e quantidade, tornando-os impróprios ou inadequados ao consumo, ou lhes diminuam o valor, bem como aqueles decorrentes da divergência do conteúdo com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária. 5 


Os vícios podem ser de qualidade (art. 18, do CDC) ou de quantidade (art. 19, do CDC).


 Vícios de qualidade dos produtos são aqueles impróprios ao consumo ou lhes diminuem o valor, como por exemplo: data de validade vencida, deteriorados, falsificados, enfim, em desacordo com as normas regulamentares.


Vícios de qualidade dos serviços são aqueles que tornam os serviços impróprios à fruição ou lhes diminuem o valor, não correspondendo as normas regulamentares de prestabilidade.


Vícios de quantidade dos produtos são aqueles que apresentam  disparidade entre o conteúdo e as medidas indicadas pelo fornecedor, como por exemplo: a embalagem do produto indica peso líquido de 1 (um) quilo, entretanto é de apenas 900 gramas.


Vícios de quantidade dos serviços  são aqueles decorrentes da discrepância entre a oferta ou mensagem publicitária e os serviços efetivamente prestados.


Garantia do produto e reparação do defeito –  Ocorrendo  vício de qualidade, o fornecedor deverá atender o consumidor em 30 dias para saneamento do vício. Caso não seja sanado o vício neste prazo, poderá o consumidor exigir alternativamente, conforme art. 18, I,II e III, do CDC:


a) a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;


b) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;


c)  o abatimento proporcional do preço.


A responsabilidade dos fornecedores quanto aos vícios de qualidade ou quantidade do produto é objetiva e solidária, tendo o direito de exigir de todos os fornecedores, de alguns, ou somente de um dos que, efetivamente, participaram da cadeia de fornecimento do produto .  6 


Para os  vícios de quantidade poderá o consumidor requerer o ressarcimento das seguintes formas:


a) Substituição da peça viciada


b) Substituição do produto por outro


c) Restituição da quantia paga


d) Abatimento no preço


Os vícios podem ser aparentes ou ocultos.


Vícios aparentes são aqueles de fácil constatação,  perceptíveis  de verificação desde logo pelo consumidor, como por exemplo, a pintura de um veículo cujo capô ficou manchado.


Vícios ocultos são aqueles que não estão suscetíveis ao consumidor no uso ordinário ou que só aprecem depois de algum ou muito tempo. Por exemplo num serviço de instalação de carpete, a cola que é de má qualidade e faz com que o carpete se solte depois de certo tempo de uso. 7 


Vícios ocultos ou redibitórios no Código Civil, segundo os termos do artigo 441,  permite rejeitar a coisa ou pedir abatimento do preço. 


Vícios ignorados pelo fornecedor


É vedada toda e qualquer fuga da responsabilidade do fornecedor, e a ignorância sobre possíveis vícios dos serviços,  não o exime de responsabilidade


5.  Excludentes de responsabilidade do fornecedor.


Segundo os incisos I, II e III, § 3o, do art. 12, é afastada a responsabilização do fornecedor, quando este provar:


a) que não colocou o produto no mercado;


b) que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;


c) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.


Apesar da responsabilidade ser objetiva, o CDC ressalvou algumas causas de  “exclusão da responsabilidade”  enfatizando a teoria do risco mitigada, ou seja, comporta algumas excludentes a favor de quem deve indenizar, consoante as previsões legais.


6. O  caso  fortuito  e  a  força  maior  como  causas de exclusão da  responsabilidade no Código do Consumidor


O CDC (Lei 8.078/90) não  elencou como causas excludentes de responsabilidade do fornecedor o caso  fortuito  ou a força maior prevendo algumas excludentes no art. 12, § 3º , quando se tratar de produtos e também no art. 14, § 3º, quando se tratar de prestação de serviços.


A responsabilidade objetiva que norteia as ações dos agentes fornecedores quando da efetiva existência de defeitos, não seria suficiente para justificar que o defeito seria originado em caso fortuito e na força maior, e Cláudia Lima Marques exemplifica: a devolução indevida de cheque com a anotação ‘sem fundos’, um registro equivocado em banco de dados, o corte ilícito de energia elétrica” 8 


A força maior e o caso fortuito não são causas de exclusão da responsabilidade objetiva prevista no CDC, e  Ferreira da Rocha apresenta  a seguinte argumentação para justificar a não aplicabilidade da força maior e do caso fortuito na esfera das relações de consumo, expondo:


Ora, se causado antes do produto ter sido colocado em circulação, restaria ao fornecedor sempre uma oportunidade, por mínima que fosse, de antes de introduzir o produto no mercado, verificar as condições de seu produto e certificar-se da existência do defeito.


Se causado depois do produto ter sido colocado em circulação, o defeito inexistia no momento da colocação do produto no mercado e, portanto, a responsabilidade está afastada, não pelo caso fortuito ou força maior, mas pelo disposto no art. 12, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor.


E mais adiante conclui:


O caso fortuito ou força maior podem elidir, quando muito, o nexo de causalidade entre o produto defeituoso e o dano. 9


Arruda Alvim se posiciona no sentido de que, em qualquer caso da existência do defeito do produto – antes ou depois de o fornecedor pôr o produto no mercado de consumo – deverá assumir os percalços da responsabilidade por caso fortuito e força maior. Assim, não há de se falar  em causa exonerativa. 10


Todavia, diferentemente de tais entendimentos, Zelmo Denari destaca que, se for depois da disponibilização do produto na rede de consumo, havendo ocorrência da força maior e do caso fortuito, incide  a “ruptura do nexo de causalidade que liga o defeito ao evento danoso“. 11


Neste sentido, Gianpaolo Poggio Smanio  esclarece que podem ocorrer duas hipóteses:


a)  Caso fortuito ou força maior durante o processo de produção ou criação, ou seja, antes da colocação no mercado:


– Se causar defeito e o produto for colocado no mercado, ocorrendo dano, haverá obrigação de indenizar, porque o fornecedor, até a colocação do produto no mercado tem o dever de garantir sua qualidade e utilização segura;


b)  Caso fortuito ou força maior após a colocação do produto no   mercado:


– Nesta hipótese ocorrerá a ruptura do nexo causal que liga o defeito ao evento danoso, afastando assim o dever de indenizar por parte do fornecedor. 12


Muito embora o legislador do CDC não enumerar expressamente o caso fortuito e a força maior  como causas excludentes de responsabilidade, não afastou o reconhecimento como forma de exclusão após a colocação do produto no mercado, na hipótese de ruptura do nexo de causalidade que liga o defeito ao evento dano.


7. Prestador de serviços e peças originais


A hipótese contida no artigo 21, do CDC, ocorre constantemente em oficinas mecânicas, nas oficinas de equipamentos e aparelhos domésticos, como geladeiras, máquinas de lavar roupas,  fogões, etc.


Estabelece este artigo que é obrigação do fornecedor empregar componentes de reposição originais adequados e novos.


O emprego de componentes não genuínos, inadequados ou velhos faz caracterizar a impropriedade do serviço, sujeitando o fornecedor às sanções previstas nos incisos do art. 20 do CDC.  13


Segundo o art. 70 do CDC., configura crime quando o fornecedor       “ empregar, na reparação de produtos, peças ou componentes de reposição usados, sem autorização do consumidor”. Entretanto, se o consumidor  autorizar expressamente para reposição a utilização de peças e componentes não originais ou usados, nesta hipótese estará afastada a incidência das sanções previstas  nos arts. 20 e 70, do CDC.


8.  Órgãos públicos como fornecedores


Os órgãos públicos ou suas empresas concessionárias de serviços, como as de energia elétrica, água, gás, transportes, etc., também ficam obrigados ao fornecimento de serviços adequados, eficientes e seguros.


Segundo Toshio Mukai o  “ serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado”. 14


No caso de descumprimento total ou parcial da prestação de serviços públicos, as pessoas jurídicas responsáveis serão compelidas a cumprir tais obrigações  e a reparar os danos causados, na forma do CDC.  É adotada a responsabilidade objetiva em decorrência da teoria do risco.


A Constituição Federal  no art. 37, § 6º, dispõem que:


As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa


Assim, havendo vícios de qualidade ou quantidade do serviço, a responsabilidade do prestador do serviço público está delineada na Constituição Federal e também no art. 22, parágrafo único, do CDC.


9.  Garantia legal e garantia contratual


O fornecedor deve colocar no mercado de consumo produtos e serviços de boa qualidade, ou seja, sem vícios ou defeitos.


A garantia legal é aquela disposta por imposição de lei, ou seja, é uma obrigação  ex legis, sendo  vedada  qualquer exoneração contratual do fornecedor neste sentido, nos termos do art. 24, do CDC.


O prazo de garantia legal estabelecido no art. 26, do CDC, faculta ao consumidor apresentar reclamação para:


a) produtos e serviços não duráveis:  30 dias


b) produtos e serviços duráveis:  90 dias


O  prazo  da  garantia  legal  se  inicia  a  partir  da entrega efetiva do


produto ou do término da execução do serviço, segundo o art. 26, § 1º, do CDC.


 Tal prazo tem aplicação quando se tratar de vícios aparentes ou de fácil constatação, pois no caso de vícios ocultos, o prazo para reclamar a garantia legal tem início no momento que ficar evidenciado o defeito, conforme previsto no art. 26, § 3º, do CDC.


A garantia contratual é aquela  facultada pelo fornecedor,  através de termo expresso e padronizado, complementando a garantia legal, nos termos do art. 50, do CDC.


Segundo Rizzatto Nunes, existem duas maneiras de se definir o sentido de “complementar”


a) complementar tem o sentido de “aquilo que excede o prazo de garantia contratual”


b) complementar significa que se “soma o prazo de garantia ao prazo contratual”.


O posicionamento do referido doutrinador é no  sentido de que:


não temos dúvida, por isso, em afirmar que o sentido de complementar utilizado na redação do caput do art. 50 é o da letra b, ou seja, a garantia contratual vai até onde prever, e ao seu término tem início o prazo para o consumidor apresentar reclamação 15 


Segundo a jurisprudência:


CONSUMIDOR – Compra e Venda – Veículo automotor – defeitos de fabricação – Prazo decadencial para reclamação que flui a partir do vencimento do período de garantia contratual de um ano dado pelo fabricante – Inteligência do art. 50 da Lei nº 8078/90  ( in RT 761/269)


Portanto, a garantia contratual não exclui  a garantia legal.


10.  Do prazo decadencial e prescricional


O Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre prazo decadencial no artigo 26, e trata do prazo prescricional no artigo 27, estabelecendo que a decadência (o direito caduca) é aplicável ao direito de reclamar, enquanto a prescrição se refere ao prazo para ajuizamento da pretensão à reparação pelos danos causados pelo fato do produto ou do serviço.


 A prescrição é causa extintiva da pretensão do direito material pelo seu não exercício no prazo estipulado por lei, 16  enquanto que a decadência  é causa extintiva de direito pelo seu não exercício no prazo estipulado pela lei. 17


Na doutrina brasileira há distinção entre estes institutos, “ afinal, são diferentes os regimes da prescrição e da decadência: os prazos prescricionais se suspendem e podem ser interrompidos: os decadências não”. 18


  Entretanto, o CDC inovou, inserindo causas suspensivas para a decadência no § 2º, do artigo 26, nas seguintes hipóteses que:


Obstam a decadência:


a) a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor, perante o fornecedor de produtos e serviços até resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca.


b)  a instauração de Inquérito Civil, até seu encerramento.


Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que o defeito ficar evidenciado, ainda que decorrido o prazo da garantia contratual, segundo o art. 26, § 3º , do CDC.


Estabelece o CDC, em seu  art. 27, prazo prescricional de  5 anos para o consumidor deduzir a pretensão de responsabilizar os agentes mencionados no art. 12 (o fabricante, o produtor, o construtor e o importador) para reparar os danos causados, oriundos de: projeto, fabricação, construção, montagem, etc.


O início da contagem é a partir do conhecimento por parte do consumidor do dano e de sua autoria


O Código Civil vigente  estabelece no artigo 206, § 3º , o prazo prescricional de 3 (três) anos  para ajuizamento da pretensão reparatória civil, porém como CDC trata-se de norma especial, prevalece diante da nova regra geral do Código Civil


11.  Da responsabilidade do comerciante


Responsabiliza o comerciante “igualmente” , nos termos do artigo anterior (art. 12, do CDC), nas hipóteses previstas nos incisos I, II e III, do art. 13.


Segundo Ada Pellegrine Grinover e os demais autores do anteprojeto do CDC., comentando o art. 13, enfatizam que “a responsabilidade do comerciante, nos acidentes de consumo, é meramente subsidiária, pois os obrigados principais são aqueles elencados no art. 12”. 19


Entretanto, Rizzatto Nunes salienta que a responsabilidade do comerciante esposada no art. 13, é solidária, explicando que:


No que respeita ao caput do art. 13, é necessário ressaltar que o vocábulo “igualmente”  tem que ser interpretado no duplo sentido de que o comerciante tem as mesmas responsabilidades firmadas no artigo anterior ( o 12) e que o comerciante é solidariamente responsável com os agentes do art. 12. E, assim todos são solidários. 20


O legislador não inseriu a previsão de 3 (três) condutas de má-fé do comerciante, tais como: a) venda do produto cujo prazo de validade já terminou e que ele alterou na embalagem;  b) substituição do rótulo de um produto de igual natureza, mas de qualidade superior a daquele que está vendendo; c) venda do produto sabendo que tem defeito ou vício de qualidade ou quantidade


Segundo o art. 88 do CDC.: 


Na  hipótese  do  art.13,  parágrafo  único,  deste  código, a  ação  de   regresso   poderá    ser  ajuizada   em   processo  autônomo, facultada  a   possibilidade    de    prosseguir-se    nos    mesmos  autos,  vedada  a denunciação da lide.


A interpretação, segundo a doutrina é que a responsabilidade é sempre do fornecedor do produto acabado perante o consumidor.


O fornecedor, porém,  cabe ressarcir o consumidor de todos os danos, mas o parágrafo único, do art. 13,  assegura a este o direito de regresso contra quem lhe forneceu a matéria prima ou a peça que provocaram o dano.


12.  Da responsabilidade dos profissionais liberais


O art. 14, do CDC, responsabiliza o fornecedor de serviços, independentemente de culpa, por danos causados aos consumidores, relativos a defeitos na prestação de serviços, bem como pela insuficiência de informações, ou que foram transmitidas inadequadamente.


 Porém, o § 4º, do art. 14, adota a Teoria da Responsabilidade Subjetiva para os Profissionais Liberais, de modo que o consumidor ao deduzir sua pretensão em juízo, deverá provar a culpa do profissional liberal (advogados, médicos, engenheiros, etc).


Segundo Rizzatto, a responsabilidade do profissional liberal em caso de defeito ou de vício da prestação de seu serviço será apurada mediante culpa, sendo que isso:


a) independe do fato de o serviço ser prestado efetivamente com as características instuito personae, firmado na confiança pessoal ou não;


b) também independe de a atividade exercida ser de meio ou de fim;


c) ainda independe de o profissional liberal ter ou não constituído sociedade profissional. O que descaracteriza a atividade não é a pessoa jurídica em si, mas a atividade, que em alguns casos pode ser típica de massa;


d) acresce-se que o profissional liberal deve ser caracterizado pela atividade que exerce e, ainda, que a prerrogativa estabelecida no CDC é pessoal, não gerando o mesmo benefício ao prestador do serviço que age como empreendedor que assume risco, com cálculo de custo/benefício e oferta de massa, etc., elementos típicos do explorador do mercado de consumo. 21      


Desta forma, o profissional liberal somente será responsabilizado por danos quando restar provado que ele tenha agido com imprudência, negligência ou imperícia.


Conclusão


O CDC instituiu que os produtos e serviços ofertados pelo fornecedor no mercado não podem oferecer riscos à saúde e à segurança do consumidor, além do esperado, e impõe o dever de informação, o qual deve ser adequado e suficiente para evitar qualquer efeito danoso.


O CDC acolheu a Teoria do Risco para responsabilização do fornecedor, ou seja, independentemente de culpa, responde pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos de seus produtos ou serviços, porém,  nos incisos I, II e III do § 3º, do art. 12,  estabelece 3 (três) hipóteses de excludentes de responsabilização.


Em se tratando de profissionais liberais, o CDC adotou a Teoria da responsabilidade subjetiva, ou seja, deverá ser demonstrada a culpa deste profissional, segundo o art. 14, § 4º do CDC.


A responsabilidade do comerciante estampada no art. 13 do CDC, para alguns doutrinadores é subsidiária, entretanto, comungo com o posicionamento de Rizzatto Nunes que salienta que esta responsabilidade é solidária.


Com referência as causas excludentes de responsabilidade do fornecedor, apesar de não constar expressamente no CDC o caso fortuito e a força maior,  a doutrina não afastou o reconhecimento como forma de exclusão , quando há incidência após a colocação do produto no mercado.


O   CDCestabelece regras especiais aos institutos da decadência e prescrição quando aplicados às relações de consumo, inovando causas suspensivas ao prazo decadencial no § 2º do art. 26.


Conclui-se, portanto, que com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do fornecedor (fabricante, produtor, construtor, etc.),  é objetiva, sendo fundamental que quando um produto ou serviço apresente iminente e injustificável perigo à saúde e à segurança do consumidor, seja proibida  sua  produção e comercialização .


 


Referências   Bibliográficas

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SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1999


Notas:

1 Maria Helena Diniz, na obra “Curso de Direito Civil”, vol. 7, 10ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 1996, pág. 49

2 GRINOVER, Ada Pellegrini,  et all. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 149

3 CARVALHO SILVA, Jorge Alberto Quadros de. Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 49

4 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 46-47

5 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 2ª ed.  São Paulo: Saraiva, 2000, p. 92

6 CARVALHO SILVA, Jorge Alberto Quadros de, Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 69

7 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor.  São Paulo: Saraiva, 2000, p. 268-269

8 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo regime da relações contratuais. 3. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo : RT, 1999. p. 627

9 ROCHA, Sílvio Luiz Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. 2ª ed.,  São Paulo : RT, 2000, p. 113

10 ALVIM, Eduardo Arruda. Responsabilidade civil pelo fato do produto no Código de Defesa do Consumidor. Revista do Consumidor, São Paulo, n. 15, 1996, p. 146

11 DENARI, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor : comentado pelo autores do Anteprojeto. 5. ed. revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro : Forense, 1997, p. 155

12 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos. São Paulo: Atlas, 1998, p. 50

13 CARVALHO SILVA, Jorge Alberto Quadros de, Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 79

14 MUKAI, Toshio. Concessões, permissões e privatizações de serviços públicos, 3ª ed., São Paulo:Saraiva, 1998, p. 2

15 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao CDC, São Paulo: Saraiva, p. 564-565

16 NERY JUNIOR, Nelson, e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e legislação extravagante. São Paulo: RT, 2002, p. 114

17 Ob. cit, p. 120

18 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito  civil, volume I, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 375

19 GRINOVER,  Ada Pellegrini, et all. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 172

20 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto , ob. Cit. P. 173

21 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto, ob cit. p. 14

Informações Sobre o Autor

Mário de Camargo Sobrinho

Mestre e Doutor em Direito pela Unesp, Professor de Direito na USF, Unifran, Unirp, FAAT.


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Equipe Âmbito Jurídico

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