O objetivo deste artigo é o de demonstrar sintética e objetivamente que a questão da isenção da Cofins em relação aos exercentes de profissões legalmente regulamentadas não está, ainda, esgotada em razão do pronunciamento da Corte Suprema.
O STJ editou a Súmula 276 nos seguintes termos: “As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da Cofins, irrelevante o regime tributário adotado”.
É um grande equívoco supor que essa súmula perdeu validade em face da decisão do STF, que proclamou a tese de que a LC nº 70/91, por ser lei complementar apenas do ponto-de-vista formal (lei complementar extravagante), poderia ser revogada por lei ordinária, no caso, pelo art. 56 da Lei nº 9.430/96.
Com efeito, a Súmula 276 do STJ não versa sobre tema constitucional, mas, apenas sobre matéria de interpretação da legislação federal que é de sua exclusiva competência.
O acórdão proferido no RE nº 419.629-DF, Relator Min. Sepúlveda Pertence, limitou-se a prover o recurso da União para anular o acórdão do STJ que havia decidido a matéria sob prisma constitucional – impossibilidade de lei ordinária revogar a lei complementar – por implicar usurpação de competência da Corte Suprema.
Em outras palavras, o STJ não pode continuar provendo os recursos especiais impetrados pelos contribuintes, que sustentam a inconstitucionalidade da cobrança da Cofins. Alegada a inconstitucionalidade na inaugural, o recurso cabível só pode ser o recurso extraordinário, e não o recurso especial para tentar abrigar-se à sombra da Súmula 276.
Contudo, o STJ deve continuar examinando essa questão controvertida à luz da legislação infraconstitucional, prestigiando a Súmula que editou.
É preciso analisar a matéria à luz do direito intertemporal, situado no plano infraconstitucional.
De um lado, temos a Lei 9.430/96 , que se caracteriza como lei ordinária geral, pois regula o regime de apuração do IRPF, a CSLL, o IPI, as contribuições para a Seguridade Social e o processo administrativo tributário.
De outro lado, temos a Lei Complementar nº 70/91 que instituiu a Cofins, definindo seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes, prescrevendo, em seu art. 6º, a isenção das sociedades civis de profissionais liberais.
Logo, se lhe for atribuído o status de lei ordinária, por óbvio, só poderá ser caracterizada como lei ordinária especial e não geral.
Ora, está pacificado na doutrina e na jurisprudência que a lei ordinária geral não revoga a lei ordinária especial, principalmente, em se tratando de isenção, por força do princípio da especialidade previsto no § 6º, do art. 150 da CF. A isenção, como prescreve o referido § 6º, só pode ser outorgada por lei específica federal, estadual ou municipal, conforme o caso. Nenhuma lei geral poderá veicular norma isentiva.
Pelo princípio da simetria, segue-se que somente lei especial poderá revogar a isenção concedida pelo legislador.
Logo, o art. 56 da Lei ordinária geral de nº 9.430/96, que prescreveu a base de cálculo da Cofins para as sociedades civis de prestação de serviços legalmente regulamentadas, não pode ter implicado revogação da isenção prevista no art. 6º da LC Nº 70/91, que é lei ordinária especial.
Da mesma forma, chega-se à idêntica conclusão se analisada a questão à luz do art. 2º e § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, que assim dispõem:
“Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja. com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”
Esses textos, que datam de 1942, devem ser interpretados de forma atualizada.
A partir da Emenda 18/65 criou-se a categoria de lei complementar, mantida pela Constituição de 1967-69 e incorporada no elenco do art. 59 da Constituição Federal de 1988.
Logo, “outra lei”, ou, “lei posterior” a que se referem o art. 2º e seu § 1º só podem ser lei que tenha obedecido o mesmo processo legislativo, ou seja, aprovada maioria absoluta, quando se tratar de revogar a lei complementar, pouco importando se a matéria regulada está ou não sob reserva de lei complementar. É a aplicação da teoria geral do Direito de que uma norma só pode ser revogada por outra que tenha obedecido o mesmo processo legislativo.
Se existisse a categoria de lei complementar por ocasião do advento da LICC, certamente, a redação do seu art. 2º e de seu § 1º seria outra. Como na época só existia a lei ordinária, o texto só fez referência à outra lei posterior (lei ordinária).
É sobre esses dois ângulos que o STJ deve continuar examinando a matéria, sem se abdicar de sua atribuição constitucional de uniformizar a aplicação da legislação federal.
SP, 02-07-08.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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