Direitos fundamentais sociais constitucionalização, aplicabilidade e judicialização nas relações de trabalho

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Resumo: A Constituição Federal de 1988 deu aos direitos sociais dos trabalhadores o status de fundamentais sem no entanto receberem a devida regulamentação e complementação. Assim os trabalhadores não podem esperar a atividade legislativa para usufruírem dos seus direitos garantidos constitucionalmente que tem eficácia imediata razão pela qual discutiremos como se dá essa incidência direta nas relações de trabalho entre particulares e em último caso a intervenção da atividade judicial que garanta a concretização social dos direitos fundamentais do trabalhador.
Palavras-chave: Direitos sociais; constitucionalização; aplicabilidade; judicialização; relações de trabalho.

Sumário: Introdução; 1. Surgimento dos direitos fundamentais sociais; 2.Definição dos direitos fundamentais sociais; 3. Constitucionalização dos direitos fundamentais sociais do trabalhador; 4. A aplicabilidade direta dos direitos fundamentais sociais nas relações de trabalho; 5.O papel dos Poderes Legislativo Executivo e Judiciário na efetividade social dos direitos fundamentais sociais nas relações de trabalho; 5.1. Vinculação dos Poderes Legislativo e Executivo aos direitos fundamentais sociais do trabalhador; 5.2. Concretização dos direitos fundamentais sociais do trabalhador pelo Poder Judiciário; Considerações finais

Introdução

O trabalho tem como objetivo analisar a concretização dos direitos fundamentais sociais dos trabalhadores no contexto da relação privada de trabalho. Inicialmente, trataremos de analisar a matriz história desses direitos para entender o porquê da importância da sua efetividade, uma vez que foram pautados sempre em grandes lutas sociais.

A seguir, analisaremos o processo de introdução dessas normas no nosso ordenamento constitucional, sobretudo aqueles inclusos com a Constituição Federal de 1988, que deu aos direitos sociais dos trabalhadores o status de fundamentais. Porém, grande parte dos direitos previstos no art. 7º da CRFB/88 não receberam a devida regulamentação e complementação.

Entretanto, os trabalhadores não podem esperar a atividade legislativa para usufruírem dos seus direitos garantidos constitucionalmente, que tem eficácia imediata, razão pela qual discutiremos como se dá essa incidência direta nas relações de trabalho entre particulares e, em último caso, a intervenção da atividade judicial que garanta a concretização social dos direitos fundamentais sociais do trabalhador.

1. Surgimento dos direitos fundamentais sociais

O movimento Iluminista trouxe à tona a discussão sobre os direitos inerentes à condição humana e, com  a Revolução Francesa, foi-se formando um Estado Constitucional de Direito fundado na limitação do exercício de poder pelo Estado. Com a adoção da teoria da separação dos poderes de Montesquieu, iniciou-se uma era de reconhecimento de direitos fundamentais em face do Estado Liberal. A noção de sociedade passa a fundar-se no relacionamento de indivíduos livres e iguais, com autonomia para a livre iniciativa baseada exclusivamente em suas vontades e interesses, com o pensamento de que, assim, todos teriam oportunidade de livre competição, ascenção social e aquisição de bens materiais.

Assim, para a teoria liberal, a esfera das relações sociais particulares deveria ser totalmente desvinculada da esfera política, podendo proprietários e trabalhadores dispor dos seus direitos e realizar negócios jurídicos como melhor lhes conviesse, sendo o papel do Estado apenas o de total abstinência de iniciativa social, devendo apenas assegurar que, aos particulares, fosse estabelecido o irrestrito espaço de autodeterminação.

O advento da Revolução Americana de 1776 e da Revolução Francesa de 1789 deram mais força à constitucionalização dos chamados direitos civis e políticos ou direitos fundamentais de primeira dimensão.

Entretanto, essa ideia de igualdade formal do Estado liberal, cujos princípios filosóficos partiram da revolta social burguesa, constituiu, de fato, princípios constitutivos da ideologia da classe, gerando uma profunda contradição. A concepção de Estado mínimo, não intervencionista e garantidor apenas da propriedade e liberdade do indivíduo contribuiu para um extenso desnível social entre a classe burguesa e as classes menos favorecidas, que teve seu auge com a Revolução Industrial, no século XVIII, que só intensificou o fosse existente entre os operários e os empresários.

A partir desses problemas econômicos, sociais e políticos compreendidos com o presente modelo de Estado, surgiu a necessidade de se implementar outro grupo de direitos que fosse capaz de assegurar ao indivíduo o mínimo essencial à vida digna. A organização da classe operária, a intensificação das lutas sociais com o estabelecimento de organizações civis, decorrente da Revolução Industrial, e com o objetivo de romper com os ditames liberais e de mercado vigentes, culminaram do reconhecimento dos chamados direitos econômicos e sociais.

A percepção liberalista do indivíduo como ser livre e autônomo foi substituída por uma concepção de ser social e a ideia de igualdade formal substituída pela igualdade material, inclusive com o reconhecimento daquelas organizações, sobretudo de trabalhadores, com o objetivo de lutar por esses direitos. Assim, no início do século XX, sob a égide de movimentos socialistas, as Constituições do México, de 1917, Soviética, de 1918, e de Weimar, na Alemanha, em 1919, foram as primeiras a implementar os direitos sociais, primeiras Constituições contendo direitos sociais, as quais analisaremos mais detidamente no Capítulo 3 –  Constitucionalização dos direitos sociais.

Essa crise do Estado liberal, pautada na ampliação das desigualdades sociais, culminou então na criação de novos direitos do cidadão, compreendidos como aqueles de segunda dimensão, tais como saúde, educação, seguridade social, dentre outros, e põem em relevo a unidimensionalização dos direitos do homem egoísta com a necessidade de completar os tradicionais direitos do cidadão burguês pelos direitos do homem total, o que só seria possível numa nova sociedade. Dessa forma, a radicação da ideia da necessidade de garantir o homem no plano econômico, social e cultural, de forma a alcançar um fundamento existencial-material, humanamente digno, passou a fazer parte do patrimônio da humanidade (CANOTILHO, 2003, p. 385) e integrar fundamentalmente a grande maioria das Constituições contemporâneas.

Então, com o desvencilhamento do controle político e econômico exercido pela burguesia, inicia-se a concepção de Estado Social, aquele Estado de todas as classes, o Estado fator de conciliação, o Estado mitigador de conflitos sociais e pacificador necessário entre o trabalho e o capital (GRAU, 2001, p. 15), deixando a posição de ente ausente para interventor e mediador das relações jurídicas particulares.

2. Definição dos direitos fundamentais sociais

Com a crise social despendida do modelo liberalista, emergiu-se o modelo de Estado Social de Direito, marcado, principalmente, pela exigência da presença do Estado e o surgimento dos direitos fundamentais sociais ou direitos a prestações.

Os direitos a prestações buscam obter do Estado as condições jurídicas e materiais imprescindíveis ao exercício concreto de tais liberdades, que pode referir-se a uma prestação jurídica ou a uma prestação material, caso o objeto da pretensão seja uma atuação normativa do Estado ou uma utilidade ação concreta a ser proporcionada pelo ente estatal.

A segunda dimensão dos direitos fundamentais, ou o status positivus/civitatis, como proposto por Jellinek, requer ao Estado uma ação positiva, que este forneça aos indivíduos condições mínimas de vida com dignidade, como forma de diminuir as desigualdades sociais.

Robert Alexy entende que os direitos fundamentais sociais também abrangem direitos à proteção por parte do Estado, que este os proteja de intervenções de terceiros e somente a subjetivação dos deveres de proteção faz justiça ao sentido original e permanente dos direitos fundamentais como direitos individuais. Ao contrário do que ocorre com os direitos sociais, ou direitos a prestações em sentido estrito, os direitos a proteção inserem-se inteiramente na compreensão liberal tradicional dos direitos fundamentais (ALEXY, 2008, p. 470 ).

Robert Alexy ainda divide os direitos a prestações em direitos a organização e procedimento e direitos a prestações em sentido estrito. Segundo o autor, a despeito de a Constituição alemã conter direitos fundamentais diretamente relacionados a procedimentos – os direitos fundamentais ligados ao acesso à justiça e a despeito da ampla utilização do princípio do Estado de Direito para fundamentar exigências de criação e de configuração de procedimentos, o denominador comum na jurisprudência é atribuir direitos a procedimentos aos direitos fundamentais materiais. Em relação aos direitos a prestações em sentido estrito são direitos do indivíduo, em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de meios financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no mercado, poderia também obter de particulares (ALEXY, p. 2008, p. 499).

Há três principais argumentos em relação aos direitos fundamentais sociais: a igualdade, a liberdade e a solidariedade. A busca pela igualdade entre os membros da sociedade parece ser o principal deles. A igualdade que prevalecia no período liberalista era a formal, atribuindo para todos os cidadãos igualdade de condições em todos os aspectos da vida civil, o que, como vimos, teve como consequência os mais diversos problemas sociais. No novo Estado de Direito, a igualdade que se busca é a igualdade material, que leva em consideração as particularidades do indivíduo, atribuindo aos indivíduos, em situações semelhantes, as mesmas condições e aos indivíduos em situações distintas, diferentes condições, prerrogativas e privilégios.

Por sua vez, a liberdade jurídica, isto é, a permissão jurídica de se fazer ou deixar de fazer algo, não tem valor sem uma liberdade real, isto é, a possibilidade fática de escolher entre as alternativas permitidas. Além disso, sob as condições da moderna sociedade industrial, a liberdade fática atribuída a um grande número de titulares de direitos fundamentais não encontra seu substrato material em um espaço vital por eles controlado, mas depende sobretudo de atividades estatais (ALEXY, 2008, p. 503).

O princípio da solidariedade tem íntima relação com a igualdade e constitui o fecho de abóbada de todo o sistema de direitos humanos (COMPARATO, 2007, p. 337). Isto é, o fundamento dos direitos fundamentais, sobretudo os sociais, é garantir condições mínimas à uma vida digna a todos os cidadãos, mas, principalmente, àqueles que encontram-se em uma posição de desvantagem em relação aos outros e, por isso, necessitam de uma proteção maior do sistema legal, inclusive dos demais particulares envolvidos em uma determinada relação jurídica.

Os direitos e liberdades fundamentais, inclusive os sociais, tem uma dupla natureza: não garantem apenas direitos subjetivos, mas também direitos objetivos básicos para a ordem constitucional democrática do Estado de Direito. Assim, a interpretação formal, por muito tempo dominante, dá espaço a uma noção material dos direitos fundamentais, que compreende sua dimensão jurídico-objetiva (QUEIROZ, 2006, pp. 14-15).

Com isso, os direitos fundamentais passam a ser fundamento funcional da democracia, deixando de ser vistos, primordialmente, como reservas contrapostas ao ente estatal, mas sendo compreendidos e aplicados com uma finalidade unificadora.

3. Constitucionalização dos direitos fundamentais sociais do trabalhador

Como vimos, o Direito do Trabalho teve sua origem com a sociedade industrial na Revolução do século XVIII, sendo a maioria dos direitos fundamentais sociais efetivamente conquistada durante o século XX.

A Constituição da Alemanha de 1919 (Constituição de Weimar)  e a Constituição do México de 1917 foram as primeiras a incluir os direitos sociais em seu bojo. Esta trouxe, principalmente, disposições referentes ao trabalho e à previdência social, tais como salário mínimo, jornada máxima de trabalho, indenização por acidentes de trabalho, repouso semanal, doenças profissionais, greve, sindicalização e indenização por despedida sem justa causa.

A Constituição de Weimar preocupou-se com regime de previdência para doenças, maternidade e invalidez; institucionalizou os Conselhos de Empresas para defesa dos interesses sociais dos trabalhadores, regulamentou salários, entre outros direitos, tornando-se um verdadeiro modelo para outras Constituições posteriores. Após, a Lei Fundamental da Alemanha de 1949 trouxe o direito de associação em busca da melhoria das condições de trabalho e direito à liberdade de profissão junto aos capítulo dos Direitos Fundamentais e, tal como preconiza o item 3 do artigo 1º, constituem direitos diretamente aplicáveis e vinculam os poderes legislativo, executivo e judiciário.

A Constituição da França de 1958 não enumerou no seu texto um rol de direitos fundamentais, tão somente afirmou em seu preâmbulo o acatamento do povo francês à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que foi confirmada pelo preâmbulo da Constituição de 1946, da da IVª República Francesa. Esta sim trazia diversos direitos sociais, no capítulo Princípios políticos, econômicos e sociais particularmente necessários ao nosso tempo, tais como o direito ao trabalho e ao emprego, o direito de greve, participação do trabalhador em decisões coletivas sobre as condições de trabalho, proteção à saúde, à segurança material, ao repouso e ao lazer.

A Constituição da Itália de 1947 trouxe os direitos sociais no capítulo de Direitos e Deveres dos Cidadãos, no grupo das relações econômicas e incluiu o direito ao trabalho, o direito do trabalhador a uma remuneração proporcional à quantidade e à qualidade de seu trabalho, que fosse suficiente para assegurar a ele e à família uma existência livre e digna, a duração máxima da jornada de trabalho, o direito ao repouso semanal, o direito às férias anuais remuneradas, os direitos da mulher trabalhadora, a proteção do trabalho de menores, o direito à assistência social do cidadão incapacitado para o trabalho e os direitos dos trabalhadores nos casos de acidentes, doenças, invalidez, velhice e desemprego involuntário, o direito dos incapazes e dos menores à formação profissional, a liberdade da organização sindical, o direito de greve, entre outros.

A Constituição da Espanha de 1978 também deu especial destaque aos direitos sociais do trabalhador. Esses direitos foram inseridos no título Direitos e Deveres Fundamentais e incluem o direito de sindicalização, de negociação coletiva e de greve, o direito ao trabalho com remuneração suficiente para satisfazer as necessidades do trabalhador e de sua família, além de estabelecer aos poderes públicos a realização de uma política de pleno emprego, com formação e readaptação profissionais e proteção aos direitos dos trabalhadores, além da previdência social para os cidadãos. O Estado também  deve realizar uma política de prevenção, tratamento, reabilitação e integração dos deficientes físicos, sensoriais, e psíquicos, entre outros.

A Constituição da República Portuguesa de 1976 expôs os direitos sociais dos trabalhadores nos títulos Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores, Direitos e Deveres Econômicos, Direitos e Deveres Sociais e nos Direitos e Deveres Culturais. Naquele primeiro título, acrescentados pela Lei Constitucional nº 1 de 1982, está a proibição às despedidas sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, a criação de comissões de trabalhadores para defesa de seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa, a liberdade sindical dos trabalhadores e de formação das associações sindicais, com direito de negociação e greve. Nos Direitos e Deveres Econômicos, foi estabelecido o dever do Estado de assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso.

No Brasil, a Constituição Federal de 1934 introduziu os direitos sociais no nosso ordenamento jurídico, no título da Ordem Econômica e Social tais como o salário mínimo, a jornada diária não superior a oito horas, o repouso semanal, as férias anuais remuneradas, a indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa, a assistência médica ao trabalhador e à gestante.

A Constituição Federal de 1946 acrescentou o direito à participação nos lucros da empresa, enquanto a de 1967 substituiu a expressão “preceitos da legislação do trabalho” por “direitos assegurados aos trabalhadores”, dando maior ênfase a esses direitos.

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, colocou os direitos sociais no título Direitos e Garantias Fundamentais, e introduziu novas garantias ao trabalhador, tais como  auto-organização sindical e autonomia de administração dos sindicatos, incentivo à negociação coletiva, ampliação do direito de greve, redução da jornada de trabalho de quarenta e oito para quarenta e quatro horas, generalização do regime do FGTS, eliminando-se a estabilidade decenal, aumento em um terço da remuneração das férias, ampliação da licença-maternidade para cento e vinte dias, criação da licença-paternidade de cinco dias, estabilidade das empregadas gestantes, dos dirigentes sindicais e dos dirigentes da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA).

Além disso, no título Ordem Social são trazidas outras regras relativas à seguridade social, saúde, previdência social, lazer, maternidade e infância

4. A aplicabilidade direta dos direitos fundamentais sociais nas relações de trabalho

Uma vez estabelecidas algumas considerações gerais acerca da definição e do processo histórico dos direitos fundamentais sociais, adentraremos no mérito da eficácia horizontal ou entre particulares desses direitos, notadamente na relação de trabalho.

Segundo Noberto Bobbio, o problema fundamental em relação aos direitos do homem não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los, o que não é um problema filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. O mais importante, então, seria investigar qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados (BOBBIO, 2004, p. 45).

Os direitos fundamentais foram criados como uma forma de vincular, primordialmente, o Estado, limitando seu poder para evitar ingerências excessivas da vida particular dos indivíduos. Entretanto, foi-se verificando que as desigualdades entre as partes não se limitam às relações entre o Estado e o particular, mas também afetam as relações privadas, especialmente se um dos particulares detém um poder social ou econômico superior ao outro. Então, na Alemanha (Drittwirkung), e posteriormente no Brasil, passou a se admitir a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas.

Embora seja alegado o direito da autonomia privada para afastar a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas, entendemos que só pode existir efetivamente autonomia privada quando o agente desfrutar de mínimas condições materiais de liberdade. Porém, isso não acontece em grande parte dos casos de aplicação desses direitos nas relações entre particulares, nas quais a manifesta desigualdade entre as partes obsta, de fato, o exercício da autonomia, e as relações de trabalho são, quase em sua totalidade, de caráter profundamente assimétrico e excludente (URIARTE, p. 222).

Confirmada a possibilidade de aplicação dos direitos fundamentais sociais às relações trabalhistas, passaremos a analisar agora a forma de vinculação dos particulares a esses direitos.

O art. 5º, §1º, da CRFB de 1988, dispõe que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”.

Embora o dispositivo aludido não mencione qualquer exceção à norma, alguns doutrinadores negam a aplicação imediata da totalidade dos direitos fundamentais, já que se reservaria apenas àquelas normas completas, que prescindem de qualquer atividade legislativa. Segundo a teoria da eficácia mediata ou indireta (mittelbare Drittwirkung), formulada por Günther Dürig, a eficácia direta dos direitos fundamentais perante terceiros geraria um incremento do poder estatal sobre a autonomia privada, desvirtuando o Direito Privado. Para os adeptos dessa teoria, os direitos fundamentais não podem ser aplicados às relações particulares sem os chamados mecanismos de intermediação e suavização, que seriam, principalmente, a atividade legislativa e, em segundo plano, a atividade judicial.

Os direitos fundamentais seriam, então, meros instrumentos de interpretação das normas de Direito Privado e de controle do âmbito de extensão da autonomia privada, se reduzindo tão somente à conciliação desses valores com a liberdade geral e a liberdade negocial, representando um verdadeiro retrocesso aos mecanismos de proteção aos direitos do homem (ANDRADE, 1998, p. 289) e, por isso, partilhamos do entendimento de eficácia imediata ou direta dos direitos fundamentais nas relações particulares (unmittelbare Drittwirkung).

José Afonso da Silva, ao tratar do problema da eficácia jurídica dos direitos fundamentais sociais, subdivide as normas naquelas de eficácia plena, eficácia contida e eficácia limitada (SILVA, 2004, p. 85). Entretanto, as normas constitucionais são, sem exceção, dotadas de eficácia jurídica, variando apenas sua carga eficacial, de acordo com o grau de normatividade que lhe tenha sido outorgado pela Constituição. Uma interpretação que negue a eficácia das normas de direitos fundamentais desprestigia o princípios da máxima efetividade da Constituição (CUNHA JUNIOR, 2011, p. 627).

Para Ana Paula de Barcellos, o primeiro critério que orienta a identificação da eficácia jurídica aos enunciados normativos diz respeito à chamada fundamentalidade social da circunstância por ele regulada, que é seu grau de importância ou relevância social e esse é o parâmetro lógico que orienta a política legislativa de modo geral. Quanto mais fundamental para a sociedade for a matéria disciplinada pelo dispositivo e, consequentemente, os efeitos que ele pretende sejam produzidos, mais consistente deverá ser a modalidade de eficácia jurídica associada (BARCELLOS, 2008, p. 126). E os direitos fundamentais sociais do trabalhador tem, inegavelmente, um alto grau de fundamentalidade social.

A interpretação constitucional do caráter de abertura e pluralismo da Constituição de 1988, que culminou na redação do art. 5º, §1º, reflete a intenção do legislador em perquirir, no sistema normativo, até a exaustão, todas as potencialidades dos comandos normativo-constitucionais, independente de qualquer intervenção legislativa, confirmando a aplicação imediata de todos os direitos fundamentais (CUNHA JUNIOR, 2011, p. 642). A cláusula da aplicação imediata supracitada tem, portanto,  uma extraordinária importância prática, como decorrência do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.

Como consequência da vontade constitucional de se estabelecer ampla proteção aos direitos fundamentais sociais, estes não devem carecer de qualquer transformação para serem aplicados no âmbito das relações jurídico-privadas, assumindo diretamente o significado de vedações de ingerências no tráfico jurídico-privado e a função desses direitos oponíveis a outros particulares, acarretando a proibição a qualquer limitação aos direitos fundamentais contratualmente avençadas, ou, em último caso, gerando direito subjetivo à indenização no caso de uma ofensa oriunda de particulares (SARLET, 2004, p. 251).

Como meio de mitigar essa dicotomia entre eficácia mediata e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, Ingo Wolfgang Sarlet sustenta que das normas definidoras de direitos fundamentais decorrem os chamados deveres de proteção. Esses seriam imposições ao Estado para que protegessem os particulares contra agressões aos bens jurídicos fundamentais assegurados constitucionalmente. Para alguns autores, a melhor forma de resolver o problema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais seria colocar o Estado como destinatário precípuo desses direitos, e que seria este o responsável por obrigar o particular a obedecê-los. Entretanto, na nossa opinião, a limitação à eficácia dos direitos fundamentais com essa intervenção estatal continua representando óbice à efetividade desses direitos (SARLET, 2004, p. 362).

Dessa forma, insistindo na vinculação direta dos particulares aos direitos fundamentais sociais, o mesmo autor nos traz a teoria dos “poderes privados” e se refere às relações entre particulares caracterizadas por um inequívoco e relevante grau de desigualdade, logo, dotada de expressivo poder social. Segundo a teoria, nesses casos, estaríamos, na verdade, diante de uma relação similar à travada entre o Estado e o indivíduo e, em razão do desequilíbrio do poder social e econômico na relação privada, se teria uma verdadeira vinculação direta com eficácia do tipo vertical, e não realmente horizontal, como já foi dito (SARLET, 2004, p. 368).

Independente de ser chamada eficácia horizontal ou vertical, os direitos fundamentais sociais do trabalhador, definitivamente, necessitam de uma séria proteção no âmbito das relações privadas de trabalho, principais destinatárias das referidas normas, dada manifesta desvantagem do trabalhador em relação ao empregador, detentor, por excelência, de um maior poder social e econômico.

O principal fundamento dos direitos fundamentais, aí incluídos os direitos sociais do trabalhador, já vem de antes da relação de trabalho, com os direitos fundamentais inerentes a sua condição de pessoa. O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser utilizado para justificar as várias formas de eficácia jurídica e sua extensão, inclusive reconhecer a algumas normas a eficácia positiva ou simétrica, que busca identificar simetria entre o conteúdo da eficácia jurídica e os efeitos pretendidos pela norma, garantindo à pessoa humana, pelo menos, o mínimo existencial (BARCELLOS, 2008, p.229). Ainda assim, apenas os direitos individuais, de não intervenção, não são suficientes para o alcance da dignidade da pessoa humana, se não lhe forem garantidos direitos positivos, tais como o direito ao trabalho e as demais garantias a ele inerentes, que, sem dúvidas, fazem parte do conteúdo essencial do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Além disso, a CRFB de 1988 também compreende  o valor social do trabalho como fundamento da República, em seu artigo 1º, IV, e da livre iniciativa, consagrando a importância da efetividade dessas garantias no nosso Estado democrático de direito.

Outro importante fundamento constitucional que contribui para a aplicabilidade direta dos direitos fundamentais sociais às relações trabalhistas é a consagração da função social da propriedade, nos termos do art. 5º, XXIII, da CRFB/88. O nosso ordenamento jurídico garante, por um lado, a propriedade privada e a pluralidade de direitos de propriedade e, por outro, que a função social dos bens delimitará o conteúdo essencial do direito.

Em termos gerais, a liberdade de empresa se define, do ponto de vista trabalhista, na liberdade de entrar no mercado, na liberdade de organizar e desenvolver os recursos produtivos e na liberdade de abandonar total ou parcialmente o mercado. Sobre a primeira, a liberdade de entrar no mercado, se concretiza com a possibilidade de adotar livremente a decisão de iniciar atividades empresariais, decidindo o que se vai produzir, como vai e quanto vai e, portanto, a quantidade de trabalhadores que vai se precisar e quem vai ser contratado.

A liberdade de empresa pode sofrer restrições derivadas da proteção de outros direitos constitucionais, mas essa limitação não pode chegar a anular aspectos substanciais da liberdade nem pode infligir à mesma danos que resultem desproporcionais aos objetivos sociais perseguidos. Dessa forma, se impõe à empresa uma função eminentemente social, não se restringindo apenas à busca pelo lucro, mas de promover o desenvolvimento social de acordo com os ditames estabelecidos na Constituição.

Sobre a noção de efetividade dos direitos constitucionais, Luís Roberto Barroso, a distingue do conceito de vigência da norma, citando Kelsen, como o fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos. Dessa forma, a efetividade significa a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social e representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais, simbolizando a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social (BARROSO, 2002, p. 236).

Dessa forma, o problema da eficácia dos direitos sociais fundamentais do trabalhador não pode apenas se limitar ao estudo das normas positivadas, mas sim observando a totalidade das questões que tais direitos envolvem, principalmente sociais, políticas e econômicas.

Um dos problemas relativos aos direitos fundamentais sociais é o aprofundamento das políticas específicas para tutela, pois, apesar de a Constituição Federal prever uma série de direitos trabalhistas, no art. 7º e fora dele, alguns ainda permanecem pendentes de regulamentação e, por isso, não alcançam a devida e esperada efetividade social. No nosso modelo constitucional, aceitam-se normais constitucionais que definem direitos fundamentais com a fixação de programas, finalidades e tarefas a serem implementadas pelos poderes públicos e que reclamam mediação legislativa. Mas isso não autoriza afirmar que não são dotadas de aplicação imediata, já que podem ser complementadas pelos órgãos do Judiciário no exercício de sua atividade de garantia e efetivação dos direitos fundamentais.

5. O papel dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário na efetividade social dos direitos fundamentais sociais nas relações de trabalho

A chamada dimensão jurídico-objetiva dos direitos fundamentais significa que esses direitos constituem valores que o Estado não deve apenas respeitar, mas buscar a promoção e proteção com a adoção de uma postura ativa. Dessa forma, ainda que não sejam os destinatários precípuos das normas, como no caso da incidência dos direitos sociais nas relações de trabalho privadas, o Estado deve atuar como um verdadeiro guardião dos direitos fundamentais e, por meio dos seus três Poderes, buscar a efetividade social que se espera desses direitos.

Segundo Dirley da Cunha Jr., o direito fundamental à efetivação da Constituição apresenta uma dupla dimensão. De acordo com a dimensão subjetiva investe, o direito fundamental investe o cidadão da posição jurídica subjetiva de exigir, inclusive judicialmente, o desfrute imediato desses direitos, independente de intervenção legislativa e de exigir a emanação de normas ou atos materiais para a concretização constitucional. A dimensão objetiva, por sua vez, irradia uma eficácia dirigente, impondo ao Estado o dever jurídico de concretizar e realizar todas as normas constitucionais, incumbindo a todos os órgãos e entidades estatais o dever-poder de efetivá-las.

5.1. Vinculação dos Poderes Legislativo e Executivo aos direitos fundamentais sociais do trabalhador

Como já dito anteriormente, as chamadas normas programáticas são encaradas de forma bastante ampla e genérica e, ainda que se entenda que possuem o mesmo caráter das demais normas e são dotadas eficácia jurídica, portanto aptas de desencadear efeitos nas relações jurídicas, essas normas traduzem expressamente um dever ao Legislativo de concretizá-las para realizar os fins, programas e ordens estipulados por elas.

Mesmo que passíveis de direta aplicação, independentemente da intervenção legislativa, entendemos que o papel do Poder Legislativo é essencial ao princípio da efetividade da Constituição, por isso, no deslinde da sua atividade, deve observar algumas orientações e limitações.

As normas programáticas de direitos fundamentais sociais contém imposições que vinculam o legislador, não apenas obrigando a concretizar os programas, tarefas, fins e ordens, mas também que o legislador, ao cumprir seu desiderato, não pode afastar-se dos parâmetros pré-estabelecidos nas normas definidoras dos direitos fundamentais (SARLET, 2004, p. 290). Embora a liberdade do legislador possa ser maior, no caso das normas programáticas de maior grau de abstração, a atividade deve sempre se pautar nas finalidades ali estabelecidas, e nunca em sentido contrário.

O princípio da proteção, por sua vez, determina que, no exercício da atividade legislativa que imponha regras, institutos, princípios e presunções próprias do direito do trabalho, o legislador deve buscar a proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia, visando retificar ou atenuar, no plano fático-jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano somente fático do contrato de trabalho. Os fundamentos desse princípio são a debilidade econômica do trabalhador em face do empregador e o desequilíbrio causado pela debilidade jurídica do empregado (MEIRELES, 2009, p. 75). Dessa forma, a primeira orientação/limitação ao legislador no exercício da concretização das normas fundamentais sociais programáticas é a implementação de normas que busquem sempre proteger o empregado, não só como trabalhador, mas também como pessoa humana, intervindo sempre no sentido de harmonização das relações de trabalho.

O princípio do não retrocesso foi expressamente consagrado no caput do art. 7º da CRFB/88, ao estabelecer que são assegurados aos trabalhadores outros direitos que visem à melhoria de sua condição social.

O que o legislador constitucional quis estabelecer no rol do art. 7º foi uma série mínima e fundamental de direitos sociais trabalhistas, dando espaço para a concessão de outros direitos, desde que visem à melhoria de sua condição social. Por isso, não se pode admitir que a norma constitucional derivada ou norma infraconstitucional que tenta a não gerar uma melhoria na condição de trabalho, o que seria inconstitucional.

Segundo Ingo Wolfang Sarlet (2004, p. 265), a garantia de intangibilidade desse núcleo ou conteúdo essencial de matérias asseguram a identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que fundamentam o regime democrático, notadamente o princípio da dignidade da pessoa humana, e resguarda também a Carta Constitucional dos casuísmos da política e do absolutismo das maiorias parlamentares. O reconhecimento da proibição ao retrocesso, então, impede a frustração da efetividade constitucional, já que, ao revogar o ato que deu concretude a uma norma programática ou tornar inviável o exercício de um direito, o legislador estaria acarretando um retorno à situação de omissão inconstitucional anterior.

O Poder Executivo também está vinculado aos direitos fundamentais sociais, de acordo com o princípio da máxima eficácia e efetividade dessas normas, devendo observar no exercício das suas atividades administrativas a interpretação, aplicação e concretização dos direitos dos trabalhadores, já que, mesmo como normas programáticas, possuem eficácia jurídica para vincular os particulares e os poderes estatais.

5.2.2. Concretização direitos fundamentais sociais do trabalhador pelo Poder Judiciário

Como já dissemos, o reconhecimento constitucional dos direitos fundamentais sociais impõe uma eficácia jurídica imediata a esses direitos, que passam a integrar o sistema de proteção do trabalhador e a incidir diretamente nas relações trabalhistas. No entanto, as normas fundamentais de baixa densidade normativa, não conseguem atingir a eficácia social que esperamos delas e, por isso, deve o Poder Judiciário intervir nas relações de trabalho em prol da efetividade dos direitos fundamentais sociais do trabalhador. Com essa ideia de concretização máxima das normas constitucionais, o dever de efetivação que antes era dirigido apenas ao legislador, à sua oportunidade e conveniência, também se dirige ao Poder Judiciário.

Paulo Bonavides destaca que o Poder Judiciário não tem apenas a função de interpretar os dos direitos fundamentais mas, sobretudo, concretizá-los, tendo o juiz constitucional a incumbência de proteger os direitos fundamentais e sendo a concretização tarefa essencial, sob a égide de uma nova hermenêutica, de caráter material, baseada no valor da dignidade da pessoa humana (BONAVIDES, 1998, p. 518).

Entretanto, a atuação do Poder Judiciário é por muitos questionada, criticando-se uma chamada judicialização da política e até mesmo a quebra do princípio da separação dos poderes. No entanto, esse processo, no contexto brasileiro, é uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado da vontade política.

É importante destacar que a concretização dos direitos fundamentais pelo Poder Judiciário não tem como intenção usurpar as funções que são próprias do Poder Legislativo, ou do Poder Executivo, mas que, em face do princípio da supremacia da Constituição, a garantia prevista deve ser prontamente exequível e imediatamente aplicável, por isso, o Judiciário pode produzir o direito.

Além disso, a atividade de concretização pelos magistrados trata-se de verdadeiro poder-dever, uma vez que lesão ou ameaça a direito não podem ser excluídos da apreciação do Poder Judiciário, nos termos do art. 5º, XXXV, da CRFB/88. E, sem dúvidas, os direitos fundamentais, ainda que programáticos e de alta abstração, são direitos e, por isso, não pode o Poder Judiciário negar-lhe tutela, quando requerida, sob o fundamento de ser um direito não exigível ou invocar a não-imperatividade ou ausência de caráter jurídico da norma que o confere.

Andreas J. Krell considera, inclusive, os juízes como corresponsáveis pelas políticas dos outros poderes estatais, tendo que orientar a sua atuação para possibilitar a realização de projetos de mudança social. Segundo o autor, exige-se um Judiciário intervencionista que realmente ousa controlar a falta de qualidade das prestações dos serviços básicos e exigir implementação de políticas sociais eficientes (KRELL, 2002, p. 72). Dessa forma, onde os Poderes Legislativo e Executivo falham ou são omissos, cabe ao Poder Judiciário uma postura ativa na realização desses fins sociais e regras orçamentárias, reserva do possível ou ausência de recursos não podem justificar a falta de concretização dos direitos fundamentais sociais.

O próprio art. 8º da CLT privilegia a atividade criativa do magistrado:

“Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”

Em relação ao processo de concretização dos direitos fundamentais sociais em si, precisamos ter em mente que, nas relações privadas, os particulares destinatários das garantias também possuem o direito fundamental da autonomia privada constitucionalmente protegido. Sendo assim, diante de um caso concreto conflituoso envolvendo os direitos fundamentais sociais e o princípio da autonomia privada, a análise tópico-sistemática se dará de forma semelhante às hipóteses de colisão entre princípios, com a busca de uma solução calcada na ponderação dos valores.

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa das regras. Se dois princípios colidem, um deles terá que ceder, o que não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. O que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a precedência pode ser resolvida de forma oposta. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios ocorrem na dimensão do peso: os princípios tem pesos diferentes e os princípios com maior peso tem precedência (ALEXY, 1998, p. 72).

Um importante fator que deve-se considerar na ponderação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é o grau de desigualdade fática entre os envolvidos. E a relação de trabalho é, por excelência, uma relação privada com um alto nível de desigualdade e, por isso, o direito fundamental social do trabalhador demandará uma maior proteção que o direito fundamental à autonomia privada, mas somente prima facie, dada a natureza desses direitos.

Considerações finais

O art. 5º, §1º, da CRFB de 1988 impôs a aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais e em momento algum restringiu sua aplicação apenas em face do Estado. A vontade constitucional em se conceder ampla proteção aos direitos fundamentais sociais não pode condicionar a sua efetividade à atividade legislativa, sobretudo numa relação de eminente desequilíbrio, como o é a relação trabalhista.

Embora a regulamentação pela atividade legislativa infraconstitucional seja a opção mais segura juridicamente, não podemos deixar os direitos fundamentais do trabalhador, que constituem o mínimo exigível à sua dignidade, à mercê da discricionariedade do legislador, razão pela qual entendemos que esses direitos devem incidir diretamente nas relações de trabalho particulares, cabendo ao Poder Judiciário a determinar os termos que essa incidência se dará, mas sempre privilegiando a efetividade das normas constitucionais e a concretização social das normas fundamentais sociais.

 

Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
ANDRADE, José Carlos Vieira. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 2ª Ed. Coimbra: Almedina, 1998.
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 6. ed. São Paulo: Renovar, 2002.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª Ed. Coimbra: Almedina, 2003.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. Juspodivm: Salvador, 2011.
ERMIDA URIARTE, Oscar. A flexibilização no Direito do Trabalho. A experiência Latino-Americana. In: Tribunal Superior do Trabalho (Org). Flexibilização no Direito do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: IOB Thompson.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
KRELL, Andreas. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha – Os (Des)Caminhos de um Direito Constitucional “Comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.
MEIRELES, Ana Cristina Costa; MEIRELES, Edilton. A intangibilidade dos direitos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2009.
QUEIROZ, Cristina. Direitos fundamentais sociais: Funções, âmbito, conteúdo, questões interpretativas e problemas de justiciabilidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

Informações Sobre o Autor

Laíse Nunes Mariz Leça

Advogada. Mestrado em Direito das Relações Sociais na Contemporaneidade pela Universidade Federal da Bahia – UFBA em curso. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia de Pernambuco – ESA/PE. Pós-graduação em Direito do Trabalho pela Universidade Cndido Mendes – UCAM


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