Resumo – O presente trabalho tem por objeto evidenciar à problemática que cerca os Benefícios por Incapacidade da Previdência Social brasileira, dando especial atenção às prestações do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. A proteção social destacada é concedida para o cidadão acometido pela contingência social da incapacidade laborativa, sendo em razão disso privado do trabalho, meio mantenedor da dignidade de qualquer ser humano. Todavia, este tipo de proteção social é atualmente deficitário em razão de uma série de fatores, como falta de estrutura nas agências de previdência, a precariedade da perícia médica administrativa, a ineficiência do Sistema Único de Saúde – SUS no atendimento e tratamento daqueles que portam doenças incapacitantes, a total ineficácia, e até mesmo inexistência, do Serviço Social de Reabilitação Profissional, somados a outros fatores que a serão explanados. Neste ponto, será abordada a necessidade de Políticas Públicas pertinentes à solução da crise do setor previdenciário quanto ao atendimento àqueles beneficiários.
Palavras-chave – Benefícios por Incapacidade – Direitos Fundamentais Sociais – Regime Geral da Previdência Social
Resumen – El presente trabajo tiene por objeto evidenciar la problemática que involucra los Beneficios por Incapacidad de la Previdencia Social brasileña, dando especial atención a las prestaciones del Instituto Nacional de Seguridad Social – INSS. La protección social destacada se concede al ciudadano acometido por la contingencia social de la incapacidad laboral, siendo a causa de eso privado del trabajo, medio mantenedor de la dignidad de cualquier ser humano. Sin embargo, este tipo de protección social está actualmente deficitario en razón de una serie de factores, como falta de estructura en las agencias de previdencia, la precariedad de la pericia médica administrativa, la ineficiencia del Sistema Único de Salud – SUS en la atención y tratamiento de aquellos que portan enfermedades incapacitantes, la total ineficacia y hasta mismo inexistencia del Servicio Social de Rehabilitación Profesional, sumados a otros factores que se van a explanar. En este punto, se abordará la necesidad de Políticas Públicas pertinentes a la solución de la crisis del sector previdenciario en cuanto a la atención a aquellos beneficiarios.
Palabras-clave – Beneficios por Incapacidad – Derechos Fundamentales Sociales – Régimen General de la Previdencia Social
Sumário. Considerações Iniciais. 1. As transformações do Estado e os Fundamentos Históricos dos Direitos Fundamentais Sociais e Seguridade Social. 2. A Reversa do Possível e os Direitos Fundamentais Sociais: Norma Programática ou de Eficácia Plena 3. A adoção de Políticas Públicas nos Subsistemas da Seguridade Social a partir de Jürgen Habermas. 4. Os Benefícios por Incapacidade da Previdência Social e a Afronta aos Direitos Fundamentais Sociais dos Segurados. Considerações Finais. Referências.
Considerações Iniciais
Todo e qualquer sistema jurídico é determinado pelo tempo e o desenvolvimento de uma civilização, levando a crer que o direito deve absorver as novas realidades sociais surgidas com o passar dos anos.
Nesse viés, até se chegar a um Estado intervencionista, realizador, em tese, dos direitos sociais dos cidadãos, o caminho para tanto foi espinhoso, ou seja, o Estado Liberal teve sua formação a partir da virada do séc. XVIII, com o descontentamento da classe dominante em ter somente o poder econômico, buscando para si o poder político que era privilégio da aristocracia.
Tal fase, de acordo com Dalmo Dallari, interliga vários fatores que irão determinar o aparecimento das Constituições, como a influência do jusnaturalismo, ao defender a superioridade do indivíduo, cujos direitos naturais são inalienáveis, merecendo uma melhor proteção do Estado, sendo que tais características além de desenvolverem uma forte luta contra o absolutismo dos monarcas, ganha força para limitar o poder dos governantes, não se podendo esquecer da influência do iluminismo, cuja crença extrema na razão passaria a refletir em uma verdadeira racionalização do poder.[1]
Neste contexto, imperioso destacar que os direitos sociais são direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988, sendo oportuna a análise da estrutura e eficácia destes direitos para buscar soluções ao problema. Contudo, é necessário também o estudo da formação destes direitos a partir do Estado Moderno (liberal), marco histórico para a formação dos direitos do homem, e, posteriores transformações sociais responsáveis pelo surgimento do Estado Social (Providência).
A partir deste modelo de Estado, buscar-se-á discutir, a partir do atual Estado Democrático de Direito, as razões políticas, econômicas, sociais, jurídicas e filosóficas a justificar a ineficácia da realização dos direitos prestacionais por parte do Estado, não perdendo o foco da relação com as prestações previdenciárias, em especial, os Benefícios por Incapacidade e sua relação com os Direitos Fundamentais Sociais, objeto do presente estudo
1. As Transformações do Estado e os Fundamentos Históricos dos Direitos Fundamentais Sociais e a Seguridade Social
A influência do jusnaturalismo é marcante no Estado Liberal, na medida em que se busca atender os direitos naturais do homem, direitos estes que precedem ao próprio Estado, sendo que John Locke, neste aspecto, buscou formar a organização de uma sociedade política a partir da idéia do estado de natureza, representando o consentimento individual a concretização da unidade política do Estado, sendo esta representatividade democrática o marco formador do Estado Constitucional.
Importante mencionar que a obra de Rousseau é marco importante, neste ponto, pois, como refere Rogério Gesta Leal “demarca como um divisor de águas, a forma de se avaliar a organização social, tendo como referência precípua o homem”.[2]
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789 representa, neste contexto, um verdadeiro nascedouro do processo de positivação e universalização dos direitos humanos, com o sepultamento do antigo regime.
A referida declaração inscreve o princípio da Seguridade Social como direito subjetivo assegurado a todos: “Les secours publiques sont une dette sacrée”, [3] norteando base para a idéia de previdência social, pública, gerida pelo Estado, com participação de toda a sociedade.
Na verdade, a positivação dos direitos humanos a partir deste contexto é vocação natural, pois, como bem referiu Pedro Porto, agrega ao interesse deôntico que o capacita à coercibilidade estatal, fazendo surgir uma nova concepção de Estado, que não é o fim em si mesmo, mas um meio para alcançar os fins exigidos pela cidadania.[4]
Logo, a idéia de Estado de Direito está imbricada na prevalência da lei sobre a autoridade pública, assim como, para os próprios cidadãos, em nome da paz social regulada, sendo também interpretado para além de um simples instrumento de legitimação do poder, como refere Bolzan de Morais, já que responsável pelo processo de produção de normas jurídicas, para uma concepção de liberdades públicas e da própria democracia.[5]
Contudo, as novas realidades sociais passam a exigir uma nova concepção do Estado, impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos.
A realização da justiça social, pois, é o cerne da questão, sendo a nota distintiva dos direitos surgidos, quais sejam, econômicos, sociais e culturais, sua dimensão positiva em propiciar aos cidadãos a participação do bem-estar social, não se cuidando mais, portanto, como refere Ingo Sarlet, “de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado”.[6]
Ponto importante neste contexto histórico foi quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, período caracterizado por teorias econômicas aliadas a políticas estatais. Afigura-se o Estado Social, que na verdade é um Estado de Direito voltado à consecução da Justiça Social, ao passo que há uma intervenção do Estado na economia, influência das idéias do economista John Maynard Keynes, com o objetivo de uma redistribuição dos lucros sociais, propiciando uma igualdade social, sendo importante referir que, até então, os planos previdenciários (de seguro social), em regra, como lembra CASTRO e LAZZARI, obedeciam ao um sistema alemão bismarkiano, ou de capitalização, desenvolvido tão somente para a classe operária, faltando aí a idéia de solidariedade social[7], vislumbrando-se uma idéia tão somente securitária em situações de necessidade, segundo Odonel Urbano Gonçalves.[8]
Nesse contexto, o Estado do bem-estar social que buscou conciliar os ideais capitalistas com o atendimento aos anseios sociais decorrentes do próprio crescimento econômico, e conseqüente desenvolvimento da sociedade, não sendo mais aceitável a separação dos trabalhadores e os meios de produção, sendo, destarte, uma instituição política inventada para encobrir a necessidade de se manter as idéias capitalistas e a exploração da mão-de-obra e meios de produção.
Oportuno compreender, de forma rápida, principalmente pelo tema escolhido, que a partir do conceito de Estado de Bem-Estar Social nortearam-se, em todo o mundo, sistemas de previdência e influenciar os modelos atuais. A universalização do Seguro Social é fruto do Tratado de Versalhes de 1919, após a Primeira Grande Guerra (1914-1918) do qual resultou, como leciona CORREIA, “uma grande expansão do seguro social obrigatório em todo o mundo”[9], e tendo como grande incentivo a criação da atual OIT. Tem-se aí, a constitucionalização dos direitos sociais, mas foi somente com o Plano Beverige, que a pedido do governo inglês, em 1942, propôs um sistema universal de luta contra a pobreza a proteger todos os cidadão e não somente os trabalhadores, nascendo um sistema de repartição, em que toda a sociedade contribui para a criação de um fundo previdenciário, sendo então considerado grande inspirador da seguridade social como é concebida atualmente.
Todavia, o Estado Social é inspirado nos dogmas liberais e capitalistas, ao passo que se viu obrigado a uma imediata adaptação a crescente ameaça socialista do início do século, adotando o posicionamento de atender aos anseios sociais a emergirem, como a então, adoção, como visto, do Estado de bem-estar social. De fato, manteve-se o modo de produção capitalista, além de uma política fiscal severa, como dizem Marcos Orione Gonçalves Correia e Érica Paula Barcha Correia, ao passo que buscava-se agradar os trabalhadores com o atendimento cada vez maior dos anseios de uma inclusão social a partir de políticas de abrangência e atendimentos de todas as necessidades básicas.[10]
Surge então o Estado Democrático de Direito não está tão somente em uma revolução das estruturas sociais, segundo BOLZAN, mas, sim, pelo fato de emergir a idéia nova de asseguramento jurídico de condições mínimas ao cidadão.[11]
Assim, o Estado Democrático de Direito tem a característica de ultrapassar não somente o Estado Liberal, mas também o Estado Social de Direito, que como referido, estava ainda vinculado ao welfare state de ideologias neocapitalistas, impondo à ordem jurídica e à atividade estatal um conteúdo de transformação da realidade.
Importante referir que a seguridade social brasileira na Carta de 1988 é resultado da transição o Estado Liberal para o Estado Providência, ao passo que “a intervenção estatal, na composição da seguridade social, é obrigatória, por meio de ação direta ou controle, a qual deve atender a toda e qualquer demanda referente ao bem-estar da pessoa humana”.[12]
Portanto, o direito à Seguridade Social é direito fundamental e social de expressão máxima da ordem constitucional recepcionado em todo o sistema jurídico brasileiro, merecendo capítulo próprio na Carta Magna, cuja autoaplicabilidade é ponto característico, tendo por base de concreção as disposições do artigo 5º, parágrafo 1º, bem como sua condição de cláusula pétrea pelo disposto no art. 60, parágrafo 4º, pois são direitos a prestações (ações positivas do Estado).
No mesmo pensamento, José Antônio Savaris, leciona que o direito à previdência social é um direito humano fundamental, sendo que a proteção previdenciária corresponde a um direito intimamente ligado à dignidade da pessoa humana.[13]
2. A Reserva do Possível e os Direitos Fundamentais Sociais: Norma Programática ou de Eficácia Plena?
A primeira polêmica se instaura a partir do entendimento de serem os direitos sociais, normas programáticas na distinção clássica de José Afonso da Silva, sendo que o mesmo autor defende a vinculação destas normas ao Poder Público, com viés de eficácia imediata nos casos da existência de um dever do legislador ordinário, do condicionamento a legislação futura, sendo que a segunda se refere a não aplicação dos direitos sociais em razão da limitação de recursos orçamentários existentes a atender os direitos sociais, com o que se passou a denominar “reserva do possível”. Contudo, de acordo com Gesta Leal, “essa abertura não exclui, porém, a garantia de um mínimo social, que decorre, por sua vez, do princípio da dignidade da pessoa humana como valor constitucional supremo”.[14]
Já, Lobo Torres entende que a melhor solução está em estabelecer uma distinção mais clara entre o “mínimo existencial (ou direitos fundamentais sociais) e direitos sociais”, para que se delimite o real alcance da obrigatoriedade ou limites das prestações públicas, concluindo que os direitos econômicos e sociais têm a limitação da reserva do possível, ao passo que a proteção positiva do mínimo existencial não encontra tal limitação.[15]
Percebe-se que há uma necessidade de adequação entre o texto da norma, e aqui se entenda a norma jurídica formada (regras e princípios), e a situação concreta a que se aplica. Nessa idéia, como bem esclarece Humberto Ávila, “normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”.[16]
Inegavelmente, a construção da norma é relacionada com a aplicação material da constituição, e nisso incluem-se, o princípio democrático, políticas públicas, ordem econômica e social, entre outros fatores a vincular a adequada argumentação jurídica na solução do caso concreto.
Neste ponto, as razões de justificação e fundamentação são essenciais. Não se deve, pois, cair em um dos erros mais fundamentais do positivismo na ciência jurídica, como refere Friedrich Müller, “na compreensão e o tratamento da norma jurídica como algo que repousa em si e preexiste, é a separação da norma e dos fatos, do direito e da realidade”. [17]
Na mesma vertente está Eros Roberto Grau quando afirma que interpretar é dar concreção (=concretizar) ao direito, sendo a interpretação (=interpretação/aplicação) uma inserção do direito na realidade, sendo que opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular, ou em outros termos, opera a sua inserção na vida[18], ao contrário do pensamento por mais que superado da matriz liberal clássica de Montesquieau ao afirmar que “os juízes da nação são apenas, como já dissemos, a boca que pronuncia as palavras da lei: são seres inanimados que não podem moderar nem sua força, nem seu rigor”.[19]
Assim, a Constituição representa uma força normativa, visando a transformação da própria realidade, e como conseqüência, a realização dos direitos fundamentais. No dizer de Konrad Hesse:
“Em síntese, pode-se afirmar: a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser realizada se levar em conta essa realidade. A constituição jurídica não configura apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social.”[20]
No Brasil, indaga-se a legitimidade de quem dirá o que é ou não é possível, pois a exclusão social e desigualdade de renda é problema grave no país, não podendo, de forma alguma, ser comparada com a União Européia.
Seja de uma ou de outra forma, o Estado brasileiro, pela precariedade de Políticas Públicas adotadas no país que, de longe é a ideal, vive uma crise de identidade e funcionalidade, e até mesmo de soberania.
O fato é que a globalização implicou em um desajuste estrutural do Estado/Nação, ao passo que políticas públicas/governamentais são condicionadas a elementos externos, quais sejam, mercado internacional, Fundo Monetário Internacional, entre outros. Assim, diante da complexidade de relações sociais características da dita pós-modernidade, o Estado Democrático de Direito enfrenta problemas quanto à realização dos direitos.
3. A adoção de Políticas Públicas nos Subsistemas da Seguridade Social a partir de Jürgen Habermas.
Não se pode esquecer que o sistema de seguridade social brasileiro, como refere Leda de Oliveira Pinho, é um “sistema autopoiético” composto por vários susbsistemas que, no seu desenvolvimento falham em se comunicarem uns com os outros, tornando menos efetiva a concretização de políticas públicas a ele vinculadas.[21]
Nessa quadra, o direito fundamental social, em especial do direito fundamental à seguridade social, requer, em lição acertada de Bodnar, um dever do Estado no estabelecimento de uma rede de políticas públicas adequadas para conferir ao cidadão uma proteção aos riscos sociais.[22]
Este enfoque sistêmico é também referido pelo ilustre jurista Wagner Balera, visto que repercute em uma direta relação com o conceito jurídico de Seguridade Social, estampado no art. 194, da Carta Magna, assim como, de acordo com o referido mestre, “o sistema brota em todos e por todos os desdobramentos normativos dos planos de proteção social, que estruturam desse jeito os seus diferentes escalões”.[23]
Nessa quadra, reportando-nos, mais uma vez, à Balera, “para que as normas que estruturam a Ordem Social tenham vigência em nosso país, é necessário que elas contenham em si concretas propostas de realização do bem-estar e justiças sociais”.[24] (2004, p. 31)
Parte-se de Habermas com sua Teoria do Agir Comunicativo, no intuito de “interligar os subsistemas”, ao passo que o processo de cooperação dialética, coletiva e interdisciplinar, faz da democracia uma idéia de ação dos indivíduos, ou seja, “as orientações práticas só podem ser obtidas, em última instância, através de argumentações, isto é, através de formas de reflexão do próprio agir comunicativo”.[25]
Assim, como observa Habermas, citado por Appio, os atuais mecanismos de representação são ineficientes, sendo o atual sistema administrativo voltado a uma política que mais tenta contornar crises do que uma política de planejamento.[26]
Desta forma, tem-se uma “democracia procedimental” que visa à ampliação dos espaços democráticos acerca das decisões políticas, transcendendo os limites da tradicional representação popular, possibilitando o grau de abertura cognitiva do sistema como refere Gesta Leal[27], ampliando-se, mesmo que de forma sensível a observância de políticas públicas formuladas.
Tal questão, em termos pragmáticos em matéria previdenciária, será pertinente quando tratarmos dos sistemas de perícias médicas administrativas do INSS, da adoção da alta programada, do precário serviço social de reabilitação profissional e Sistema único de Saúde – SUS existentes, além de outros fatores a serem abordados.
Gesta Leal parte de um estudo de Habermas em um processo de constituição do que chama “Sociedade Democrática de Direito, enquanto espaço público fundado pela participação social”.[28] Segue o autor, em concordância com as idéias habermasianas de que “a delineação teórico-normativa da sociedade bem ordenada vem a ser situada no contexto de uma cultura política e de uma esfera pública existente”, ao passo que há que se buscar “factualmente o assentimento dos cidadãos dispostos ao entendimento, sob pena de não encontrarem seu fundamento de validade legítimo”.[29]
Assim, lembra o autor que “o direito não representa somente um componente importante do sistema de instituições sociais; ele é um sistema de saber e, ao mesmo tempo, um sistema de ação”.[30]
De fato, a participação na ordem democrática é o real exercício da cidadania, que da passividade de um Estado Liberal Direito passa a ter como característica, pelo viés procedimental, a concretização dos direitos fundamentais, materialmente, na Carta Maior. Claro que é importante referir que o processo de exigência por parte do cidadão na formulação de políticas públicas, é situação diversa da exigência de suas execuções. Como refere Appio, “a complexidade da sociedade brasileira contemporânea impõe que novas instâncias de comunicação social sejam engendradas a partir de necessidades locais e coletivas”.[31]
O agir comunicativo de Habermas entre os subsistemas da Seguridade Social representa o verdadeiro sentido de democracia participativa, ao passo que não basta, tão somente, uma ligação formal entre os mesmos. Nesse ponto, a deliberação, o consenso, a construção da vontade legitimadora da norma é razão que se funda o ideal democrático.
4. Os Benefícios por Incapacidade da Previdência Social e a Afronta aos Direitos Fundamentais Sociais dos Segurados
Dentro da problemática da qual se quer externar no presente artigo, pertinente neste momento proceder ao estudo, dos benefícios por incapacidade da previdência social e a afronta aos direitos fundamentais sociais dos segurados que a eles usufruem. Para tanto, imperioso referir por derradeiro dados relacionados à Ordem Social da Carta Maior. Nesse sentir, denota-se uma Constituição social, materializada no Título VIII da CF/88, que trata então da Ordem Social, que, nos termos do art. 193, tem como base a preeminência do trabalho e, como diretriz, o bem-estar e a justiça sociais, em harmonia com a ordem econômica, que se funda, também, nos termos do art. 170, caput, como referido alhures, na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, visando a dignidade do cidadão.
Nos termos do art. 6º. da CF/88, o cidadão apresenta-se como destinatário dos direitos sociais, compondo a Ordem Social, juntamente com o título de direitos fundamentais, na lição acertada de José Afonso da Silva, “núcleo substancial do regime democrático”.[32] A partir daí emerge a Seguridade Social, que nos termos do art 194, caput, da CF/88, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, destinando-se seus princípios orientadores e as formas de seu financiamento.
Nesse contexto da ordem social, destaca-se a Seguridade Social, que no dizer de Balera “em nosso sistema jurídico, a Justiça é o fim da Ordem Social, e a Seguridade Social é o modelo protetivo que se destina a institucionalizar seus preceitos”.[33] Nesse ponto, foi desenvolvida para fortalecer e estruturar o amparo ao cidadão em virtude do surgimento das mais variadas contingências ou riscos sociais.
Analisado isso, passemos ao problema relacionado à afronta dos direitos fundamentais sociais e o retrocesso social dos segurados da previdência social que podem, ou estão a usufruir àqueles benefícios.
Pertinente traçar a divisão existente dentro da seguridade e uma breve conceituação, antes de iniciarmos a problemática proposta:
“É a seguridade social, o instrumental de que dispõe o Estado, na ordem Social, para, mediante duas vias de acesso – a previdenciária (seguro social) e a assistencial (integrada pelos setores de saúde e de assistência) – e com a cooperação dos atores sociais, resolver a questão social”. (1999, p. 23).[34]
A problemática proposta ao debate refere-se a uma melhor ligação entre os subsistemas saúde e previdência. Esta, preceituada no art. 201, I, da Carta Magna, a cobrir contingências ou riscos sociais surgidos no cidadão, ora segurado e contribuinte da previdência social. Aquela, por sua vez, prevista no art. 196, da Lei Suprema, sendo direito de todos e dever do Estado, garantido pela adoção de políticas sociais e econômicas que visem a solução do risco doença e outros agravos.
Contudo, os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, ambos previstos pela Lei 8.213/91, estão “ligados pela precariedade dos dois subsistemas referidos”. Isto se justifica quando um segurado da previdência social, que acometido de uma doença temporária ou permanente, é submetido a um procedimento médico pericial abusivo. Tal fato é consubstanciado em perícias sumárias, com o mínimo padrão técnico, analisado por médicos peritos, salvo raríssimas exceções, despreparados e não especializados para as doenças que avaliam.
Aliado a isso, há no procedimento a denominada alta programada, meio encontrado pela Administração Pública Federal em aprimorar o procedimento em detrimento dos direitos individuais dos segurados. Tal procedimento determina prazo certo para encerramento do benefício do segurado, e ainda, deixa ao mesmo o ônus de verificar sua aptidão ao trabalho sem a adequada perícia para tanto.
Oportuno, neste momento, referir o processo administrativo previdenciário acerca dos benefícios por incapacidade laborativa. Este por sua vez, é administrado pelo Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade – SABI, criado pela Resolução INSS/DC nº 133, de 26.08.03. Assim, todos os dados pertinentes ao benefícios estão no referido sistema, inclusive os Laudos Pericias realizados pelos médicos-peritos do INSS.
Nesse viés, o segurado entra com o chamado Requerimento de Benefício por Incapacidade, que ao ser protocolado na agência mais próxima ao local em que reside, de imediato é agendada data para a realização da perícia médica para a confirmação da existência da incapacidade ao trabalho. Importante frisar, que em algumas Agências da Previdência Social no interior do país, chega-se a marcar perícia para o mesmo dia ou até 5 (cinco) dias do protocolo, ao contrário das grandes metrópoles, em que o agendamento de uma perícia pode levar até mais de um mês. Pois, bem, em dia e hora determinados, o segurado é avaliado por médico perito em tempo que não supera os 10 (dez) minutos, em sua maioria, ao ponto de já se registrarem perícias realizadas em menos de 3 (dez) minutos. Importante aqui referir que uma avaliação médico-pericial é complexa e segue uma rotina técnica essencial à verificação do diagnóstico.
Como refere Antônio Buono Neto e Elaine Arbex Buono, o exame-médico pericial “envolve uma série de ações que devem estar voltadas para fins de diagnóstico e prognóstico”, sendo “parte da medicina denominada semiologia” e que compreende as fases de anamnese (história clínica com interrogatório relativo ao objeto da perícia), exame físico (pesquisa de sinais e sintomas relativos à doença em questão), exames especializados (momento em que se analisa pareceres dos médicos assistentes) e exames complementares (instrumento laboratorial e de imagem de auxílio para o diagnóstico), sendo que para uma avaliação do estado mental do examinado deverão ser observados aspectos relacionados a atenção, orientação, consciência, memória, pensamento, linguagem[35].
Hermes Rodrigues de Alcântara, acrescenta, também nos casos psiquiátricos, pela análise minuciosa do contexto biográfico, achados somáticos e neurológicos[36], não se podendo esquecer, conforme lembra BUONO, de que o trabalho pericial não se limita somente em averiguar as condições de trabalho , mas também amplo conhecimento da Legislação no que tange aos Anexos das Normas Regulamentadoras[37], além da própria Lei de Benefícios.
Aliada a isso, por se estar diante da análise da capacidade ao trabalho, meio de subsistência do segurado, não se pode deixar de analisar o tipo de atividade ou profissão exercida e os riscos para si e para terceiros que a mesma atividade representa, a possibilidade de tratamento diverso do realizado e, por fim, a viabilidade de reabilitação profissional. Contudo, a realidade é totalmente diversa, como referido, o processo administrativo resta cercado de vícios em todos os seus atos.
Após a avaliação médico-pericial, é dado ao segurado uma Comunicação de Resultado de Decisão de perícia em que será, previamente, lhe dado prazo para encerramento de seu benefício, pela conhecida “alta-programada”. Antes de se adentrar nesta aberração aos direitos fundamentais sociais, pertinente explicar os tipos de conclusão médico-periciais existentes na autarquia, e como o processo é direcionado pelas normas estabelecidas pelo INSS. Nesse sentido, a conclusão do médico perito é dividida em tipos, quais sejam:
“- Conclusão Tipo 1: parecer contrário da perícia médica;”
“- Conclusão Tipo 2 (DCB: data da cessação do benefício): existência de incapacidade de duração previsível (data da provável cessação por doenças auto limitadas)”
“- Conclusão Tipo 4 (DCI: data da cessação da incapacidade): ocorrerá nos casos em que for verificada a existência de incapacidade atual que presumivelmente persistirá por um determinado prazo, ao final do qual o segurado deverá ser reexaminado. Importante referir que é usual lançar a referida conclusão para sugestão de aposentadoria, ao passo que será informado no Sistema de Informação de Benefícios – SISBEN, no Histórico de Perícias Médicas o limite 888888.”
HORVATH JÚNIOR cai em equívoco ao afirmar a existência de uma conclusão pericial do “Tipo 3”, como sendo pelo mesmo denominada de “data de comprovação da incapacidade (DCI)”[38], ao passo que tal conclusão era feita para parecer contrário a gravidez fisiológica.
Esclarecidos os tipos de decisões administrativas periciais, passa-se à dinâmica que cerca do procedimento. Logo, após a data de encerramento do benefício determinada pelo médico perito, persistindo a incapacidade laboral do segurado, é ônus deste, caso constate que ainda está incapaz, protocolar Pedido de Prorrogação de benefício (P.P.) até 15 (quinze) dias antes da data da cessação do benefício. Tal pedido nada mais é do que meio a realizar nova perícia a cargo do segurado. Realizada a nova perícia, e esta conclui pela inexistência da incapacidade laboral, pode o segurado protocolar o Pedido de Reconsideração (P.R.) de perícia no prazo de 30(trinta) dias contados, como lembra HORVATH JÚNIOR, do dia seguinte data da ciência da conclusão contrária, nos casos de perícia inicial, ou do dia seguinte a data de cessação do benefício, ressalvada a existência de pedido de prorrogação não atendido ou negado, hipótese em que o prazo será contado da ciência da decisão pericial desfavorável.[39]
Oportuno acrescentar que caso o segurado tenha seu pedido de reconsideração negado somente poderá realizar nova perícia mediante novo requerimento administrativo a contar de 30 (trinta) dias da perícia desfavorável, uma verdadeira afronta ao princípio do devido processo legal.
Quanto à criação da alta programada (Conclusão Tipo 2 – DCB) pelo Decreto n. 5.844/2006, pertinente alguns esclarecimentos. Nesse viés, ao instituir, previamente, um prazo para cessação dos benefícios, o INSS justifica-se aduzindo que essa sistemática beneficia o segurado, na medida em que diminui as filas dos exames e das perícias médicas, além de permitir que o mesmo escolha realizar ou não nova perícia.
No entanto, denota-se que a adoção dessa medida implicou em grandes prejuízos para os segurados, especialmente, àqueles que estão impossibilitados de exercer as suas atividades laborativas, devido às doenças que os acometem, colocando-os em risco de retornar ao seu trabalho precipitadamente. Está se falando da afronta direta ao princípio constitucional do devido processo legal, resultado da inversão do ônus da prova da reaquisição da capacidade laborativa pelo trabalhador, antes da incumbência da perícia médica do INSS, e agora, absurdamente, a cargo do próprio trabalhador. Imperioso referir que o trabalhador virtualmente não terá, por si só, conhecimentos médicos especializados para auto-periciar-se, e nem, tampouco, teria recursos para pagar serviços médicos que pudessem realizar semelhante perícia.
Além do mais, a alta programada acarreta a cessação do benefício (DCB), assim como os pagamentos de natureza alimentar do segurado. Nessa senda, caso tenha perícia negada, o mesmo não terá tempo hábil para produção da prova, já que, em sua maioria, os segurados da previdência social dependem do atendimento médico gerido pelo Sistema Único de Saúde, repleto de deficiências.
Não há, pois, estrutura e tempo hábil à produção e formação da prova pericial, levando a muitos cidadãos ter por encerrado seus benefícios, de natureza alimentar a garantir o mínimo existencial, em afronta ao devido processo legal e ao contraditório, além de afronta aos Direitos Fundamentais Sociais.
Assim, dependendo de cada cidade, para se conseguir atendimento e realização de exames com médicos da rede pública torna-se um verdadeiro suplício. Existem limites de médicos, sendo colocadas ao cidadão senhas para consultas para os mais variados especialistas.
Dessa forma, pessoas passam madrugadas em filas para conseguir um dito número para poder então agendar sua consulta, ao passo que se depender de algum exame, terá que rezar para não ter que esperar mais de um ano. Como aceitar um processo administrativo previdenciário para a análise de doenças incapacitantes tendo em vista tal problemática!?
O fato é que, como refere Ibrahim, “o segurado, muitas vezes assintomático, considera-se apto novamente para o trabalho, mas ainda não está verdadeiramente habilitado, trazendo conseqüências funestas em relação ao retorno indevido[40], ou como refere Rocha, “ainda que dois segurados sejam vitimados pela mesma moléstia e tenham a mesma faixa etária, o tempo de recuperação poderá oscilar sensivelmente”.[41]
Nessa quadra, cancelar o benefício de auxílio-doença, deferido face ao reconhecimento de incapacitação para o trabalho por perícia médica do INSS, e, após, considerar que o segurado estará apto para o trabalho em determinado prazo, sem, contudo, efetuar qualquer avaliação médica é procedimento que se revela atentatório ao princípio da segurança jurídica, que é da essência do Estado Democrático de Direito. O núcleo deste princípio, revelado como o aspecto positivo da confiança do cidadão, conforme leciona de forma invulgar Giovani Bigolin, está situado no valor de se “cumprir uma promessa”, ou de “executar o comando exarado pela autoridade”, ou até mesmo, “de se levar a efeito até o fim o que restou expressamente anunciado”. Existe, assim, um valor jurídico que obriga a conservar todos os atos capazes de produzir efeitos juridicamente protegidos, ou seja, que possam cumprir sua finalidade sem infringir o ordenamento jurídico e que há um dever correlato para todos os sujeitos jurídicos de respeitar esse valor em sua atuação.[42]
O cidadão, portanto, deve poder confiar nos serviços públicos de maneira geral e acreditar que estes observam regras que seguirão uma política bem estabelecida, e que não será concebida de outra forma. Assim sendo, é imperioso e necessário que o INSS cumpra seu papel (ônus) institucional de realizar a perícia médica para avaliar a recuperação da capacidade laborativa do segurado para, só então, cessar o pagamento do benefício, conforme disposições normativas de regência.
Além do mais, está a se falar dos princípios do devido processo legal e do contraditório, ou melhor dizendo, do processo como procedimento em contraditório, como lembra Mitidiero, reportando-se a Fazzalari, em que o processo se desenvolve em contraditório em uma estrutura dialética, visando uma participação concreta e efetiva.[43]
Nesse viés, o processo administrativo previdenciário, no que tange aos benefícios por incapacidade, cuja matéria envolvida é diretamente relacionada aos direitos sociais, deve valorar o adequado acesso a prova e procedimento em contraditório.
Nas palavras de Pellegrini Grinover, “na relação entre contraditório e prova, aquele emerge como verdadeira condição de eficácia desta”.[44]
Portanto, a alta programada afronta os direitos fundamentais sociais dos segurados da previdência social, ao passo que os obriga a terem conhecimentos médicos que não possuem, podendo, então, terem seus benefícios extintos, e conseguintemente, os pagamentos cancelados afetando o mínimo existencial, colaborando para o retrocesso social.
Assim, parte-se da idéia de uma melhor estruturação da análise médico pericial quanto ao desenvolvimento da prova. Torna-se necessário o aumento do número de peritos especialistas nas mais diversas áreas da medicina, cabendo a estes atender os casos afins a sua área de especialização.
Além disso, precisa-se criar um sistema de vinculação de informações existentes no Sistema Único de Saúde no que concerne ao histórico clínico de cada segurado, a ser observado pelo médico autárquico. Deve-se, pois, ampliar o acesso a realização de exames e atendimento com médicos especialistas, também no SUS. Somado a isso, deve-se, também, vincular a atuação dos médicos assistentes, particulares, aos pareceres médicos emitidos, no sentido de comparecem, de forma obrigatória, a perícias médicas administrativas ou até mesmo judiciais, no intuito de evitar as fraudes.
Nesse ponto, sabe-se que alguns médicos peritos buscam realizar da melhor forma os trabalhos, apesar da precariedade do sistema e, ainda, tendo que lidar com os “falsos incapazes”. Não se pode negar que os maus exemplos existem. Contudo, se tais casos acontecem é pela incompetência da Administração Pública Federal em reestruturar os atos e procedimentos atinentes a este tipo de benefício.
Nessa quadra, pertinente que o Conselho Federal de Medicina regulamente a matéria acerca da vinculação do médico assistente, seja do SUS ou contratado pelo segurado a atos administrativos relacionados a sua produção, para evitar que a emissão de atestados vire um comércio ilegal à custas do orçamento público, e meio ilegal de enriquecimento ilícito dos fraudadores. Tal idéia irá coibir, também, rotina arbitrária de alguns médicos peritos em fazer descaso das provas apresentadas, e avaliar adequadamente a doença existente no segurado, evitando, também, a constante imposição desprovida de qualquer técnica de negar benefício pela exigência de procedimento cirúrgico, em casos ortopédicos, por exemplo.
Nesse contexto, lembra Marcelo Leonardo Tavares de que “não poderá o beneficiário ser obrigado a submeter-se à intervenção cirúrgica e à transfusão de sangue”.[45] Chega-se ao absurdo de segurados realizarem procedimento cirúrgico no receio de perderem seus benefícios, algo extremamente grave e atentatório aos direitos humanos e fundamentais. Em razão disso, as mudanças sugeridas implicam na análise criteriosa dos casos que indicam intervenção cirúrgica.
Ao encontro do que se está a referir, Flores da Cunha defende a criação de uma estrutura com funcionamento no organograma do Ministério da Previdência Social com a missão de efetuar análise apurada de todos os instrumentos regulamentares das perícias médicas, a formulação de um Código de Ética Médica dos Peritos Médicos da Previdência Social, assim como um plano estratégico de formação, qualificação e atualização do corpo de peritos médicos, e ainda, a elaboração de formas de apuração, controle e correção das perícias previdenciárias.[46]
Outro aspecto a ser enfrentado é o fato de que benefícios de auxílio-doença são mantidos de forma prolongada, mantendo em benefício segurados que já deveriam estar aposentados, assim como também, àqueles que já poderiam retornar ao mercado de trabalho.
A questão se torna muito delicada quando o benefício é cancelado, indevidamente, a cidadão de longa data afastado do mercado de trabalho, e dentro da fruição do benefício não teve qualquer serviço social de reabilitação profissional. Está a se falar de uma incapacidade permanente, mas uniprofissional ou multiprofissional, por exemplo.
Adentra-se no Serviço Social de Reabilitação Profissional expresso no art. 89 e ss., da Lei 8.213/91. Tal serviço social está relacionado àqueles que de alguma forma perderam ou tiveram reduzida a sua capacidade para o trabalho, ou seja, a reabilitação tem o condão de nas palavras de Valença, “restituir a capacidade perdida por uma pessoa”.[47]
Nessa senda, o serviço social de reabilitação profissional, deve buscar a finalidade de otimizar a capacidade do trabalho com a qualificação profissional dos segurados, além de evitar o desemprego em massa dos inválidos. Bilhalva lembra muito bem o fato de que “não parece correto afirmar pura e simplesmente que a reabilitação profissional se destina à cobertura do risco da incapacidade, e não do risco do desemprego”.[48]
De fato, a precariedade na administração dos Benefícios por Incapacidade e a total ausência de uma ligação com o Sistema Único de Saúde resta evidente.
Verifica-se a necessidade de uma participação efetiva da sociedade para que ocorram mudanças urgentes. Com bem refere GESTA LEAL:
“(…) com Habermas, penso que o processo de atribuição de sentido às próprias necessidades deve ser levado a cabo mediante os termos de uma linguagem pública cooperativamente veiculada em debates que valorem equilibradamente e com razões de justificação e fundamentação controláveis o maior número possível de pretensões de validade e correção possíveis (os direitos humanos e fundamentais de toda a sociedade, por exemplo).”[49]
Portanto, imprescindível o debate público acerca do assunto, em que servidores das agências de previdência social, médicos peritos, procuradores federais, Ministério Público Federal e Estadual, sindicatos, representantes do Conselho de Medicina, advogados, segurados e representantes das Secretarias de Saúde e do SUS, entre outros, devem buscar soluções, sob pena de continuar a se manter o “autismo” entre os subsistemas da previdência e saúde.
Considerações Finais
Ao longo de anos o homem conquistou direitos inerentes à sua dignidade no mundo em que vive. Tais direitos nada mais são, pois, do que o reflexo destas conquistas. Evolui a sociedade, evolui a norma. A relação entre a norma e a realidade é fato que não pode mais ser separado.
O ativismo judicial não se afigura mais como ameaça à liberdade do indivíduo, mas ao contrário, a construção da norma jurídica permite vivenciar “dignamente” a liberdade. O cidadão neste ponto não se afigura mais na passividade de concepções liberais clássicas, em que tal posição era conveniente a poucos. A realidade é outra, a cidadania representa um agir social, em que uma maior participação na formação da política estatal, assim como, na execução de políticas públicas represente a verdadeira democracia.
O estudo buscou trazer a tona o descumprimento dos direitos fundamentais sociais dos segurados da Previdência Social no que tange aos benefícios por incapacidade.
Percebe-se que a total falta de estrutura e não comunicação entre a saúde e previdência é algo alarmante, cuja conseqüência principal é a afronta a dignidade da pessoa humana. Proteção social para os incapazes ou, absurdamente “encostados” como chamam alguns, deve ser efetivada. O caminho é longo, mas o debate se instaura para a busca de soluções, mas para isso, a sociedade civil deve mobilizar-se.
O que se prega não é utopia, mas sim, a materialização dos valores constitucionais e a invocação da democracia procedimental. Sempre é bom lembrar que a evolução é a essência da existência do próprio homem, o que pareceu absurdo e inatingível no passado, é hoje base formadora de sua dignidade.
Pós-graduada em Direito Processual Civil e Constitucional pela Universidade de Passo Fundo. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul/UNISC. Integrante do grupo de pesquisa: “O Novo Desafio da Cidadania: A Construção de um Conceito de Cidadão Integrante de uma Sociedade Multicultural e Democrática”. Coordenadora do Grupo de Pesquisa: “Direitos Humanos e Cidadania”, em nível de graduação, na extensão da UNISC de Sobradinho
Pós-graduado em Direito Processual Civil e Constitucional pela Faculdade Meridional/IMED de Passo Fundo. Pós-graduando em Direito Previdenciário pela Universidade de Passo Fundo/UPF. Aluno Especial da Cadeira de Jurisdição Constitucional do Mestrado em Constitucionalismo Contemporâneo da Universidade de Santa Cruz do Sul/UNISC. Advogado.
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