Introdução
Durante a evolução das sociedades, o direito se mostra como um conjunto de normas com a finalidade de estabelecer métodos para a resolução dos conflitos de interesses, bem como disciplinar a execução dos interesses comuns.[1] E conforme novas tecnologias são desenvolvidas e adotadas, também se modificam os modos de contratar, e por consequência é necessário um método o qual permita atestar a validade do contrato e uma legislação a regular esse método. Como exemplo parcial dessa evolução temos: contratos verbais, contratos escritos, contratos por telégrafos, pelos correios, por telefone e, finalmente, contratos digitais.
Mudam as formas de contratar, mudam os meios para proteger os interesses e dar segurança a esses negócios jurídicos. Por consequência, aumenta a importância de se proteger as obrigações contraídas, pois quanto mais desenvolvida uma sociedade, em termos de tecnologia e organização, mais interdependentes se tornam os indivíduos os quais a compõem.[2]
Como introdução explanatória, o termo “assinatura digital” está equivocado, pois uma assinatura é a marca escrita individual de seu autor; porém, a chamada assinatura digital é uma sequência de dígitos produzida por um sistema informático automatizado de forma a possibilitar a verificação da origem e a não alteração, por terceiros ou mesmo pelos subscritores, do documento eletrônico produzido anteriormente.[3] A terminologia correta para a chamada “assinatura digital” seria, então, um elemento do processo de “certificação digital”.
Porém, ambos os tipos de assinaturas existem como meio de prova para a concordância do que foi escrito, física ou digitalmente eletronicamente, por força do ordenamento jurídico vigente, de forma explícita ou por autorização do juiz ao uso do livre convencimento quando julgando uma prova.
1. Conceitos de documentos, contratos e assinaturas eletrônicas
1.1. conceito de documento
A origem da palavra “documento” em língua portuguesa é “documentum”, palavra do latim derivada de “docere”, cujo significado é “ensinar, demonstrar”.[4] Assim, o significado de documento pode ser entendido como “registro estruturado de informações para consumo humano”.[5]
Em linguagem técnico-jurídica, um documento é a prova de um fato e a qual pode ser demonstrada ao juiz,[6] já que o fato em si não pode ser usado. Um documento pode então conter o registro de um acordo de vontades e ser denominado então como “documento contratual”, ou seja, o registro de um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas com o objetivo de regulamentar os interesses particulares os quais se encontrem amparados pela legislação.[7]
1.2. Conceito de documento tradicional
Os documentos físicos tradicionais podem ser definidos como “uma representação exterior do fato que se quer provar”.[8] São informações registradas em um substrato físico[9] e de forma analógica, isto é, são sinais contínuos,[10] sem mudanças bruscas (quando se ampliam os sinais, mesmo as mudanças aparentemente descontínuas se mostram suaves), possuem reprodução imperfeita (devido a ruídos presentes no sinal) e há um certo grau de dificuldade para alterá-los sem que seja perceptível, após uma análise mais detalhada (perícia técnica) do material nos quais foram produzidos.
Apesar de ser mais relacionado com o documento escrito e assinado de próprio punho, a moderna doutrina jurídica aceita que “(…) a holografia, a transmissão de dados (via internet) também são documentos hábeis a demonstrar a ocorrência de fatos relevantes para o processo”,[11] bem de acordo com a Lei Federal Nº 11.419/2006,[12] a qual inclusive considera como autênticos os documentos processuais assinados eletronicamente.
1.4. Conceito de documento eletrônico
Os documentos eletrônicos são informações puras, convertidas de uma origem analógica ou mesmo criadas diretamente em mídia eletrônica, isto é, são codificadas e decodificadas matematicamente por um equipamento informático, e tanto podem ser gravadas em um meio de armazenamento de dados como existir temporariamente em uma mídia de processamento e transmissão. Em suma, são “representações da realidade, desprovidas de suporte físico, produzidas e/ou armazenadas em equipamento eletrônico”[13] e os quais precisam ser convertidas em formato físico compatível com os sentidos humanos.
Por serem em essência uma sequência numérica, representada eletronicamente por estados discretos de informação, suas características mais notórias são a reprodução e a transmissão sem perdas, a volatilidade (pois sua existência não depende de um substrato físico específico, mas sim de qualquer coisa com a capacidade de conter números), bem como a necessidade de uso de um computador devidamente configurado para a tradução desses sinais eletrônicos em sinais os quais possam ser perceptíveis pelos seres humanos.[14] Qualidades essas todas em oposição à existência física de um documento tradicional, fatos os quais trazem problemas para verificar se o documento eletrônico foi alterado em relação ao original.
Além disso, por serem gerados em computadores e dispositivos similares, eles ampliam sobremaneira o conceito de documento, pois o registro deixa de ser estático para se tornar dinâmico: além da inclusão de imagens em movimento e sons, os quais já eram possíveis de serem registrados em mídias analógicas, os documentos agora podem ser vinculados a um documento mestre, e a mudança de um documento subordinado se reflete no principal.[15]
Com todo o exposto, São evidentes tanto a versatilidade quanto e os problemas enfrentados pela ordem jurídica para a aceitação dos documentos eletrônicos como prova aceitável perante um juiz, de forma que há duas vertentes doutrinárias quanto à existência e validade deles como meios de prova dos contratos:
Uma a qual nega a possibilidade de aceitação jurídica dos documentos digitais, justamente pela falta de materialidade, forma estática e vinculação aos seus criadores; outra que os aceitam, dividida em duas: a primeira a qual os admitem juridicamente somente por eles mesmos, a segunda que somente após atendidos certos requisitos os quais combatam sua volatilidade e ausência da assinatura física tradicional e personalíssima.[16]
1.5 Conceito de contrato
Já foi dito neste trabalho que um “documento contratual” é o “registro da execução de um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas com o objetivo de regulamentar os interesses particulares que se encontrem amparados pela legislação”*, definição retirada dos ensinamentos de Maria Helena DinizErro: Origem da referência não encontrada. Se “documento” é “registro”, então um documento contratual é um registro de um contrato.
Conforme nos leciona o Professor Francisco Amaral:
“O contrato é o acordo de vontades contrapostas para o fim de criar, modificar ou extinguir relações jurídicas, em que uma das partes pode exigir da outra uma prestação específica. É a figura-símbolo da igualdade formal dos sujeitos jurídicos,* e constitui-se na fonte principal das obrigações.”*
Essa lição, mais completa, nos indica que o objetivo do contrato é a “cooperação das pessoas por meio da prestação de serviços, e a circulação de bens econômicos”*. Portanto, está de acordo com a origem etimológica da palavra “contrato”, a qual é proveniente da palavra em latim (O latim era o idioma falado no Lácio e, consequentemente, em Roma, de cujo sistema jurídico herdamos vários institutos. necessário citar) “contractus”, forma no particípio do verbo “contrahere” e cujo significado é contrair direitos e obrigações, recíprocas ou não, entre os participantes dessa relação.*
Porém, o conceito mais completo é o lecionado por Carlos Alberto Bittar, para quem o contrato é um:
“(…) vínculo jurídico temporário que adstringe alguém (o devedor) a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, apreciável economicamente (a prestação) em prol de outrem (o credor). Constitui relação, amparada pelo Direito, pela qual alguém deve cumprir determinada prestação em favor de outrem (exigível judicialmente a satisfação, se não realizada).”*
“Do exposto, temos que o contrato se constitui em uma fonte de obrigações*, pois é uma relação jurídica criada entre as partes e delimitada por um lapso temporal, ou seja, não é eterna, embora possa ser renovada indefinidamente. Também trazem limites a esse vínculo uma ou mais obrigações os quais o extinguam, após terem sido cumpridas.*
Com a análise da doutrina de Orlando Gomes, temos que o contrato é uma categoria de negócio jurídico, na qual são necessárias duas ou mais partes* a assumirem comportamentos entre si, os quais, se não cumpridos, os sujeitam a uma sanção jurídica. Essa sanção é geralmente de ordem patrimonial, já que não é possível obrigar alguém a fazer algo contra a sua vontade para cumprir uma obrigação contratual* (ainda que fosse admitido em nosso sistema legal, nunca se realizaria da forma a qual poderia ser caso tivesse sido realizado espontaneamente), bem como é impossível que uma pessoa desfaça algo, mas sim que faça algo cujos efeitos anulem os causados pelo que anteriormente foi feito (e mesmo assim quando isso for possível).
1.5 Conceito De Contrato Eletrônico
É tentador querer definir o contrato eletrônico apenas como meramente a representação informatizada de um acordo de vontades, do que seria diferente em relação aos contratos físicos apenas de maneira formal, tal qual o documento eletrônico é para o documento físico. Mas isso seria uma simplificação excessiva, a qual deixa de levar em conta as novas capacidades tecnológicas trazidas pela informática, com as quais um contrato eletrônico acaba por não se encaixar nas categorias de contrato escrito ou verbal propriamente ditos*: a informação transmitida por computadores podem ser ser convertidas, por meio de processamento específico, em informação sonora, para os deficientes visuais, ou em informação escrita, para os deficientes auditivos*.
Um computador é toda máquina passível de ser programável, no momento de sua fabricação ou após o início de seu uso como bem de consumo ou de produção, com capacidade de processamento, armazenamento, geração e comunicação de informações*. A Internet, reunião de redes públicas e privadas de computadores cuja versatilidade, interoperabilidade e ubiquidade tornou-a meio de comunicação por excelência quando se precisa de agilidade, trouxe à tona a importância do direito à privacidade, dos direitos autorais e patentes de invenções, dos contratos de licenciamento de uso de programas de computador, bem como da responsabilidade civil contratual na oferta de bens e prestação e serviços. Sua importância em sociedades tecnológicas é crescente, de tal forma que o Direito passou a se ocupar com os vários aspectos surgidos com sua difusão e popularização.*
Assim, a partir do momento em que a informática abriu novas possibilidades de editoração de documentos e de comunicação, a atividade econômica logo tratou de aproveitar a nova ferramenta para expandir o mercado de bens e serviços, portanto temos três formas de contratar usando computadores:
1)Usá-lo como mero meio de um sistema de comunicações à distância*, da mesma forma como os modos tradicionais já tratados pelo Direito, sem um sistema coordenador dos contratos;
2)Como lugar para o encontro de vontades anteriormente existentes entre as partes*, como se fosse um estabelecimento próprio para leilões ou comércio de varejo, mas no qual o sistema coordenador não pertence às partes contratantes;
3)Finalmente, como auxiliar no processo de formação da vontade, por meio de programação prévia de regras para a efetivação de negócios*, com base na qual os sistemas se comunicam de acordo com a vontade de seus proprietários quando interagem com as pessoas naturais ou outros sistemas informatizados.
Passaremos a um breve exame sobre cada um desses tópicos.
1.5.1O Computador Como Parte De Um Sistema De Comunicações À Distância*
Os computadores não funcionam apenas isoladamente: podem funcionar em redes de variados tamanhos, as quais inclusive podem ser interligadas. Esta, aliás, é a origem da Internet, a rede das redes*. Conectado a uma rede, o computador pode atuar como um meio de comunicação entre as partes, de tal maneira que possam ser transmitidos por esse sistema vontades já definidas*.
Assim, os equipamentos interconectados equiparam-se aos outros meios de comunicação já previstos em nosso ordenamento jurídico, como os correios (com o uso de mensagens de correio eletrônico ou mensagens instantâneas), as máquinas de fac-simile ou fax (pela transmissão de imagens estáticas e documentos digitalizados), bem como os os telefones (por meio do uso de telefonia ou mesmo vídeo-conferência via Internet*).
Todavia, há que se atentar para o fato de que as regras gerais para os contratos não são aplicáveis em todos os quais foram efetuados eletronicamente, já que apesar de os sistemas informatizados poderem ser programados para emitir ou aceitar ordens de compra ou venda, de acordo com uma vontade preexistente, apenas “a aceitação prévia, por uma das partes, de que os registros feitos pela outra são plenamente válidos estabelece assimetria nas posições contratuais”*.
Esse é o melhor entendimento, mesmo porque, apesar de os computadores serem máquinas com funcionamento preciso, sempre há a possibilidade de ter havido alguma falha no equipamento, na programação* ou de comunicação e a mensagem não corresponder à real vontade dos contratantes, ou até ser uma fraude completa.
Nesses casos, é possível verificar, mesmo judicialmente se necessário, a razoabilidade das condições de contratação e as responsabilidades de cada parte. É válido ainda aplicar as regras consumeristas para os contratos de adesão constituídos por vias eletrônicas, “pois o meio eletrônico (…) é apenas um veículo a mais para a contratação à distância entre o consumidor e o fornecedor”*, assim como as contratações realizadas por correios ou ligações telefônicas, já reguladas em nosso ordenamento jurídico.
Dito isso, os equipamentos intermediários entre os usados pelos contratantes, tais como roteadores, transceptores e amplificadores de sinais, funcionam apenas como as linhas de transmissões telefônicas ou telegráficas e não participam do processo de formação do contrato, pois as vontades por eles transmitidas não receberam deles nenhuma interferência de algum processo de seleção automático capaz de influenciar significativamente as decisões.
1.5.2O Computador Como Lugar Para Acordo De Vontades Anteriormente Existentes*
Nesta situação, ainda que cada parte utilize computadores próprios para a transmissão de suas vontades, estas serão registradas e aperfeiçoadas em um sistema alheio a ambas, programado por um “terceiro, sujeito estranho a contratação, segundo critérios objetivos que garantam uma igual tutela dos interesses contrapostos dos contraentes”*, ou seja, alguém não especialmente interessado nos objetos contratuais os quais serão feitos por intermédio de seus equipamentos.
Como exemplo, temos os pregões eletrônicos e portais na Internet para compra e venda de bens e serviços com preço fixo ou em leilão, nos quais os usuários se registram e cadastram os bens ou serviços a serem fornecidos para outros os quais porventura estejam interessados, e nesses casos é possível a aplicação das mesmas regras existentes para os leilões tradicionais, aliadas às regras para contratação à distância.
Um problema que surge dessa falta de vínculo direto entre os participantes da relação contratual é a identificação das pessoas envolvidas*, pois o método mais usado atualmente, o qual é o do cadastramento de dados pessoais importantes, é relativamente fácil de ser burlado:
Basta que uma pessoa com acesso a um cadastro de clientes o use para se fazer passar por outra pessoa e, superados alguns critérios objetivos para atribuição de confiança (como pontuação recebida de outros usuários registrados*, os quais também podem ter sido criados com o objetivo de atacar o sistema), causar transtornos para quem, nesse exemplo, foi vítima de um furto de identidade* e/ou de engenharia social*. As vítimas nesse exemplo incluem tanto a pessoa cujos dados foram indevidamente usados quanto aqueles os quais tiveram prejuízos pela falsidade ideológica criada.
Já um sistema o qual se utilize use a certificação digital não teria essa evidente fragilidade, pois além de métodos mais seguros para a identificação da pessoa a qual estará usando o serviço de autenticação digital, como a verificação prévia e real de seus documentos e a legitimidade para o uso pelo portador, seriam usados algoritmos específicos de segurança para a marcação de documentos eletrônicos, adequados para evitar a quebra de segurança, por terceiros ou mesmo pelo próprio subscritor, após a aplicação da certificação digital.
1.5.3O Computador Como Ferramenta Auxiliar No Processo De Formação Da Vontade*
Aqui temos os contratos eletrônicos em sentido estrito, realizados pelo uso de técnicas exclusivas da informática, pois o computador, mais que mera parte de um sistema de comunicações entre as partes ou lugar no qual há o encontro de vontades preexistentes, pode ser programado, a partir de informações e regras compiladas pelo programador do sistema, a realizar ofertas a terceiros ou até mesmo a aceitar as propostas de contrato recebidas eletronicamente.* Temos, em tese, os seguintes tipos de uso das técnicas informáticas para a contratação eletrônica:
1)As ofertas realizadas automaticamente e aceitas ou não por seres humanos (sistemas de empresa para consumidor*). Exemplo: as lojas virtuais são sistemas de banco de dados programados para exibir as ofertas disponíveis em um formato atraente para consumidores em potencial, além de registrar as intenções de compra e os dados necessários para concluir a transação junto às instituições financeiras e à operação de logística, e até mesmo podem também serem programadas para enviar informativos com ofertas de tempos em tempos endereçados para os endereços físicos ou caixas postais eletrônicas dos clientes;*
2)As ofertas simultaneamente ofertadas e aceitas ou não por sistemas informatizados (sistemas de empresa para empresa*). Exemplo: antes mesmo de a Internet se popularizar, os sistemas bancários que se comunicam diariamente entre si para a realização de transferências eletrônicas de pagamentos entre as instituições, com as devidas compensações financeiras a cada ciclo completado conforme o tipo de transação*.
O segundo caso é bem mais simples para a identificação das pessoas envolvidas, pois como “em geral as partes da transação são bem conhecidas”* no aspecto do comércio eletrônico entre empresas, já foi vencida a questão de como identificar o outro contratante por meio de um acordo anterior entre as entidades envolvidas, durante o qual serão definidos os protocolos de comunicação entre os sistemas.
Essas duas subcategorias se enquadram, respectivamente, na classificação elaborada por Manoel Santos e Mariza Rossi como contratos eletrônicos interativos e contratos eletrônicos intersistêmicos*; porém, a classificação proposta por eles de contratos eletrônicos interpessoais não foi colocada aqui, pois nela os computadores se comportam como parte de um sistema de telecomunicações ou como local de encontro de vontades, ou seja, possuem uma postura passiva com relação à formação dos contratos, enquanto nesta os dispositivos eletrônicos, após programação, possuem uma postura dinâmica.
Não se incluem nesta categoria os contratos ofertados por pessoas físicas e que seriam analisados por algoritmos automáticos, os quais dariam, em hipótese, aos computadores uma atuação na formação contratual, por ser essa subespécie ainda insignificante para o Direito: Mesmo porque o desenvolvimento dos sistemas de inteligência artificial ainda não possuem recursos para o reconhecimento semântico dos documentos produzidos pelas pessoas naturais, e consequentemente dos contratos por elas originados.
1.6. Conceito e finalidade da assinatura formal
O Dicionário Aurélio traz como um dos conceitos de conceitua a “assinatura” como o “conjunto de indicações gravadas em talho-doce, xilogravura ou litografia, esclarecedoras dos nomes dos respectivos artistas e artesãos (…)”.[17] Pode-se dizer então que a assinatura, genericamente falando, não se restringe ao nome escrito por extenso: é uma marca pessoal de quem a firmou, que ajuda a identificar a autoria da obra.
Para Ângela Bittencourt Brasil, membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a assinatura é uma marca:
“(…) personalíssima e tem eficácia e validade jurídica, podendo ser levada ao tabelião para que este faça o seu reconhecimento por semelhança, já que pode ser conservada em arquivos e periciada por meios grafológicos”.[18]
Da análise da doutrina de Francesco Carnelutti,[19] temos três funções da assinatura: a função de autoria (identificar o autor), a função declaratória (atestar a declaração do autor) e a função probatória (possibilitar a averiguação de autenticidade do documento).
Essa análise das funções está de acordo com a exegese do nosso Código de Processo Civil:
[declaração e autenticidade] “Art. 368. As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário. (…)Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato.
” Art. 369. Reputa-se autêntico o documento, quando o tabelião reconhecer a firma do signatário, declarando que foi aposta em sua presença. (…)
Art. 371. Reputa-se autor do documento particular:
I – aquele que o fez e o assinou;
II – aquele, por conta de quem foi feito, estando assinado;
III – aquele que, mandando compô-lo, não o firmou, porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar, como livros comerciais e assentos domésticos”.[20]
O Artigo 368, cabeça, reporta-se às funções de autenticidade e declaração do autor; o Artigo 369 autoriza que a autenticidade possa ser comprovada por um terceiro legalmente autorizado (no caso, o tabelião); finalmente, o Artigo 371 e seus incisos reforçam a questão da autoria, inclusive o Inciso III dá legitimidade para documentos que não tenham sido assinados por força de práticas comerciais.[21] pois à época ainda não havia sido padronizada a autenticação eletrônica.
Como se pode interpretar, nosso Código de Processo Civil[22] já abria margem para a aceitação de documentos eletrônicos certificados digitalmente, pois o rol no final de seu Artigo 371, Inciso III, é exemplificativo, não restritivo, e a combinação dele com o Artigo 369 permite a figura da entidade certificadora digital, com condições técnicas análogas à do tabelião, mas para documentos eletrônicos. Uma legislação nova só seria então necessária para regular o funcionamento dessas entidades, mas não para a explícita admissão das assinaturas digitais, as quais serão estudadas a seguir à frente.
1.7. Conceito De Certificação E Assinaturas Digitais
Estudamos que a assinatura formal é uma marca personalíssima, gravada de forma idêntica em todos os documentos produzidos por seu autor. Porém, a assinatura digital tem origem em um processo automatizado, sob o controle de terceiros (por isso chama-se mais comumente de certificação digital), no qual serão produzidos para cada documento eletrônico, o qual é em essência uma sequência numérica, uma outra sequência de algarismos (também chamada de hash criptográfico), derivada da primeira e criada com o uso de uma função matemática de criptografia,[23] a qual pode ser simétrica ou assimétrica*. Mas, para a certificação digital, importa apenas a criptografia com chaves assimétricas, também chamada de criptografia com chave pública.[24]
A criptografia com chave pública usa duas chaves:
1) A chave privada, de conhecimento exclusivo do subscritor, possui a função de codificar os documentos eletrônicos e identificar o seu autor, além de decodificar os que forem criptografados com a chave pública;[25]
2) A chave pública, derivada da anterior e de forma que a descoberta da primeira a partir da segunda seja difícil em termos práticos, serve para decodificar os documentos codificados pela primeira, bem como criptografar de forma que somente o proprietário da chave privada que a originou possa descriptografá-los.[26]
Do exposto se percebem algumas propriedades a respeito da assinatura digital:
1) ela é derivada do documento de origem;
2) ela é diferente para cada documento assinado: modifique-se a menor informação possível em um documento e a assinatura a qual a ele será aplicada também mudará será modificada.
Com essas propriedades combinadas das chaves, é possível permitir que um terceiro confiável, a entidade certificadora digital, seja responsável tanto para manter um serviço de verificação de chaves públicas, para identificar o autor do documento assinado digitalmente, quanto para atestar o momento no qual ele foi enviado ou recebido.[27]
Mas para esse serviço de certificação digital ter validade jurídica, é necessária a implantação de uma Infraestrutura de Chaves Públicas, a qual vem a ser um conjunto de normas e padrões tecnológicos para garantir a integridade e segurança das comunicações por meio de documentos eletrônicos. No Brasil, essa infraestrutura é formada pelas seguintes entidades[28]:
1) Presidência da República – Casa Civil: Escolhe os integrantes do Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira e os coordena (Artigo 3º da MP Nº 2.200‑2/2001[29]);
2) Comitê Gestor da ICP-Brasil: Entidade responsável pela política e normas de certificação, bem como por fiscalizar a atuação da Autoridade Certificadora Raiz (Artigo 4º da MP Nº 2.200‑2/2001[30]);
3) Autoridade Certificadora Raiz: É responsável por gerar e manter o primeiro certificado digital na estrutura hierárquica da infraestrutura de chaves públicas, sua atividade é exercida pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (Artigo 5º da MP Nº 2.200‑2/2001[31]);
4) Autoridades Certificadoras de Nível 1: Submetidas a requisitos de segurança, integridade, disponibilidade e confiabilidade maiores que as Autoridades Certificadoras de Nível 2, são responsáveis por emitir, gerenciar, revogar e assinar digitalmente os certificados destas (Artigos 6º, 8º e 9º da MP Nº 2.200‑2/2001[32]);
5) Autoridade Certificadora de Nível 2: É a entidade responsável por emitir, gerenciar, renovar, revogar e assinar digitalmente os certificados digitais das pessoas solicitantes (Artigos 6º, 8º e 9º da MP Nº 2.200‑2/2001[33]);
6) Autoridades Registradoras: fazem a verificação presencial dos usuários de certificados digitais e podem ou não estar fisicamente ligadas à Autoridade Certificadora à qual se subordinam (Artigos 7º e 8º da MP Nº 2.200‑2/2001[34]).
Observação: Todas as autoridades certificadoras são obrigadas a manter um cadastro público de certificados digitais cujas revogações tenham ocorrido antes do prazo de validade, o qual ocorre em um ano a partir da data da emissão.[35]
1.7.1 Justificativa Para O Uso Da Certificação Digital
Em síntese, cCom o advento e a adoção massiva de novas tecnologias de armazenamento e transmissão de dados, e por consequência documentos (inclusive contratuais), surgiram duas necessidades para as sociedades: um método o qual permita a autenticação do documento eletrônico criado pelas partes e uma legislação a qual regule e dê força jurídica a essa técnica, chamada de certificação digital.
A autenticação é necessária para identificar com segurança as partes contratantes, dar proteção contra a adulteração do conteúdo dos documentos e proporcionar, com isso, força de prova aceitável juridicamente. Para tanto, esse método deve proporcionar segurança, por meio da combinação dos seguintes fatores:
1)Autenticidade: certeza jurídica sobre o criador do documento*, conseguida em parte por meio da entidade certificadora, em parte pela segurança dos algoritmos de criptografia;
2)Integridade: impedir a adulteração da mensagem digitalmente assinada*, conseguida pela proteção que a assinatura digital dá à mensagem;
3)Confidencialidade: somente os destinatários da mensagem (partes e entidade certificadora) e autorizados por estes podem lê-la (para impedir que o conteúdo de um contrato seja interceptado durante o processo de certificação eletrônica, que envolve a comunicação do documento à entidade certificadora);*
4)Não repudio: uma vez assinado o documento e enviado para a outra parte, não pode haver dúvidas quanto sua à criação pelo remetente*, conseguida pela força do algoritmo de criptografia mais a proteção da chave privada;
5)Tempestividade: a entidade certificadora pode se tornar responsável por atestar a data e a hora nas quais o documento eletrônico foi assinado, de forma a possibilitar a averiguação da tempestividade da mensagem ou documento eletrônicos, ao mesmo tempo em que resolve o problema da testemunha eletrônica.
A assinatura digital com chave pública, quando usada corretamente, isto é, sem o compartilhamento dos dados privados com terceiros e o uso de uma senha longa e complicada para a decodificação da própria assinatura digital*, garante ao leitor do documento por ela assinado que somente poderia ter sido criado “com informações privadas do signatário”*, dado que a descoberta da chave privada por meio de ataques à chave pública pode levar tempo considerável em anos*, conforme o tamanho das chaves, suas renovações* e a qualidade dos algoritmos criptográficos aumente para acompanhar a capacidade dos computadores os quais possam ser usados para realizar a criptoanálise. Portanto, é possível “provar para um terceiro (juiz em um tribunal) que só o proprietário da chave privada poderia ter gerado a mensagem”*, alcançando assim as finalidades da assinatura formal.
1.8. Conceito de assinatura digitalizada
Convém esclarecer aqui que a assinatura digitalizada não é assinatura formal, nem assinatura eletrônica, pois: a assinatura formal “pode ser conceituada como sendo o ato físico por meio do qual alguém coloca em um suporte físico a sua marca ou sinal”,[36] de modo a dar-lhe a autoria da declaração; a certificação eletrônica é um conjunto de técnicas criptográficas aplicadas a um documento eletrônico para dar-lhe os valores de autenticidade e autoria, por meio de uma marca conhecida como assinatura digital.
Já a assinatura digitalizada, por ser a mera transposição do sinal físico para um sinal eletrônico, é equivalente por analogia a uma fotografia ou fotocópia da assinatura formal, pois não pode ser levada a um exame grafológico nem processadas as técnicas de certificação criptográficas, fato que impede a averiguação dos atributos de autenticidade e autoria, necessários para o valor probante do documento a qual a contém, e portanto não serve, por si mesma, como prova judicial para a realização de um negócio jurídico, seja em meio eletrônico ou físico.
2. Particularidades dos contratos digitais
2.1. Desafios jurídicos advindos do uso de meios eletrônicos
Em síntese, cCom o advento e a adoção massiva de novas tecnologias de armazenamento e transmissão de dados, e por consequência documentos (inclusive contratuais), surgiram duas necessidades para as sociedades: um método o qual permita a autenticação do documento eletrônico criado pelas partes e uma legislação a qual regule e dê força jurídica a essa técnica, chamada de certificação digital.
A autenticação é necessária para identificar com segurança as partes contratantes, a data da realização do contrato, dar proteção contra a adulteração do conteúdo dos documentos e proporcionar, com isso, força de prova aceitável juridicamente. Para tanto, esse método deve proporcionar segurança, por meio da combinação dos seguintes fatores:
1) Autenticidade: certeza jurídica sobre o criador do documento,[37] conseguida em parte por meio da entidade certificadora, em parte pela segurança dos algoritmos de criptografia;
2) Integridade: impedir a adulteração da mensagem digitalmente assinada,[38] conseguida pela proteção que a assinatura digital dá à mensagem;
3) Não repudio: uma vez assinado o documento e enviado para a outra parte, não pode haver dúvidas quanto sua à criação pelo remetente,[39] conseguida pela força do algoritmo de criptografia mais a proteção da chave privada;
4) Tempestividade: a entidade certificadora pode se tornar responsável por atestar a data e a hora nas quais o documento eletrônico foi assinado, de forma a possibilitar a averiguação da tempestividade da mensagem ou documento eletrônicos, ao mesmo tempo em que resolve o problema da testemunha eletrônica;
5) Confidencialidade: somente os destinatários da mensagem (partes e entidade certificadora) e autorizados por estes podem lê-la (para impedir que o conteúdo de um contrato seja interceptado durante o processo de certificação eletrônica, que envolve a comunicação do documento à entidade certificadora);[40]
2.1.1. Justificativa para o uso da certificação digital
A assinatura digital com chave pública, quando usada corretamente, isto é, sem o compartilhamento dos dados privados com terceiros e o uso de uma senha longa e complicada para a decodificação da própria assinatura digital,[41] garante ao leitor do documento por ela assinado que somente poderia ter sido criado “com informações privadas do signatário”,[42] dado que a descoberta da chave privada por meio de ataques à chave pública pode levar tempo considerável em anos,[43] conforme o tamanho das chaves, suas renovações[44] e a qualidade dos algoritmos criptográficos aumente para acompanhar a capacidade dos computadores os quais possam ser usados para realizar a criptoanálise. Portanto, é possível “provar para um terceiro (juiz em um tribunal) que só o proprietário da chave privada poderia ter gerado a mensagem”,[45] alcançando assim as finalidades da assinatura formal.
2.2. Conceito de contrato eletrônico
É tentador querer definir o contrato eletrônico apenas como meramente a representação informatizada de um acordo de vontades, do que seria diferente em relação aos contratos físicos apenas de maneira formal, tal qual o documento eletrônico é para o documento físico. Mas isso seria uma simplificação excessiva, a qual deixa de levar em conta as novas capacidades tecnológicas trazidas pela informática, com as quais um contrato eletrônico acaba por não se encaixar nas categorias de contrato escrito ou verbal propriamente ditos:[46] a informação transmitida por computadores podem ser ser convertidas, por meio de processamento específico, em informação escrita, para os deficientes auditivos, ou informação sonora (e até mesmo tátil, para os deficientes visuais).[47] Não só a representação, mas até mesmo a vontade em si pode ser convertida em informação eletrônica. Vejamos:
Um computador é toda máquina passível de ser programável, no momento de sua fabricação ou após o início de seu uso como bem de consumo ou de produção, com capacidade de processamento, armazenamento, geração e comunicação de informações.[48] A Internet, reunião de redes públicas e privadas de computadores cuja versatilidade, interoperabilidade e ubiquidade tornou-a meio de comunicação por excelência quando se precisa de agilidade, trouxe à tona a importância do direito à privacidade, dos direitos autorais e patentes de invenções, dos contratos de licenciamento de uso de programas de computador, bem como da responsabilidade civil contratual na oferta de bens e prestação e serviços. Sua importância em sociedades tecnológicas é crescente, de tal forma que o Direito passou a se ocupar com os vários aspectos surgidos com sua difusão e popularização.[49]
Assim, a partir do momento em que a informática abriu novas possibilidades de editoração de documentos e de comunicação, a atividade econômica logo tratou de aproveitar a nova ferramenta para expandir o mercado de bens e serviços, portanto temos três formas de contratar usando computadores:
1) Usá-lo como mero meio de um sistema de comunicações à distância,[50] da mesma forma como os modos tradicionais já tratados pelo Direito, sem um sistema coordenador dos contratos;
2) Como lugar para o encontro de vontades anteriormente existentes entre as partes,[51] como se fosse um estabelecimento próprio para leilões ou comércio de varejo, mas no qual o sistema coordenador não pertence às partes contratantes;
3) Finalmente, como auxiliar no processo de formação da vontade, por meio de programação prévia de regras para a efetivação de negócios,[52] com base na qual os sistemas se comunicam de acordo com a vontade de seus proprietários quando interagem com as pessoas naturais ou outros sistemas informatizados.
Passaremos a um breve exame sobre cada um desses tópicos.
2.2. O computador como parte de um sistema de comunicações à distância*
Os computadores não funcionam apenas isoladamente: podem funcionar em redes de variados tamanhos, as quais inclusive podem ser interligadas. Esta, aliás, é a origem da Internet, a rede das redes.[53] Conectado a uma rede, o computador pode atuar como um meio de comunicação entre as partes, de tal maneira que possam ser transmitidos por esse sistema vontades já definidas.[54]
Assim, os equipamentos interconectados equiparam-se aos outros meios de comunicação já previstos em nosso ordenamento jurídico, como os correios (com o uso de mensagens de correio eletrônico ou mensagens instantâneas), as máquinas de fac-simile ou fax (pela transmissão de imagens estáticas e documentos digitalizados), bem como os os telefones (por meio do uso de telefonia ou mesmo vídeo-conferência via Internet*).
Todavia, há que se atentar para o fato de que as regras gerais para os contratos não são aplicáveis em todos os quais foram efetuados eletronicamente, já que apesar de os sistemas informatizados poderem ser programados para emitir ou aceitar ordens de compra ou venda, de acordo com uma vontade preexistente, apenas “a aceitação prévia, por uma das partes, de que os registros feitos pela outra são plenamente válidos estabelece assimetria nas posições contratuais”.[55]
Esse é o melhor entendimento, mesmo porque, apesar de os computadores serem máquinas com funcionamento preciso, sempre há a possibilidade de ter havido alguma falha no equipamento, na programação[56] ou de comunicação e a mensagem não corresponder à real vontade dos contratantes, ou até ser uma fraude completa, causada por terceiros ou mesmo pelas partes.
Nesses casos, é possível verificar, mesmo judicialmente se necessário, a razoabilidade das condições de contratação e as responsabilidades de cada parte. É válido ainda aplicar as regras consumeristas para os contratos de adesão constituídos por vias eletrônicas, “pois o meio eletrônico (…) é apenas um veículo a mais para a contratação à distância entre o consumidor e o fornecedor”,[57] assim como as contratações realizadas por correios ou ligações telefônicas, já reguladas em nosso ordenamento jurídico.
Dito isso, os equipamentos intermediários entre os usados pelos contratantes, tais como roteadores, transceptores e amplificadores de sinais, funcionam apenas como as linhas de transmissões telefônicas ou telegráficas e não participam do processo de formação do contrato, pois as vontades por eles transmitidas não receberam deles nenhuma interferência de algum processo de seleção automático capaz de influenciar significativamente as decisões.
Nesse sentido é a opinião de Ricardo Luís Lorenzetti, ao lecionar a respeito da participação dos provedores de acesso das partes:
“(…) o importante é que estes sujeitos prestam um serviço de comunicação e são alheios ao conteúdo das mensagens, aspecto decisivo no momento do exame da sua responsabilidade. Naturalmente, se influenciarem o conteúdo, deixam esta função e passam a ocupar o papel de fornecedores de conteúdo”.[58]
Em sua lição, Lorenzetti confirma a analogia entre os provedores de acesso e as empresas de comunicações telefônicas, mas apenas se não interferirem com as mensagens trocadas entre as partes.
Assim, a analogia entre os provedores de acesso e as empresas de comunicações só se mantém enquanto não houver interferência no conteúdo das mensagens trocadas entre as partes e enquanto os provedores observarem seus deveres, pois, segundo Marcel Leonardi:
“(…) deve-se primeiro observar se o provedor deixou de obedecer a algum de seus deveres e se, em razão de sua omissão, impossibilitou a localização e identificação do efetivo autor do dano, hipótese em que ambos – provedor e autor – responderão solidariamente por sua prática”.[59]
Portanto, mesmo que sejam meros provedores de acesso, poderá haver a constatação de responsabilidade civil, também chamada de responsabilidade extracontratual, cuja origem poder ser o ato ilícito ou mesmo a culpa do agente*.
2.2.1. O computador como lugar para acordo de vontades anteriormente existentes*
Nesta situação, ainda que cada parte utilize computadores próprios para a transmissão de suas vontades, estas serão registradas e aperfeiçoadas em um sistema alheio a ambas, programado por um “terceiro, sujeito estranho a contratação, segundo critérios objetivos que garantam uma igual tutela dos interesses contrapostos dos contraentes”,[60] ou seja, alguém não especialmente interessado nos objetos contratuais os quais serão feitos por intermédio de seus equipamentos.
Como exemplo, temos os pregões eletrônicos e portais na Internet para compra e venda de bens e serviços com preço fixo ou em leilão, nos quais os usuários se registram e cadastram os bens ou serviços a serem fornecidos para outros os quais porventura estejam interessados, e nesses casos é possível a aplicação das mesmas regras existentes para os leilões tradicionais, aliadas às regras para contratação à distância.
Um problema que surge dessa falta de vínculo direto entre os participantes da relação contratual é a identificação das pessoas envolvidas,[61] pois o método mais usado atualmente, o qual é o do cadastramento de dados pessoais importantes, é relativamente fácil de ser burlado:
Basta que uma pessoa com acesso a um cadastro de clientes o use para se fazer passar por outra pessoa e, superados alguns critérios objetivos para atribuição de confiança (como pontuação recebida de outros usuários registrados,[62] os quais também podem ter sido criados com o objetivo de atacar o sistema), causar transtornos para quem, nesse exemplo, foi vítima de um furto de identidade[63] e/ou até mesmo de engenharia social.[64] As vítimas nesse exemplo aqui incluem são tanto a pessoa cujos dados foram indevidamente usados quanto aqueles os quais tiveram prejuízos pela falsidade ideológica criada.
Já um sistema o qual se utilize use a certificação digital não teria essa evidente fragilidade, pois além de métodos mais seguros para a identificação da pessoa a qual estará usando o serviço de autenticação digital, como a verificação prévia e real de seus documentos e a legitimidade para o uso pelo portador, seriam usados algoritmos específicos de segurança para a marcação de documentos eletrônicos, adequados para evitar a quebra de segurança, por terceiros ou mesmo pelo próprio subscritor, após a aplicação da certificação digital.
2.2.2. O computador como ferramenta auxiliar no processo de formação da vontade*
Aqui temos os contratos eletrônicos em sentido estrito, realizados pelo uso de técnicas exclusivas da informática, pois o computador, mais que mera parte de um sistema de comunicações entre as partes ou lugar no qual há o encontro de vontades preexistentes, pode ser programado, a partir de informações e regras compiladas pelo programador do sistema, a realizar ofertas a terceiros ou até mesmo a aceitar as propostas de contrato recebidas eletronicamente.[65] Temos, em tese, os seguintes tipos de uso das técnicas informáticas para a contratação eletrônica:
1) As ofertas realizadas automaticamente e aceitas ou não por seres humanos (sistemas de empresa para consumidor[66]). Exemplo: as lojas virtuais são sistemas de banco de dados programados para exibir as ofertas disponíveis em um formato atraente para consumidores em potencial, além de registrar as intenções de compra e os dados necessários para concluir a transação junto às instituições financeiras e à operação de logística, e até mesmo podem também serem programadas para enviar informativos com ofertas de tempos em tempos endereçados para os endereços físicos ou caixas postais eletrônicas dos clientes;[67]
2) As ofertas simultaneamente ofertadas e aceitas ou não por sistemas informatizados (sistemas de empresa para empresa[68]). Exemplo: antes mesmo de a Internet se popularizar, os sistemas bancários que se comunicam diariamente entre si para a realização de transferências eletrônicas de pagamentos entre as instituições, com as devidas compensações financeiras a cada ciclo completado conforme o tipo de transação.[69]
O segundo caso é bem mais simples para a identificação das pessoas envolvidas, pois como “em geral as partes da transação são bem conhecidas” [70] no aspecto do comércio eletrônico entre empresas, já foi vencida a questão de como identificar o outro contratante por meio de um acordo anterior entre as entidades envolvidas,[71] durante o qual serão definidos os protocolos de comunicação entre os sistemas.
Essas duas subcategorias se enquadram, respectivamente, na classificação elaborada por Manoel Santos e Mariza Rossi como contratos eletrônicos interativos e contratos eletrônicos intersistêmicos;[72] porém, a classificação proposta por eles de contratos eletrônicos interpessoais não foi colocada aqui, pois nela os computadores se comportam como parte de um sistema de telecomunicações ou como local de encontro de vontades, ou seja, possuem uma postura passiva com relação à formação dos contratos, enquanto nesta os dispositivos eletrônicos, após programação, possuem uma postura dinâmica ou interativa.
Não se incluem nesta categoria os contratos ofertados por pessoas físicas e que seriam analisados por algoritmos automáticos, os quais dariam, em hipótese, aos computadores uma atuação na formação contratual, por ser essa subespécie ainda insignificante para o Direito: Mesmo porque o desenvolvimento dos sistemas de inteligência artificial ainda não possuem recursos para o reconhecimento semântico dos documentos produzidos pelas pessoas naturais, e consequentemente dos contratos por elas originados.
3. Exigibilidade dos contratos eletrônicos
3.1. Princípios aplicáveis aos contratos eletrônicos
Os contratos eletrônicos podem se enquadrar tanto nas regras contratuais civis quanto nas consumeristas, como já foi analisado no Capítulo II Capítulo II: Particularidades dos contratos digitais, à Página 17. Portanto, as condições de exigibilidade podem variar conforme se verifique o contrato celebrado tratar-se de um tipo ou de outro.
3.1.1. Distinção entre contrato civil e consumerista
Se o contrato civil foi definido como um vínculo jurídico temporário realizado por meio de um acordo de vontades, um contrato consumerista adiciona a esse conceito a característica de habitualidade na realização dos contratos à parte a qual atue como fornecedor de bens e serviços.[73]
3.2. Exigibilidade do contrato não cumprido sem assinatura digital
Nos casos em que não forem usadas as técnicas da certificação digital, a parte interessada em provar os fatos, inclusive os contratos, só tem como meios a confissão, as testemunhas e o exame[74] dos equipamentos usados para transacionar eletronicamente ou de algum documento gerado fisicamente:
A confissão, relativamente confiável, não é exigível pela força: depende que a parte atue admitindo a verdade de um fato contrário ao seu próprio interesse ou que esse fato não seja sigiloso.[75]
As testemunhas nem sempre estão disponíveis em contratos eletrônicos: é necessário que um sistema seja interativo para que outros possam visualizar a realização do contrato, e mesmo assim a prova testemunhal não tem tanta força probante quanto desejável.
O exame pericial dos equipamentos usados para a contratação tampouco é desejável: as transações podem não ter sido registradas em dispositivos de memórias não voláteis, e mesmo que tenham sido, causa transtornos à parte hipossuficiente da relação, o consumidor, o qual ficará sem o uso de seu do próprio equipamento durante a realização da perícia.
Aos consumidores por meio exclusivamente eletrônico restavam, na prática, somente os documentos físicos que houvessem sido gerados, durante a transação, tais como o extrato da transação bancária ou a fatura do cartão de crédito, por terem sido emitidos por terceiros não interessados no negócio principal. Porém, esses documentos não provam o conteúdo do contrato, provam somente a realização de uma transação.
Resta, de modo prático, somente a presunção de veracidade, a qual não é exatamente um meio de prova, mas sim “processos lógicos que se baseiam nas regras da experiência da vida”,[76] por força do Artigo 335 do Código de Processo Civil.[77]
3.3. Exigibilidade do contrato não cumprido com assinatura digital
Com a certificação digital das transações eletrônicas, torna-se menos complexo para as partes poderem exigir uma das outras o cumprimento das obrigações, pois há a figura do terceiro confiável, a entidade certificadora autorizada por lei a atuar como espécie de notário das transações eletrônicas. Porém, isso não torna absolutamente certo que com o uso das chaves digitais, dentro das normas da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, todo contrato eletronicamente assinado será sempre exigível.
A assinatura digital é apenas um meio de prova com o suporte de novos dispositivos legais e técnicos, com o qual se identificam as partes que usam meios eletrônicos para comunicação com segurança maior, mas não absoluta. Nada impede que um dos contratantes alegue que houve uma quebra na chave e consiga provar perante o juiz: não se pode esquecer que ela possui validade temporal justamente para minimizar,[78] mas não eliminar de vez, os riscos de segurança no ambiente cibernético. Esse é um argumento facilmente utilizável pelo consumidor pessoa física, mas não pelo fornecedor ou consumidor enquanto pessoa jurídica:
O consumidor pessoa física de serviços na Internet nem sempre tem tempo, dinheiro ou mesmo os conhecimentos necessários para se proteger de todas as ameaças virtuais que surgem a cada dia, com considerável parte que consegue invadir seus equipamentos caseiros apenas ao conectá-los à Internet. E as leis que regulam o funcionamento das entidades certificadoras não tornaram inválido o arcabouço legal existente para essa nova geração de contratos, ao contrário, vieram para proteger o consumidor e fomentar o comércio eletrônico: as regras para a interpretação contratual e os princípios existentes continuam válidos, como os princípios trazidos com o Código de Defesa do Consumidor, como o princípio da vulnerabilidade e o princípio da informação do consumidor,[79] além da boa-fé e uma boa dose de bom senso, principalmente dos fornecedores de meios de pagamentos, para protegê-lo de transações suspeitas.
A própria legislação a qual deu validade aos certificados eletrônicos permite essa interpretação:
“Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei nº 3.071, de 1o de janeiro de 1916 – Código Civil.
§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento”.[80]
Já um fornecedor de serviços terá dificuldades para provar essa tese, mesmo que algumas vezes se enquadre na categoria de consumidor, até mesmo porque, pela qualidade e volume da maior parte de suas transações, será obrigado a se informar e se proteger de invasões aos seus equipamentos eletrônicos em um grau muitíssimo maior que um pequeno consumidor. Portanto, a exigibilidade de contratos eletronicamente assinados por fornecedores de serviço é praticamente certa, se questionados em juízo.
Considerações finais
Durante a execução das pesquisas para este trabalho, verificou-se a crescente importância dos meios eletrônicos de contratação, fato ocorrido devido à presença cada vez maior das tecnologias trazidas pela informática, com a popularização dos computadores e da Internet para as empresas e o público em geral. Esta tem sido mais e mais usada como meio de publicidade e realização de contratos entre fornecedores e consumidores, bem como entre empresas.
Verificamos os conceitos e finalidades dos documentos e assinaturas, analisando suas finalidades tais como a atribuição de declaração, autenticidade e autoria, bem como as diferenças entre os modos tradicionais e os eletrônicos para as comunicações e os meios de prova, principalmente em relação à segurança que estes últimos meios podem ou não proporcionar.
Também analisamos o que são os contratos, seus princípios e elementos, a fim de poder ressaltar as particularidades dos contratos eletrônicos, bem como os desafios jurídicos advindos de sua aceitação em massa: a adoção de tecnologias capazes de criar um novo conceito em comunicação, tais como a transmissão dinâmica da vontade por meio de prepostos automatizados, trouxe também a necessidade de conceituar como deverão ser tratados pelo direito essa nova geração de contratos.
Por fim, percebemos que, embora a certificação eletrônica tenha trazido maior segurança jurídica aos contratantes os quais se utilizam de meios informáticos, ela não trouxe uma certeza absoluta no caso de contratos assinados pelos consumidores, os quais são tratados como partes hipossuficientes em uma relação contratual. Ainda, atualmente as empresas não exigem diretamente dos consumidores que certifiquem os contratos celebrados pela Internet: são as empresas fornecedoras de meios de pagamentos que verificam a autorização para o pagamento. A certificação digital, nesses casos, serve para aumentar o nível de confiança dos consumidores nas transações que realizarem. Porém, para os contratos digitalmente celebrados entre partes em igual posição na relação contratual, como as empresas entre si, a assinatura eletrônica serve como meio de prova com alto grau de autenticidade.
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