Resumo: Brilhantes são as palavras de Carnelutti ao expressar que a atividade executiva é aquela na qual o juiz passa do direito aos fatos. A atividade executiva consiste na realização de atos materiais que visem tornar real um direito previamente reconhecido, porém, não voluntariamente satisfeito. É a execução, portanto, que confere ao titular de um direito a possibilidade de tê-lo satisfeito. Nesse sentido, é de se destacar a execução da prestação alimentícia, dada sua especificidade. O presente artigo vai tratar de tal execução de forma a apontar suas particularidades e esclarecer, ainda que de forma sucinta, as técnicas a serem adotadas para que a execução de alimentos seja concretizada. Obviamente, que inicialmente faz-se salutar uma breve explanação acerca dos alimentos, suas características e peculiaridades.
Palavras-chave: Alimentos. Atividade executiva. Técnicas especiais. Prisão civil.
Abstract: Bright are the words to express Carnelutti executive that the activity is one in which the judge passes law to the facts. The activity of executive actions is the achievement of those aimed at making a real right previously recognized, however, did not voluntarily satisfied. It’s the implementation, so that gives the holder a right to have the opportunity to satisfy it. In this sense, is to emphasize the implementation of the food supply, given its specificity. This article will deal with such execution to point its peculiarities and to clarify, albeit briefly, the techniques to be adopted for the implementation of food is carried out. Obviously, that initially it is a brief explanation about healthy food, its characteristics and peculiarities.
Keywords: Food. Executive activities. Special techniques. Civil prison.
Sumário: 1. Alimentos: conceito e classificação jurídica. 2. Formas de execução de alimentos. 2.1. Desconto em folha. 2.2. Desconto em renda. 2.3. Prisão civil. 2.4. Expropriação. 2.5. Constituição de capital. 3. Ordem de preferência das técnicas de execução alimentar. 4. Referências bibliográficas.
1. ALIMENTOS: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA
Para o Direito a expressão “alimentos” corresponde às prestações necessárias para a satisfação das necessidades de alguém e que lhe são devidas por outrem. O pagamento dessas prestações é realizado a título de provisão, assistência ou manutenção.
Uma primeira observação é que por “necessidade” deve-se entender não só aquilo que é primordial para o sustento físico do alimentando – o credor da prestação alimentícia. Os alimentos devidos devem ser necessários não só para garantir o sustento vital da pessoa, mas também, garantir o necessário para a manutenção social e moral do alimentando.
O entendimento amplo do que compreende os alimentos funda-se na proteção que o ordenamento jurídico pátrio pretende conferir à pessoa e à sua dignidade. Mais que garantir a simples subsistência, prima-se por um amparo tal que permita ao ser humano desenvolver com plenitude suas capacidades. É por isto, que os alimentos devem alcançar não somente a subsistência material do alimentado, mas também de habitação, educação, vestuário, lazer e outros.
Importante é perceber que os alimentos devem englobar tudo aquilo que é necessário para o sustento daquele que tem o direito de recebê-los; obviamente, que de acordo com as condições do alimentante – o devedor das prestações. Imperiosa, por conseguinte, é a premissa de que dois são os aspectos a serem observados quando da fixação dos alimentos: a necessidade do alimentando e a capacidade do alimentante de pagá-los.
Ora, a observação do binômio capacidade/necessidade é perfeitamente compreensível. Se por um lado é certo que os alimentos devem ser tais que supram as necessidades do seu credor; não menos acertado é se pensar que àquele a quem é imposta a obrigação de prestar alimentos não pode ficar na penúria para adimpli-la.
Quanto à sua natureza jurídica, o direito à prestação de alimento é observado sobre três perspectivas diversas. Parcela doutrinária o considera um direito pessoal extrapatrimonial, enquanto que outra parcela, de maneira diametralmente oposta, o entende como um direito patrimonial. Entendimento majoritário e intermediário a estes é o que lhe atribui uma natureza mista, considerando-o como um direito de conteúdo patrimonial e finalidade pessoal. De fato, a última observação parece a mais acertada.
Como é comum na ciência jurídica, os alimentos são distinguidos em espécies. Tais espécies são identificadas pela doutrina de acordo com critérios variados. Os mais relevantes critérios identificadores são: natureza, causa jurídica, finalidade e momento em que são reclamados.
Quanto à natureza, os alimentos podem ser naturais ou civis. Os primeiros são aqueles indispensáveis à manutenção básica da vida, ou seja, os primordiais para garantir a subsistência humana e estão previstos no §2º do artigo 1.694[1] do Código Civil. Estes, por sua vez, são prescritos no caput do mesmo artigo 1.694[2] e correspondem àqueles alimentos que são determinados de acordo com as carências do alimentando e as possibilidades do alimentante; ou, de acordo com Cassio Scarpinella, são os que “vão além da referida subsistência, viabilizando a fruição de outras necessidades do alimentando” [3]. É por isto que os alimentos naturais são corretamente chamados de necessários, uma vez que se limitam ao necessarium vitae; ao passo que os alimentos civis ou côngruos compreendem o necessarium personae.
Quanto à causa jurídica, classificam-se os alimentos de acordo com a sua fonte geradora. Sobre esse aspecto podem ser: legais ou legítimos, voluntários ou indenizatórios. Legais são os fixados em lei, decorrentes de relações pessoais tuteladas pelo Direito de Família. Estão previstos no artigo 1.694 do Código Civil. Importante lembrar que por força do §3º do artigo 226 da Constituição Federal[4] a união estável entre homem e mulher goza do status de entidade familiar e, portanto, tal qual o casamento, é capaz de criar vínculos tais que possibilitam o direito à prestação de alimentos. Tal entendimento é confirmado pelo legislador infraconstitucional no artigo 1.724[5] do Código Civil e caput do artigo 7º da Lei nº. 9.278/96[6].
Alimentos voluntários são aqueles que se formam a partir da manifestação da vontade, por ato inter vivos ou causa mortis. No primeiro caso, cite-se como exemplo a assunção da obrigação de prestar alimentos através de cláusula contratual, por aquele que não está obrigado legalmente a prestá-los; quanto ao segundo caso, é comum vislumbrá-lo no Direito das Sucessões, são os alimentos testamentários, previstos, entre outros casos, no artigo 1.920 do Código Civil[7], dispondo acerca da possibilidade de o testamento ser manifestado sob forma de legado. Sobre os alimentos indenizatórios, também chamados de ressarcitórios, é de se destacar que os mesmos surgem como uma prestação devida por aquele que comete um ato ilícito. Constituem-se, conforme previsto no inciso II do artigo 948[8] e artigo 950[9] do Código Civil, como forma de indenização do dano ex delicto.
Quanto à finalidade de sua fixação, os alimentos podem ser definitivos, provisórios ou provisionais. Importante entender finalidade como o momento processual em que são deferidos; assim, são os alimentos classificados de acordo com a estabilidade, ou não, da decisão que os concede. Definitivos ou regulares são os fixados por sentença pelo juiz ou homologados judicialmente a partir de acordo entre as partes. O caráter definitivo, insta destacar, não significa inalterabilidade, uma vez que os alimentos sempre poderão ser revistos, por força do disposto no artigo 1.699 do Código Civil[10]; mas sim, que os alimentos fixados são devidos por força da prestação da tutela jurisdicional ulterior e definitiva.
Os alimentos provisórios, assim como os provisionais surgem a partir de uma tutela jurisdicional antecipada e provisória, malgrado, não se confundem. O que os distinguem é o fato de os provisórios serem fixados liminarmente no despacho inicial da ação de alimentos e exigirem prova prévia do parentesco ou da obrigação de alimentar do devedor, conforme previsto no artigo 4º da Lei nº. 5.478/68[11]. De maneira diversa, os provisionais ou ad litem[12] são fixados em sede de cautelar preparatória ou incidental, e possuem como requisitos apenas a observação dos elementos necessários para a concessão da antecipação de tutela; são os requisitos elencados no artigo 273 do Código de Processo Civil[13].
Finalmente, para encerrar a classificação dos alimentos, é de se destacar o momento em que são devidos. Por este critério podem ser divididos em pretéritos, atuais e futuros de acordo com Carlos Roberto Gonçalves. Para o iminente processualista, “são pretéritos quando o pedido retroage a período anterior ao ajuizamento da ação; atuais, os postulados a partir do ajuizamento; e futuros, os devidos somente a partir da sentença” [14]. O autor complementa dizendo que o Direito brasileiro apenas considera como devidos os dois últimos; Cássio Scarpinella, de maneira diversa, entende que os alimentos podem ser classificados como futuros e pretéritos, sendo que aqueles englobam os presentes ou atuais, e são os exigíveis a partir da determinação judicial de seu pagamento. Concordante com a posição do professor Scarpinella, Didier defende que a execução dos alimentos futuros se faz com base em medidas executivas específicas, fundadas no artigo 733 do Código de Processo Civil[15], ao passo que a execução dos alimentos pretéritos adota o rito do artigo 732[16] do estatuto processual civil.
2. FORMAS DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS
A execução da prestação alimentar é uma modalidade de execução por quantia certa contra devedor solvente, por isto, consoante lição de José Carlos Barbosa Moreira deve, a princípio, seguir o procedimento previsto para as demais dívidas em dinheiro e, consoante lembrado pelo professor Marcelo Abelha, deve ser iniciada por petição simples, sem a necessidade de propositura de nova ação. Serão observadas todas as regras do artigo 475-J do Código de Processo Civil[17], isto é, o devedor não tendo efetuado o pagamento no prazo de quinze dias incorrerá em multa de 10%, e estará sujeito à penhora e avaliação de bens.
À regra geral supracitada acrescem-se procedimentos especiais, previstos pelo legislador devido à particularidade do conteúdo da prestação alimentar e todas as considerações já realizadas. O procedimento especial da execução de prestação alimentar está previsto nos artigos 732 a 735 do Código de Processo Civil e artigos 16 a 18 da Lei nº. 5.478/68.
Importa destacar a lição proferida por Alexandre Câmara ao esclarecer que a execução de alimentos por procedimentos especiais somente será possível quando a mesma se fundar em título executivo judicial; se a dívida alimentar se fundar em título executivo extrajudicial deverá seguir o procedimento padrão da execução por quantia certa contra devedor solvente.
Pois bem, de posse do título judicial deverá o alimentando propor a execução perante o mesmo juízo que produziu o titulo executivo, conforme previsto pelo inciso II do artigo 575 do Código de Processo Civil[18].
Quatro são as formas de execução da prestação alimentar previstas em lei: desconto em folha, desconto em renda, prisão civil e expropriação. É de se comentar, ainda, a previsão da constituição de capital para os casos de alimentos indenizativos. É sobre elas que se passa a analisar a seguir.
2.1. DESCONTO EM FOLHA
A primeira técnica especial para a execução de alimentos é o desconto em folha, verdadeira penhora sobre dinheiro, conforme destaca Talamini. Sem dúvidas, é uma espécie de penhora diferenciada, uma vez que sucessiva. Está prevista no artigo 734 do Código de Processo Civil[19] e artigo 16 da Lei de Alimentos[20].
Consiste no desconto das prestações alimentares sobre a remuneração do devedor. É uma exceção à regra de impenhorabilidade de salários prevista no artigo 649, inciso IV e §2º do Código de Processo Civil[21].
É medida de grande eficácia, dificultando o inadimplemento do cumprimento da prestação, uma vez que o desconto faz-se de forma direta sobre folha de pagamento. Importa destacar que nesta modalidade o pagamento da prestação, ainda que realizado desconto sobre a remuneração do devedor, é efetivado por terceiro judicialmente responsável por tal feito. Por esta característica a técnica em apreço mostra-se vantajosa para o Judiciário na medida em que é capaz de reduzir a busca por tutela jurisdicional para ações de cobrança de prestações alimentares inadimplidas.
No caput do artigo 734 do estatuto processual civil o legislador ordinário estabelece que a técnica do desconto em folha é passível de ser empregada quando o devedor for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho. A afirmativa é de fácil compreensão. Ora, para que haja o desconto é necessário que o devedor conte um pagamento estável e periódico. Não se deve esquecer, entretanto, que o rol apresentado pelo dispositivo não é taxativo, e pode o alimentando solicitar o desconto em folha para casos ali não previstos; é o caso dos profissionais liberais, por exemplo, o advogado.
Ainda que o profissional liberal não esteja no rol daqueles que podem sujeitar-se ao desconto em folha, poderá se submeter a esta técnica desde que se vislumbrem condições para tal feito. Pense-se na situação em que um advogado que é empregado em um grande escritório, recebendo da seguinte forma: salário fixo acrescido de honorários por causa trabalhada. Não resta dúvidas que na situação hipotética lançada é perfeitamente possível se observar uma renda fixa capaz de garantir o uso da técnica do desconto em folha.
Acerca do caráter exemplificativo do rol presente no do artigo 734 do Código de Processo Civil, é de se destacar que o inciso IV do artigo 115 da Lei nº. 8.213/91[22] possibilita, também, que o beneficiário de pensão previdenciária, em caso de eventual execução de prestação alimentar, sujeite-se à técnica de desconto em folha.
A técnica analisada é aplicável, segundo lições de Luiz Guilherme Marinoni, para o caso de alimentos provisionais, provisórios, definitivos, pretéritos, futuros, legítimos, voluntários e indenizatórios. Aliás, há no estatuto processual, no §2º do artigo 475-Q[23], expressa previsão acerca do desconto em folha para os casos de prestação de alimentos no último caso. Para Eduardo Talamini, entretanto, o desconto em folha não é previsto para os alimentos pretéritos. Segundo o autor tais alimentos devem ser executados seguindo-se as regras da execução por quantia certa contra devedor solvente.
O desconto será ordenado pelo juiz por meio de ofício, o qual deverá conter os nomes do alimentado e alimentante, o valor das prestações, bem como sua peridiocidade, caso não seja a prestação alimentar definida por tempo indeterminado, conforme previsto no parágrafo único do artigo 734 do Código de Processo Civil[24]. É de se destacar que sobrevindo alteração no valor das prestações, faz-se necessária a expedição de novo ofício. Ainda que não expresso no dispositivo em questão, o ofício também deve conter a assinatura do juiz, de maneira a garantir a autenticidade do documento.
Recebida a comunicação acerca do desconto a ser efetuado o mesmo deverá imediatamente ser realizado. Não poderá o terceiro pagador insurgir-se contra a ordem de desconto, isto porque lhe falta interesse processual, uma vez que tal procedimento em nada lhe afetará patrimonialmente.
O desconto realizado em folha será entregue diretamente ao alimentando, ou a depositário nomeado pelo juiz, por meio de depósito em conta, recebimento em escritório ou qualquer outra forma estipulada judicialmente para a comodidade do alimentando. Importa destacar que o terceiro que se recusa a realizar o desconto, ou, tendo o realizado não o repassa ao alimentando estará cometendo o crime de desobediência a ordem judicial, podendo ser punido com a pena de detenção de seis meses a um ano, sem prejuízo da pena acessória de suspensão do emprego de trinta a noventa dias, por força do artigo 22, caput e parágrafo único da Lei nº. 5.478/68[25].
Por ser considerada uma espécie de penhora, poderá o alimentante insurgir-se contra o desconto em folha por meio de embargos à execução.
2.2. DESCONTO EM RENDA
O desconto em renda é uma técnica similar ao desconto em folha e, como tal, é espécie de penhora de dinheiro atacável por embargos. A partir desta técnica poderá o alimentante ter o valor da prestação alimentícia descontado diretamente do valor dos alugueres, aplicações financeiras, arrendamento rural ou outros rendimentos, que fazem com que o mesmo tenha uma fonte fixa de renda passível de suportar o desconto.
O juiz expedirá ofício endereçado àquele que tem a obrigação de pagar o rendimento ao alimentante. Este ofício deverá conter os mesmos requisitos daquele expedido para a comunicação do desconto em folha, ou seja, os elencados no parágrafo único do artigo 734 do estatuto processual civil. A ordem judicial determinará que o terceiro, por exemplo, o locatário, efetue o pagamento do aluguel ao locador – no caso, o devedor da prestação alimentar-, já descontando o valor referente à prestação devida ao alimentando.
Esta técnica, devido à sua similaridade com o desconto em folha, é aplicável aos mesmos tipos de alimentos que aquela. Igualmente, cabem ao caso, os mesmos comentários realizados anteriormente acerca do recebimento da prestação pelo alimentante ou depositário.
2.3. PRISÃO CIVIL
A prisão civil é uma técnica não de pagamento de prestação alimentar vencida, mas de coerção pessoal, pela restrição da liberdade individual, que tem por escopo coagir o devedor a efetuar o pagamento. Nesse sentido, afirma Talamini que “o que se busca é que, ante a ameaça de prisão, ou mesmo a sua concretização, o devedor pague a prestação alimentícia, como forma de evitar ou suspender o cumprimento da prisão” [26]. Como meio coator, não impede a penhora de bens e o prosseguimento dos demais atos executivos. Está expressamente prevista e autorizada no inciso LXVII do artigo 5º do texto constitucional, no qual se lê que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia […]”.
A prisão civil por inadimplemento de prestação alimentar é uma exceção no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que a prisão por dívida civil é vedada. A exceção é vislumbrada, destaque-se, quando do inadimplemento por motivo voluntário e inescusável, isto é, quando mesmo possuindo condições o alimentante recusa-se a efetuar o pagamento dos alimentos. Provando o devedor que o não pagamento se deu por fatores alheios à sua vontade, a prisão fica afastada. A exceção justifica-se pelo conteúdo da prestação devida; ora, sendo os alimentos indispensáveis para a sobrevivência do alimentando é se buscar todos os meios possíveis e legítimos para garantir que a prestação devida seja cumprida.
Não resta dúvida acerca do fato de a prisão civil ser a técnica mais drástica e agressiva ao devedor, o que a leva a ser usada apenas em casos excepcionais, em que nenhuma outra técnica seja idônea para garantir o cumprimento da obrigação.
Existe a possibilidade do emprego da prisão civil para os casos de alimentos provisionais, provisórios e definitivos. Doutrina e jurisprudência inclinam-se no sentido de que a prisão civil não é cabível para o caso de alimentos indenizatórios. Marinoni é um crítico de tal posicionamento, considerando-o injustificável, uma vez que tantos os alimentos indenizatórios quanto os legítimos têm por finalidade garantir a manutenção básica e digna do alimentando. Não haveria, portanto, plausibilidade de se fazer distinção quanto ao emprego de meio coercitivo para garantir seu adimplemento.
Acerca dos alimentos pretéritos, a jurisprudência é uniforme no sentido de que somente se pode valer da prisão civil como meio coercitivo para o pagamento das três ultimas prestações devidas antes da propositura da ação. Nesse sentido, tem-se o enunciado da Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça, a qual diz que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo”. Argumento utilizado para esta restrição é o de que o acúmulo de muitas prestações poderia tornar inviável o pagamento da dívida, e tornaria uma medida excepcional, em regra. Some-se a isto, o entendimento de que a não cobrança de alimentos pretéritos levaria a uma presunção da não necessidade dos mesmos para a subsistência do alimentando, o que descaracterizaria a necessidade da prisão civil.
Nesse sentido:
“HABEAS CORPUS, SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. EXECUÇÃO. ALIMENTOS. LEGALIDADE DA AMEAÇA DE SEGREGAÇÃO CONSOANTE O RITO DO ART. 733 DO CPC. ADEQUAÇÃO À LINHA DE ENTENDIMENTO TRAÇADA NO ENUNCIADO SUMULAR N.º 309/STJ. IMPOSSIBILIDADE FINANCEIRA DO ALIMENTANTE E DESNECESSIDADE DOS ALIMENTADOS. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1.”O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo” (Súmula 309 do STJ). 2. A pendência de ação de exoneração de alimentos não obsta o prosseguimento da execução de alimentos com base no art. 733 do CPC.” (STJ, HC 176360/RJ, 3ª Turma, rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, data do julgamento 04.11.2010)
Mais uma vez, Marinoni possui uma postura crítica e, data vênia do pensamento majoritário da doutrina e jurisprudência, acertada acerca do supracitado. Para o autor ambos os motivos destacados são questionáveis. Primeiro, é de se dizer que somente o valor fixado em cada caso concreto pode dizer se o acúmulo de prestações tornaria inviável o adimplemento da prestação; para casos em que o valor fosse exorbitante, o próprio texto constitucional já teria previsto a não aplicabilidade da prisão civil, uma vez que o inadimplemento se daria por motivo involuntário e escusável. Argumenta, ainda, que diante da realidade brasileira no que diz respeito ao acesso à justiça, não se pode dizer que a não reclamação de prestações pretéritas significa desinteresse do alimentando pelas mesmas; é de se ponderar que a dificuldade em contratar advogado e o receio de demandar perante o Judiciário podem ser fatores que apesar de retardarem a reclamação, não significam o desinteresse ou desnecessidade do alimentando pelos alimentos que lhe são devidos.
Acerca do prazo desta prisão, há discussão na doutrina, isto porque o §1º do artigo 733 do Código de Processo Civil[27] prevê que a mesma será fixada de um a três meses, de maneira diversa, o artigo 19 da Lei de Alimentos[28] estipula que o prazo não poderá exceder os sessenta dias. Marinoni e Barbosa Moreira são adeptos do entendimento de que pelo fato de o Código de Processo Civil ser posterior à Lei de Alimentos sua previsão deve prevalecer, por isto, a prisão civil poderá ser fixada de um a três meses, de acordo com o caso concreto. Tal posicionamento encontra respaldo no julgado abaixo
“CIVIL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO. NOVENTA E OITO DIAS. CUMPRIMENTO. EXCESSO. LIMITE. ART. 733, § 1º, CPC. I. Configura-se o cerceamento ilegal a prisão do paciente por dívida alimentar por 98 (noventa e oito dias), acima do limite legal previsto no art. 733, parágrafo 1º, do CPC, que estabelece o prazo de um a três meses para o cumprimento do cerceamento. II. Ordem concedida.” (STJ, HC 151017/MG, 4ª Turma, rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, data do julgamento 15.04.2010.)
De maneira diversa, Nelson Nery Junior, Rosa Maria Andrade Nery e Marcelo Abelha sustentam que no caso de alimentos provisórios ou definitivos o prazo a ser observado é o do artigo 19 da Lei de Alimentos, enquanto que os alimentos provisionais seguem o prazo do estatuto processual civil. Há, ainda, uma terceira posição sustentada por Alexandre Câmara e Fredie Didier que entendem que o prazo a ser observado é o de sessenta dias, uma vez que leis posteriores à Lei de Alimento mantiveram o seu artigo 19 intacto, o que significaria a sua incidência no sistema processual brasileiro vigente e consequente revogação do prazo previsto no dispositivo processual civil.
Importa destacar que poderá haver novo decreto de prisão a cada vez que novas prestações forem inadimplidas. Assim, no cômputo final, o prazo da prisão civil pode exceder os limites fixados em lei. Não poderá, entretanto, o devedor ser preso duas vezes pelo inadimplemento das mesmas parcelas; imposta a prisão civil e tendo o devedor cumprido-a sem satisfazer o crédito alimentar, nova técnica de execução deverá ser imposta para o pagamento destas prestações, pois a prisão não se mostrou suficiente.
Como a finalidade da prisão civil é coagir ao pagamento da dívida, uma vez ocorrido o pagamento o alimentante deve ser posto em liberdade, independente de ter ou não cumprido o prazo total de prisão imposto. Igualmente, cumprida a prisão, não estará o devedor eximido de pagar sua obrigação; ora, como já analisado, a prisão civil não é meio de execução, mas sim meio de coagir ao pagamento, logo, a cumprimento da prisão não importa na satisfação do crédito alimentar. É o que se depreende da leitura do §2º do artigo 733[29] do estatuto processual e §1º do artigo 19 da Lei de Alimentos[30].
Finalmente, é de se destacar que as particularidades da prisão civil por inadimplemento voluntário e inescusável impedem que lhe sejam aplicadas as regras da prisão criminal, por exemplo, benefícios como a prisão domiciliar, a progressão e a detração penal. Aliás, esta modalidade de prisão sequer pode ser considerada como pena, uma vez que não tem caráter punitivo, mas sim, é uma forma de pressão psicológica, que tem o intuito de obrigar o devedor a cumprir a prestação devida. Somente pode eximir o devedor da prisão o adimplemento da prestação alimentar ou o esgotamento do prazo máximo de prisão permitida.
A execução, neste caso, deverá ser proposta pelo alimentando por meio de petição inicial, a qual deverá conter memória do cálculo da prestação, a fim de possibilitar o imediato pagamento da prestação alimentar. Uma vez recebida a petição, o juiz deverá proceder à citação do devedor para em três dias efetuar o pagamento, provar que já pagou ou justificar a impossibilidade de efetuar o pagamento.
Efetuado o pagamento pelo próprio devedor ou por procurador mediante o processo de execução será extinto, por força do inciso I do artigo 794 do Código de Processo Civil[31]. Considerando a execução indevida pelo fato de já ter efetuado o pagamento, deverá o alimentante alegar e provar, através de advogado, tal feito. Neste caso, provada que a execução é indevida, falta-lhe um dos requisitos de existência, por isto, deverá o juiz extinguir o processo por meio de sentença.
Poderá o alimentando, ainda, alegar e provar a impossibilidade de efetuar o pagamento da prestação devida. Frise-se que este meio de defesa é excepcional e não extingue o processo de execução, apenas suspendendo-lhe enquanto se busca meio idôneo capaz de suportar a execução do crédito. Destaque-se que a impossibilidade de pagamento alegada deve ser apenas temporária; se a impossibilidade for permanente deverá o alimentante discutir a matéria em ação autônoma através do pedido de revisão do quantum de alimentos ou de exoneração do pagamento dos mesmos.
Se o devedor, ou terceiro em nome deste, não efetuar o pagamento, nem se escusar, deverá o juiz, por requerimento do credor, decretar a prisão do alimentante, pois é este o maior interessado na questão. Observe-se, a prisão civil não poderá ser decretada de ofício, tampouco a pedido do Ministério Público, conforme defende o professor Humberto Theodoro Júnior. Esta é a posição dominante no Superior Tribunal de Justiça, vislumbrada no julgado abaixo
“HABEAS CORPUS – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE PRESTAÇÕES ALIMENTARES – INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE PRISÃO CIVIL DO EXECUTADO E EXECUÇÃO DE VERBAS ALIMENTARES, INCLUSIVE, PRETÉRITAS – OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 732, CPC – NECESSIDADE – CONVERSÃO PARA O RITO PREVISTO NO ARTIGO 733, DE OFÍCIO – IMPOSSIBILIDADE – IMINÊNCIA DA EXPEDIÇÃO DE DECRETO PRISIONAL – VERIFICAÇÃO – ORDEM CONCEDIDA. I – A execução de sentença condenatória de prestação alimentícia, em princípio, rege-se pelo procedimento da execução por quantia certa, ressaltando-se, contudo, que, a considerar o relevo das prestações de natureza alimentar, que possuem nobres e urgentes desideratos, a lei adjetiva civil confere ao exeqüente a possibilidade de requerer a adoção de mecanismos que propiciam a célere satisfação do débito alimentar, seja pelo meio coercitivo da prisão civil do devedor, seja pelo desconto em folha de pagamento da importância devida; II – Não se concebe, contudo, que a exeqüente da verba alimentar, maior interessada na satisfação de seu crédito e que detém efetivamente legitimidade para propor os meios executivos que entenda conveniente, seja compelida a adotar procedimento mais gravoso para com o executado, do qual não se utilizou voluntariamente, muitas vezes para não arrefecer ainda mais os laços de afetividade, já comprometidos com a necessária intervenção do Poder Judiciário, ou por qualquer outra razão que assim repute relevante. III – Ordem concedida.” (STJ, HC 128229/SP, 3ª Turma, rel. Min. MASSAMI UYEDA, data do julgamento 23.04.2009)
Posição discordante da supracitada é aquela proposta por Alexandre Câmara e Pontes de Miranda, que sustentam a possibilidade de a prisão civil ser decretada de ofício, por se tratar de meio executivo propriamente dito.
Expedida a ordem de prisão, por meio de decisão interlocutória, a mesma terá eficácia imediata, devendo ser cumprida independentemente da interposição de agravo de instrumento pelo alimentante. Poderá, entretanto, o agravo receber efeito suspensivo por uma aplicação analógica do artigo 558 do Código de Processo Civil[32], de acordo com o entendimento de Nelson Nery Junior. Contra a decisão que decreta a prisão civil também caberá o habeas corpus, desde que se entenda a prisão como ilegal ou efetuada mediante abuso de poder, por força do preceito constitucional expresso no inciso LXVIII do artigo 5º.
2.4. EXPROPRIAÇÃO
A expropriação é a quarta e última técnica prevista para a execução de prestações alimentares. Consiste na penhora e alienação de bens do alimentante para a arrecadação do valor devido a título de obrigação alimentar.
Segue as regras previstas no Capítulo IV do Código de Processo Civil, sendo destacável que, de acordo com o parágrafo único do artigo 732[33], possibilita-se ao credor receber desde logo a prestação alimentar, independente de haver o alimentante oposto embargos contra a expropriação. Este levantamento prévio independe de caução ou qualquer outra garantia por parte do alimentando.
2.5. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL
A constituição de capital é técnica de execução exclusiva para alimentos indenizatórios e está prevista, expressamente, no artigo 475-Q do Código de Processo Civil[34].
Pode a constituição, de acordo com o §1º do supramencionado artigo[35] ser representada por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão. Tais bens permanecerão no domínio do alimentante, porém, tornar-se-ão impenhoráveis e inalienáveis para os demais credores.
A referida técnica pode ser substituída pela inclusão do beneficiário em folha de pagamento de entidade de direito público ou empresa de notória capacidade econômica, ou ainda, por fiança bancária ou garantia real, conforme expresso no referido artigo 475-Q, §2º. Destaca-se que Araken de Assis sustenta que a constituição de capitais não pode ser substituída por garantia pessoal, a exemplo da fiança.
É interessante, por fim, anotar que uma vez extinta a obrigação alimentar o juiz mandará, a requerimento ou ex officio, liberar o capital, isto é, fará cessar a inalienabilidade e impenhorabilidade do capital. É o que se depreende da leitura do §5º do artigo 475-Q.
3. ORDEM DE PREFERÊNCIA DAS TÉCNICAS DE EXECUÇÃO ALIMENTAR
Muito se discute em sede doutrinária acerca de existir, ou não, preferência ou gradação quando do emprego das técnicas especiais para a execução de créditos alimentares.
Luiz Guilherme Marinoni afirma, de acordo com orientação predominante, que o Código de Processo Civil não estabelece uma ordem entre as técnicas empregadas para a execução da prestação alimentar; todavia, não há que se esquecer das disposições previstas na Lei de Alimentos. Da leitura atenta dos artigos 16 a 18 da referida lei chega-se à conclusão de que existiria sim uma ordem de preferência para o uso das técnicas executivas em questão. A prioridade absoluta, ressalta Araken de Assis, seria a de utilização do desconto em folha, não sendo possível passar-se-ia ao desconto em renda e, somente no caso destas duas técnicas serem ineficazes, poderia o credor valer-se, de acordo com o seu arbítrio, da prisão civil ou da expropriação. Talamini complementa tal raciocínio expondo que tal gradação visa reservar os meios executivos mais graves para os casos em que as demais hipóteses de técnicas executivas são frustradas.
Marinoni destaca, porém, que a gradação acima mencionada não deve ser aplicada de maneira irracional. Isto porque não há como se fixar a gravidade dos meios executivos em linhas gerais. Os efeitos do emprego das técnicas executivas devem ser observados de acordo com cada caso concreto. O critério verdadeiramente idôneo para eleger a técnica apropriada é a observação da melhor satisfação do crédito e da menor restrição possível ao demandado.
Assim, observado que ambas as técnicas trazem igual satisfação para o alimentado, sem quaisquer prejuízos para o mesmo, não há porque se impor ao executado a medida mais onerosa. Nesse sentido, leciona o autor
“[…] o escalonamento da Lei de Alimentos passa a ser mero critério, fixado a priori, para a compatibilização das regras do meio idôneo e da menor restrição possível. […] tal critério, porque incapaz de apanhar as particularidades da situação litigiosa, certamente pode não prevalecer no caso concreto, quando o juiz deverá fundamentar a eleição do meio executivo a partir das particularidades do caso concreto […]”[36]
Convergente com o supracitado é a lição de Cássio Scarpinella ao esclarecer que não há na Lei de Alimentos uma gradação expressa dos meios executivos, e, mesmo que houvesse não se poderia esquecer que tal gradação não poderia sobrepor-se às necessidades do caso concreto. Por isto, caberá ao juiz de ofício ou a requerimento, diante do caso concreto, aplicar a técnica executiva que considerar mais adequada fundamento, sempre, a sua decisão. No mesmo sentido, tem-se a lição de Elpídio Donizete, que esclarece que “a execução expropriatória […] pode ser proposta desde o início, dependendo da urgência do credor” [37].
Acadêmica de Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo
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