Comentários à Lei 11.107 de 07 de abril de 2005: art. 4º.

Art. 4º. Cláusulas necessárias do protocolo de intenções.

De acordo com o caput do art. 4º da lei de consórcios públicos, são cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam:

I – a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio;

Fatores como nome, propósitos e objetivos, prazo de duração do consórcio e sede onde funcionará a sua administração são essenciais segundo o dispositivo do inciso.

II – a identificação dos entes da Federação consorciados;

A identificação dos entes federados participantes também serve de esclarecimento para os que dele participem e para a sociedade, de uma maneira geral, poder exercer o seu controle sobre o funcionamento do Estado.

III – a indicação da área de atuação do consórcio;

A indicação da área de atuação do consórcio também servirá para os mesmos fins do inciso anterior.

IV – a previsão de que o consórcio público é associação pública ou pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos;

Esta previsão deve levar em conta os fins para que servem as associações públicas ou as pessoas jurídicas de direito privado sem fins econômicos e as conseqüências jurídicas de cada uma delas.

V – os critérios para, em assuntos de interesse comum, autorizar o consórcio público a representar os entes da Federação consorciados perante outras esferas de governo;

Aqui há que se presumir que a representação do consórcio se dá com diferentes entes da Federação em relação a outras esferas de governo.

Segundo os conceitos atuais no direito brasileiro, entes da Federação são a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Por sua vez, esferas de governo seriam a federal, do governo da União, estaduais e municipais, dos governos dos estados-membros e dos municípios e distrital, do governo do Distrito Federal.

VI – as normas de convocação e funcionamento da assembléia geral, inclusive para a elaboração, aprovação e modificação dos estatutos do consórcio público;

As normas de convocação e funcionamento da assembléia geral serviriam como as primeiras diretrizes para o próprio funcionamento da assembléia geral que estabelecerá os estatutos, ou seja, as normas regerão o funcionamento dos consórcios.

VII – a previsão de que a assembléia geral é a instância máxima do consórcio público e o número de votos para as suas deliberações;

Aqui também são previstas demais normas que orientarão o funcionamento do consórcio com o estabelecimento da assembléia geral como sua instância máxima de decisão.

VIII – a forma de eleição e a duração do mandato do representante legal do consórcio público que, obrigatoriamente, deverá ser Chefe do Poder Executivo de ente da Federação consorciado;

A previsão do inciso VIII é bastante interessante. Isto porque ao determinar que o representante legal do consórcio público seja o Chefe do Poder Executivo do ente federado consorciado, ela faz com que o Presidente da República, os Governadores dos Estados-membros ou do Distrito Federal e os Prefeitos sejam, respectivamente, os representantes dos mesmos.

Sabendo-se que existe a possibilidade de ser o consórcio público uma entidade de direito privado sem fins lucrativos, constata-se, mais uma vez, a aproximação dos conceitos público e privado dentro de uma instituição essencialmente pública, posto ser composta por entes da federação brasileira.

IX – o número, as formas de provimento e a remuneração dos empregados públicos, bem como os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

Quando a lei fala em empregados públicos, ela dispensa a presença das demais espécies que não os celetistas. Ou seja, o inciso IX prevê que somente trabalharão nos consórcios públicos pessoas cujo contrato de trabalho é regido pela lei do trabalho, portanto, característico para o direito privado.

X – as condições para que o consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de parceria;

Mais uma vez, confirma-se a nova realidade implantada no Brasil de aproximação dos conceitos de administração privada, principalmente copiados do direito dos Estados Unidos e da Inglaterra, a partir da reforma administrativa de 1998.

XI – a autorização para a gestão associada de serviços públicos, explicitando:

a) as competências cujo exercício se transferiu ao consórcio público;

b) os serviços públicos objeto da gestão associada e a área em que serão prestados;

c) a autorização para licitar ou outorgar concessão, permissão ou autorização da prestação dos serviços;

d) as condições a que deve obedecer o contrato de programa, no caso de a gestão associada envolver também a prestação de serviços por órgão ou entidade de um dos entes da Federação consorciados;

e) os critérios técnicos para cálculo do valor das tarifas e de outros preços públicos, bem como para seu reajuste ou revisão;

A gestão associada de serviços públicos deve ser precedida dos contratos de gestão. Os contratos de gestão buscam aproximar a Administração Pública do regime das empresas privadas, nos aspectos de eficiência e competitividade, tudo para melhor prestação do serviço. Suas metas são o incremento da flexibilidade das ações das empresas estatais e sua modernização.

Os contratos de gestão, desde que não existam disposições legais específicas, podem prever que independam de autorização prévia do Poder Executivo, dentre outras, a seleção, admissão, remuneração, promoção e desenvolvimento de pessoal, assim como tudo o que for relacionado à gestão de recursos humanos; a negociação e a celebração de acordos coletivos de trabalho; e a realização de viagens ao exterior de administradores e empregados.

O Contrato de gestão foi proposto no Brasil para ser utilizado em acordos celebrados com entidades da Administração indireta e na realização de atividades com características públicas por organizações sociais. A idéia é justamente a de extinção dos órgãos públicos e transferência de recursos e pessoal para entidades criadas pelo setor privado. Estas entidades particulares não podem ter finalidade lucrativa e devem ser as chamadas organizações sociais.

Além da Administração indireta, os contratos de gestão estão previstos como ajustes a serem celebrados com instituições não governamentais passíveis de serem qualificadas como organizações sociais ou sujeitas a receberem fomento do poder público.

Em ambas é buscada a instituição de parceria com o poder público para a prestação de atividade de interesse público, mediante fomento estatal.

Percebe-se a intenção contínua de se transferir a prestação de serviços públicos, sob a forma da lei e as restrições contratuais que podem ser eventualmente celebradas.

XII – o direito de qualquer dos contratantes, quando adimplente com suas obrigações, de exigir o pleno cumprimento das cláusulas do contrato de consórcio público.

A previsão do inciso XII é de bom direito haja vista a possibilidade de qualquer um que estiver adimplente com as suas obrigações de exigir o pleno cumprimento das cláusulas do um contrato, no caso específico, do contrato de consórcio público.

O parágrafo 1º do artigo 4º prevê que para a indicação da área de atuação do consórcio público, considera-se, independentemente de figurar a União como consorciada, a que corresponde à soma dos territórios dos Municípios, quando o consórcio público for constituído somente por Municípios ou por um Estado e Municípios com territórios nele contidos.

Também deverá ser considerada a área dos Estados ou dos Estados e do Distrito Federal, quando o consórcio público for, respectivamente, constituído por mais de 1 (um) Estado ou por 1 (um) ou mais Estados e o Distrito Federal.

Finalmente, serão consideradas as áreas dos Municípios e do Distrito Federal, quando o consórcio for constituído pelo Distrito Federal e os Municípios.

Os incisos III e V do projeto de lei convertido sofreram sanção presidencial, respectivamente, por contrariedade ao interesse público.

O Presidente da República, em mensagem de veto, dirige-se ao Presidente do Senado Federal e, baseado em manifestação da Casa Civil da Presidência da República, indica as seguintes razões de veto:

O inciso III trata de consórcios públicos entre Estados e Municípios, como ocorre no inciso I, mas com a diferença de que o território dos Municípios não precisa estar contido no território do Estado. A distinção é clara, porque a parte final do inciso I afirma que se tratam de ‘Municípios com territórios nele contidos’, ou seja, Municípios com territórios contidos no território do Estado que se consorcia.

A redação original do inciso III, tanto no projeto de lei do Poder Executivo, como no texto aprovado no Senado Federal previa que os Municípios, nesse caso, teriam os seus territórios contíguos, isto é, fariam divisa com o território do Estado.

O dispositivo, dessa forma, tinha por objetivo permitir que um Estado pudesse auxiliar um Município que, mesmo se situando em outro Estado, lhe fosse vizinho, a fim de procurar solução integrada para algumas de suas políticas públicas, o que, inclusive, é a realidade brasileira atual.

Entretanto, por meio de emenda, o Congresso Nacional retirou o requisito que o Município fosse contíguo ao Estado, o que permite – a se manter a redação atual – que um Estado se consorcie com Municípios de outro Estado mesmo que não haja relações de vizinhança que legitime esse consorciamento.

Evidentemente que a manutenção desse dispositivo é perigosa para a paz federativa, uma vez que um Estado poderá interferir nos assuntos municipais de outro Estado sem ter, ao menos, uma relação de vizinhança que legitime a sua ação.

O mesmo raciocínio se aplica à necessidade de veto do inciso V.

Deflui-se, então, que a manutenção deste dispositivo é perigosa – como no caso anterior – para a paz federativa, por permitir que um Estado venha a se imiscuir nos assuntos municipais de outro Estado, como também descaracteriza a mens legis do dispositivo, que passou a se confundir com as dos incisos II e IV do mesmo parágrafo, prejudicando a boa aplicação da Lei.

O protocolo de intenções deve definir o número de votos que cada ente da Federação consorciado possui na assembléia geral, sendo assegurado 1 (um) voto a cada ente consorciado.

É nula a cláusula do contrato de consórcio que preveja determinadas contribuições financeiras ou econômicas de ente da Federação ao consórcio público, salvo a doação, destinação ou cessão do uso de bens móveis ou imóveis e as transferências ou cessões de direitos operadas por força de gestão associada de serviços públicos.

Os entes da Federação consorciados, ou os com eles conveniados, poderão ceder-lhe servidores, na forma e condições da legislação de cada um.

O protocolo de intenções deverá ser publicado na imprensa oficial.

 

Bibliografia: CRETELLA JR., José. “Direito Administrativo Brasileiro”, 2ª edição, nº 0620, Rio de Janeiro: Forense, 2000. DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, nº 517, 18ª edição, revista e atualizada por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves, Rio de Janeiro: Forense, 2001. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, “Curso de Direito Administrativo” – 12ª edição – 2ª tiragem – Revista, Atualizada e Aumentada. RJ: FORENSE, 2002.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Francisco Mafra.

 

Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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