Resumo: O presente artigo tem por escopo retratar como o Direito Tributário concebe a capacidade passiva nas relações jurídico-tributárias travadas entre os entes políticos e os contribuintes ou responsáveis pelo pagamento do tributo decorrente da obrigação tributária, sendo este entendido como receita derivada cuja arrecadação mostra-se de suma importância para a promoção dos programas governamentais do Estado. Para tanto, demonstraremos a inviabilidade de aplicação do conceito civilista de capacidade, bem como a necessária consonância interpretativa que deve haver entre a capacidade tributária passiva e os princípios tributários da isonomia e do non olet consagrados no ordenamento.
Palavras-chave: Capacidade Tributária Passiva. Requisitos. Jurisprudência.
Abstract: This article is scope to portray as the Tax Law conceives passive capacity in legal and tax relations fought between the political entities and taxpayers or responsible for the tax payment due to the tax obligation , understood as deriving revenue, the collection shows up of paramount importance for the promotion of state government programs. To this end , we will demonstrate the impossibility of applying the civil law concept of capacity as well as the necessary interpretative line that should exist between the passive tax capacity and tax principles of equality and non olet enshrined in order.
Keywords: Passive Tax capacity. Requirements . Jurisprudence.
Sumário: Introdução. 1. Conceito. 2. Sujeitos da Relação Tributária. 3. Previsão Normativa. 4. Requisitos. Conclusão. Referências.
Introdução:
O tema capacidade tributária passiva é de suma importância na medida em que permitirá ao poder público estabelecer de forma clara como e quando se dará a sujeição do sujeito passivo à obrigação tributária deflagrada com a ocorrência do fato gerador, principalmente se levarmos em consideração a distinção havida entre o conceito civilista e tributário sobre o instituto da capacidade.
Como se perceberá, o conceito tributário de capacidade passiva é notoriamente mais amplo que o conceito civilista, já que se respaldará, principalmente, na manifestação de riqueza apta a concretizar o fato gerador, que dará ensejo ao surgimento da obrigação tributária e, consequentemente, ao próprio crédito tributário a ser percebido pelo fisco.
Com efeito, mostra-se necessário estabelecer de forma clara e prévia como se manifestará a relação jurídico-tributária que instituirá a obrigação compulsória, ex vi legis, de sujeição do contribuinte ou responsável ao pagamento do tributo.
Vale ressaltar que o entendimento acerca da capacidade tributária passiva, entendida por muitos como um princípio e não apenas como uma regra, é de fundamental relevância, haja vista que permitirá à fazenda pública proceder à arrecadação da receita, sendo os recursos obtidos de vital importância para os cofres públicos e para o implemento das políticas públicas.
1 – Conceito:
A capacidade tributária ativa consiste na aptidão para cobrar, arrecadar e fiscalizar o tributo, ou seja, trata-se da aptidão para ser credor na relação tributária, figurando, portanto, no polo ativo. Não se confunde, portanto, com o conceito de competência tributária, entendida como a aptidão conferida pela Constituição à pessoa jurídica de direito público para instituir, mediante lei, o tributo devido.
Nesse sentido, conclui-se que a competência tributária será indelegável, ao passo que a capacidade tributária ativa poderá ser delegada, cabendo, inclusive, revogação da delegação por ato unilateral do delegante, consoante previsão expressa do próprio Código Tributário Nacional, senão vejamos:
“Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.
§ 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir.
§ 2º A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público que a tenha conferido.
§ 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos.”
Já a capacidade tributária passiva, por seu turno, consiste na aptidão atribuída ao sujeito para figurar no polo passivo da relação jurídico-tributário, por ter realizado o fato gerador previsto hipoteticamente na norma de incidência do tributo, independentemente de sua capacidade civil.
Referido ensinamento, em sede doutrinária, é sustentado pelo ilustre professor Ricardo Alexandre, que assim se manifesta sobre o tema:
“Capacidade tributária passiva é a aptidão para ser sujeito passivo da relação jurídico-tributária.
Com a verificação no mundo concreto da hipótese abstratamente descrita na lei como fato gerador do tributo, surge a obrigação tributária, independentemente da validade do negócio jurídico que resultou na ocorrência do fato gerador.
Para que alguém venha a ser considerado sujeito passivo de obrigação tributária, basta que a lei tributária assim o defina e que ocorra o fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes as regras sobre capacidade segundo o direito civil”[1].
Com efeito, a capacidade tributária passiva pode ser concedida a qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize o fato gerador da obrigação tributária prevista na norma.
Esse é o entendimento, inclusive, dos professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, que chegam a afirmar, causando até mesmo estupefação em alguns, embora não destituído de fundamento, que apenas as coisas, os animais e os mortos que não terão capacidade tributária passiva, senão vejamos:
“Toda e qualquer pessoa, física ou jurídica, em qualquer situação, inclusive as pessoas jurídicas não regularmente constituídas e as sociedades de fato, tem capacidade passiva, sem nenhuma exceção.
Ter capacidade passiva significa apenas ter a possibilidade de realizar o fato gerador de obrigação tributária. Não importa se a cobrança poderá ser feita diretamente da pessoa que realizou o fato gerador ou terá que ser feita de um representante. A pessoa que tem relação direta com o fato gerador da obrigação principal é contribuinte, mesmo que a cobrança não seja feita diretamente contra ela. Assim, um recém nascido poder ser proprietário de um imóvel urbano; o contribuinte do IPTU é ele. Uma pessoa com doença mental grave, internada permanentemente em um manicômio, pode ser proprietária de imóveis e receber rendimentos de aluguéis desses imóveis; será contribuinte do IPTU e do IR relativo aos aluguéis, e assim por diante.
Para finalizar: somente as coisas, os animais e os mortos não têm capacidade tributária passiva!”[2] .
Por fim, arrematando o tema, no sentido de entender o sujeito passivo como integrante do polo passivo da ação, que sofrerá a constrição patrimonial, é o magistério do ilustre professor Eduardo de Moraes Sabbag, que de forma lapidar manifesta-se sobre o tema, senão vejamos:
“A sujeição passiva é matéria adstrita ao polo passivo da relação jurídico-tributária. Refere-se, pois, ao lado devedor da relação intersubjetiva tributária, representado pelos entes destinatários da invasão patrimonial na retirada compulsória de valores, a título de tributos”[3].
Desta forma, portanto, é o magistério doutrinário sobre o instituto da capacidade tributária passiva.
2 – Sujeitos da relação tributária:
Consoante previsão legal do próprio Código Tributário Nacional, o sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento, ao passo que o sujeito passivo da obrigação tributária principal é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou da penalidade dele decorrente, podendo ser o contribuinte, hipótese em que terá relação direta e pessoal com a ocorrência do fato gerador, ou o responsável tributário, quando sua obrigação decorra de previsão expressa na lei.
Esses são, portanto, os sujeitos que integrarão a relação jurídico-tributária para a cobrança do tributo a ser exercida pela fazenda pública.
3 – Previsão normativa:
Ao discorrer sobre o instituto da capacidade tributária passiva, o legislador estabeleceu-a de forma ampla, sendo concebida pela doutrina como sendo hipótese de responsabilidade plena, nos seguintes termos:
“Art. 126. A capacidade tributária passiva independe:
I – da capacidade civil das pessoas naturais;
II – de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios;
III – de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional.”
4 – Requisitos:
Primeiramente, como visto acima, a capacidade tributária, por decorrer de uma obrigação legal, compulsória, independerá da manifestação de vontade do sujeito passivo, motivo pelo qual será despicienda a análise de sua capacidade civil, visto que o conceito civilista é inaplicável na seara da responsabilidade tributária.
Com efeito, a conclusão é a sacramentada pelo Artigo 126, inciso primeiro, do Código Tributário, no sentido de que a capacidade tributária independe da capacidade civil das pessoas naturais.
Logo, a classificação civilista de relativa e absolutamente incapaz, bem como a imposição civilista de assistência e representação para a validade dos atos praticados pelos incapazes, não se aplica na seara tributária.
No mesmo sentido é a doutrina do ilustre professor Ricardo Alexandre, que de forma lapidar estatui:
“Em primeiro lugar, o CTN afirma que a capacidade tributária independe da capacidade civil das pessoas naturais. O Código Civil, em seu primeiro artigo, afirma que toda pessoa é capaz de direito e obrigações na ordem civil. Todavia, ao tratar do exercício pessoal de direito, o mesmo Código divide as pessoas em três grupos: os capazes, os absolutamente incapazes e os relativamente incapazes.
Para a validade dos atos praticados pelos absolutamente incapazes, é necessário que estes estejam devidamente representados; no que concerne aos relativamente incapazes, faz-se necessário que estejam assistidos.
Para o direito tributário, a diferenciação é irrelevante. Se uma criança de dez anos de idade é proprietária de um imóvel na área urbana do Município, é contribuinte do IPTU. Se o imóvel está alugado a particulares, a criança é contribuinte do imposto do imposto de renda incidente sobre o valor dos aluguéis”[4].
Em segundo lugar, cumpre destacar que a capacidade passiva tributária também independe de “achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios”, consoante estabelece o artigo 126, inciso segundo, do Código Tributário Nacional.
Sendo assim, mesmo havendo restrições, privações ou limitações ao exercício da atividade, se a mesma for desenvolvida haverá a responsabilização tributária.
No mesmo sentido é a doutrina de Ricardo Alexandre, a saber:
“Também não importa se uma pessoa está sujeita a alguma medida que limite ou prive o exercício de atividades. Se o fato gerador ocorrer, o tributo é devido. A título de exemplo, o Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994) declara incmpatíveis com a advocacia várias pessoas, dentre elas as que ocupam cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais (art. 28, VII). Assim, um Auditor-Fiscal da Receita Federal pode ser bacharel em direito, mas não pode exercer a advocacia. Se, apesar da restrição, o AFRF advoga, exercendo ilicitamente a profissão, estará sujeito às punições específicas, mas não ficará livre do imposto de renda sobre os rendimentos porventura auferidos, nem do imposto sobre os serviços prestados”[5].
Por fim, cabe destacar que a capacidade tributária passiva também independe “de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional”, conforme estabelece o Código Tributário em seu artigo 126, inciso terceiro.
Confirmando esse entendimento, é o magistério da doutrina, conforme depreende-se da lição do ilustre Paulo de Barros Carvalho quando disserta sobre o tema, senão vejamos:
“Campo batido de dissensões é o de saber se tão-somente as pessoas dotadas de personalidade jurídica, tal qual estipularam as regras de direito privado, reuniriam condições para figurar na posição de sujeito passivo, no contexto de relações jurídico-tributárias, ou em concepção mais lata, entidades outras, não referidas expressa ou implicitamente como centros de imputação de direitos e deveres em consonância com as diretrizes definidoras da capacidade jurídica, também estariam legitimadas para compor o nexo abstrato que se instala pelo acontecimento do fato tributário. Debruçados sobre o tema, autores da melhor nota já escreveram linhas que revelam a extrema importância desta noção introdutória. Quase que unanimemente, sufragam hoje a possibilidade de atribuir-se legitimação passiva a entes não previstos entre os portadores de personalidade jurídica, pelas regras genéricas e amplas do direito privado.”[6]
No mesmo sentido é a doutrina do renomado jurista tributarista Luciano Amaro, quando afirma:
“A sociedade de fato ou a sociedade irregular também não são circunstâncias impeditivas do nascimento de obrigações tributárias, surgidas pela ocorrência de fatos geradores identificáveis no exercício das atividades dessas sociedades (item III). Em simetria com essas disposições, que reconhecem capacidade tributária passiva às pessoas ou entidades aí referidas, é de reconhecer a elas, igualmente, capacidade tributária ativa quanto às pretensões que houverem de exercer contra ou perante o sujeito ativo”[7].
Percebe-se, portanto, que a capacidade tributária passiva decorre da lei, é plena, tratando-se de uma obrigação ex vi legis.
Vale ressaltar, por fim, que a Jurisprudência dos tribunais brasileiros também admite, em tema de responsabiidade, a capacidade passiva tributária plena, tal como minuciosamente descrita pela doutrina acima citada, não havendo qualquer recalcitrância na aplicação dos dispositivos do Código Tribunal Nacional que regulam a matéria.
Conclusão:
O presente artigo procurou ressaltar em que consiste a capacidade tributária, mostrando suas espécies, dando destaque para a capacidade passiva, estabelecendo, por conseguinte, a distinção havida com relação à competência tributária e ao conceito civilista de capacidade, para concluir que se trata de um conceito amplo, que implica em responsabilidade passiva plena.
Por ser uma responsabilidade decorrente da lei, faz-se desnecessário perquirir eventual capacidade civil do sujeito, ou até mesmo possível limitação de atividades ou irregularidade da pessoa jurídica. Bastará, tão-somente, que ocorra no mundo fático a concretização da hipótese de incidência abstratamente prevista na norma para que se deflagre o surgimento da obrigação tributária, a ser imputada ao sujeito passivo da relação jurídica que se travará.
Nesse sentido, a capacidade civil tributária deverá ser interpretada em consonância com os princípios tributários da isonomia e do non olet, para se chegar à conclusão de que o que realmente importará, como critério de aferição da responsabilidade, será a materialização do critério demonstativo de riqueza previsto na norma, que sofrerá constrição material por parte do fisco.
Constitui-se, portanto, num instrumento de grande valia, que propiciará à fazenda pública identificar o sujeito passivo e executar a cobrança da dívida tributária, de forma a promover a justiça fiscal.
Advogado pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Pós-graduado em Direito Público.
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