Aspectos gerais das servidões

O direito das coisas abrange o conjunto das normas que regulam as relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação e estabelece um vínculo imediato entre o sujeito ativo ou titular do direito e a coisa sobre a qual o direito recai e cria um dever jurídico que deve ser observado por todos os membros da sociedade.

Como se pode observar, o direito das coisas se traduz como sendo aquele que define o poder do ser humano, no aspecto jurídico, sobre a natureza física, de modo a regular a aquisição ( por título singular ), o exercício, a conservação, a reivindicação e a perda daquele poder.

Por outro lado, as disposições legais referente ao direito das coisas têm um caráter de ordem pública, na maioria das vezes, o que não ocorre com as normas atinentes ao direito das obrigações, que, quase sempre, são dispositivas ou supletivas.

Nada obstante, no que tange à propriedade e aos outros direitos reais, a lei impõe diversos deveres a todos os membros da comunidade e, por esse motivo, o interesse social é cristalino, não podendo a aliciação das normas ser afastada pela vontade das partes, ou melhor, dos particulares, uma vez que poderia causar prejuízo a terceiros.

Vale ressaltar, por oportuno, que nos direitos reais, os bens protegidos são exteriores à pessoa do titular do direito e o dever jurídico recai sobre todos os outros homens. Os aludidos direitos, portanto, são denominados como absolutos, por terem sujeito passivo indeterminado, bem como são reais, pois seu objeto não está na personalidade do titular, sujeito ativo, mas sim em uma coisa, ou seja uma res. Tais direitos são absolutos por se imporem a todos. São, diante desta característica, direitos oponíveis erga omnes.

No caso específico da servidão, o sujeito passível é indeterminado, mas determinável em relação ao direito que exerce sobre algum objeto. Assim, no caso da servidão, o sujeito passível é pessoa que for proprietária do prédio serviente. Não é uma pessoa certa e identificada, mas sim qualquer membro da coletividade, que tenha, ou venha a ter, a propriedade do imóvel sobre o qual recai o direito real aludido. Há, pois, um sujeito passivo real ou próximo,  que é o atual proprietário do prédio serviente e sujeitos remotos, que são todos os demais como titulares eventuais do direito de propriedade sobre o prédio onerado.

A servidão seria o direito real sobre imóvel em virtude do qual se impõe um ônus a determinado prédio em favor do outro. Trata-se de um encargo imposto sobre um prédio para uso e utilidade de prédio vizinho ou próximo pertencente a diverso proprietário. A relação se estabelece entre titulares de imóveis, sendo o sujeito passivo o do prédio serviente que sofre a restrição em favor do proprietário do prédio dominante.

Destarte, apesar do que foi dito acima, é matéria por demais controvertida a correta nomenclatura para se definir servidão. Haveria necessidade do qualificativo predial? Alguns doutrinadores entendem que não, porquanto não existe a figura da denominada servidão pessoal. Entrementes, outros entendem que deve ser chamada de predial para destoa – la da pessoal, malgrado esta não passar de direito obrigacional.

Contudo, o termo predial é importante para distinguir a servidão de direito privado da servidão administrativa de direito publico, que é um verdadeiro ônus real.

A servidão predial apresenta os seguintes elementos caracterizadores arrimados no artigo 695 do Código Civil, quais sejam: necessidade da existência de dois  prédios, diversidade de dois prédios, diversidade da titularidade dominial, um prédio sendo dominante e o outro serviente em relação ao outro.

É fundamental que haja pluralidade de imóveis para configurar este jus in re aliena. Ressalte-se que existe o titular da servidão pelo fato de haver o titular do prédio dominante. Atinge-se, neste diapasão, indiretamente este direito.

Por ser direito real em coisa alheia, mister se faz diversidade absoluta da titularidade dominical, malgrado Pontes de Miranda, alicerçado em teoria alemã, doutrinar que é possível servidão em prédio próprio. Impossível, contudo, admitir-se o supraaludido entendimento à luz do artigo 695 c.c 710, ambos do Código Civil brasileiro.

Há um acréscimo de direitos ao prédio dominante em detrimento do prédio serviente, o qual pode se traduzir em um plus ou em um facere. Por outro lado, há uma restrição dos direitos dominicais do prédio serviente consubstanciado em um non faciendo ou em um patiendo.

Indaga-se, pois, se a servidão pode ter por objeto um facere. Inexiste no ordenamento jurídico pátrio qualquer vedação. Caio Mário e Washington de Barros não admitem a referida modalidade, à medida que se trataria de um direito obrigacional. Todavia outros autores, entre eles Pontes de Miranda, entendem que pode ser pactuada adjetamente numa servidão uma obrigação de fazer, a qual seria propter rem.

O último elemento caracterizador da servidão é a relação de submissão do prédio serviente em relação ao prédio dominante.

Como já dito, a servidão pode se constituir em um fazer, tal como na servidão de passagem ou verdadeiro acréscimo a seus direitos, o qual pode advir de uma abstenção do serviente de construir acima da altura convencionada. Já em relação ao prédio serviente há um não fazer ou um não tolerar.

Outrora entendeu-se a perpetuidade como elemento essencial da servidão.  Hodiernamente, porém, a duração da servidão diz respeito à matéria disponível das partes, podendo ser pactuada livremente. Nada impõe que a servidão seja perpétua ou de duração determinada.

Durante a vigência da servidão, os bens permanecem comerciáveis, podendo ser alienados, transmitidos causa mortis, doados etc. Ocorrendo isso, poderá haver mudança subjetiva dos donos do prédio dominante e do prédio serviente. Os novos adquirentes assumem a posição dos transmitentes, em toda sua integralidade em razão de a relação existente na servidão ser de predialidade e a relação de submissão ser entre prédios. O titular da servidão e o titular do fundo serviente serão aqueles que, em um determinado lapso temporal, estiverem nesta situação. O imutável é a relação entre prédios. Caso não fosse assim, estar-se-ia negando a própria natureza real da servidão e, identicamente, o direito de seqüela, que é o traço marcante de todos os direitos reais, sendo tanto o ilimitado (de propriedade plena), sendo ele limitado, tal qual a servidão.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Sérgio Baalbaki

 

Professor e Advogado.
Graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ
Pós – graduado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ
Mestrando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá – UNESA

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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