“Não
me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas
dançarinas”
(Deputado Ettore Pirovano)
A infeliz e
inverídica frase que abre este ensaio traduz com fidelidade a estremecida
relação entre as embaixadas de Brasil e Itália, antes linear e amistosa, fruto
da negativa brasileira em extraditar um “refugiado da justiça italiana”,
condenado por 4 (quatro) homicídios em seu país na
década de 70 (setenta).
O Brasil justifica tal
negativa invocando a soberania nacional, mais precisamente, in casu, com fulcro no inciso X, artigo
4º da Carta Magna, cujo dispor prescreve a concessão de asilo político como um
dos princípios que regem o país em suas relações internacionais. A seu turno, a
Itália repudia a postura diplomática brasileira, considerando incabível a
concessão do asilo político face a natureza dos crimes
cometidos pelo refugiado.
Ao contemplar tais
argumentos, imprescindível as seguintes ponderações: (i) o referido cidadão
italiano enquadra-se, efetivamente, no conceito de refugiado? ; (ii) os crimes
por ele praticados, com trânsito em julgado, subsumem-se as prescrições
constantes na Carta Magna brasileira?
A
priori, antes de
adentrar ao mérito das questões acima suscitadas, convém consignar que a
condição de refugiado está prevista no artigo 6.A.II
da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, corolário do princípio da
concessão de asilo político, ora recepcionado e vertido em norma no Brasil por intermédio
da lei nº 9.474/97.
Segundo
esta, entende-se por refugiado todo
indivíduo que (a) devido a fundados
temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo
social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e
não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; (b) não tendo
nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual,
não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas
no inciso anterior; (c) devido a grave e
generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de
nacionalidade para buscar refúgio em outro país. (art. 1º, I a III)
Destarte,
o governo brasileiro sustenta a não extradição por entender que o integrante do
grupo dos proletários armados para o comunismo (organização de extrema esquerda
contrária ao governo da época e acusada de diversos atos terroristas na Itália)
é vítima de perseguição, em razão de suas opiniões políticas.
Data maxima venia, discordo frontalmente da premissa
acima estabelecida. Tendo em vista o trânsito em julgado e o caráter soberano
das decisões proferidas pela justiça italiana, não há que se falar em
perseguição por motivos políticos, já que se trata de decisum proferido por órgão jurisdicional legítimo e competente. Em
outras linhas, o caso em tela não retrata a “perseguição política” de um Estado
contra um indivíduo, mas de execução de uma ordem judicial emanada por
autoridade competente para tal.
A
proteção albergada pela lei nº 9.476/97 afigura-se deveras salutar a democracia
de um país, eis que assegura o direito de opiniões políticas contrárias a todo
e qualquer cidadão nele residente, contudo, o episódio em comento faz alusão a
atitudes que exacerbam a simples opinião política do indivíduo, eis que contempla
atitudes terroristas que culminaram em mortes, eventos já reconhecidos pelo
judiciário italiano.
De
tal sorte, a mera alegação de perseguição por opiniões políticas não é suficiente para atribuir a condição de refugiado, haja vista o processo judicial referir-se a fatos típicos e apenados conforme a legislação pátria, afastando, por óbvio, a pretensa condição de refugiado. Logo, afigura-se
uma impropriedade jurídica inominável analisar o caso sob a ótica da
perseguição por motivos de opiniões políticas e, consequentemente, reputar este
cidadão como sendo um refugiado político.
Não
bastasse a interpretação equivocada do artigo 1º, I, da lei nº 9.474/97, a
diplomacia brasileira parece desprezar o teor que embasa a decisão da justiça italiana,
bem como as disposições do artigo 3º, III do mesmo diploma legal e 4º, VIII, da
Carta Magna, cujo teor peço venia para transcrever, consecutivamente, in verbis:
“Art.
3º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que:
III – tenham cometido
crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo,
participado de atos terroristas
ou tráfico de drogas;
Art. 4º A
República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios:
VIII – repúdio ao
terrorismo e ao racismo;” (grifo
nosso).
Notem, a referida sentença condenatória, proferida pela justiça
italiana, reconhece a autoria e materialidade delitiva atinente a 4 (quatro) homicídios decorrentes de atos terroristas
praticados pelo acusado. Ora, uma vez reconhecida a
prática de atos terroristas, a concessão de refúgio pelo governo brasileiro cai
por terra ante a exclusão descrita no artigo 3º, III do diploma legal
supracitado e a notória contrariedade ao princípio de repúdio ao terrorismo
estatuído na Constituição brasileira de 1988.
Nem se alegue que a postura diplomática atende a soberania do
Estado brasileiro, isto porque, tal decisão, vai de encontro a
própria Constituição Federal, tornando deveras vazia e insubsistente a posição
adotada pelo governo brasileiro. Considerando, portanto, a soberana decisão
judicial que reconhece homicídios provenientes de atitudes terroristas e o
princípio constitucional do repúdio ao terrorismo, desaparece o direito de
concessão de refúgio implícito no artigo 4º, X, da Carta Magna.
Desta forma, reputa-se equivocada a interpretação do governo
brasileiro no tocante ao instituto do refúgio descrito na lei nº 9.474/97 e implícito na
Constituição da República Federativa do Brasil, razão pela qual deve a diplomacia
brasileira rever o caso e, enfim, autorizar a extradição do acusado, sob pena
de estremecer ainda mais as relações entre os países.
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