Resumo: Trata-se de uma análise da questão da isenção da Cofins, prevista na LC n. 70, de 1991, em relação à existência de matéria de âmbito constitucional, com vistas a concluir se as decisões do Superior Tribunal de Justiça estariam sujeitas à revisão do Supremo Tribunal Federal.
Sumário: 1. Exposição da questão; 2. Hierarquia entre lei complementar e ordinária; 3. Competência legislativa; 4. Conflito entre lei complementar e lei ordinária – competência; 5. Lei complementar e Poder Legislativo; 6. Adoção de lei complementar, em lugar de ordinária, e os poderes políticos do Legislativo; 7. Da inexistência de poder de escolha da forma da lei; 8. Âmbito de relevância da matéria; 9. Conclusões; 10. Notas de fim de texto.
1) Exposição da questão
A contribuição para o financiamento da seguridade social – Cofins foi instituída pela Lei Complementar n. 70, de 1991.
Em seu art. 6º, II, a referida LC dispunha o seguinte:
Art. 6° São isentas da contribuição:
(…)
II – as sociedades civis de que trata o art. 1° do Decreto-Lei n° 2.397, de 21 de dezembro de 1987;
(…)
Como se sabe, a referida contribuição foi objeto de inúmeras contestações judiciais. Em razão de divergências na jurisprudência dos Tribunais, foi apresentada a ação declaratória de constitucionalidade – ADC n. 1, nos termos da recente emenda constitucional que criou essa modalidade de ação direta.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC n. 1, da qual foi relator o Min. Moreira Alves, tomou por base a jurisprudência que se havia formado em relação à contribuição social sobre o lucro – CSLL, criada pela Lei n. 7.689, de 1988.
Em relação à CSLL, o STF havia decidido, relativamente ao ponto central das controvérsias que a envolveram, que as contribuições do art. 195, I, da Constituição Federal não requeriam prévia definição, por meio de lei complementar, das hipóteses de incidência, contribuintes e bases de cálculo, uma vez que tais definições constavam expressamente do texto constitucional.
Dessa forma, a lei ordinária poderia instituir diretamente as contribuições, desde que obedecesse àquelas definições constitucionais.
À Cofins, cuja constitucionalidade foi declarada na ADC n. 1, também se aplicaria tal raciocínio, de forma que a Lei Complementar n. 70, de 1991, seria apenas formalmente complementar, pois a Constituição lhe daria apenas qualidade de lei ordinária.
Essa decisão do STF teve repercussão nas futuras alterações das contribuições sociais do art. 195 da Constituição. Em 1996, a Cofins foi objeto de alteração pela Lei n. 9.430, de 1996, que revogou a isenção das sociedades civis de profissão regulamentada, criando novas demandas judiciais.
Agora, alegava-se que a isenção prevista em lei complementar não poderia ser revogada por lei ordinária, em face da existência de hierarquia entre lei complementar e ordinária.
Essa tese chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que a referendou, tendo mais recentemente editado a Súmula n. 276, abaixo reproduzida:
As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da Cofins, irrelevante o regime tributário adotado.
Tendo o STJ se pronunciado de forma aparentemente definitiva sobre a matéria, resta saber se cabe ainda pronunciamento do Supremo Tribunal Federal.
Vários ministros do Superior Tribunal de Justiça entendem que não.
No julgamento do AgRg no Recurso Especial n. 382.736 – SC (RDDT 103/181-90), o relator, Ministro Castro Meira, reconheceu a incompatibilidade da mencionada súmula com a jurisprudência do STF. Entretanto, foi voto vencido.
O Ministro Peçanha Martins, em seu voto, exarou o entendimento de que caberia ao STJ a palavra final a respeito da matéria.
Ives Gandra Martins e José Ruben Marone, em artigo publicado na Dialética (Da Isenção da Cofins Contida no art. 6º, inciso II da Lei Complementar 70, de 30 de dezembro de 1991, e do Direito de Recuperação Judicial por Via da Compensação dos Valores indevidamente Recolhidos a esse Título. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 130. São Paulo, Dialética, abr 2004. Ps. 66-88), ressaltaram que o STJ denegou o encaminhamento de recurso extraordinário apresentado pela União (RE no Resp 476.510 – SC), por não ter havido “transbordamento dos lindes de sua competência” (competência do STJ)[i].
A questão resumir-se-ia ao seguinte: a lei complementar é superior à ordinária, de forma que a decisão do STJ de que a isenção não teria sido revogada não comportaria análise de matéria constitucional.
Entretanto, a questão da existência de hierarquia não foi e não está sendo discutida de maneira adequada e satisfatória, de forma que é preciso introduzir um elemento jurídico mais concreto para a análise a questão, que é o objetivo do presente trabalho.
2) Hierarquia entre lei complementar e ordinária
São duas as razões principais para se considerar a lei complementar superior à ordinária: a) o quorum qualificado (lei complementar exige maioria absoluta para aprovação, enquanto que a ordinária, apenas maioria simples) e b) o art. 59 da Constituição traria uma lista hierárquica das leis, indicando a lei complementar antes da ordinária.
Quanto ao segundo motivo, não se pode admitir um argumento tão infundado. Talvez o art. 59 indique as leis em ordem do quorum, mas não se pode simplesmente desenhar uma “pirâmide de Kelsen” sobre o texto legal, para daí concluir que haja hierarquia. Basta ver que as medidas provisórias não são superiores às leis.
Ademais, da questão do quorum, embora possa indicar superioridade normativa, também não segue a conclusão lógica de que haja hierarquia.
Ao tratar da matéria de normas gerais de direito tributário, por exemplo, o Constituinte havia formado um juízo de valor, que o levou a adotar a lei complementar como meio legislativo mais adequado para normatização da matéria.
Assim, primeiramente criou-se uma forma de lei com quorum qualificado. Posteriormente, estabeleceram-se as matérias que deveriam ser tratadas por ela, discriminando-as no texto da Constituição.
Daí se vê que nunca houve intenção de relacionar a questão do quorum exigido para aprovação de leis complementares com hierarquia. A questão do quorum está relacionada, sim, ao tipo de matéria.
No caso das contribuições do art. 195 da Constituição, o Constituinte, segundo o seu juízo de valor, não elegeu a lei complementar para tratar da matéria.
Antes de seguir no raciocínio, passa-se ao tratamento da questão da competência legislativa em matéria tributária.
3) Competência legislativa
A competência legislativa em matéria tributária é bastante complexa.
A respeito do assunto, reproduz-se, abaixo, parte do artigo “A questão da hierarquia entre lei complementar e ordinária”, publicado em http://jaf.tripod.com.br/monografias/hierarquia2.htm.
3.1) Competência legislativa tributária
No direito tributário, a competência legislativa para a instituição de tributos pode ser privativa, comum, residual ou extraordinária.
Privativa é a competência atribuída a cada ente federativo, pela Constituição, para a instituição de impostos[ii]. A comum refere-se às taxas e à contribuição de melhoria. A residual é exercida pela União, para instituir impostos não previstos na Constituição (art. 154, I). Finalmente, a extraordinária refere-se à competência da União para instituir tributos extraordinários, de forma temporária, nos casos dos arts. 148 e 154, II.
Essas competências referem-se à instituição de tributos, e não correspondem à totalidade da competência legislativa em matéria tributária.
De fato, dispõe o art. 146, I, II e III, que cabe à lei complementar da União dispor sobre resolução de conflitos de competência em matéria tributária, regulamentar as limitações constitucionais ao poder de tributar e ainda dispor sobre normas gerais em matéria de legislação tributária.
As normas gerais, mencionadas no art. 146, III, encontram previsão genérica no art. 24, que estabelece as competências legislativas concorrentes entre União, Estados e Distrito Federal.
Assim, além de poder instituir os tributos de sua competência, dispor sobre conflitos de competência, regulamentar as limitações constitucionais ao poder de tributar, a União deve, também, editar a lei (complementar) de normas gerais em matéria de direito tributário.
3.2) Competência Concorrente e Normas Gerais Tributárias
A competência legislativa concorrente entre União, Estados e Distrito Federal é regulada pelo art. 24 da Constituição.
Segundo Alexandre de Moraes, “A Constituição brasileira adotou a competência concorrente não-cumulativa ou vertical, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais, devendo os Estados e Distrito Federal especificá-las, através de suas respectivas leis.”
Entretanto, no caso do direito tributário, apesar de não haver, obviamente, competências cumulativas, a questão é totalmente diversa e, aparentemente conflitante, pois a União e os Municípios têm competência para instituir seus próprios tributos.
Portanto, a aplicação do art. 24 ao direito tributário sofre algumas adaptações.
A lei complementar, por sua vez, estabelece as normas gerais (além de tratar das matérias do art. 146, I e II). Como as leis federais, estaduais, distritais e municipais que instituam tributos devem obedecer às normas gerais, contidas em lei complementar da União, aquelas leis estão subordinadas a essa lei complementar, o que demonstra a existência clara de hierarquia.
Nesse contexto é que se verifica a hierarquia que existe entre a norma geral tributária e as leis instituidoras de tributos da própria União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Em face do exposto, as diferenças entre a norma geral tributária e a genericamente prevista no art. 24 da Constituição são as seguintes: 1) no direito tributário, a lei federal de normas gerais deve ser lei complementar, enquanto que, no caso geral, a lei de normas gerais é lei ordinária; 2) no direito tributário, há previsão expressa de algumas matérias no Sistema Tributário (art. 146, III), que devem estar previstas na lei de normas gerais tributárias; 3) no direito tributário, há competência dúplice da União, para estabelecer normas gerais (por lei complementar) e para instituir os seus tributos (por leis ordinárias ou complementares); e 4) os Municípios, no direito tributário, também possuem competência para instituir e arrecadar seus tributos, com a mesma amplitude da União e dos Estados.
3.3) O significado de norma geral
Primeiramente, deve ser distinguido o conceito de “lei geral”, segundo a referência da Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2º, § 2º, do de “norma geral”.
A norma é um comando que contém uma regra de conduta. A lei é a forma pela qual a norma se exterioriza. Assim, a lei contém normas.
A lei geral, no sentido utilizado pela LICC, é a lei que regula os fatos em geral. A lei especial se contrapõe à geral como sendo a lei que se aplica a fatos específicos, que, se não houvesse a lei especial, seriam regulados pela lei geral.
Os conflitos aparentes de normas, no que diz respeito às leis gerais e especiais, resolvem-se pelo critério da especialidade.
No contexto do art. 24 da Constituição, as normas gerais têm duas conotações.
A primeira delas, de natureza formal, indica a amplitude de observância das normas: todos os Estados e o Distrito Federal devem observá-las (está-se analisado o caso geral, e não o caso do direito tributário). Tanto é assim que o art. 24, § 4º, da Constituição diz que, no caso de preexistência de lei estadual, a superveniência da lei federal de normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, naquilo que lhe for contrário.
Ademais, comporta uma conotação material, pois a lei federal, no caso, deve restringir-se a dispor sobre aspectos gerais e genéricos (conforme Alexandre de Moraes, já citado), sob pena de limitar a competência dos Estados para regular a matéria segundo os interesses locais. O conteúdo da lei de normas gerais é de aspectos gerais.
Isso também se aplica ao âmbito do direito tributário, com as adaptações anteriormente[iii] mencionadas. Assim, o Código Tributário Nacional (lei de normas gerais tributárias) deve ser observado por todas as leis instituidoras de tributos (caráter formal) e deve restringir-se a dispor sobre normas gerais (caráter material) [iv].
Nesse contexto é que existe a hierarquia entre a lei de normas gerais tributárias e as leis instituidoras de tributos.
Não há dúvidas, portanto, de que, no âmbito da competência concorrente, os conflitos aparentes de normas resolvem-se pelo critério da hierarquia.
Vê-se, assim, que a natureza da lei complementar de normas gerais é diversa da lei complementar que instituiu a Cofins. Aquela edita normas gerais, com previsão constitucional, e é lei nacional, dirigida a todos os entes federados, enquanto que a última é uma lei federal instituidora de uma contribuição social, matéria para a qual a Constituição não exige lei complementar.
4) Conflito entre lei complementar e lei ordinária – competência
Como ficou esclarecido no item anterior, a lei complementar de normas gerais tributárias é superior às leis instituidoras de tributos.
Assim, eventual conflito entre o CTN e lei ordinária federal, estadual ou município é matéria que não compete ao STF, pois o âmbito de conflito é infraconstitucional.
Entretanto, no caso da Cofins, não se trata de lei complementar de normas gerais, de forma que do raciocínio acima exposto não pode resultar a conclusão simplista de que se trata de questão infraconstitucional.
5) Lei complementar e Poder Legislativo
Entretanto, afirmam aqueles que defendem a tese da hierarquia que a Lei n. 9.430, de 1996, estaria em confronto com a Lei Complementar n. 70, de 1991, no tocante à matéria da isenção.
Novamente, deve-se ter em conta o fato de que, em regra, a Constituição não prevê a forma legal que deva ser adotada na normatização de matérias. Apenas estabelece de quem é a competência legislativa (art. 24, por exemplo).
Entretanto, é lógico que o meio ordinário de legislar é a lei ordinária (daí o seu nome). Em princípio, é notório que as hipóteses em que deva ser adotada a lei complementar estão previstas expressamente na Constituição.
Como afirmado no item 2, a Constituição não exigiu, para instituição das contribuições sociais, lei complementar (essa questão é incontroversa, pacífica no STF).
Portanto, trata-se de saber, como questão anterior, ou até mesmo prejudicial, à da existência de hierarquia, se o Poder Legislativo pode escolher a forma da lei, entre a complementar e a ordinária, para dispor sobre matéria para cujo tratamento a Constituição não previu (ou não exigiu) a necessidade lei complementar.
Se concluir que o Legislativo pode (no sentido jurídico, é claro) escolher a forma da lei, então é necessário concluir que existe a referida hierarquia.
Raciocinar-se-ia da seguinte forma: o Legislativo poderia escolher entre lei complementar e ordinária para tratar da Cofins, matéria para a qual a Constituição não exige lei complementar; escolheu a complementar; se não houvesse hierarquia entre lei complementar e ordinária, de nada serviria a escolha, pois a lei complementar poderia ser revogada pela ordinária; em conclusão, lei complementar é superior à lei ordinária.
Do contrário, se concluir que o Legislativo não pode (também no sentido jurídico) escolher a forma da lei, de maneira que, nos casos em que não haja previsão para lei complementar, terá de utilizar a lei ordinária, então não pode haver hierarquia. Assim, se escolher a lei complementar, sem haver previsão, ela não terá qualidade de lei complementar, podendo ser revogada por lei ordinária.
No presente caso, não há dúvidas, portanto, de que o Legislativo escolheu a lei complementar como forma legal de normatização da Cofins. A questão é saber se poderia (no sentido jurídico, repise-se) fazer isso.
6) Adoção de lei complementar, em lugar de ordinária, e os poderes políticos do Legislativo
A questão da “escolha”, como abordada no item anterior, requer a existência de um poder: se ao Legislativo é possível escolher a forma legal da lei, então há um poder, decorrente da Constituição, de escolha.
Tratar-se-ia, portanto, de um poder político discricionário, uma vez que pressuporia uma desvinculação do Legislador em relação ao fato de a Constituição não haver previsto que a matéria devesse ser normatizada por lei complementar.
No tocante ao exercício de suas atribuições, o Poder Legislativo tem poder discricionário (ao menos em parte) para legislar. Obviamente, a Constituição apenas prevê limites formais e materiais para a edição de leis e, dentro desses limites, o poder de legislar é discricionário.
Quando, por exemplo, a Constituição prevê que a lei não pode ofender cláusulas de direitos fundamentais, impõe limites materiais à atividade legislativa. A lei que extrapolar os limites é inconstitucional.
No tocante ao suposto poder de escolha da forma legal, tratar-se-ia de limitação formal.
Sabe-se que, se a Constituição prevê que determinada matéria deva ser tratada por meio de lei complementar, então, se o Legislativo adotar a lei ordinária, ela será inconstitucional. Aí, o Poder Legislativo extrapola um limite que diz respeito à forma adequada da lei, contrariando a Constituição.
O caso da isenção da Cofins é exatamente o oposto, pois a Constituição não exige lei complementar para tratamento da matéria.
Mas isso significa que o Legislativo pode adotar a lei complementar, nesses casos? Se a resposta for “sim”, então há um poder de escolha discricionário.
Trata-se, portanto, de matéria nitidamente de ordem constitucional, pois diz respeito à existência de um poder político do Legislativo.
Em termos gerais, portanto, se a Constituição não dá ao Legislativo tal poder, é lógico que cabe ao STF a apreciação da matéria (art. 102, caput, da CF).
Suponha-se que não exista tal poder, que o Legislativo não pode, segundo a Constituição, exercer essa escolha, que deva necessariamente utilizar a lei ordinária para tratar da matéria, pelo fato de a Constituição não prever a adoção de lei complementar.
Nessa hipótese, a decisão do STJ que afirmasse haver hierarquia entre lei complementar e ordinária pressuporia a existência de um poder político discricionário do Legislativo, que lhe teria permitido adotar lei complementar, numa situação em que a Constituição exigiria que adotasse lei ordinária. Portanto, a decisão do STJ contrariaria claramente a Constituição, o que implicaria o cabimento de recurso extraordinário (art. 102, III, “a”, da CF).
À vista de todo o exposto, portanto, não se pode admitir a simplista conclusão de que se trata de matéria sobre a qual o STF não devesse pronunciar-se. Pelo contrário, trata-se de saber se a Constituição deu ao Legislativo uma possibilidade (jurídica) de escolha da forma da lei.
7) Da inexistência de poder de escolha da forma da lei
A Constituição atribuiu à lei complementar a normatização de matérias mais polêmicas, que exigiriam um maior consenso do Poder Legislativo para aprovação.
A escolha das matérias que mereceriam esse tratamento resultou de um juízo de valor do Constituinte. Juízo de valor, como se sabe, está em âmbito pré-jurídico, pois o juízo, em si, não está na lei. Entretanto, o juízo de valor dá forma à lei, moldando-a a sua finalidade.
Admitindo-se que o Legislativo possa escolher entre a lei complementar e a ordinária, em hipóteses para as quais a Constituição não previu a lei complementar, admite-se, por conseqüência, que possa formar novo juízo de valor a respeito da forma legal mais adequada para tratamento da matéria.
Valeria dizer que o juízo de valor do Constituinte a respeito da desnecessidade de adoção de lei complementar para tratar de certa matéria não seria definitivo, podendo, então, ser reavaliado pelo Legislativo.
Para que isso fosse possível, o próprio Constituinte, ao elaborar a Constituição, entendendo que seu juízo de valor seria relativo, teria que haver permitido que novo juízo de valor fosse formado, de maneira que o Legislativo poderia adotar a lei complementar para tratar da matéria, simplesmente por assim julgar mais adequado.
A Constituição, entretanto, nada dispõe a esse respeito.
Ademais, as conseqüências da adoção de uma lei complementar, nessa hipótese, equivaleriam às de uma modificação da Constituição: onde não se exigia a lei complementar, passa-se a exigir. Portanto, o juízo de valor do Legislativo superaria o do Constituinte, o que implicaria concluir que haveria uma espécie de reforma constitucional provisória, que vigeria até que o próprio Legislativo, revogando (por lei complementar) a lei complementar anteriormente adotada, restaurasse a não obrigatoriedade de adoção de lei complementar para alteração da matéria.
Note-se que se ao Legislativo fosse dado esse poder, então a adoção da lei complementar implicaria uma decisão a respeito do quorum necessário para tratar da matéria. Em outras palavras, se se admitir que a lei complementar n. 70, de 1991, é formalmente complementar, então a adoção dessa forma legal pelo Legislativo implicou, no momento da promulgação da lei, a alteração do quorum necessário para tratar da matéria, que, conforme anteriormente previsto na Constituição, era de maioria simples.
Por fim, a história do surgimento da lei complementar demonstra que não é razoável haver essa possibilidade. A lei complementar foi criada exatamente para tratar de questões mais polêmicas, que exigiriam maior consenso e discussão, além de maior estabilidade jurídica. A matéria que devem ser tratadas por lei complementar, portanto, são aquelas previstas na própria Constituição.
8) Âmbito de relevância da matéria
Há alguns argumentos que sugerem que a questão limitar-se-ia ao caso da isenção, não envolvendo os demais dispositivos da Lei Complementar n. 70, de 1991.
No já citado AgRg no Resp 382.736-SC, o Min. Peçanha Martins ainda afirmou que, em face do disposto no art. 146, III, “a”, da Constituição, matéria que versasse sobre isenção subjetiva (contribuintes) teria de ser tratada por lei complementar.
Essa afirmação restringiria as conseqüências da hierarquia às questões que dissessem respeito à definição das hipóteses de incidência, contribuintes e bases de cálculo das contribuições sociais.
Entretanto, a afirmação é duplamente equivocada.
Primeiramente, por que, segundo pacífico entendimento do STF, o mencionado dispositivo constitucional (art. 146, III, “a”) não se aplica ao caso das contribuições do art. 195 da Constituição.
Em segundo lugar, por que o raciocínio não pode ser aplicado unidirecionalmente. Ora, afirmar que se trata de matéria de lei complementar, por dizer respeito à definição de contribuintes, implica aceitar que somente lei complementar pode tratar da matéria.
Assim, toda e qualquer isenção subjetiva somente poderia ser instituída por meio de lei complementar, o que é um contra-senso, pois é pacificamente admitido, na jurisprudência do STF e na doutrina, que lei ordinária pode instituir isenções, sejam elas subjetivas ou objetivas.
Assim, a tentativa de restringir o âmbito de discussão da matéria ao caso específico da isenção subjetiva é absurda e despropositada. Se a lei complementar fosse superior à ordinária, então seria em relação a toda e qualquer matéria.
Como conseqüência, se a tese fosse verdadeira, então não somente a Lei n. 9.430, de 1996, teria ofendido a LC n. 70, de 1991, mas também as Leis n. 9.715, 9.718, 10.931, 10.925, 10.865, 10.684, 10.676, 10.637, 10.560, 10.548, 10.485, entre outras.
9) Conclusões
À vista de todo o exposto, é inegável que a questão comporta uma análise direta da Constituição, não podendo ser afastada a competência do STJ para rever a matéria.
Ademais, se o fizer em sede de recurso extraordinário, há uma grande possibilidade de adotar entendimento diverso do adotado pelo STJ, especialmente se for coerente com sua própria jurisprudência.
Auditor-fiscal da Receita Federal; Conselheiro suplente do 2º Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda.
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