Resumo: o presente artigo pontua algumas das questões trazidas pela nova lei de adoção e que exigirão do aplicador do direito um exercício de interpretação conforme o espírito das regras de proteção à criança e adolescente. Quais sejam: a desnecessidade de prévia destituição do poder familiar transitada em julgado para que uma criança ou adolescente seja tido como “em condições” de ser adotado; a natureza jurídica do procedimento de habilitação; a desnecessidade da intervenção de advogado no procedimento de habilitação; a indispensabilidade da prévia habilitação para que se possa adotar, inclusive nos casos de adoção consensual; e a previsão legal autorizadora da adoção consensual ou intuito personae.
Palavras-chave: destituição, adoção; consensual; habilitação; advogado.
Keywords: removal, adoption, consensual; qualification; lawyer
Abstract: this article points out some of the issues brought about by the new law on adoption and that require the investor the right to exercise an interpretation consistent with the spirit of the rules for the protection of children and adolescents. Which are: no need for prior removal of the family power passed in order for a child or adolescent is said to be “capable” of being adopted, the legal nature of the clearance procedure, the unnecessary intervention of a lawyer in the clearance procedures; the essential need for prior authorization so you can take, even in cases of consensual adoption, and the legal provision authorizing the consensual adoption or intuito personae.
Sumário: 1. Desnecessidade de prévia destituição do poder familiar para que a criança ou adolescente seja tido, nos termos da lei, “em condições” de ser adotado. 2. Natureza jurídica do procedimento de habilitação. 3. Desnecessidade da intervenção de advogado no procedimento de habilitação. 4. Exigência de prévia habilitação para se poder adotar. 5. Autorização legal para a adoção consensual. 6. Exigência de prévia habilitação também para a adoção consensual. 7. Conclusão. Referências Bibliográficas.
1. Desnecessidade de prévia destituição do poder familiar para que a criança ou adolescente seja tido, nos termos da lei, “em condições” de ser adotado.
A leitura do caput do art. 50 expõe que cada comarca deve manter registro de crianças em condições de serem adotadas e de pessoas interessadas em adotar. E o art. 166 trata da adoção via fórum e consensual, ou dirigida, ou intuito personae.
O primeiro ponto a ser levado em consideração na leitura do art. 50 é que a lei não impõe prévia destituição do poder familiar para que se entenda estar a criança “em condições” de ser adotada. O esgotamento das tentativas viáveis de reinserção na família biológica, levadas a efeito em tempo razoável (para a nova lei, dois anos), do ponto de vista da criança em questão, é que darão dados suficientes para que se possa concluir estar ela ou não nessas condições.
A dispensabilidade da destituição prévia do poder familiar para que se possa entender ser uma criança adotável é de todo salutar e condizente com o espírito da nova lei, já que uma vez destituída e enquanto não adotada ficaria ela sem qualquer referência familiar, num verdadeiro limbo jurídico. O que atenta contra a garantia constitucional do direito à convivência familiar.
Toda criança tem direito constitucionalmente garantido a uma família, mesmo que com ela não tenha condições de conviver. Entendimento que leva muitos juízes a não destituírem as crianças antes de haver encontrado interessados em adotá-las. Uns delegam ao adotante o pedido também de destituição além do de adoção, outros aguardam o pedido de adoção para que o Ministério Público cuide da propositura da ação de destituição do poder familiar.
Assim, a prévia destituição do poder familiar, para que se possa considerar uma criança “em condições” de ser adotada, é contrária ao espírito da lei estatutária, já que o tempo de duração do processo de destituição poderá fazer com que a criança, que hoje está dentro do perfil da maioria dos pretendentes à sua adoção, deixe de ostentar esta qualidade quando do trânsito em julgado.
O Cadastro Nacional de Adoção exige a prévia destituição para que a criança seja inserida no sistema, dando aos juízos da infância e juventude de todo o país a notícia de que ela está disponibilizada para adoção.
As crianças não destituídas não ingressam nesta base de dados.
Os juízes que optam por não proceder à destituição de crianças na sua base territorial se valem também do cadastro para encontrar habilitados que possam se interessar por adotá-las, ainda que não destituída, ficando a destituição a cargo do MP ou do próprio adotante.
A alegação de que a falta de destituição seria um risco a mais para os adotantes não procede com a intensidade que se quer atribuir ao fato, pois se feitas seriamente todas as tentativas para o retorno da criança ou adolescente à convivência familiar, e tendo estas resultando infrutíferas, a existência ou não de prévia destituição não alterará o fato do abandono.
Qualquer outro entendimento é desfavorável à criança ou adolescente para os quais já se esgotaram todas as chances de retorno a família de origem e que ainda não se encontre destituído.
2. Natureza jurídica do procedimento de habilitação.
Os parágrafos 1º e 2º do art. 50 determinam a exigência de prévia habilitação para que se possa adotar no Brasil, cujo procedimento está previsto nos arts 197-A a 197-E.
O procedimento ali previsto é nitidamente de jurisdição voluntária. Está o juiz a exercer funções administrativas e não jurisdicionais. Não há que se falar em contencioso, mas sim mera averiguação do atendimento às exigências legais para que o requerente possa ser declarado habilitado e ter direito ao lançamento de seu nome no CNA.
Tanto não se constitui em procedimento contencioso que sequer existe na previsão legislativa quanto ao procedimento de habilitação qualquer previsão de oportunidade de oitiva do requerente após manifestações do juiz, MP ou apresentação dos laudos técnicos.
Assim não fosse seria lei que estabelece o procedimento flagrantemente inconstitucional, pela supressão do princípio constitucional do contraditório, que exigiria que após tais manifestações fosse obrigatoriamente dada oportunidade de ser ouvida à “parte contrária”.
Entender que o procedimento é contencioso é colocar o Poder Público, na figura do MP, como “parte contrária” que objetiva impedir que o requerente venha a ser declarado habilitado, ao invés de atuar como fiscal da lei, fiscal do atendimento pelo requerente das exigências legais para que vir a ser declarado pelo juiz habilitado.
A leitura dos parágrafos do art. 50 e arts 197 de A a E em nada levam a crer na contenciosidade do procedimento, mas sim no seu caráter meramente administrativo, agindo ali o MP como fiscal da lei e não parte.
3. Desnecessidade da intervenção de advogado no procedimento de habilitação.
Tendo a habilitação natureza jurídica de procedimento de jurisdição voluntária, totalmente dispensável a intervenção de advogado no procedimento, face a inexistência de contenciosidade. Este é o posicionamento adotado pela nova lei para a adoção de criança ou adolescente destituído ou adoção consensual, na previsão contida no caput do art. 166, que expressamente dispensa a assistência de advogado.
Ora, se para adotar nas hipóteses acima é dispensável a intervenção de advogado, por que para um procedimento simples de aferição do atendimento às exigências legais, como é habilitação, haveria de se exigir a sua participação!
Tal exigência consistiria em verdade fator que limitação do direito de adotar, por oneraria desnecessariamente aquele que, possuindo lastro financeiro suficiente para ser pai, não o possua para arcar com os custos da contratação de um advogado que o representasse em procedimento não contencioso que objetive unicamente aferir o atendimento por parte dele das exigências legais para sua inclusão no Cadastro Nacional de Adoção
Ora, desde que o requerente atenda às exigências legais para habilitar-se tem ele direito à sua inclusão no Cadastro Nacional de Adoção e, nestas condições, exigir dele que arque com as despesas da contratação de um advogado para poder habilitar-se seria, não dispondo de lastro financeiro para tanto, negar-lhe a declaração de habilitação e, por consequência, o próprio direito a adotar!
4. Exigência de prévia habilitação para se poder adotar.
O parágrafo 13 do art. 50 prevê hipóteses onde é possível se postergar, mas não dispensar, a exigência de prévia habilitação, como se pode concluir da expressão legal “candidato não cadastrado previamente”. Este entendimento é confirmado pelo parágrafo 14 do mesmo artigo, que determina que se comprove no curso do processo o preenchimento dos requisitos necessários à adoção exigidos na lei.
A comprovação da qualidade de habilitado à adoção pode ser postergada caso se trate de pedido de adoção: a) unilateral, ou seja, quando se solicita adoção de filho de cônjuge ou companheiro; b) formulado por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade (família extendida); ou c) formulado por quem detenha a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos, desde que comprovados os laços de afinidade e afetividade, inexistindo má-fé ou hipóteses que inabilitem o adotante.
Nestes casos não se dispensa a habilitação, mas sim se determina que corra conjuntamente com a adoção, e caso o adotante pretenda novas adoções no futuro poderá solicitar a sua inclusão no CNA ao fim do processo.
Nas primeira e segunda hipóteses estamos diante de situação onde se pretende a preservação dos vínculos familiares existentes, pois a criança é mantida no seio de sua família biológica, intenção sempre primeira da lei.
Na terceira há a exigência de que se esteja solicitando a adoção de criança que esteja sob a guarda ou tutela prévia do solicitante e que a criança seja maior de 3 anos, como forma de se preservar os laços afetivos já existentes entre ela e seu guardião ou tutor.
Não raro, os atores de adoção dirigida se valem de um prévio pedido de guarda da criança para após algum tempo, o suficiente para constituição e consolidação do vínculo afetivo, se solicitar sua adoção. Aqui a idéia sempre foi obter a adoção da criança de cuja guarda se solicita, e não a evolução natural do afeto salutar entre guardião ou tutor e seu pupilo, dando ao instituto da guarda um nítido desvio de seu uso. Principalmente se se busca burlar a exigência legal da previa habilitação do seu solicitante.
É por isso que encontramos a tendência dos juízes de negar a guarda provisória quando identificada tal ocorrência de adoção pronta sob a roupagem de pedido de guarda pura e simples, desvirtuando o objetivo da norma.
5. Autorização legal para a adoção consensual.
O art. 166 prevê duas situações distintas: a) o pedido de adoção de criança ou adolescente sem titular do seu poder familiar por destituição ou morte, e b) o pedido de adoção de criança ou adolescente que possui representante legal, mas que deseja abrir mão de tal poder em favor de pessoa certa e determinada.
Em ambos os casos o pedido de adoção pode ser feito diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de advogado. Aqui, como no procedimento de habilitação, dispensa-se a intervenção de advogado, pois o procedimento não é contencioso, mas sim de jurisdição voluntária, pela consonância, e não divergência, dos interesses em questão.
O primeiro caso – de criança sem titular do poder familiar – o pedido é formulado pelo habilitado, de regra chamado pelo próprio corpo técnico do fórum após consulta à listagem local de pretendentes à adoção devidamente habilitados.
Os parágrafos do 1º ao 7º tratam da hipótese do representante legal titular do poder familiar anuir com que a criança ou adolescente seja adotado por determinada pessoa.
O que a lei pretende ao autorizar a adoção consensual, dirigida ou intuito personae é que os laços de amizade e afeto existentes entre a família biológica e a adotante permitam que se mantenha o contato da criança com primeira.
O procedimento aqui também é de jurisdição voluntária, pela notória convergência dos interesses ali existentes, competindo ao MP e ao Judiciário apenas verificar o atendimento às exigências legais e ao espírito da norma.
O parágrafo 4º determina salutarmente que o consentimento prestado por escrito não terá validade se não for ratificado na audiência perante o juiz e o membro do Ministério Público. Assim se evita que a mãe biológica assine o Termo de Anuência dos Genitores com Adoção de seu filho e convenientemente “desapareça”, não vindo a participar, como deseja a lei, do procedimento de adoção.
Desta forma se burla a vontade da lei ao impedir, pela impossibilidade de chamamento ao processo da família biológica, que se confira a existência dos laços de amizade e afeto que justificam a existência do instituto da adoção consensual.
Outra exigência de suma importância, contida no § 6º, é a vedação de que se firme o Termo de Anuência antes do nascimento da criança, somente tendo validade se feito após tal evento.
A lei enfatiza ainda que o termo não obriga a família biológica a entregar a criança ou adolescente, servindo apenas como prova de que ele não foi entregue mediante coação ou sob falso pretexto. O termo apenas comprova que a mãe e pai biológicos entendem que entregam o filho para que seja adotado por aquela pessoa para quem a entrega foi feita, e que deverão comparecer em juízo para confirmar em audiência tal manifestação de vontade.
Tanto não obriga à entrega ou impede que se peça a restituição da criança ou adolescente que a lei cuida de prever a sua retratabilidade até a data da publicação da sentença, na qual haverá o trânsito da decisão por inexistência de dissenso que possa geral recurso, havendo concordância do Ministério Público com a adoção.
6. Exigência de prévia habilitação também para a adoção consensual.
Para que a adoção dirigida ou intuito personae ocorra, é indispensável a prévia habilitação do adotante, sem a qual deverá ser peremptoriamente indeferido o pedido formulado.
A lisura e acerto de tal entendimento se confirma pela própria dicção do caput do art. 166, ao colocar a hipótese de adoção dirigida junto a de adoção comum, feita através do chamado pelo corpo técnico do fórum do local onde se encontra acolhida a criança ou adolescente.
Ora, a convocação pelo corpo técnico para adoção de criança ou adolescente destituído se faz através da consulta à lista de habilitados locais ou ao CNA, logo somente poderão ser convocadas pessoas regularmente habilitadas.
Ao se colocar esta hipótese no mesmo período onde se autoriza a adoção consensual, está o legislador deixando cristalina a exigência de habilitação prévia, indispensável tanto para adoção via fórum quanto para a adoção consensual.
Assim, apesar de o art. 166 não fazer alusão expressa a tal necessidade, ela é patente pela interpretação teleológica da lei em questão. O art. 166 está alocado após o art. 50, que impõe a exigência de prévia habilitação para que se possa adotar no Brasil, contemplando ele mesmo os únicos casos onde tal exigência pode ser postergara, mas jamais dispensada (§ 13, I, II, III). Claro então que deve o art. 166 sujeição ao contido no art. 50.
7. Conclusão.
A nova lei veio legislar situações que até então ficaram a cargo da doutrina e jurisprudência.
Se a nova lei de adoção supriu lacunas que exigiam uma normatização urgente, criou também situações que exigirão um intenso exercício de interpretação para que a jurisprudência e doutrina possam garantir sua aplicação dentro do espírito que anima o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ela não veio para dificultar a adoção, mas para evitar ou ao menos minimizar os riscos de que abusos cometidos pelos mais afoitos, ou mesmo mal intencionados, coloque em risco aqueles que merecem a prioritária e integral proteção do Estado: a criança e o adolescente.
Compete assim ao intérprete e aplicador do Direito cuidar para garantir que o espírito de proteção integral da lei estatutária seja plenamente atendido quando da interpretação das novas normas inseridas no Estatuto da Criança e do Adolescente, e demais legislação.
Professora universitária na Faculdade de Direito UNIFEOB (http://portal.unifeob.edu.br/novoportal/index.php) nas disciplinas de Direito Processual Civil e Psicologia Aplicada ao Direito, Mestre em Processo Civil pela Universidade Paulista – UNIP, Mestre em Educação do Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP, advogada.
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