Resumo: Este artigo objetiva analisar o aspecto histórico do direito infanto-juvenil desde o tempo da colonização portuguesa até o período pós-1988. Demonstra que no passado as autoridades possuíam inúmeras dificuldades, como, por exemplo, falta de estrutura, para resolver os problemas relacionados com as crianças e adolescentes. Hodiernamente, muitos aspectos mudaram em decorrência da evolução político, econômica e social da sociedade. Alguns melhoraram, exempli gratia, o avanço legislativo proporcionado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, outros pioraram, haja vista que a criminalidade alcançou níveis inimagináveis e os infantes estão cada vez mais integrando organizações criminosas. O artigo relata que o Estatuto tem um caráter, sobretudo, pedagógico, não visando a punição da mesma forma que tratavam as demais legislações pertinentes ao assunto. A delinquência infanto-juvenil é um problema que não deve ser enfrentado somente pelo Governo e pela família dos jovens, mas também pela comunidade onde eles estão inseridos e por instituições privadas, constituindo assim, uma equipe com o escopo de educar e socializar os jovens a fim de que eles sejam tratados como cidadãos. Muitos infratores não são simplesmente autores, mas sim vítimas de seus próprios atos.
Palavras-chave: Estatuto da Criança e Adolescente; adolescente infrator; caráter pedagógico.
Abstract: This paper intends to analyze the historical aspect of children´s rights since the Portuguese colonization until the period post-1988. Shows that the authorities in the past had many difficulties, such as lack of structure, to solve problems related with children and adolescents. Nowadays, a lot of aspects have changed due to political, economic and social evolution of the society. Some improved, verbi gratia, the legislative progress provided by the Statute of the Child and Adolescent. Nevertheless, others were aggravated, considering that the criminality reaches an unimaginable levels and infants are increasingly integrating criminal organizations. The article mentions that the Statute has a pedagogic character, do not aiming the punishment in the same way of other laws about the subject. The infant-juvenile delinquency is a problem that must be faced not only by the Government and by the family of the teenagers, but also by the community where they lived and by private institutions, constituting a team with the objective of educating and socializing young people to so that they are treated as citizens. Many offenders are not just perpetrators, but actually victims of their own actions.
Keywords: Statute of Children and Adolescent; adolescent offender; pedagogic character
Sumário: 1. Introdução – 2. Histórico até 1988 – 3. Período pós-Constituição de 1988 – 4. Medidas Protetivas e Sócio-educativas – 5. Omissão dos responsáveis – 6. Considerações finais – Referências bibliográficas
1. Introdução
Passado muito tempo após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, responsável pela consagração da Doutrina da Proteção Integral[1] no Brasil, ainda não se superou a cultura do Código de Menores de 1979. Apesar desse lamentável fato, não se pode considerar a nova legislação como um fracasso. O conteúdo do Estatuto representa um avanço jurídico ímpar. No entanto, falta-lhe estrutura para pôr tais diretrizes em prática.
A infância e a adolescência ganharam notoriedade pública quando os menores “adentraram” no crime organizado[2]. A mídia focou o sentimento de insegurança, repassando à sociedade a noção errônea de que o Estatuto da Criança e do Adolescente permitia a impunidade. Praticamente ninguém requereu aos governantes que fosse melhorada a infra-estrutura e que as pessoas que conviviam com os jovens fossem capacitadas. Muito pelo contrário, pois o que cotidianamente se vê são apenas pressões sociais pela redução da idade penal[3], a fim de que os adolescentes sejam sancionados através dos dispositivos previstos no Código Penal. Ou seja, o povo não quer reeducar os jovens, mas sim rotulá-los de marginais e encarcerá-los[4].
No Brasil, desenvolveu-se uma cultura onde se busca a prisão em todos os casos[5]. Essa concepção impede a possibilidade de reeducação e ressocialização dos menores, intuito maior da Doutrina da Proteção Integral.
De acordo com o artigo 2º, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente, criança é a pessoa com até 12 anos incompletos e, adolescente é aquela entre 12 e 18 anos de idade. Contudo, a delimitação cronológica de quando inicia e/ ou finda uma fase da vida não é a melhor forma de definir criança e adolescente. Geralmente, por volta dos 12 anos a criança começa a apresentar transformações físicas e psicológicas. Entretanto, tais modificações podem iniciar mais cedo e/ ou se estenderem para adiante[6].
O adolescente é uma pessoa que sofre, constantemente, transformações físicas, emocionais e sociais[7], definindo assim, seu papel social. O adolescente, portanto, é alguém que está formando sua identidade[8]. Ele utiliza como referência para essa construção, além de sua família, os grupos sociais que o cercam. Logo, a adolescência é uma fase fundamental do processo de amadurecimento.
2. Histórico até 1988
A preocupação com os adolescentes infratores já estava expressa nas Ordenações Filipinas[9]. O Livro V, Título CXXXV tratava do assunto: “Quando os menores serão punidos pelos delitos, que fizerem”. Em 1824, com a Constituição Política do Império do Brazil o panorama de atrocidades começou a ser modificado, uma vez que foram abolidas as torturas e as demais penas cruéis.
As Ordenações do Reino vigoraram no país até a promulgação do Código Criminal do Império de 1830. Este, por sua vez, estabeleceu para efeitos de responsabilidade penal a idade mínima de 14 anos[10], previu atenuante em determinadas penas para os jovens menores de 21 anos[11], e possibilitou ao juiz a substituição da pena da autoria pela de cumplicidade quando lhe parecesse justo e se o réu tivesse entre 14 e 17 anos[12]. Contudo, o Estado brasileiro, devido à precariedade na infra-estrutura[13], não cumpria as letras legais, “despejando” os infantes nas mesmas prisões dos adultos.
Em 1871, a Lei do Ventre Livre[14], a vinda dos imigrantes europeus, a decadência da cultura cafeeira e o início do processo de industrialização nas grandes cidades, geraram uma urbanização desorganizada. Esse aumento exponencial da população aliado aos problemas habituais da época elevou a quantidade de crianças desamparadas e abandonadas.
Devido a não previsão na Constituição Política do Império do Brazil sobre crianças rejeitadas, coube às Ordens Religiosas e a algumas instituições particulares ajudá-las. Nesse período, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia criou a Roda dos Expostos[15]. De acordo com as Ordenações do Reino, a responsabilidade de criar as crianças rejeitadas era das Câmaras Municipais. Contudo, em 1775, um Alvará atribuiu este ônus à Santa Casa. Quem custeava as Rodas dos Expostos eram as doações particulares, insuficientes para atender as necessidades básicas das crianças em situação de abandono.
O Código Penal de 1890 dispôs que os menores de 9 anos e, aqueles entre 9 e 14 anos que agissem sem discernimento eram absolutamente inimputáveis[16]. Mas, a falta de infra-estrutura persistia, sendo que o estabelecimento disciplinar industrial continuou sendo apenas um projeto utópico.
Em 1889, criou-se no Rio de Janeiro o Instituto de Proteção e Assistência à Infância[17], devido à omissão estatal. Logo depois, em 1903, fundou-se a Escola Correcional XV de Novembro, visando internar menores a fim de prevenir a delinquência infanto-juvenil[18]. Em 1921, buscando prevenir futuros problemas de desvio de conduta envolvendo infantes, a Lei Orçamentária nº 4.242/21[19], regulamentada pelo Decreto nº 15.272/23, autorizou o governo a organizar o Serviço de Assistência e Proteção à Infância Abandonada e aos Delinquentes.
O Juízo de Menores surgiu em 1925, prevendo um abrigo responsável por recolher e educar os abandonados e os infratores[20]. Este fato reconheceu a necessidade de romper o tratamento penitenciário aos menores, indicando um modelo pedagógico no qual a educação substituía a punição.
Logo após, mais especificamente em 1926, institui-se o Código de Menores, conhecido posteriormente por Código Mello Mattos. Esta nova legislação dispunha que o menor de 18 anos, abandonado ou delinquente, seria submetido às medidas de assistência e proteção contidas naquela lei[21]. Inovou dispondo sobre o pátrio poder, prevendo a sua suspensão aos pais que agissem com abuso de autoridade, incapacidade e negligência[22]. Vedou o trabalho aos menores de 12 anos[23], proibiu trabalho noturno aos menores de 18 anos[24], e estipulou uma jornada de trabalho de 6 horas para os menores de 18 anos, com repouso obrigatório[25]. Outrossim, previu que o menor infrator, ainda que não abandonado nem pervertido, deveria ser recolhido a um reformatório por um período que variava de um 1 a 5 anos. O Código Mello Mattos não se omitia em prever punições para os menores entre 16 e 18 anos que cometessem crimes graves[26], sendo que estes seriam enviados a um estabelecimento de menores[27]. Assim, aplicavam-lhe uma pena privativa de liberdade até que ele se regenerasse, não podendo exceder a pena máxima cominada ao caso. Esta legislação separava os menores em 3 categorias: até 14 anos seriam absolutamente irresponsáveis; entre 14 e 16 anos se sujeitariam as medidas disciplinares e de assistência; entre 16 e 18 anos seriam penalmente responsáveis, reduzindo-lhes a pena privativa de liberdade aplicável aos imputáveis em um terço. Contudo a falta de infra-estrutura continuava sendo um empecilho para a correta aplicação das normas.
Em 1937, o artigo 127 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil[28] imputava ao Estado a responsabilidade pela infância e juventude. Os menores carentes eram o principal objetivo da assistência social, resultando assim, na idéia de que menores de 18 anos eram inimputáveis. Esse pensamento refletiu no Código Penal de 1940[29], que considerou os menores de 18 anos como penalmente irresponsáveis e sujeitos à legislação especial.
Após praticamente um lustro, o Governo brasileiro criou, em 1941, o Serviço de Assistência ao Menor[30], que tinha como principais atribuições, o estudo dos motivos do abandono, a sistematização e a orientação dos serviços de assistência a menores. Complementa Antônio Gardini Júnior (2007) ao afirmar que o órgão era:
“[…] subordinado ao Ministério da Justiça, vindo a funcionar como um equivalente às penitenciárias dos adultos […] tinha como missão amparar, socialmente, os menores carentes, abandonados e infratores, centralizando a execução de uma política de atendimento, de caráter corretivo-repressivo assistencial em todo o território nacional. Na verdade, o SAM foi criado, para cumprir as medidas aplicadas aos infratores pelo Juiz, tornando-se mais uma administradora de instituições do que, de fato, uma política de atendimento ao infrator.”
Contudo, o SAM apenas tratou de internar os menores, não pondo em prática nenhuma medida preventiva. Após este fracasso, em 1942 o Ato nº 6.013 do Governo Federal criou a Legião Brasileira de Assistência, sendo esta considerada, conforme relata Antônio Gardini Júnior (2007), “um marco inicial para a ação social a ser desenvolvida na área de assistência social, incluindo o segmento da infância e o reajustamento dos menores infratores”.
No decorrer dos anos, objetivou-se formular uma nova política social para a população infanto-juvenil. Diante desta necessidade, criou-se a Política Nacional do Bem-Estar do Menor. Ressalta Antônio Gardini Júnior ao trazer citação de Francisco Pilotti e Irene Rizzini (RIZZINI; PILOTTI apud GARDINI JÚNIOR, 2007), para depois complementar com seu comentário que:
“[…] ‘sua missão era velar para que a massa crescente de menores abandonados não viesse transformar em presa fácil do comunismo e das drogas, associados no empreendimento de desmoralização e submissão nacional’. Neste sentido a política adotada privilegiou, a exemplo do que aconteceu em quase todos os setores, o controle autoritário e centralizado, tanto na formulação, quanto na implementação da assistência à infância.
A justificativa para a implementação da PNBM foi um diagnóstico realizado pelo próprio governo sobre o problema do menor, pois a sociedade brasileira, passando por um processo acelerado de mudança, enfrentava problemas de desequilíbrios estruturais e desajustes funcionais, os quais afetavam as instituições, os grupos e os indivíduos. O ambiente em que a criança se desenvolvia, atingido por essas instabilidades, tornaria o processo de socialização mais difícil.”
A Fundação Nacional do Bem-estar do Menor foi criada em 1964 com o escopo de integrar o menor à comunidade, valorizando a figura familiar, sempre respeitando as peculiaridades de cada região. No entanto, a instituição ao invés de solucionar um problema, agravou-o devido aos inúmeros motins e rebeliões que surgiram em decorrência dos maus-tratos impostos aos infantes. Tanto é verdade que a Fundação Nacional do Bem-estar do Menor [31] ficou conhecida como uma instituição não re-educadora nem ressocializadora, mas sim como um ambiente propício para exatamente o contrário. O jovem além de ficar eternamente estigmatizado por sua passagem na instituição convivia com diversos delinquentes, sendo, por isso, na maioria dos casos, corrompido negativamente. A extensão estadual paulista da Fundação Nacional do Bem-estar do Menor surgiu em 1973, sob o nome de Fundação Estadual do Bem-estar do Menor, que possui um histórico de fugas, rebeliões e violência semelhante ao de sua “progenitora” nacional.
Em 1979, a Lei nº 6.697/79 instituiu o novo Código de Menores, dividindo os jovens em 2 categorias distintas: até 18 anos de idade, infantes em situação irregular[32] e; entre 18 e 21 anos de idade nos casos expressos em lei[33]. Os jovens de 18 anos de idade que abandonados materialmente, violentados, em perigo moral, juridicamente abandonados, com desvio de conduta ou infratores enquadravam-se na situação irregular[34]. Todas as situações previstas na legislação derivavam de uma irregularidade da própria família. Neste período, o Juiz de menores possuía poderes praticamente ilimitados, visto que poderia, mediante portarias ou provimentos, determinar outras medidas além daquelas previstas na legislação[35]. A nova legislação ainda permitia a prisão cautelar dos jovens, autorizando inclusive a detenção do infante sem ordem judicial ou sem estar em flagrante delito[36]. A internação consistia em verdadeira privação de liberdade, aplicada normalmente de forma desproporcional quando comparada com a gravidade da lesão causada. O novo Código de Menores previa a internação do jovem até que a autoridade judicial determinasse a cessação da medida. Caso completasse 21 anos de idade sem ser estabelecido o término da medida, passaria ele à jurisdição do Juiz das Execuções Penais, que decretaria o fim da medida somente se considerasse findada a causa que motivou a internação[37].
3. Período pós-Constituição de 1988
O artigo 227, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil prevê que:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Assim, não só o Estado, mas também a família do jovem e a sociedade devem lhe assegurar diversos direitos, como, por exemplo, vida, alimentação, segurança, educação, lazer, saúde, cultura e dignidade.
A fim de regulamentar a Carta de 1988 no que tange às crianças e adolescentes, elaborou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, priorizando a partir deste a Doutrina da Proteção Integral. Os jovens são considerados pessoas em desenvolvimento mental e físico e por essa razão necessitam, mais do que ninguém, de irrestrito amparo.
Por curiosidade, traz-se que praticamente ao mesmo tempo da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, promulgava a Convenção sobre os Direitos da Criança, estabelecendo, dentre outros assuntos, que os infantes teriam direito a cuidados e assistência especiais. Além disso, fixou-se que a família constitui um núcleo essencial para o crescimento dos jovens, devendo, por isso, receber também toda assistência necessária para a assunção suas responsabilidades dentro do contexto social.
Destarte, o infante deve crescer no seio familiar, ambiente que congrega felicidade, amor e compreensão. Deste modo, inevitável afirmar que os cuidados especiais indispensáveis aos jovens vêm para garantir justamente o amadurecimento físico e mental que eles precisam. Esta proteção interage diretamente com o princípio da Proteção Integral.
4. Medidas Protetivas e Sócio-Educativas
Após breve relato histórico, passa-se ao campo teórico sobre as medidas protetivas e sócio-educativas impostas pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude. As medidas aplicáveis aos adolescentes não são as mesmas das imputadas às crianças no caso de prática de ato infracional. Para as crianças, o artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente elenca quais são as medidas protetivas:
“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III – matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII – abrigo em entidade;
VIII – colocação em família substituta.
Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.”
No que tange às medidas sócio-educativas aplicáveis aos adolescentes, preceitua o artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semi-liberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.”
No caso dos adolescentes pode-se aplicar a maioria das medidas reservadas às crianças no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Adentrando em cada uma das medidas aplicáveis aos adolescentes, começa-se com a advertência. Esta tem caráter sócio-educativo não privativo de liberdade. Conforme o artigo 115 do Estatuto da Criança e do Adolescente, consiste a admoestação em uma censura verbal reduzida a termo, que pode ser dirigida inclusive aos pais ou responsáveis segundo predispõe o artigo 129, VII do mesmo diploma legal. No entanto, neste caso a advertência será uma medida de prevenção e não sócio-educativa. É uma medida de menor envergadura instituída pelo Juiz da Infância e Juventude quando houver prova de materialidade e indícios de autoria. Se aplicada sem apoio interdisciplinar de profissionais especializados, a advertência se torna apenas um discurso simbólico sancionador.
Da mesma forma, a obrigação de reparar o dano também não é uma medida privativa de liberdade. Ocorre quando o prejuízo da vítima for econômico, podendo ser realizada quando o adolescente puder restituir a coisa, ressarcir o dano, ou compensar o prejuízo causado, segundo disposto no artigo 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente A. Os pais ou responsáveis também podem ser chamados a indenizar os danos sofridos pela vítima. Se o menor estiver impossibilitado de reparar o dano, e sua família também, deverá ser-lhe aplicada outra medida. Visa fazer com que o adolescente reconheça o erro e o repare. Infelizmente, esta medida na maioria dos casos é inviável, visto que os menores infratores, em quase sua totalidade, provêm de famílias sem condições financeiras.
A prestação de serviços à comunidade é uma medida proveitosa, uma vez que envolve o jovem em sua comunidade, compensando seu ato delitivo e fazendo-o entender a importância de valores sociais, verbi gratia, respeito ao patrimônio de outrem. Segundo o disposto no artigo 117 do Estatuto da Criança e do Adolescente, as atividades devem respeitar as aptidões do menor, não podem exceder a 06 meses nem carga semanal de 08 horas. Além disso, esta medida não deve interferir nos estudos do adolescente, ou seja, não pode prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho. A medida, sob pena de ser considerada trabalho forçado, não pode ser aplicada sem o consentimento do adolescente[38]. Para o sucesso dessa medida é fundamental que o jovem seja amparado e assistido durante a realização do trabalho.
A liberdade assistida, programa estruturado pelo Poder Executivo municipal, consiste em um acompanhamento e orientação ao adolescente a fim de conhecer sua realidade social[39]. Segundo o § 2º do artigo 119 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o prazo da medida não pode ultrapassar 06 meses, podendo, no entanto, ser revogada, prorrogada ou até mesmo substituída por outra medida, desde que se ouça o orientador[40], o membro do Ministério Público e o patrono do adolescente. De igual modo às outras medidas, a precariedade na estrutura prejudica o devido andamento das atividades.
A Inserção em regime de semi-liberdade é uma medida que restringe a liberdade do adolescente infrator. Admite-se sua imposição desde o início, podendo também ser considerada um meio de transição para as demais medidas de caráter exclusivamente sócio-educativo. O § 1º do artigo 120 do Estatuto da Criança e do Adolescente exige que durante ao cumprimento deste regime o adolescente estude ou se profissionalize. Nesta medida, o legislador não previu um prazo específico para seu cumprimento, afirmando, por conseguinte, a fim de não deixar lacuna, que se aplicarão, no que couber, as disposições relativas à internação.
Medida que exige mais atenção é a internação em estabelecimento educacional, haja vista ser restringida a liberdade do adolescente infrator. Subdivide-se em 04 espécies:
– Internação provisória: não se trata de medida sócio-educativa, mas sim de custódia cautelar. É imposta somente por decisão fundamentada quando houver real necessidade, indícios de autoria e prova de materialidade. Não pode ultrapassar 45 dias, sendo que terminado o prazo o adolescente deverá ser liberado[41];
– Internação em função de doença ou deficiência mental ocorre quando o adolescente deve receber tratamento individual e especializado de acordo com suas necessidades. Caso o local não seja adequado, poder-se-á propor Ação Civil Pública visando garantir seus direitos;
– Internação sanção pelo descumprimento de medida diversa da internação acontece quando o adolescente descumpre uma medida mais branda, podendo ser internado, a título de sanção, por até 03 meses. O assunto já foi tratado em nota de rodapé, onde se remeteu ao artigo 122, III do Estatuto da Criança e do Adolescente.
– Internação propriamente dita é uma medida privativa de liberdade que deve ser aplicada em último caso, devido ao seu caráter de excepcionalidade, e o mais breve possível, segundo disposto no caput do artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por sua vez, os §§ 2º e 3º estabelecem que a internação não tem prazo determinado, devendo ser reavaliada a cada 06 meses, não podendo, em nenhuma hipótese, ultrapassar 03 anos[42]. Teoricamente, a internação deve propiciar ao interno contato com a sociedade, pois esta medida apesar de ser restritiva de liberdade deve manter seu caráter pedagógico a fim de reinserir o adolescente na sociedade. Entretanto, na prática a história é completamente diferente já que tal medida carece de estrutura e de profissionais capacitados. Ou seja, a internação ao invés de reintegrar, isola. Esta modalidade de internação somente pode ser aplicada em 02 hipóteses, previstas no artigo 122, I e II do Estatuto da Criança e do Adolescente, respectivamente:
– Quando o ato infracional for cometido mediante grave ameaça ou violência;
– Pela reiteração de outras infrações graves;
O estabelecimento onde a internação deverá ser cumprida deve ser exclusivo para adolescentes. Preceitua o artigo 123 do Estatuto da Criança e do Adolescente que deve haver separação dos internos por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração, visando impedir abusos e eventuais influências negativas dos deliquentes mais capciosos sobre os demais. No entanto, esta exigência ocorre, normalmente, somente no plano teórico, pois além das instalações serem impróprias, a administração é precária e as verbas são mal empregadas. Outrossim, a superlotação não é novidade. Isto tudo impede que a medida cumpra seu objetivo pedagógico. É comum nos noticiários denúncias sobre torturas, repressões, maus tratos e outras formas de violência contra e entre os internos. O que era um projeto de reeducação de jovens se tornou uma prisão de adolescentes. Esta situação lamentável não será resolvida imediatamente, sendo preciso, aos poucos, qualificar o corpo funcional, melhor a gestão das instituições, e também que a população cobre os responsáveis pelas falhas do sistema. Estão expostas aqui somente soluções repressivas. Contudo, métodos preventivos também podem contribuir, e de uma maneira mais eficaz, para a busca da erradicação da delinquência infanto-juvenil. Cita-se, a título exemplificativo, uma medida: incentivo a programas sociais na comunidade onde o jovem está inserido, buscando atrair o jovem para o esporte e para a cultura, ao invés do crime.
As medidas de advertência, obrigação de reparar o dano e prestação de serviços à comunidade são medidas educativas, que visam a compreensão dos valores sociais pelo adolescente. Já as medidas de internação em estabelecimento educacional e inserção em regime de semiliberdade são instrumentos inadequados para modificar a consciência do jovem, haja vista restringirem sua liberdade.
5. Omissão dos responsáveis
Embora se possua um instrumento avançado no tratamento da questão dos menores em conflito com a lei, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente, persiste a falta de estrutura e capacitação profissional para o tratamento destes jovens. A necessidade de tratamento (repressão) e prevenção cresce em ritmos assustadores, contudo a infra-estrutura se agrava a cada dia. Isto se torna ainda mais alarmante quando se percebe pelos noticiários que a grande maioria dos presidiários brasileiros são pessoas da faixa etária entre 18 e 25 anos de idade, ou seja, recém-saídas da adolescência.
A sociedade se modifica com uma velocidade jamais vista. Estas mudanças criam massas de excluídos, que marginalizados muitas vezes “optam” pela criminalidade. Os jovens convivem com essa realidade, e grande parte deles tendem a segui-la.
A família desestruturada[43], qualquer que seja sua capacidade financeira, tem mais chances de propiciar a marginalização de seus membros, principalmente dos mais novos. Os jovens se moldam à imagem e semelhança de seus familiares e de seus amigos.
Um exemplo disto é o caso, muito comum nas grandes cidades, de determinado adolescente, de família desestruturada que não lhe dá apoio para absolutamente nada, residente em áreas carentes, como uma favela, convivendo diariamente com o tráfico de drogas, que tem como modelo de vida um traficante, pois este consegue “tudo” o que quer materialmente. Como o jovem tem desejos irrealizáveis diante de sua condição sócio-econômica, além de não ter ninguém para lhe aconselhar a não ingressar no “mundo do crime”, traça seu caminho em direção à criminalidade a fim de satisfazer suas vontades. O Estado se mostra incapaz de alterar este panorama negativo, então, os jovens tomam para si a imagem do tráfico de drogas como a do poder. A criminalidade substitui o Estado e oferece aos jovens oportunidades de conquistar prestígio e poder.
O Governo e a sociedade civil reúnem esforços para combater a marginalização infanto-juvenil. A disputa pelos jovens não é fácil, haja vista ser o crime tentador para aqueles que não possuem nada, sequer perspectiva de melhorar suas vidas e garantir seus futuros.
Buscando isto, existem diversas organizações civis que denunciam abusos contra os infantes, criando oportunidades de inserção social e conscientização. A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência é um exemplo dessas instituições, defendendo e promovendo os direitos dos jovens, atuando inclusive na estruturação de suas famílias. Podem-se citar, a título exemplificativo, alguns programas desenvolvidos por ela: Programa Comunicando o Direito, responsável pela distribuição de material informativo sobre violência doméstica. Segundo dados da própria Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (s.a), explica-se o porquê da criação de um programa neste sentido:
“Acreditando que a prevenção é a única maneira de impedir a violência doméstica, a ABRAPIA desenvolve materiais didáticos e informativos para a população em geral e para os profissionais que lidam – direta ou indiretamente – com crianças e adolescentes. desenvolve materiais didáticos e informativos para a população em geral e para os profissionais que lidam – direta ou indiretamente – com crianças e adolescentes. Divulga informações sobre violência contra a criança e o adolescente e o que fazer para preveni-la. Além disso, divulga, continuamente, os direitos da criança na mídia.”
O programa SOS Criança também de sua criação, visa receber denúncias de violência doméstica contra jovens. Explica a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (s.a) seu objetivo e como será feita a abordagem diante de denúncia:
“[…] tem como objetivo o recebimento de denúncias de violência doméstica contra e adolescentes, de ordem física, psicológica, sexual e negligência.
As comunicações podem ser feitas pessoalmente, por telefone, carta, FAX e por e-mail. A partir da denúncia, providências são tomadas por uma equipe multiprofissional, composta por assistentes sociais, psicólogos e advogados que através de um atendimento psicossocial, buscam desenvolver um trabalho colaborativo, de conscientização e reintegração do núcleo familiar com as crianças, adolescentes e suas famílias, utilizando entrevistas, visitas domiciliares e/ou institucionais. A ABRAPIA, quando necessário, faz encaminhamentos sociais e presta serviços que visam uma convivência familiar saudável para a criança.”
O Governo Federal também mantém programas neste sentido, tal como ocorre com o antigo Programa Sentinela, atual Serviço de Enfrentamento à Violência, ao Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Seu escopo é o combate o abuso e exploração sexual de jovens. O Ministério do Desenvolvimento Social (s.a.) traz importantes informações sobre o serviço:
“Serviço que oferece um conjunto de procedimentos técnicos especializados para atendimento e proteção imediata às crianças e aos adolescentes vítimas de abuso ou exploração sexual, bem como seus familiares, proporcionando-lhes condições para o fortalecimento da auto–estima, superação da situação de violação de direitos e reparação da violência vivida.
Objetivo
Contribuir para a promoção, defesa e garantia de direitos de crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso ou exploração sexual, buscando: i. identificar o fenômeno e riscos decorrentes; ii. prevenir o agravamento da situação; iii. promover a interrupção do ciclo de violência; iii. contribuir para a devida responsabilização dos autores da agressão ou exploração; e iv. favorecer a superação da situação de violação de direitos, a reparação da violência vivida, o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, a potencialização da autonomia e o resgate da dignidade.”
Devido ao fracasso da maioria das políticas estatais, muitos jovens abandonados buscaram garantir suas sobrevivências nas ruas apesar de conviverem com miséria e mendicância. São, portanto, cidadãos desprovidos de infância que também não têm seus direitos fundamentais respeitados por parte da população. Uma parcela de infantes abandonados são comumente taxados de “trombadinhas” ou “pivetes” já que usualmente cometem delitos, principalmente de cunho patrimonial, nas ruas. Essa minoria faz com que um quadro negativo seja imputado a todos, repassando a idéia de que “menino de rua” é infrator, quando na verdade eles são as vítimas da exclusão social. Além de conviverem com o preconceito, estas crianças lutam diariamente contra a fome e violência, como ocorre com as ações de grupos de extermínio[44].
Diante da inércia e da impotência dos responsáveis pela tutela dos menores, a criminalidade aumenta vertiginosamente conforme já supracitado. Ante este lamentável fato, grande parte da população brasileira é favorável à redução da maioridade penal para 16 anos de idade. Seria uma resposta vazia aos anseios sociais, já que o problema só se agravaria. A negligência estatal continuaria a mesma, no entanto haveria maiores ondas de violência e, consequentemente, mais detentos excluídos da sociedade. Reduzir a idade penal ou aumentar o tempo máximo de internação a fim de diminuir a criminalidade são argumentos frágeis diante das realidades sociais. Quem sustenta este raciocínio pouco rigoroso se limita a explorar o sentimento de medo e insegurança[45].
O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma legislação avançada, que tem um caráter pedagógico, mas que não é aplicado como deveria. Ao invés de construir mais presídios, gastar com operações policiais, dentro outros custos[46], seria mais barato e melhor aplicado os recursos públicos se fossem destinados à educação e à correta aplicação dos mecanismos já existentes. É preciso compreender que muitos jovens em conflito com a lei não estão nesta situação por vontade própria, mas sim porque o Estado, a família e a sociedade falharam no cumprimento de seus papéis[47]. O triste da história é saber que os governantes, apoiados geralmente pelos meios midiáticos, sabem disto tudo, mas motivados por fins eleitoreiros, pregam para a sociedade que algumas medidas de combate aos jovens infratores mudarão completamente o cenário atual da insegurança pública, esquecendo-se que se eles estão nessa situação é porque o Estado falhou em seu papel.
6. Considerações finais
As medidas sócio-educativas dirigidas aos adolescentes e as protetivas aplicadas às crianças são integrantes de uma estratégia de gestão pública que se forem aplicadas isoladamente perdem sentido e não conseguem atingir seus objetivos.
O principal objetivo de uma medida sócio-educativa não é a liberdade, mas sim que o jovem venha a se resocializar e se torne um cidadão consciente de que o que fez não era correto. Essas medidas educativas buscam, em tese, formar cidadãos.
Os jovens recolhidos exigem uma infra-estrutura adequada e capacitação profissional de todos os envolvidos com o escopo de recuperá-los e não apenas de amontoá-los em um “sistema prisional” ineficiente. A improvisação é o que as autoridades fizeram e continuam fazendo no campo da delinquência infanto-juvenil.
As medidas previstas nos antigos códigos de menores eram repressivas e correcionais, com um discurso simbólico de proteção[48]. Entretanto, graças a uma evolução legislativa, as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente são educativas e preventivas, visando sempre respeitar as garantias fundamentais[49].
Apesar desse avanço, na prática não se distingue representação e denúncia, ato infracional e crime, medida sócio-educativa e pena, internação e pena privativa de liberdade em regime fechado. Devido às punições das medidas sócio-educativas o direito infanto-juvenil é considerado por alguns como o direito penal para os jovens infratores.
O que reduz os índices de criminalidade é a garantia de direitos fundamentais, não a punição desmedida. A delinquência infanto-juvenil não se resolve reduzindo a idade penal, mas sim criando oportunidades para os jovens e garantindo os direitos que eles têm de acordo com as leis vigentes.
Ex positis, conclui-se que os responsáveis pela tutela tanto das crianças quanto dos adolescentes são, consoante exigência constitucional no artigo 227, o Estado, a família e a sociedade. Além desses institutos co-responsáveis, importante frisar que a escola exerce um papel fundamental no desenvolvimento dos infantes[50]. Todas estas entidades constroem uma fração da personalidade dos jovens. Se qualquer uma delas falhar em seu dever, o caráter do jovem, certamente, estará comprometido.
Advogado. Pós-graduando em Direito Constitucional e Direito Público. Bacharel em Administração de Empresas.
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