O direito Previdenciário, como todo direito social, caracteriza-se por ser um direito de conquistas, por esse motivo durante muitos e muitos anos os trabalhadores se virão desamparados pelo Estado e, ao esforço de muitas gerações a previdência ganhou a forma que tem hoje.
Nesse passo, conquistou-se o direito ao benefício especial, que surge como forma de compensação pelo trabalho exercido em condições que ponham em risco sua saúde ou integridade física.
A aposentadoria especial faz parte do rol de aposentadorias oferecidas aos trabalhadores. Em verdade, trata-se de uma aposentadoria por tempo de contribuição extraordinária que tem seu tempo de concessão reduzido em comparação à aposentadoria por tempo de contribuição comum.
É certo que em alguns ramos de atividades laborativas, o trabalhador sofre um desgaste muito maior que em outros, e ao consentir à probabilidade ou a certeza do dano à integridade da pessoa humana, devemos reconhecer que a aposentadoria Especial é um benefício que garante ao trabalhador uma contrapartida diferenciada para compensar os desgastes auferidos pelo segurado ao longo dos anos.
Tal beneficio decorre do trabalho realizado em condições especiais que prejudicam a saúde ou a integralidade física do trabalhador, que tem por objetivo compensar o segurado pela maior exposição a condições adversas a saúde encurtando assim o período trabalhado (15, 20 ou 25 anos de trabalho, dependendo do grau de exposição aos agentes agressivos).
Na Constituição Federal de 1988, vemos que a possibilidade da aposentadoria especial do servidor público constou da redação original da Constituição Federal de 1998, no primitivo art. 40, § 1º, sendo preservado tal direito nas sucessivas reformas ocorridas, seja pela EC nº. 20/1998 (quando passou a constar o § 4º, do art.40),ou seja pela EC nº. 47/2005 (que deu atual redação ao texto).
O art. 40, § 4º, atual, expõe a intenção de proporcionar ao servidor público à aposentadoria especial:
“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas sua autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observado critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
(…)
§ 4º è vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados
Para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
I – portadores de deficiência;
II – que exerçam atividades de risco;
III – cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”.
A norma constitucional impõe, portanto, regulamentação específica, por meio da qual se defina a inteireza do conteúdo normativo a viabilizar o exercício daquele direito insculpido no sistema fundamental.
José Afonso da Silva ao comentar os direitos sociais previdenciários do servidor público explica que:
“´Servidor Público` é uma categoria importante de trabalhador; importante porque a ele incumbem tarefas sempre de interesse público. É por meio dele que o Estado realiza todas as suas atribuições. A despeito disso, tem ele sofrido, nos últimos tempos, desprestígio e desvalorização. Como trabalhador, cabem-lhe todas as formas de direitos sociais previstos no art. 6º da (Constituição da República), em igualdade de condições que se reconhecem a todos os trabalhadores. Há porém, diferenças que se assinalam, especialmente no que tange aos seus direitos trabalhistas e previdenciários, que estão sujeitos a regimes jurídicos especiais. A relação de trabalho subordina-se a um regime estatutário, a que ele adere por via de concurso público. Desse estatuto é que decorrem, para ele, os direitos e deveres funcionais, embora se lhe estendam alguns dos direitos trabalhistas previstos para os trabalhadores em geral (art. 39, § 3º).
(…)
Em principio, é vedada a adoção de requisitos e critérios (para a aposentadoria) diferentes dos (abrangidos pelo art. 40 e §§, da Constituição da República), ressalvados, nos termos definidos em lei complementar, os caos de servidores portadores de deficiência ou que exercem atividades de risco e aqueles cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física(Emenda Constitucional n.47/2005). Lembre-se que o § 1º do art. 40 na redação original era especifico, permitindo a redução de tempo de serviço para fins de aposentadoria no caso de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas. O texto da Emenda Constitucional n.20/98 é mais aberto, mas é razoável pensar que a lei complementar vai incluir as atividades penosas, insalubres e perigosas, que são as mais suscetíveis de prejudicar a saúde e a integridade física. Por isso, manteremos aqui, a consideração que expendemos de outra feita a respeito desses termos. “Penosas” são atividades que exigem desmedido esforço para ser exercício e submetem o exercente a pressões físicas e morais intensas, e por tudo isso gera nele profundo desgaste. “insalubres” são atividades que submetem seu exercente a permanente risco de contrair moléstias profissionais. “perigosas”, quando o servidor, por suas atribuições fica sujeito, no seu exercício, a permanente situação de risco de vida – como certas atividades policiais. A lei complementar o dirá.”[1]
Como vemos, trata-se de uma norma constitucional de eficácia limitada, ou seja, “aquelas que apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade. Essa previsão condiciona o exercício nos termos e nos limites definidos em lei especifica”[2]. Essa regra condiciona o exercício do direito a aposentadoria especial do servidor público, uma vez que limita o direito a uma posterior edição de lei.
O Constituinte originário e derivado, ao prever a regulamentação posterior, tinha como intuito propiciar uma melhor elaboração legislativa por meio de Lei específica, conquanto não esperava que tal edição levaria mais de 20 anos.
Por sua vez a competência para legislar sobre a seguridade social dos servidores é concorrente, ou seja, cabe a cada ente federativo (União, Estados, Municípios e DF) dispensar tratamento administrativo e previdenciário ao seu servido. É o que prevê o art. 24 da Constituição Federal.
Como trabalhador que é, o Servidor Público Estatutário tem direitos sociais assegurados pela Constituição, em que pese o trabalho seguro (garantia constitucional contida nos artigos 7º, inciso XXII, e 39, § 3º), do que resulta percorrer o caminho mais curto para a concessão da aposentadoria especial.
Assim devido ao lapso temporal da ausência normativa dos entes federativos para regulamentar o direito à aposentadoria especial, que na pratica torna inviável o exercício constitucionalmente garantido pela via administrativa, o servidor público se viu obrigado a buscar no judiciário a satisfação do seu direito.
A possibilidade de se buscar em juízo a regulamentação da norma ou liberdade constitucional, fez com que os, os segurados regidos pelo regime próprio, começassem a impetrar Mandados de Injunção junto ao STF, pois a Corte Maior havia deixado de lado o entendimento de que o Mandado de Injunção limitar-se-ia a uma declaração da mora legislativa.
Esse posicionamento ficou superado com o julgamento dos Mandados de Injunção números 670-ES, 708-DF e 712-PA, nos quais se pretendia a garantia aos servidores público do exercício do direito de grave previsto no art. 37, inc. VII, da CF/1988. Nos julgamentos ressaltou-se a possibilidade de uma regulamentação provisória pelo próprio Judiciário.
Com esse entendimento em 30.8.2007, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou o Mandado de Injunção n.721, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, impetrado por servidora pública que pleiteava a integração da lacuna legislativa para o reconhecimento do direito à aposentadoria especial decorrente de trabalho realizado em condições insalubres a mais de 25 anos. Vejamos:
“(…)
É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo Tribunal quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e harmonia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do art. 5º da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra-se este mandado de injunção não para lograr-se simples certidão da omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes a nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da lei fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas conseqüências da inércia do legislador. Conclamo, por isso, o Supremo, na composição atual, a rever a óptica inicialmente formalizada, entendendo que mesmo assim, ficará aquém da atuação dos Tribunais do Trabalho, no que, nos dissídios coletivos, a eles a Carta reserva, até mesmo, a atuação legiferante, desde que, consoante prevê o § 2º do artigo 114 da Constituição federal, sejam respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho. Está-se diante de situação concreta em que o Diploma maior recepciona, mesmo assim de forma mitigada, em se tratando apenas do caso vertente, a separação dos Poderes que nos vem de Montesquieu. Tenha-se presente a frustração gerada pelo alcance emprestado pelo Supremo ao mandado de injunção. Embora sejam tantos os preceitos da Constituição de 1988, apesar de passados dezesseis anos ainda na dependência de regulamentação, mesmo assim não chegou à casa do milhar na interpretação dos mandados de injunção”.
“(…)
Havendo, portanto, sem qualquer dúvida, mora legislativa na regulamentação do preceito veiculado pelo artigo 40, § 4º, a questão que se é a seguinte: presta-se, esta Corte, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia?
Esta é a questão fundamental a considerarmos. Já não se trata de saber se o texto normativo de que cuida – Artigo 40, § 4º – é dotado de eficácia. Importa verificarmos é se o Supremo Tribunal Federal emite decisões ineficazes; decisões que se bastam em solicita ao Poder Legislativo que cumpra o seu dever, inutilmente. Se á admissível o entendimento segundo o qual, nas palavras do ministro Neri da Silveira, “ a Suprema Corte do Pais decide sem que seu julgado tenha eficácia”. Ou, alternativamente, se o Supremo Tribunal Federal deve emitir decisões que efetivamente surtam efeitos, no sentido de suprir aquela omissão.
(…)
A mora, no caso, é evidente. Trata-se, nitidamente, de mora incompatível com o previsto e proclamado pela Constituição do Brasil no seu artigo 40, § 4º.[3]
Salvo na hipótese de – como observei anteriormente, lembrando FERNANDO PESSOA – transformarmos a Constituição em papel “pintando com tinta” e aplicá-la em coisa em que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma, constitui dever-poder deste Tribunal a formação supletiva, no caso, da norma regulamentadora faltante.
O argumento de que a Corte estaria então a legislar – o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre poderes (art.2º da Constituição do Brasil) e a separação dos poderes (art. 60, § 4, III) – é insubsistente.
Pois é certo que este Tribunal exercerá, ao formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o artigo 40, § 4º, da Constituição, função normativa, porém não legislativa”.
Assim ficou caracterizado, pelo voto acima, o dever do Poder Judiciário em afastar a inércia Legislativa, de forma a viabilizar a imediata aplicação do direito no caso concreto, sob pena de termos uma Constituição ineficaz.
Hoje em dia, consolidado o entendimento do STF sobre a eficácia do Mandado de Injunção, as barreiras existentes com relação a aposentadoria especial foram quebradas, e o segurado que deseja se aposentar na categoria especial tem a opção pela via judicial.
Porém, com o crescimento exponencial de Mandados de Injunção sobre a matéria no Tribunal e no intuito de facilitar o acesso a aposentadoria especial do servidor público o Supremo Tribunal Federal editou a proposta de Sumula Vinculante de numero 45.
O STF considerou que não existem tentativas concretas do legislativo em suprir a omissão constitucional que foi reiteradamente reconhecida pela Corte Maior e lançou mão do Art. 103-A da CF[4] e do art. 2º da Lei 11.417/06[5], editando de ofício o enunciado da proposta de sumula vinculante numero 45, que tem como sugestão o seguinte texto:
“Enquanto inexistente a disciplina específica sobre a aposentadoria especial do servidor público, nos termos do artigo 40, § 4º da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional n. 47/05, impõe-se a adoção daquela própria aos trabalhadores em geral (art. 57, § 1º da Lei n. 8.213/91)”[6].
Uma vez aprovada a sumula e publicada na imprensa oficial, esta passará a ter efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Com isso o caminho da aposentadoria especial do servidor público seria encurtado.
O Supremo já se manifestou em diversas oportunidades quanto à possibilidade de aplicação do parágrafo 1º, do artigo 57, da Lei 8.213/91 para concessão de aposentadoria especial a servidores públicos. Isso porque há omissão de disciplina específica exigida pelo parágrafo 4º, do artigo 40, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 47/2005.
Para o STF enquanto perdurar a mora do Executivo e do Legislativo, aplicar-se-á as regras do RGPS, ou seja, serão aplicados por analogia os art. 57 e 58 da Lei 8.213/91 que dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social.
Vale destacar que nos termos da atual redação do artigo 57 da lei 8.213/91, é necessário a comprovação do tempo de serviço e da efetiva exposição aos agentes físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais(15, 20 ou 25 anos) para concessão do benefício especial, conforme explanado no capítulo que trata da Concessão da Aposentadoria Especial do Celetista.
Conclusão
A aposentadoria especial do servidor publico ainda desafiará os operadores do Direito por algum tempo até que a lei seja regulamentada. Essa mudança ainda exigirá um certo tempo para a adaptação da maquina pública.
Em face do que foi discutido e diante da dogmática apresentada podem ser formuladas algumas conclusões, que mister se faz para a compreensão do tema:
O Texto Magno acolhe a aposentadoria especial do servidor público estatutário e caberá ao operador do direito adaptar-se ao regramento constante atual, construindo um caminho capaz de materializar, com segurança, os direitos do segurado.
Ao combate da mora legislativa, muitas vezes, se encobre sob o falta de tempo e necessário se faz a remodelação doutrinária dos mais conservadores e a sedimentação da jurisprudência para que haja maior efetividade dos dispositivos constitucional e infraconstitucional que tratam da aposentadoria especial do servidor público estatutário.
A aposentadoria especial no âmbito estatutário é de natureza alimentar, que visa a integridade física do segurado sendo ele estatutário, aplicando-se os mesmos parâmetros utilizados para a aposentadoria especial do celetista em atenção aos princípios constitucionais.
A adoção desta tese traz reflexos orçamentários de difícil mensuração para os regimes próprios, na medida que não existe estudos atuariais sobre os impactos financeiros no orçamento exigidos em lei, cujo os reflexos serão maiores nos municípios menores.
De qualquer modo, ainda que se fale em déficit orçamentário, parece-nos que o judiciário não poderá ficar inerte, tanto com relação à aposentadoria especial do servidor, quanto os reflexos orçamentários provenientes dela.
A aposentadoria especial do servidor público é um tema ainda pendente de regulamentação por parte dos entes federativos o que inviabiliza o a concessão do benefício na esfera administrativa, mais nada impede o servidor/segurado ingresse com ação judicial para garantir seu direito.
Portanto, diante da expressa determinação legal, não cabe mais entrar no mérito sobre a pertinência da aposentadoria especial do servidor público estatutário. Melhor será exercitar e perseguir os meios mais adequados para a efetiva implementação dos desígnios do legislador, pois, o jurista não pode esperar por um Direito ideal. Ele deve trabalhar com o Direito existente, em busca de soluções melhores.
Advogado
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