Resumo: A Lei Orgânica de Assistência Social foi elaborada para regulamentar o inciso V do artigo 203 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que garante um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. O requisito, fixado em lei, da renda familiar per capita de ¼ do salário mínimo, não é taxativo e vem sendo flexibilizado, pois outros critérios para comprovar a condição de miserabilidade vêm sendo adotados. Fazer jus ao benefício assistencial independe de contribuição à seguridade social: basta preencher os requisitos fixados na Lei. Não se trata de um benefício previdenciário, mas sua concessão, suspensão, cessação e administração estão a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O benefício tem por objetivo minimizar a pobreza, reduzindo assim as desigualdades sociais, ao promover o bem estar e possibilitar o desenvolvimento da qualidade de vida dos indivíduos que se encontram à margem da sociedade, em situação de vulnerabilidade, à luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Assistência social, portadores de deficiência, dignidade da pessoa humana.
Abstract: The organic law of Social Assistance was designed to regulate the article 203 item V of the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988, which guarantees a monthly minimum wage to disabled person who certifies to be unable to provide his own maintenance or have it provided by the family. The requirement, laid down in law, states that the rules to prove the ability to receive this amount of 0.25% of the minimun wage can be flexible, since different criteria to establish the condition of miserability have been adopted. This welfare benefit is independent of the social security contribution, being necessary only to fill the requirements laid down in the law. This is not a social security benefit, but its granting, suspension, termination and administration are in charge of the National Social Security Institute (INSS). The benefit is intended to minimize poverty, thus reducing social inequalities, to promote the welfare and development of the quality of life of individuals who find themselves on the margins of society, in situations of vulnerability, according to the constitutional principle of the dignity of the human person.
Keyword: Social assistance, people with disabilities, dignity of the human person.
Sumário: 1. Introdução. 2. A Assistência Social. 3. O Conceito de família. 4. Do requisito da renda inferior a ¼ do salário mínimo per capita. 5. Conclusão. Referências.
1 – INTRODUÇÃO
Na Constituição Federal de 1988, a proteção à dignidade humana encontra-se dispersa em dispositivos alocados em capítulos distintos e seu texto não se detém na definição de deficiência, sendo essa tarefa objeto de normas infraconstitucionais.
É a Lei Orgânica da Assistência Social, Lei nº 8.742/93 que dispõe sobre a organização da assistência social como instrumento legal e regulamenta os pressupostos contidos na Constituição, propondo a introdução de mudanças conceituais e estruturais na assistência social pública.
2 – A ASSISTÊNCIA SOCIAL (Constituição Federal, artigos 203 e 204).
Um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro é a promoção do bem-estar de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Meta esta expressamente prevista no artigo 4.º, inciso IV, da Constituição da República, com a finalidade de compelir o poder estatal a promover, efetivamente, medidas tendentes a neutralizar ou ao menos reduzir o processo de marginalização política, econômica ou social a que são submetidas determinadas minorias na sociedade nacional.
A Constituição Federal, no artigo 203, caput estabelece que:
“A ASSISTÊNCIA SOCIAL SERÁ PRESTADA A QUEM DELA NECESSITAR, INDEPENDENTEMENTE DE CONTRIBUIÇÃO À SEGURIDADE SOCIAL, E TEM POR OBJETIVOS (…)”.
A assistência social é o segmento autônomo da seguridade social que trata dos hipossuficientes, ou seja, daqueles que não possuem condições de prover sua própria manutenção. Cuida daqueles que têm maiores necessidades, sem exigir deles (seus beneficiários) qualquer contribuição à seguridade social.
São exemplos de benefícios da assistência social: auxílio-natalidade; auxílio-funeral; o aluguel social que o Governo está pagando às famílias vitimadas pelas chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro; bolsa família; benefício de prestação continuada (art. 203, V); abrigos, etc.
3 – O CONCEITO DE FAMÍLIA
A importância da configuração do que venha a ser família para fins de concessão do Benefício Assistencial assume contornos relevantes no presente estudo. Isso porque a análise socioeconômica não se restringe somente ao pretenso beneficiário, mas inclusive ao seu núcleo familiar.
Segundo dispunha a redação do § 1º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, era considerada família para fins da aferição socioeconômica o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991. Posteriormente, o artigo 20 da supracitada Lei foi alterado pela lei 12.435/11, que dispôs no parágrafo 1º do referido artigo que o conceito de família para fins de concessão do benefício assistencial será composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
A supracitada alteração do conceito de família não tem efeitos práticos, uma vez que continua ignorando a realidade existente nas residências das classes menos favorecidas, pois muitas famílias são formadas pelo agrupamento de várias pessoas em um só local, com o intuito de reunir recursos para o pagamento de despesas em comum.
Nesses casos, a avaliação social assume mais uma vez importância indiscutível, a qual deverá ajustar-se e averiguar a real situação financeira do núcleo familiar, independentemente de conceitos legais que podem levar a sérias injustiças.
Ao discorrer sobre o tema, Eduardo Tonetto Picarelli afirma que, nas classes populares, apesar de a realidade familiar ser culturalmente diversa dos padrões da classe média foi, no entanto, esse o critério utilizado pelo legislador ao elaborar a lei ordinária. E ao ser dada proteção jurídica aos desamparados não se pode ignorar que, nas classes populares, a família é vivida e compreendida de modo mais extenso e dinâmico, sendo formada pelos mais diferentes arranjos, que vão além daquelas formadas pelo casal e os filhos. “O que se verifica, na prática, é que pessoas pobres acolhem em seus lares pessoas ainda mais pobres, passando a viverem todas sob o mesmo teto, ou em casas/barracos localizados em um mesmo terreno/lote, dividindo o pouco que possuem".
Neste sentido, uma visão restritiva do conceito de família não se mostra adequada para retratar a realidade familiar, especialmente aquela das classes menos favorecidas, que são justamente as destinatárias do Benefício Assistencial.
4 – DO REQUISITO DA RENDA INFERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO PER CAPITA
A Carta Magna delegou ao legislador ordinário a tarefa de criar os parâmetros para aferição da condição de necessidade para a obtenção do Benefício Assistencial.
O legislador infraconstitucional considerou, no parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, que é devido ao deficiente e ao idoso, o benefício de amparo assistencial, quando estes são incapazes de prover a sua subsistência, ou de tê-la mantida por sua família, considerando a renda per capita mensal auferida por esta inferior a ¼ do salário mínimo.
A questão acerca da renda familiar a ser considerada como parâmetro para a concessão dos Benefícios Assistenciais vem sendo discutida na doutrina e na jurisprudência. Isso porque, em relação ao critério definidor da renda, ou seja, ¼ do salário mínimo per capita, aos poucos foi sendo verificado não atender aos anseios constitucionais, restringindo em demasia a concessão dos Benefícios Assistenciais pelo Instituto Nacional do Seguro Social. Com isso, a legislação acabou por igualar situações que, a rigor, possam ser desiguais, a depender das peculiaridades de cada caso concreto.
Se é certo que o Constituinte delegou ao legislador ordinário a tarefa de definir os critérios para a concessão do benefício, também certo é que este não poderia ignorar os princípios que norteiam a concessão do Benefício Assistencial.
Por entender inconstitucional a restrição imposta pela Lei nº 8.742/93, a Procuradoria-Geral da República levou a questão ao Supremo Tribunal Federal por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADIn 1232/DF, a qual foi julgada improcedente, por maioria de votos, em 27/08/1998.
Com base no julgamento acima referido, conclui Melissa Folmann que foram sendo delineadas duas linhas de argumentação em relação ao critério de ¼ do salário mínimo: de um lado a corrente do Governo (INSS) e o STF, segundo a qual, como o Tribunal julgou improcedente a ADI, a norma seria constitucional, devendo ser aplicada indistintamente; e em outro lado, a corrente assistencialista, segundo a qual, o critério seria uma forma de presunção das condições do beneficiário, não afastando a análise do caso concreto, quando, somente assim, se estaria dando efetividade ao assistencialismo no Brasil.
Ocorre que a questão ainda enfrenta muitas controvérsias, especialmente pelo fato de o Supremo Tribunal Federal, nas reclamações ingressadas pelo INSS, afirmar a possibilidade de se comprovar a miserabilidade por outros meios de prova indicativos do estado de penúria do cidadão.
Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari entendem que a inovação no cenário jurídico, pelas leis supervenientes à Lei nº 8.742/93, não pode passar despercebida pelos operadores do Direito, devendo ser estabelecido igual tratamento jurídico para aferição da miserabilidade nos diversos programas assistencialistas, “a fim de se evitar distorções que conduzam a situações desprovidas de razoabilidade”. Concluem, portanto, que deve ser considerada incapaz de prover à manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ½ salário mínimo.
Vale destacar que os doutrinadores acima referidos ressaltam a ideia de que, mesmo que a renda a ser considerada deva ser a inferior a ½ salário mínimo per capita da família, nada impede que outros critérios formadores da miserabilidade sejam utilizados, em consonância com a teoria assistencialista.
Ainda que se reconheça o critério estampado no parágrafo 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 como constitucional, há que se observar que as novas leis assistencialistas, que trouxeram novo critério de miserabilidade, ingressaram no ordenamento jurídico após o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232, portanto não foi objeto da decisão de mérito na referida ação.
Daí porque tamanha a existência de recursos extraordinários que foram interpostos sobre a matéria, que foi reconhecida à mesma Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal, a qual ainda se encontra pendente de julgamento, onde será analisado se as leis assistenciais supervenientes revogaram ou não o critério originalmente previsto na Lei Orgânica da Assistência Social.
Ademais, a renda de ½ salário mínimo per capita também serve de requisito para Cadastro Único para Programas Sociais, disciplinado pelo Decreto nº 6.135/2007, regulamentado pela Portaria nº 376/2008, que é um instrumento de coleta de dados e informações com o objetivo de identificar todas as famílias de baixa renda existentes no país. Para se cadastrar no CadÚnico, basta o usuário ir à secretaria de assistência social do seu Município e realizar seu cadastro, no qual será fornecido seu número de identificação social – NIS.
Desse modo, revelando o Governo novos critérios autorizadores para o beneficiamento de programas sociais voltados para os menos favorecidos economicamente, é inegável que o critério insculpido na lei 8.742 de 1993 já não se coaduna com a realidade social do país, devendo, sem dúvida alguma, acompanhar novos ditames legais, garantindo assim a proteção social devida aos portadores de deficiência.
Aliada a essa nova perspectiva legal, ainda deverá ser mantida a interpretação de que o critério legal não é objetivo a ponto de não dar margem à análise concreta da situação vivida pelos destinatários do benefício. Gastos especiais merecerão a todo o momento serem considerados na análise socioeconômica, pois, sem ser deduzidos, inegavelmente haverá situações concretas que trarão ofensa ao princípio da igualdade.
Veja-se como exemplo um portador de deficiência que não possui gastos especiais, mas é destinatário do Benefício Assistencial, cuja renda familiar encontra-se no patamar de ¼ do salário mínimo per capita. Por conseguinte, observa-se a situação de outro portador de deficiência, o qual possui gastos elevados com medicamentos, acompanhamento de uma terceira pessoa, alimentação especial, mas cuja renda familiar, sob o ponto de vista objetivo, supera o critério legalmente previsto. Estaria, inevitavelmente, frente a uma situação que, se não for oportunizada a análise subjetiva da situação vivida pelo segundo portador de deficiência, o princípio da isonomia estaria seriamente atingido.
Desse modo, ainda que o critério de ¼ do salário mínimo per capita tenha sido considerado constitucional, não se pode ignorar que a posição jurisprudencial vem tomando assento no sentido de que ele não é o único critério. Objetivamente, estando o portador de deficiência enquadrado nessa renda, merecerá a concessão do benefício, mas, por outro lado, tendo sido superado o valor legalmente previsto, poderá ele ser contemplado com o benefício, caso comprove por outros meios de prova a necessidade do mesmo, tudo em conformidade e a fim de garantir a dignidade da pessoa humana.
O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que o critério de aferição da renda mensal previsto no parágrafo 3.º do artigo 20 da Lei n.º 8.742/93 deverá ser observado como um mínimo, não excluindo a possibilidade de o julgador, ao analisar o caso concreto, lançar mão de outros elementos probatórios que afirmem a condição de miserabilidade da parte e de sua família. Em um Recurso Especial, foi decidido que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Seguindo entendimento do STJ, o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Reclamação – RCL 4374/PE, em 18/04/2013, quinze anos após ter declarado a constitucionalidade do critério da renda per capita estabelecido na LOAS, revisa seu posicionamento e declara a inconstitucionalidade parcial do § 3º do artigo 20 da lei 8742/93, por entender que o critério de ¼ do salário mínimo estava ultrapassado.
Em que pese à decisão do Supremo Tribunal Federal ter alterado entendimento, tal posicionamento não pôs fim à discussão quanto à aplicação do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS no caso concreto. Como a lei não foi alterada, elaboraram-se modos para contornar o critério objetivo e único estipulado pela Lei e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias. Enquanto o Congresso não aprova uma nova lei, o Poder Judiciário decide se uma família preenche os requisitos para receber o benefício previdenciário de um salário mínimo mensal.
5 – CONCLUSÃO
O Benefício de Prestação Continuada é um benefício personalíssimo, não gera décimo terceiro e também não tem a característica da vitaliciedade. Com o falecimento do titular seus dependentes não terão direito a recebê-lo. Apesar de não ser um benefício previdenciário, está a cargo do Instituto Nacional de Seguridade Social a sua concessão, assim como o pagamento aos beneficiários, a manutenção e cessação do benefício.
Apesar de ser um direito previsto em lei é pouco divulgado, poucos sabem desse benefício. Sendo assim, muitos deficientes que preenchem os requisitos exigidos, acabam por não requerê-lo pelo fato de não conhecer esse direito.
Para ter o benefício concedido será necessário cumprir os seguintes requisitos: a manutenção e a revisão do benefício às inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico. Basta o usuário ir à secretaria de assistência social do seu Município e realizar seu cadastro, no qual será fornecido seu número de identificação social – NIS.
Portanto, conclui-se que a Lei Orgânica de Assistência Social foi elaborada com objetivo de minimizar as diferenças sociais encontradas no país. Acabar com a miséria seria utopia, mas reduzi-la já representa um avanço social.
Carlos Alberto Vieira de Gouveia é Mestre em Ciências Ambientais e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Vice-Presidente para a área Previdenciária da Comissão Direitos e Prerrogativas e Presidente da Comissão de Direito Previdenciário ambas da OAB-SP Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Previdenciário da Faculdade Legale
Pós-graduada pela Universidade Cândido Mendes em Direito Civil e Direito Processual Civil, cursando Pós-Graduação em Direito Previdenciário na Universidade Cândido Mendes. Advogada atuante nas áreas de Direito do Consumidor e Direito Previdenciário
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