Lei estadual paraibana permite não realização de sorteio para formação de Conselho da Justiça Militar

O rito processual penal militar está regido no Decreto Lei 1.002 de 1969, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR – CPPM.

No artigo 6º do CPPM está estabelecido que, as justiças militares estaduais obedecerão o disposto no mesmo quando do julgamento dos integrantes das corporações militares estaduais.

“Art. 6º Obedecerão às normas processuais previstas neste Código, no que forem aplicáveis, salvo quanto à organização de Justiça, aos recursos e à execução de sentença, os processos da Justiça Militar Estadual, nos crimes previstos na Lei Penal Militar a que responderem os oficiais e praças das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares”.

Na Justiça Militar estadual, dois são os tipos de colegiados destinados ao julgamento dos militares, o Conselho Permanente de Justiça, destinado ao julgamento de Praças e o Conselho Especial de Justiça que tem a como objetivo o julgamento de oficiais. Lembramos que na Justiça Militar estadual não se julga civis.

O presente artigo terá como norte a formação do Conselho Especial, uma vez que este destina-se ao julgamento de oficiais, e por conta disso tem sua formação feita para cada processo, já que, dependendo do oficial a ser julgado, deverá ocorrer a definição dos que comporão o colegiado.

O Conselho Especial é formado por 5 (cinco) componentes, sendo 1 (um) juiz de direito e 4 (quatro) juízes militares, começa aqui o debate do presente artigo.

Secularmente, os juízes militares para compor os Conselhos Especiais, são escolhidos mediante a realização de sorteios entre os oficiais que fossem mais antigos ou superiores ao acusado de maior patente.

EXEMPLO: Sendo julgados um Major e um tenente no mesmo processo, o Conselho Especial será formado por oficiais mais antigos ou superiores ao Major.

Ocorre, porém, que a Lei de Organização do Judiciário do Estado da Paraíba, LOJE/PB-2010, que tem sua vigência desde dezembro de 2010, ao tratar da Justiça Militar, especificamente à composição dos Conselhos Especiais e aos sorteios para a formação dos mesmos, gerou a possibilidade de inclusão de oficial sem que o nome do mesmo seja decorrente de sorteio.

Tal situação ocorre quando o acusado é um coronel entre os mais antigos de alguma das corporações militares estaduais, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar.

O art. 194, §2º da LOJE/PB-2010, estabelece que os oficiais a ser sorteados para compor conselhos especiais devem ser superiores ou mais antigos que o acusado, devendo ser submetido ao sorteio primeiramente os oficiais da ativa, e não havendo número suficiente para a formação do conselho serão sorteados oficiais da reserva.

“Art. 194. Os Conselhos Especiais são compostos por quatro juízes militares, todos oficiais de postos não inferiores ao do acusado.

§1º …

§ 2º Sendo o acusado do posto mais elevado na corporação policial ou do corpo de bombeiro militar, o conselho especial será composto por oficiais da respectiva corporação militar, que sejam da ativa, do mesmo posto do acusado e mais antigos que ele; não havendo na ativa oficiais mais antigos que o acusado, serão sorteados e convocados oficiais da reserva remunerada”.

O texto do §2º do art. 194 acima demonstrado, é o fato gerador do presente trabalho, uma vez que os magistrados que vêm atuando na Vara Militar paraibana têm interpretando que os oficiais da ativa mais antigos que o acusado, passem a integrar automaticamente o CEJ quando não houver número suficiente para a realização de sorteio entre eles.

EXEMPLO: Acusado é o 3º coronel mais antigo na ativa, logo, os dois coronéis da ativa mais antigos que ele, automaticamente já passam a integrar o Conselho Especial.

A partir daí é realizado um sorteio entre os inativos (Reserva Remunerada) mais antigos que o acusado para apenas complementar os 4 (quatro) juízes militares. Entre os da reserva a ser sorteados entram todos os possíveis.

Ou seja, os ativos entram sem sorteio e os inativos mediante escolha aleatória do sorteio, estamos diante de uma forma híbrida na formação do Conselho Especial de Justiça.

Mais grave fica quando o oficial a ser julgado for o 5º coronel mais antigo da ativa da corporação, pois sendo o entendimento do juízo militar paraibano correto, sequer haverá sorteio, pois bastará a designação automática dos quatro mais antigos que o acusado para compor o colegiado.

Destacamos que a situação acima faz com que os mais antigos sempre saibam quem os julgará, desta forma possível será o exercício de alguma pressão sobre os mesmos, mas este será material para outro artigo.

Sobre tal situação o Superior Tribunal Militar se pronunciou no pedido de desaforamento Nº 2002.01.000391-5-AM, que teve como relator o Ministro GERMANO ARNOLDI PEDROZO e foi requerido pela Exma. Juíza Auditora da 12ª CJM, onde o acusado era um Coronel do Exército R/1, vejamos trechos da decisão, informando que ocultamos o nome do oficial acusado;

“…na lista de oficiais para comporem o Conselho Especial de Justiça, na área da 12ª CJM, mais antigos que o Cel XXXX, existem oito oficiais-generais, dos quais excluídos quatro deles, em face do disposto no art. 19, §3º, da Lei nº 8.457, por razão de impedimento…

Sustenta que, diante desse quadro, estaria inviabilizado o sorteio para a composição do Conselho Especial de Justiça, porquanto ter-se-ia uma lista de quatro generais para sortear quatro juízes militares, transformando-se, em indicação e não sorteio, resultando, assim, na impossibilidade de constituir-se o referido Conselho.”

Após este relato, foi decidido que não há como admitir-se formação de colegiado sem a submissão dos nomes dos aptos à uma escolha aleatória, ou seja o sorteio, pois tal decisão afetaria o princípio da imparcialidade do juiz, continuamos a transcrição de trechos da decisão.

“À semelhança do júri, instituído nos idos de 1822, o julgamento feito por juízes leigos haveria de obedecer a critério, sendo que o que vem resistindo durante todos esses anos para estabelecer-se o juízo natural, que ó sorteio dos cidadãos que comporão essas especiais cortes.

O princípio do sorteio, resguardada a jurisdição, como é óbvio, tem sido observado em todo o Poder Judiciário para a fixação do critério de distribuição, tanto na primeira instância, como na segunda instância.

Em pesquisa nesta justiça especializada, não se encontra sequer um julgado que sugerisse a dispensa do sorteio para a escolha dos membros dos Conselhos.

Como é lógico, tal tese, se supressão do sorteio, iria macular o princípio da imparcialidade do juiz, instituto constitucional. E, por certo, irá tornar letra morta, também, o instituto do desaforamento.”

Em entendimento pessoal, cremos haver uma errônea interpretação do §2º do art. 194, uma vez que o sorteio é a regra do jogo, tanto que o §3º do art. 197 da LOJE/PB-2010 rege sua realização e obrigação, e em TODOS os parágrafos, bem como no caput há a citação do termo sorteio.

“Art. 197. Os comandantes-gerais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado remeterão, trimestralmente, ao juiz de direito da Vara Militar relação nominal dos oficiais da ativa em condições de servir nos conselhos, com indicação dos seus endereços residenciais, a fim de serem realizados os sorteios respectivos.

§ 1º Os sorteios para a composição dos Conselhos Permanentes realizar-se-ão entre os dias vinte e vinte e cinco do último mês de cada trimestre, ressalvado motivo de força maior para sua não ocorrência.

§ 2º O resultado dos sorteios será informado aos comandantes-gerais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros para que providenciem a publicação em boletins gerais e ordenem o comparecimento dos juízes não togados à hora marcada na sede do Juízo Militar, ficando à sua disposição enquanto durarem as convocações.

§ 3º Os sorteios para a composição dos Conselhos Especiais ocorrerão sempre que se iniciar processo criminal contra oficial, mantendo-se sua constituição até a sessão de julgamento, se alguma causa intercorrente não justificar o arquivamento antecipado da ação penal.

§ 4º O sorteio para a composição dos Conselhos Permanentes da Justiça Militar dará preferência a oficiais aquartelados na Capital.

§ 5º Caso a relação dos oficiais da ativa, prevista no caput deste artigo, não seja enviada ao juiz competente, no prazo legal, os sorteios para composição dos Conselhos da Justiça Militar serão realizados com base na relação enviada no trimestre anterior, sem prejuízo da apuração de responsabilidades.”

Salvo melhor juízo, o entendimento nosso é de que, não havendo na ativa número suficiente para sortear, fossem juntados ativos e inativos em um mesmo sorteio, para que daí saísse o Conselho Especial, pois não sendo desta forma teremos juízes militares de duas categorias.

O art. 197 está na Seção IV da LOJE/PB-2010 – Da Escolha e Convocação dos Conselhos, ora, se a escolha e convocação deve ser mediante sorteio como admitir que juízes militares do CEJ componham o colegiado por indicação?

Mais grave fica, pois o CPPM trata do sorteio em momentos relevantes do processo penal militar. Não havendo sorteio o que terá ocorrido?

O art. 399, na alínea “a“, do CPPM estabelece que recebida a denúncia o juiz de direito deverá providenciar o sorteio do Conselho Especial de Justiça se necessário.

“Art 399. Recebida a denúncia, o auditor:

a) providenciará, conforme o caso, o sorteio do Conselho Especial ou a convocação do Conselho Permanente, de Justiça;”

O art. 403 do CPPM permite ao acusado livre, e obriga ao preso, assistir o sorteio quando o conselho for especial, se pode não haver sorteio por que tal determinação?

“Art. 403. O acusado prêso assistirá a todos os têrmos do processo, inclusive ao sorteio do Conselho de Justiça, quando Especial.”

Destacamos que o texto legal do artigo acima diz que o acusado assistirá a todos os termos do processo, inclusive o sorteio, logo fica fácil deduzir que o sorteio é um ato processual; como pode a legislação estadual permitir a sua supressão?

Já no art. 455, ao tratar o CPPM de julgamento de desertor também determina a realização de sorteio.

“Art. 455. Apresentando-se ou sendo capturado o desertor, a autoridade militar fará a comunicação ao Juiz- Auditor, com a informação sobre a data e o lugar onde o mesmo se apresentou ou foi capturado, além de quaisquer outras circunstâncias concernentes ao fato. Em seguida, procederá o Juiz-Auditor ao sorteio e à convocação do Conselho Especial de Justiça, expedindo o mandado de citação do acusado, para ser processado e julgado. Nesse mandado, será transcrita a denúncia.”

Chegamos a um momento crítico do presente trabalho, o da nulidade processual decorrente de violação ao sorteio, vejamos o texto do art. 500 do CPPM.

“Art. 500. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

III — por preterição das fórmulas ou têrmos seguintes:”

Por sua vez, a alínea “h” do inciso III do art. 500 refere-se à preterição da fórmula do sorteio, observemos;

“h) o sorteio dos juízes militares e seu compromisso;”

Vem então o questionamento; Não havendo o sorteio pelo número reduzido de oficiais superiores, ou mais antigos que o acusado, não será uma preterição automática da fórmula de escolha dos juízes militares para o Conselho Especial, ou seja, o sorteio?

A legislação estadual paraibana, Lei Complementar 96/10, ao nosso ver adentrou em seara processual penal, ao permitir que ato exigido no CPPM deixe de ser realizado na Justiça Militar estadual, ou seja o sorteio para atuação como juízes militares.

Entendemos que a legislação paraibana ao regular a Justiça Militar, gerou uma colisão entre o texto de legislação federal, o CPPM, e Lei Complementar estadual 96/10 – LOJE/PB, pois se obedecido ao “pé da letra” a lei estadual, deixará de ser obedecida norma processual penal que é de competência exclusiva legislativa da União.

Desta forma, por obediência ao disposto no §4º do art. 24 da Constituição Federal, texto de lei estadual que estiver em conflito com lei federal deverá ter sua eficácia suspensa.

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

§ 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”

Por derradeiro, entendemos que o conflito de normas arguidas no presente trabalho somente ocorre pelo entendimento do Judiciário paraibano de que é desnecessária a reversão dos oficiais inativos para a atividade a fim de atuar nos Conselhos Especiais de Justiça, mas isso é material para outro artigo.

 

Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
BRASIL. Decreto Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969.
PARAÍVA. Lei Complementar 96, de 03 de dezembro de 2010.

Informações Sobre o Autor

Marcelo Lins dos Santos


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