Resumo: O presente trabalho tem a finalidade de analisar a competência para o licenciamento ambiental, com foco nas propostas legislativas de regulamentação do art. 23, incisos VI e VII da CF/88. Procedeu-se uma breve abordagem sobre o licenciamento ambiental e normas que atualmente definem a competência do órgão para licenciar. Após, foram analisados os projetos de lei visando à regulamentação do art. 23 da CF/88, especialmente quanto aos dispositivos que tratam da competência para o licenciamento ambiental, e sua tramitação. Chegou-se, então, à conclusão de que a edição de lei complementar, conforme versão final aprovada na Câmara dos Deputados, não implicará na resolução dos conflitos institucionais existentes.
Palavras chave: Licenciamento ambiental. Competência. Propostas de regulamentação do art. 23 da CF/88.
Sumário: 1. Introdução. 2. O licenciamento ambiental. 2.1 A incorporação do licenciamento ambiental no ordenamento jurídico brasileiro. 2.2 Competência para o licenciamento. 3. As propostas de regulamentação do art. 23, incisos VI e VII da Constituição Federal. 3.1 O Projeto de Lei Complementar nº 12 de 2003. 3.2 O Projeto de Lei Complementar nº 388/2007. 3.3 Os Substitutivos das Comissões da Câmara dos Deputados. 3.4 A Emenda Substitutiva de Plenário nº 01/2009. 3.5 O Projeto de Lei da Câmara nº 01/2010. 4. Conclusões. 5. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O presente trabalho tem como objeto a análise da competência para o licenciamento ambiental, com foco nas propostas legislativas de regulamentação do art. 23, incisos VI e VII da Constituição Federal de 1988, destinadas a fixar as normas para a cooperação entre os entes federados tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, conforme determinação do seu parágrafo único. A justificativa para a escolha do tema reside não só na conflituosidade que, ainda hoje, verifica-se na determinação do órgão competente para licenciar, o que tem dificultado a efetividade do instrumento, mas também pela escassez de trabalhos na área. Em verdade, muitos textos citam que os conflitos de competência para licenciar poderiam ser equacionados em sendo editada a lei complementar prevista no parágrafo único do art. 23 da CF/88, mas poucos analisam se as propostas de lei em tramitação no Congresso Nacional são adequadas para proporcionar a solução dos conflitos existentes.
Para se proceder à avaliação das propostas, em primeiro lugar, foi feita, uma breve abordagem sobre o licenciamento ambiental, especialmente quanto à incorporação do instrumento no ordenamento jurídico brasileiro, as normas que atualmente definem a competência do órgão para licenciar e as controvérsias jurídicas que as envolvem. O trabalho é, assim, estruturado em duas partes, a primeira sobre o licenciamento ambiental, e a segunda específica quanto às propostas que visam regulamentar o art. 23 da CF/88.
2. O Licenciamento Ambiental
2.1 Incorporação do licenciamento ambiental no ordenamento jurídico brasileiro
No Brasil, a introdução das idéias e métodos de previsão de impactos de grandes projetos iniciou-se no final da década de 70 e começo dos anos 80, com a difusão de trabalhos técnicos do Banco Mundial envolvendo, em sua maioria, a construção de hidrelétricas e sua cadeia de conseqüências ambientais[1]. Isso se deu em razão da Organização das Nações Unidas – ONU, desde a Conferência de Estocolomo em 1972, ter apoiado uma política ambiental global, influenciando as organizações financeiras internacionais a exigir o estudo de impacto ambiental para o financiamento de projetos, a exemplo da Usina Hidrelétrica de Sobradinho já em 1972[2]. A institucionalização da avaliação de impactos ambientais, por meio de sua incorporação no ordenamento jurídico, se deu, assim, por fortes pressões do Banco Mundial[3].
O modelo legislativo adotado pelo Brasil teve como inspiração o National Environmental Policy Act – NEPA[4], de 1969, do direito norte-americano[5], o primeiro diploma legal a cuidar expressamente do tema[6], ao estabelecer tais estudos quando da realização de projetos, planos e programas e propostas legislativas de intervenção no meio ambiente[7]. Devemos ressaltar, porém, que, apesar dessa inspiração no modelo norte-americano, o sistema brasileiro, ante as particularidades do país, sofreu adaptações e aperfeiçoamentos[8]. Por essa razão, a análise das questões ligadas ao tema deve ter sempre em conta a realidade nacional e do ordenamento jurídico em vigor, em que pese possível proximidade na redação dos dispositivos legais brasileiros com os do direito comparado.
No âmbito federal[9], a primeira lei a estabelecer a necessidade de realização de estudos de avaliação de impacto como ato prévio à tomada de decisão por parte do poder público foi a Lei nº 6.803, de 02 de julho de 1980, que trata do zoneamento industrial em áreas críticas de poluição. Tal Lei, todavia, tinha o alcance muito restrito e setorizado[10].
Em 1981, o Congresso Nacional, em resposta ao clamor público provocado pelos efeitos da poluição industrial em Cubatão, no Estado de São Paulo, extensamente noticiado à época, aprovou a Lei nº 6.938, estabelecendo a Política Nacional de Meio Ambiente – PNMA, e instituindo o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA[11]. Destacamos que tal Lei, que alterou o panorama normativo da proteção e defesa do meio ambiente no Brasil, foi recepcionada pelo disposto no art. 225 da CF/88, o que demonstra a sua atualidade e importância[12][13].
A Lei da PNMA, de modo a compatibilizar o desenvolvimento econômico-social do País com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, instituiu como instrumentos para a sua efetivação a avaliação de impactos ambientais – AIA e o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras[14]. Tais instrumentos significaram um marco no direito ambiental brasileiro, pois, até então, apenas as variáveis econômicas eram consideradas no desenvolvimento de projetos e empreendimentos, sem a inserção da preocupação com o meio ambiente[15].
A AIA, em sua concepção original, era destinada a todos os níveis de decisão, incluindo a avaliação de políticas, planos e programas[16]. O Decreto regulamentador[17] da Lei da PNMA, e a Resolução Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) nº 01/86, contudo, ao vincularem a AIA ao processo de licenciamento ambiental, terminaram por restringir a aplicação do instrumento[18], como se constata pela quase exclusividade da experiência brasileira com AIA ser voltada para a análise de projetos e empreendimentos[19]. Também por esse fato, verifica-se a confusão[20] existente na doutrina entre AIA e Estudo de Impacto Ambiental – EIA, sendo o EIA apenas uma das formas de AIA[21], de abrangência restrita ao licenciamento de obra ou atividade que possa causar significativa degradação ao meio ambiente.
O licenciamento ambiental, por sua vez, nem sempre dependerá da realização do EIA, pois quando não envolver atividade ou empreendimento potencialmente causador de significativa degradação ao meio ambiente, poderá ter por base outras espécies de estudos ambientais[22]. Neste ponto, cabe ressaltar que a fim de padronizar a exigência do EIA no licenciamento ambiental, a Resolução CONAMA nº 01/86 apresenta em seu anexo um rol de atividades em que seria obrigatório, ou seja, em que se presume a potencialidade de significativa degradação ao meio ambiente. Como reconhece a maioria da doutrina[23], tal rol seria meramente exemplificativo, devendo ser exigido o EIA sempre que, no caso concreto, forem constatados os requisitos constitucionais e legais para tanto.
Desde a instituição do licenciamento ambiental pela Lei da PNMA, a sua conformação jurídica tem sofrido constante desenvolvimento, sendo que as principais normas gerais[24] que o regem atualmente são a própria Lei nº 6.938/81, e o Decreto regulamentador nº 99.274/90, e as Resoluções do CONAMA[25] nº 01/86, que trata do uso e implementação da avaliação de impacto ambiental, nº 09/87, que disciplina a realização das audiências públicas no âmbito do EIA, e a nº 237/97, que dispõe sobre o procedimento do licenciamento, inclusive quanto à competência para licenciar, a seguir analisada.
Conforme disposto no art. 1º, I, da Resolução CONAMA nº 237/97, a definição legal de licenciamento ambiental é o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.
O licenciamento ambiental visa, portanto, a exercer um controle prévio e a acompanhar as atividades humanas capazes de gerar impactos sobre o meio ambiente, de modo a assegurar a qualidade de vida da população e promover o desenvolvimento sustentável, ao buscar conjugar a eficiência econômica e a justiça social à proteção do meio ambiente[26], e concretizar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Em razão de sua finalidade, o licenciamento ambiental é considerado um dos mais importantes instrumentos de caráter preventivo da gestão ambiental, constituindo-se no principal canal de consideração das questões socioeconômicas[27], e de integração da preocupação ambiental, ao complexo de fatores que influenciam a tomada de decisão por parte da Administração[28].
Realizada a contextualização do tema licenciamento ambiental no Brasil, e de sua importância, passar-se-á, agora, a analisar a questão da competência para licenciar, com foco nas atuais regras vigentes e controvérsias jurídicas que as envolvem, de modo a permitir a posterior apreciação das propostas de lei complementar de regulamentação dos incisos VI e VI do art. 23 da CF, especialmente quanto à competência dos órgãos licenciadores.
2.2 Competência para o licenciamento ambiental
Uma das questões que mais suscita divergências na doutrina ambiental brasileira é a delimitação da competência para a realização do licenciamento ambiental, pois, como será demonstrado, inexiste um sistema claro de repartição das mesmas[29]. Nesse contexto, a edição e implementação da lei complementar prevista no parágrafo único do art. 23 da CF é, geralmente, indicada como meio de solucionar os conflitos, positivos e negativos, verificados entre os órgãos federal, estaduais e municipais integrantes do SISNAMA que, invariavelmente, implicam na judicialização do procedimento e dificultam a sua efetividade.
Dentre as controvérsias doutrinárias existentes quanto ao tema, destacamos as questões da constitucionalidade e legalidade, das Resoluções CONAMA nº 01/86 e 237/97, e dos critérios a serem utilizados para a solução dos eventuais conflitos de competência, por considerarmos as mais relevantes para a posterior análise das propostas de regulamentação do art. 23, VI e VII, da CF.
Quanto à Resolução CONAMA nº 01/86, a discussão diz respeito à sua recepção ou não pela CF/88, ante a determinação constante do inciso IV, do § 1º, do art. 225, de edição de lei para a exigência de EIA para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, e do disposto no art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, que estabelece a revogação, a partir de 180 dias da promulgação da CF/88, dos dispositivos legais que atribuíam ou delegavam a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela CF ao Congresso Nacional, no que tange a sua ação normativa.
Em defesa da recepção da Resolução CONAMA nº 01/86 pela CF/88 temos o posicionamento doutrinário no sentido de que o art. 25 do ADCT alcançaria as normas de delegação, e não os atos normativos decorrentes das mesmas que tenham sido expedidos antes da sua promulgação, em 1988[30], o que se considera ser o entendimento mais correto. Assim, enquanto não editada lei disciplinando o assunto, deve-se seguir aplicando a Resolução CONAMA nº 01/86 quanto ao EIA.
Com relação à Resolução CONAMA nº 237/97, o debate constitucional diz respeito ao fato do parágrafo único do art. 23 da CF/88 exigir a edição de lei complementar para fixar as normas de cooperação entre os entes federados, no que toca às competências administrativas constantes do artigo, dentre elas as dispostas nos incisos VI e VII, quais sejam: proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas e preservar as florestas, a fauna e a flora. Já quanto a sua legalidade, a discussão é pertinente ao fato da Resolução ter inovado quanto ao disposto do art. 10 da Lei nº 6.938/81[31], especialmente ao prever a competência municipal para licenciar, estabelecer o nível único de competência, e definir critérios para a repartição dessas competências que não estariam previstos na Lei.
Parte da doutrina ambiental brasileira defende que a Resolução CONAMA nº 237/97 seria ao menos parcialmente inconstitucional, pois, em que pese ter tentado dirimir os conflitos existentes entre as três esferas federativas e evitar a duplicidade de atuação, não seria o meio capaz de dispor e alterar a repartição constitucional de competências administrativas[32], que poderiam ser, com isso, exercidas em sobreposição. Assim, para essa corrente doutrinária, enquanto não editada a lei complementar prevista parágrafo único do art. 23 da CF/88, os critérios para a repartição de competências devem ser extraídos diretamente da Carta Magna, com destaque para o princípio da predominância do interesse[33]. Ante tal entendimento, chega-se a defender, inclusive, que a Resolução CONAMA nº 237/97 seria adequada ao que dispõe a CF/88 apenas quando aplica critérios baseados no princípio da predominância do interesse, sendo inconstitucional ao tratar de outros critérios, como o da dominialidade[34].
Quanto à competência municipal para licenciar, é de se destacar que foi a CF/88 que atribuiu ao município a condição de entidade federativa autônoma, com competências legislativas e administrativas próprias, sendo que a Lei da PNMA é anterior a este fato. Deste modo, a Resolução CONAMA nº 237/97 teria, neste ponto, apenas adequado o disposto na Lei nº 6.938/81 aos novos mandamentos constitucionais[35].
No que pertine ao nível único de competência para licenciar, é também da própria CF/88 que podemos extrair a necessidade de cooperação entre os entes da federação quando do exercício da competência material comum, ou seja, que esse exercício de atribuições não pode se dar de forma indiscriminada ou por superposição[36]. Não é razoável, assim, o entendimento de que o licenciamento ambiental possa se dar de forma dúplice e até tríplice[37], com evidente desperdício de esforços e contrariamente à necessidade de atuação integrada dos entes federativos.[38]
É razoável concluirmos, assim, que a Resolução CONAMA nº 237/97, ao prever a competência municipal e o nível único para o licenciamento ambiental, estaria materialmente adequada ao que dispõe a CF/88, não sendo, portanto, inconstitucional.
Com relação aos critérios para a repartição da competência para licenciar, vimos que o art. 10 da Lei da PNMA estabelece o licenciamento como um mecanismo fundamentalmente desempenhado pelo órgão estadual de meio ambiente, podendo ser exercido pelo IBAMA em caráter supletivo, ou no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional. Deste modo, a Lei, em que pese o silêncio quanto aos órgãos municipais acima discutido, traz a magnitude dos impactos e a sua localização, de âmbito nacional ou regional, para a repartição das competências entre o IBAMA e os órgãos estaduais, além da atuação supletiva que o IBAMA poderia exercer.
A Resolução CONAMA nº 237/97, por sua vez, ao tratar da competência do IBAMA buscou especificar os casos em que o impacto significativo seria considerado de âmbito nacional ou regional, estabelecendo competir à Autarquia o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional que: a) localizem-se ou sejam desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União; b) localizem-se ou sejam desenvolvidas em dois ou mais Estados; c) os impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados; d) sejam destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN; e) digam respeito a bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica.
Quanto aos órgãos estaduais, a Resolução CONAMA nº 237/97, estabelece competir o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades que: a) localizem-se ou sejam desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal; b) localizem-se ou sejam desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais; c) os impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios; e) sejam delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio.
No que diz respeito aos municípios, a Resolução CONAMA nº 237/97 estabelece caber aos mesmos, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio.
Como se pode verificar, a Resolução adotou critérios consubstanciados em conceitos como o de impacto ambiental, sua significância e área de influência direta, e outros baseados na territorialidade e dominialidade para definição da competência para licenciar.
Quanto à territorialidade e dominialidade, como referido, parte da doutrina entende que nessa parte a Resolução seria inconstitucional, pois teria adotado critério diverso do consernente ao princípio da preponderância do interesse. Outra corrente doutrinária, que consideramos mais acertada, contudo, defende que, em regra, o critério geográfico reflete o princípio da predominância do interesse, aplicando-se o princípio da subsidiariedade quando persistir o conflito em cada caso concreto.[39]
No que pertine aos conceitos como o de impacto ambiental, sua significância e área de influência direta, verifica-se que são de difícil determinação em abstrato, o que implica em discussões, em cada caso concreto, quanto a sua configuração. Ademais, os impactos indiretos podem ser mais significativos que os diretos[40], mostrando-se muitas vezes inadequada essa vinculação.
Constata-se, com isso, que a Resolução CONAMA nº 237/97, na tentativa de dirimir conflitos, apresenta um sistema de distribuição de competências diverso do estabelecido na Lei da PNMA, porém mais adequado ao que dispõe à CF/88[41], ao incluir, por exemplo, a competência municipal para licenciar. Contudo, ao apresentar critérios para a determinação da competência consubstanciados em conceitos de difícil determinação, como o de impacto ambiental e de sua significância e área de influência direta, termina por estabelecer um sistema altamente complexo de repartição de competências para o licenciamento ambiental.[42]
Vejamos, agora, em que consistem as principais propostas de regulamentação do art. 23, incisos VI e VII, da CF/88, com fundamento no disposto no parágrafo único do mesmo artigo.
3. As propostas de regulamentação do art. 23, incisos VI e VII da Constituição Federal
3.1 O Projeto de Lei Complementar nº 12 de 2003[43]
O Projeto de Lei Complementar nº 12 – PLP nº 12/2003, proposto em fevereiro de 2003, pelo Deputado Sarney Filho, é o principal Projeto nesse sentido tramitando no Congresso Nacional, sendo que as demais propostas quanto ao tema foram apensadas ao mesmo para análise conjunta. Visa o PLP nº 12/2003 fixar normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no que se refere às competências comuns previstas nos incisos VI e VII do art. 23 da CF. Conforme justificação do Projeto apresentada pelo proponente:
“A necessidade de edição de lei complementar regulando as formas de cooperação entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios para o exercício das competências comuns de que trata o art. 23 da Constituição Federal (proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer uma de suas formas, e preservar as florestas, a fauna e a flora) tem sido destacada em diversas ocasiões nesta Casa. Recentemente, o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a “investigar o tráfico ilegal de animais e plantas silvestres da fauna e flora brasileiras” apresentou, entre outras recomendações, a seguinte:
“O Poder Executivo e o Legislativo devem envidar esforços conjuntos no sentido de aprovar uma lei complementar regulando a competência comum de União, Estados e Municípios no trato da questão ambiental, com base no art. 23, parágrafo único, e incisos VI e VII, da Constituição Federal. Sugere-se que nesse trabalho haja uma ampla negociação com Estados e Municípios, que pode ser coordenada pelo CONAMA.”
O projeto de lei complementar ora apresentado tem por objetivo servir de suporte inicial a essa importante discussão.” [44]
Com relação à repartição de competências entre os entes federativos, a proposta inicial do Projeto definia como princípios de cooperação a atuação: a) da União nos temas abrangidos diretamente pela lei complementar, nos casos de interesse nacional ou regional e, supletivamente, sempre que necessário à garantia do meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado; b) dos Municípios nos temas abrangidos pela lei complementar nos casos de interesse exclusivamente local e, nos demais casos, sempre que necessário, em caráter preliminar, até a efetivação da atuação pelo ente federativo competente; e c) dos Estados e do Distrito Federal, nos temas abrangidos pela lei complementar, em todos os casos não caracterizados como de interesse nacional, regional ou exclusivamente local.
O Projeto dispunha ainda que caberia ao órgão colegiado nacional integrante do SISNAMA, entre outros, estabelecer: as normas a ele expressamente delegadas por leis federais e seus regulamentos; a relação de empreendimentos e atividades potencialmente causadores de significativa poluição ou degradação do meio ambiente, para efeito de exigência do EIA; e avocar para a esfera federal o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades potencialmente causadores de significativo impacto ambiental de caráter regional ou nacional.
Quanto aos órgãos federais do SISNAMA, o Projeto previa serem da sua competência, entre outras, efetuar o licenciamento ambiental de empreendimento ou atividade: a) com significativo impacto ambiental regional ou nacional, assim reconhecido por decisão específica do órgão colegiado; b) desenvolvido em dois ou mais Estados, conjuntamente no Brasil e em país limítrofe, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva; c) que afete terras indígenas ou unidade de conservação instituída pela União; d) destinado a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilize energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações; e) que envolva organismo geneticamente modificado;e f) militar, observada a legislação específica. Seria ainda competente para efetuar o registro ou o licenciamento ambiental para a fabricação e comercialização de substâncias, produtos e equipamentos potencialmente causadores de poluição ou degradação do meio ambiente.
Com relação aos órgãos estaduais integrantes do SISNAMA, previa o Projeto que teriam, entre outras, a competência para efetuar o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades potencialmente causadores de poluição ou degradação do meio ambiente que não forem da competência dos órgãos federais. Já os órgãos municipais poderiam efetuar o licenciamento ambiental apenas em substituição ao órgão estadual, no caso de empreendimento ou atividade cujo impacto ambiental circunscreva-se ao território do município, se assim for previsto por convênio com o órgão estadual.
Como se pode perceber, o Projeto se diferenciava do disposto na Resolução CONAMA nº 237/97, especialmente no que diz respeito à competência municipal, que passa a ser apenas substitutiva da estadual e dependente de previsão em convênio celebrado com tal finalidade. Ademais, a competência estadual se daria sempre que o licenciamento não fosse federal, conforme os casos elencados, que não diferem em muito do que consta da Resolução.
Quanto a sua tramitação, cabe destacar que o Projeto foi inicialmente distribuído para análise apenas das Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – CMADS[45] e Constituição e Justiça e Cidadania – CCJC[46]. Posteriormente, em 2004, em razão de deferimento de requerimento[47] da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural – CAPADR, o Projeto passou também a ser analisado por essa Comissão.
Na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, em 2004, o Projeto foi distribuído ao Deputado Ronaldo Vasconcellos que, ressaltando a relevância da iniciativa, propôs a sua aprovação com algumas emendas, dentre elas: a previsão de que os custos da gestão ambiental relativos ao licenciamento e todas as análises técnicas realizadas no âmbito do processo de licenciamento ou emissão de autorizações constituem ônus do empreendedor; previsão de novas competências ao órgão colegiado criado no âmbito do SISNAMA, inclusive para deliberar sobre projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas repercussões extrapolem a circunscrição dos Estados em que serão implantados e estabelecimento de prazos máximos para a manifestação conclusiva do órgão licenciador sobre pedido de licença ambiental; criação de órgãos colegiados setoriais a integrar o SISNAMA; e a avocação do licenciamento para a esfera federal também poderia ocorrer para o exercício da função supletiva, quando o órgão estadual ou municipal não proferisse decisão no prazo estabelecido.
Contudo, conforme referido, após o parecer do Deputado Ronaldo Vasconcellos na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, foi deferido o requerimento da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural de que o Projeto deveria passar previamente por aquela Comissão antes do pronunciamento das demais. De 2004 a 2007, foram designados vários relatores na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, sem que tenha sido proferido relatório.
3.2 O Projeto de Lei Complementar nº 388/2007[48][49]
Em 2007, apensou-se ao PLP nº 12/2003 a proposta apresentada pelo Poder Executivo, no mesmo ano, o Projeto de lei complementar nº 388 – PLP nº 388/2007, parte do pacote de medidas legislativas do Plano de Aceleração do Crescimento – PAC[50]. Conforme exposição de motivos, teria sido o resultado de Grupo de Trabalho formado por representantes do Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, Agência Nacional de Águas – ANA, da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente – ABEMA e da Associação Nacional dos Municípios e Meio Ambiente – ANAMMA, visando a definir, de forma cooperada e racional, as atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para o exercício da gestão ambiental.
O PLP nº 388/2007 previa expressamente a necessidade de observância do critério da predominância do interesse nacional, regional ou local, para a prática das ações administrativas decorrentes da competência comum, o que não afastaria a atuação subsidiária dos demais entes federativos. Quanto ao licenciamento ambiental, determinava ser da competência da União as atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental direto de âmbito nacional ou regional; b) localizados ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; c) localizados na plataforma continental, na zona econômica exclusiva, em terras indígenas ou em unidades de conservação da União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental – APAs, onde deverá ser observado o critério do impacto ambiental direto das atividades ou empreendimentos; d) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN; e e) empreendimentos e atividades militares que servem a defesa nacional. Com relação aos Estados e Municípios, estabelecia a competência para os casos de impacto direto no âmbito estadual ou local e quando se tratasse de Unidades de Conservação dos Estados ou Municípios.
Verifica-se, assim, que o PLP 388/2007 acrescentou o conceito de impacto direto para a repartição de competências, o que é de difícil definição, e concentrou as competências no âmbito federal, reservando aos estados e municípios apenas os casos de impacto direito estadual ou local e os que tratem de Unidades de Conservação das respectivas esferas federativas.
Outro dispositivo importante do Projeto previa expressamente que, quanto aos casos de iminência ou ocorrência de dano ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá agir para evitá-lo ou cessá-lo, comunicando imediatamente o ente responsável, para as providências devidas.
3.3 Dos Substitutivos das Comissões da Câmara dos Deputados
No âmbito da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, foi designado, em 2005, o Deputado Moacir Micheletto como relator. Após o apensamento do PLP nº 388/2007 ao PLP nº 12/2003, em 2007, o referido Deputado apresentou parecer pela aprovação dos Projetos na forma do Substitutivo.
Quanto ao licenciamento ambiental, o Substitutivo apresentado trouxe alterações relevantes em relação aos PLPs, especialmente por vincular o controle e a fiscalização de atividades e empreendimentos ao ente competente para licenciar, e exigir lei para a determinação do que seriam atividades efetivas ou potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais. Ademais, concentrou o licenciamento ambiental no âmbito estadual, restando aos municípios a competência para licenciar apenas quando se tratasse de unidade de conservação municipal, e à União, os casos de empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos: a) conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) no mar territorial, plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) em terras indígenas; d) em unidades de conservação de domínio da União; e) em dois ou mais estados; e f) no âmbito militar.
O Substitutivo foi aprovado na Comissão com os votos contrários apenas dos Deputados Adão Pretto e Domingos Dutra. Este último, ressaltando em voto em separado que a Comissão teria extrapolado a sua competência ao adentrar em matérias estranhas ao seu campo temático, a exemplo da previsão de lei para a criação de unidades de conservação e determinação de pagamento de indenizações por limitações administrativas à propriedade.
Após passar pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, o PLP nº 12/2003, aprovado na forma do Substitutivo, foi encaminhado à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, tendo sido distribuído ao Deputado Nilson Pinto. Antes da sua análise, foi apensado ao mesmo novo Projeto de Lei Complementar, visando a regulamentar o tema, o PLP nº 127/2007, de autoria do Deputado Eliseu Padilha. Conforme justificativa apresentada pelo proponente, o PLP nº 127/2007 teria sido o resultado de estudos realizados no Estado do Rio Grande do Sul, por grupo formado pelos órgãos federal e estadual de meio ambiente, e federação das associações dos municípios do Estado, com vistas a subsidiar a proposta do Governo Federal, mas que estaria sendo apresentado autonomamente, por não ter sido aproveitado pelo PLP nº 388/2007.
O parecer do relator, aprovado por unanimidade na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentáve,l em 2007, foi pela aprovação dos PLPs nº 12/2003 e apensos, na forma de novo substitutivo, visando, como explicitado na sua justificativa: a) o aperfeiçoamento dos dispositivos relativos aos instrumentos de cooperação; b) o aprimoramento de requisitos para a delegação de competências; c) a correção de alguns problemas existentes nas propostas em relação às atribuições previstas para cada nível de governo, de forma a assegurar a coerência interna do texto e observar o princípio da predominância do interesse; e d) o aprimoramento da redação do dispositivo que estabelece prazos para a tramitação dos processos de licenciamento e regras para as complementações de informações, sem que haja emissão tácita das licenças pelo decurso dos prazos.
Quanto à competência para o licenciamento, estabeleceu o substitutivo que caberia à União os casos de empreendimentos e atividades: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, definidas em ato normativo do Poder Executivo; b) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; c) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; d) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; e) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação de domínio da União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental – APAs; f) localizados ou desenvolvidos em dois ou mais Estados; g) relacionados às atividades finalísticas das Forças Armadas, na forma da lei; ou h) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN.
Aos municípios competiria a promoção do licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito exclusivamente local; ou b) localizados em unidades de conservação do Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental – APAs. Já aos Estados caberiam todos os casos que não fossem de âmbito federal ou municipal.
O relator no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, por sua vez, o deputado Geraldo Pudim, também apresentou Substitutivo para a aprovação do PLP nº 12/2003 e apensos, em 2009. Em tal substitutivo, competia a promoção do licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) que atendam tipologia definida pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; b) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; c) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; d) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; e) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental – APAs; f) localizados ou desenvolvidos em dois ou mais Estados; g) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999; ou h) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN.
Aos municípios competiria o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental – APAs. Aos Estados permaneceria a competência para o licenciamento de tudo o que não fosse atribuição da União ou dos municípios.
3.4 A Emenda Substitutiva Global de Plenário nº 01/2009[51]
Levadas as proposições ao Plenário, foi apresentada Emenda Substitutiva Global pelos Deputados Paulo Teixeira, José Genoíno e Mendes Ribeiro Filho, o que obteve parecer favorável dos relatores das três Comissões pelas quais passou o Projeto.
Quando da votação, a Emenda Substitutiva foi aprovada, conforme redação final do relator, o deputado Geraldo Pudim, restando prejudicada a proposição inicial, Projetos apensados e Substitutivos. Apenas quanto ao § 3º do art. 17, que estabelece nulidade de auto de infração ambiental lavrado por órgão que não detenha a atribuição para o licenciamento ambiental, houve destaque para votação em separado, mas que acabou por ser aprovado. Tal previsão pode implicar, por exemplo, em esvaziamento da fiscalização do IBAMA com relação aos imóveis rurais, inclusive quanto aos desmatamentos ilegais, pois caberia aos Estados o licenciamento das atividades em tais imóveis.
Conforme versão final aprovada em Plenário pela Câmara dos Deputados, compete à União promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental – APAs; e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN; ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento.
Aos municípios compete, observadas as atribuições dos demais entes federativos, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental – APAs. Aos Estados resta a competência para licenciar as atividades e empreendimentos que não forem de atribuição federal ou municipal, e quando localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental – APAs.
Verifica-se, assim, que pela Emenda Global de Plenário fica criada uma Comissão Tripartite Nacional, formada por representantes dos Poderes Executivo Federal, Estadual e municipais, com atribuições, entre outras, de propor tipologias a fim de se definir a repartição de competências, considerados critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento. Tal previsão esvazia a competência do CONAMA, que é um órgão colegiado no qual é prevista a ampla participação da sociedade, e não estava prevista em nenhuma das proposições anteriores. Ademais, adota o critérios de difícil definição, baseados em conceitos como o de porte e potencial poluidor, sem se referir expressamente, contudo, à significância do impacto.
Consta entre os objetivos da proposta a harmonização das políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente. Quanto ao licenciamento, é previsto tratar-se de procedimento de atribuição de um único ente federativo, podendo os demais entes interessados manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental.
Estabelece, ainda, que os órgãos licenciadores devem observar os prazos estabelecidos para tramitação dos processos de licenciamento, sendo que o decurso dos prazos de licenciamento, sem a emissão da licença ambiental, não implica emissão tácita nem autoriza a prática de ato que dela dependa ou decorra, mas instaura a competência supletiva do ente federativo de abrangência superior.
3.5 O Projeto de Lei da Câmara nº 01/2010[52]
Aprovado pelo Plenário da Câmara, o Projeto foi encaminhado ao Senado, em janeiro de 2010, onde recebeu a denominação de Projeto de Lei da Câmara nº 01 de 2010 – PLC nº 01/2010, e foi distribuído para análise das Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ e de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle – CMA.
No âmbito da CCJ, foi o Projeto distribuído à Senadora Kátia Abreu, que apresentou parecer favorável à sua aprovação, com a rejeição das três emendas propostas pela Senadora Marina Silva, o que foi acolhido pela Comissão. Com relação ao licenciamento, uma das emendas apresentadas sugere a alteração do dispositivo que trata das atividades e empreendimentos de caráter militar, pois da forma como consta do Projeto, quase todas restariam excluídas do licenciamento. Outra emenda propõe que se retire a previsão de que o licenciamento de atividades e empreendimentos com significativo impacto ambiental ou nacional necessite de atender tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional a ser instituída, mantendo-se tal atribuição com o CONAMA.
Encaminhado o Projeto à Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle – CMA, foi distribuído para relatoria do Senador Romero Jucá, encontrando-se os autos, até o fechamento do presente trabalho, em julho de 2010, no aguardo da emissão de tal parecer.
4. Conclusões
O licenciamento ambiental é um dos mais importantes instrumentos de caráter preventivo da gestão ambiental, pois visa exercer um controle prévio e acompanhar as atividades humanas capazes de gerar impactos sobre o meio ambiente, buscando-se a concretização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o desenvolvimento sustentável como meta. Apesar de sua relevância, o licenciamento ambiental não tem sido muito efetivo, o que pode ser aferido das controvérsias existentes quanto ao tema.
Uma das questões que mais causam divergências na doutrina ambiental com relação ao licenciamento é a competência para se definir o órgão licenciador. Tais conflitos, invariavelmente, implicam na judicialização do procedimento e dificultam a sua efetividade. Nesse contexto, a edição e implementação da lei complementar prevista no parágrafo único do art. 23 da CF/88 é, geralmente, indicada como meio de solucionar as divergências verificadas entre os órgãos federal, estaduais e municipais integrantes do SISNAMA.
Da análise das propostas de regulamentação do art. 23 da CF/88, contudo, é razoável concluir-se que a edição de lei complementar, conforme versão final aprovada na Câmara dos Deputados, não implicará na resolução dos conflitos institucionais existentes, pois permanece a utilização de conceitos de difícil determinação concreta, além de implicar num novo procedimento, menos democrático que esvazia a competência do CONAMA. Ademais, a vinculação da fiscalização ao licenciamento ambiental pode implicar, por exemplo, na inviabilização da fiscalização do IBAMA quanto ao desmatamento ilegal em imóveis rurais, pois competiria aos Estados o licenciamento das atividades em tais imóveis. De todo modo, a edição de lei complementar poderá por fim, ao menos, às discussões quanto à legalidade e constitucionalidade das Resoluções do CONAMA que tratam do tema.
Procuradora Federal junto à PFE/IBAMA. Ex-Consultora Jurídica do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF. Especialista em Desenvolvimento Sustentável e Direito Ambiental pela Universidade de Brasília – UnB. Mestranda em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Associada ao Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP
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