O ineditismo do CDC foi ter identificado um sujeito de direitos especiais, o consumidor e, ainda ter construído um sistema de normas e princípios orgânicos para protegê-lo e efetivar seus direitos[1].
O CDC trata da realização de um direito fundamental (positivo) de proteção do Estado para o consumidor (art. 5º, XXXII da CF/1988). O consumidor foi identificado constitucionalmente (art. 48 ADCT) como agente a ser necessariamente protegido de forma especial (a chamada tutela diferenciada).
Entender os princípios consagrados pelo Código de Defesa do Consumidor é um dos pontos de partida para melhor compreensão de todo sistema protetivo dos vulneráveis negociais.
Afinal o CDC adotou um sistema aberto de proteção baseado em conceitos legais indeterminados[2] e construções vagas que possibilitam a melhor adequação aos casos concretos.
Realizando a confrontação principiológica entre o Código Civil Brasileiro vigente e o CDC percebemos que muitos de seus conceitos encontram raízes na Lei 8.078/1990. E, devido a essa aproximação entre esses dois diplomas legais, a doutrinadora Claudia Lima Marques, a partir da lição de Heideberg Erik Jayme[3] propôs o diálogo das fontes[4], onde se dá prevalência à coerência, a complementariedade e da subsidiariedade.
No plano conceitual os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.
Enfim, os princípios são regras de conduta que norteiam o juiz na interpretação da norma, do ato ou negócio jurídico. Os princípios são vetores axiológicos e ideológicos e como regras estáticas que carecem de concreção se tornam indispensáveis para a aplicação do direito. E tem como função primordial auxiliar o julgador no preenchimento de lacunas. Também são aplicáveis de forma subsidiária e possuem incidência imediata.
Os princípios podem ser extraídos nos arts. 1º, 4º e 6º do CDC e, ainda existem outros princípios implícitos, como é o caso do princípio da boa-fé objetiva e, ainda a função social dos contratos.
O art. 1º do CDC acena com o princípio do protecionismo do consumidor e, por isto o CDC estabelece normas de ordem pública e de interesse social.
Sempre lembrando que a proteção dos consumidores é um dos fundamentos da ordem econômica[5] brasileira. Por ser de ordem pública a normatização do CDC, veio a Lei 12.291/2010[6] determinar como obrigatória a disponibilidade e exibição de um exemplar do CDC em todos os estabelecimentos comerciais do país, sob pena de multa no valor de R$ 1.064,10 (hum mil e sessenta e quatro reais e dez centavos).
O princípio do protecionismo do consumidor impõe que as regras do CDC não podem ser afastadas por convenção das partes, sob pena de nulidade absoluta. Nesse particular se erige como restrição a autonomia privada dos contratantes.
Aliás, o art. 51, inciso XV do CDC segundo o qual são nulas de pleno direito as cláusulas abusivas que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. A segunda consequência é que caberá a intervenção do Ministério Público em questões envolvendo problemas de consumo.
O art. 82, inciso II do CDC enuncia que compete ao Ministério Público intervir nas ações em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou pela qualidade da parte, o que é justamente o caso das demandas de consumo.
A terceira consequência que pela relevância da prestação constante no CDC deve ser conhecida de ofício pelo juiz, a nulidade eventual cláusula abusiva[7].
De acordo com a realidade da sociedade de consumo, não há como afastar tal posição desfavorável do consumidor, principalmente se forem consideradas as revoluções pelas quais passaram as relações jurídicas e comerciais nas últimas décadas.
As desigualdades oriundas do liberalismo que não encontraram resposta cabal para a solução de problemas decorrentes da crise de relacionamento e de lesionamentos que sofrem os consumidores. Por isso, a necessidade de elaboração de lei protetiva própria, no caso a Lei 8.078/1990.
A vulnerabilidade do consumidor é resultante de presunção iure et iure, não aceitando declinação de prova em contrário, sob nenhuma hipótese. Sendo conceito diverso da hipossuficiência, pois todo consumidor é vulnerável, mas nem sempre é hipossuficiente. A vulnerabilidade é elemento posto da relação de consumo e não um elemento pressuposto, em regra. O elemento pressuposto corresponde à condição de consumidor.
Para a vulnerabilidade pouco importa a situação política social, econômica ou financeira da pessoa, bastando à condição de consumidor conforme o enquadramento dos arts. 2º e 3º do CDC.
O princípio da hipossuficiência do consumidor[8] é previsto no art. 6º inciso VIII, da Lei 8.078/1990, é condição fática e não jurídica diante do caso concreto. Pode ser técnica que corresponde ao desconhecimento em relação ao produto ou serviço adquirido, sendo perceptível na maioria dos casos.
Também leva em consideração a situação socioeconômica do consumidor perante o fornecedor. Igualmente se caracteriza quando há a situação jurídica em que o consumidor é impedido de conseguir prova que se tornaria indispensável para responsabilizar o fornecedor causador de dano verificado.
A hipossuficiência é um plus, um algo a mais que traz ao consumidor mais um benefício, qual seja a possibilidade de pleitear no campo judicial, a inversão do ônus da prova[9], conforme estatui o art. 6º, VIII do CDC.
A real importância do princípio da boa-fé objetiva justifica ser um dos princípios basilares da Política Nacional das Relações de Consumo[10] e busca a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e, compatibiliza com a proteção do consumidor com a necessidade do desenvolvimento econômico e tecnológico.
Assim a boa-fé contratual prevista no Código Civil relaciona-se diretamente com o art. 4º, inciso III do CDC confirmada pelo Enunciado 27 do CJF que informa: “na interpretação da cláusula geral[11] da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema e fatores metajurídicos[12]”.
Assim o enunciado reconhece o imperioso diálogo existente entre as duas leis numa feliz conexão legislativa. Como é notório, a boa-fé objetiva contemporânea é resultante de uma evolução do conceito que saiu do plano psicológico ou intencional (o da boa-fé subjetiva) para o plano concreto da atuação humana (boa-fé objetiva).
Cumpre assinalar que foi o jusnaturalismo e toda a influência católica e cristã que a boa-fé ganhou nova faceta mais relacionada com a conduta dos negociantes, sendo chamada de boa-fé objetiva.
Para Pufendorf[13] a boa-fé é uma regra histórica de comportamento. Então, partiu da subjetivação para a objetivação sendo consolidado pelas codificações privadas europeias.
E o Enunciado 26 do CJF confirma que a boa-fé vem a ser a exigência de um comportamento de lealdade dos participantes negociais em todas as fases da contratação.
A boa-fé[14] objetiva gera os deveres anexos ou laterais de conduta[15] que são inerentes a qualquer negócio, sem a necessidade de previsão no instrumento.
Entre estes deveres merecem destaque especial: o dever de cuidado, o dever de informar, o dever de respeito, o dever de lealdade, o dever de probidade, o dever de informar, o dever de transparência, o de agir honestamente e com razoabilidade.
Possui a boa-fé objetiva, três funções básicas: a) servir de fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual (função criadora); b) constituir causa limitadora do exercício antes lícito, hoje considerado abusivo (função limitadora); c) ser utilizada na concreção e interpretação dos contratos (função interpretativa).
Afinal, a boa-fé se traduz em ser cooperação e respeito, é conduta esperada e leal, sendo tutelada em todas as relações sociais. Ancorando a noção de equilíbrio negocial. A violação da boa-fé objetiva importa em concreta violação contratual e enseja punições cíveis, administrativas e penais conforme o caso concreto.
O art. 9º do CDC valoriza a boa-fé objetiva ao prever o dever do prestador ou fornecedor de informar o consumidor quanto ao perigo ou nocividade do produto ou serviço que coloca no mercado, visando à proteção da sua saúde e da sua segurança[16].
É relevante frisar a existência da responsabilidade objetiva prevista nos arts. 12, 14 e 18 do CDC que trazem as consequências decorrentes da violação do dever, havendo ampliação de responsabilidade inclusive pela informação mal prestada.
Em relação aos meios de oferta, o CDC consagra normas conforme o seu art. 31 que impõe a necessidade de informações precisas quanto à essência, quantidade, qualidade do produto ou serviço. Também há a proibição da publicidade simulada, abusiva e enganosa conforme os arts. 36 e 37 do CDC.
No art. 39 do CDC estabelecer o conceito de abuso de direito como precursor da ilicitude do ato de consumo, em rol exemplificativo de situações, com a penalização civil de condutas que não obedeçam à boa-fé objetiva.
Ainda há os Enunciados 25 e 170 do CJF estabelecendo que o juiz deva aplicar e as partes devem respeitar a boa-fé objetiva nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual.
O princípio da transparência ou da confiança[17] previsto no art. 4º, caput e do art. 6º, III do CDC que consolida a tutela da informação.
No mundo contemporâneo os juristas observaram o déficit de informação do Direito Privado e, ainda o alto poder da publicidade principalmente veiculada nos meios midiáticos. A informação no âmbito jurídico se desdobra no dever de informar e o direito de ser informado, sendo o primeiro relacionado com quem oferece o produto ou serviço, e o segundo, com o consumidor vulnerável.
O amparo da informação já expresso no caput do art. 4º do CDC possibilita a aproximação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Com isso, há regras específicas para disciplinar a publicidade presentes nos arts. 30 e 38 do CDC.
Cabendo o cumprimento forçado do meio de oferta, por meio de tutela processual específica, nos termos dos arts. 35 e 84 do CDC.
O CDC é prova inconteste de que não se pode mais aceitar o contrato regido pela autonomia de vontade ilimitada e com sua força obrigatória – pacta sunt servanda[18]. A sociedade sob o domínio do capital deve rever os contratos notadamente os contratos de consumo.
A mitigação da obrigatoriedade da convenção principalmente na hipótese em que o negócio jurídico celebrado encerrar uma injustiça. A relativização do pacta sunt servanda é trazida principalmente pela função social do contrato. O principal objetivo da função social dos contratos é tentar equilibrar uma situação onde em geral o consumidor figura como vítima trivial das abusividades.
É princípio contratual de ordem pública conforme estatuiu o art. 2.035, parágrafo único do Código Civil de 2002, pelo qual o contrato deve ser necessariamente interpretado e visualizado de acordo com o contexto da sociedade. Resta expresso no art. 421 do C.C. e valoriza a finalidade coletiva dos contratos representando uma nítida limitação ao exercício da autonomia privada no campo contratual.
No CDC o princípio da função social é implícito mesmo sendo aplicável na revisão dos contratos de consumo fundada na teoria da base do negócio jurídico (Larenz) e da culpa in contrahendo (Ihering).
A função social do contrato constitui um regramento que tem tanto eficácia interna (entre os contratantes) quanto à eficácia externa (para além dos contratantes). Aprovou-se o Enunciado 21 do CJF que estabeleceu que a função social do contrato representa uma exceção do princípio da relatividade dos efeitos do contrato, possibilitando a tutela externa do crédito[19], ou seja, a eficácia do contrato perante terceiros.
Exemplo desta aplicação existe a jurisprudência do STF que tem entendido que a vítima de um acidente de trânsito pode demandar diretamente a seguradora do culpado, mesmo não havendo uma relação contratual de fato entre eles. (Vide: STJ Resp 44.4716/BA, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11/05/2004, DJ 31/05/2004, p.300).
Nessa decisão se reconhece que a função social dos contratos está estribada no princípio da solidariedade social (art. 3º, inciso I da CF/1988) ampliando-se as responsabilidades, o que gera o dever de reparar por parte da seguradora, mesmo não tendo contrato assinado e firmado, formalmente com a vítima do acidente.
O CDC inseriu a regra de que mesmo uma simples onerosidade excessiva ao consumidor, decorrente de fato superveniente, poderá ensejar a chamada revisão contratual (art. 6º, inciso V).
É preciso conectar a eficácia interna da função social dos contratos com a conservação dos negócios jurídicos, sendo a extinção contratual tida como última medida. Como tendência em prol da conservação contratual nos socorre a teoria de adimplemento substancial ou substancial performance que é amplamente admitida pela doutrina e jurisprudência.
O Enunciado 261 do CJF/STJ aduz que: “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475”.
Pela teoria do adimplemento substancial em hipótese em que a obrigação tiver sido quase toda cumprida, sendo a mora insignificante, não caberá a extinção do negócio mas apenas outros efeitos jurídicos visando sempre à manutenção da avença (Vide STJ Ag. Rg. 607406/RS, 4ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 09/11/2004, p. 346); (STJ Resp 469577/SC, 4ª T. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 25/3/2003, DJ 05/05/2003, p.310).
Todo o contrato deve ser, em regra geral, mantido e conservado, sendo admitida a sua resolução ou revisão[20] somente quando no mundo fático, de modo a tornar insuportável a manutenção do relacionamento negocial.
A conservação contratual pode ser vista em razão do art. 51, segundo parágrafo do CDC que estabelece a vedação da nulidade automática de todo o negócio jurídico devido à presença de cláusulas abusivas. Pois a nulidade da cláusula abusiva não invalida todo o contrato exceto quando de sua ausência, decorrer um ônus excessivo a qualquer das partes.
Decretando-se a nulidade da cláusula desproporcional, mas mantendo-se todo o resto do negócio jurídico. A parte inútil do negócio jurídico geralmente prejudica a parte útil do negócio.
O princípio da equivalência negocial (art. 6º, inciso II do CDC) é garantido a igualdade de condições no momento da contratação ou de aperfeiçoamento da relação jurídica patrimonial. Reserva-se um tratamento isonômico a todos os consumidores.
Com o advento do CDC leciona Claudia Lima Marques, o contrato passa a ter equilíbrio, conteúdo ou equidade mais controlados, valorizando-se o sinalagma. Segundo Gernhuber, o sinalagma é elemento imanente estrutural dos contratos, é a dependência genética, condicionada e funcional de pelo menos duas prestações correspectivas, é o nexo final oriundo da vontade das partes, é moldado pela lei.
Sinalagma não significa apenas bilateralidade, mas sim, um modelo de organização de relações privadas. O papel preponderante sobre a vontade das partes, a impor uma maior boa-fé nas relações de mercado, conduz o ordenamento jurídico a controlar mais efetivamente este sinalagma e por consequência, o equilíbrio contratual[21].
Mas entre os consumidores podemos identificar os hipervulneráveis tais como idosos, portadores de necessidades especiais, crianças e adolescentes que merecem redobrada proteção.
Pelo princípio da equivalência negocial, assegura-se ao consumidor o direito de conhecer o produto ou o serviço que está adquirindo, de acordo com a ideia de plena liberdade de escolha e do dever anexo de informar.
O Decreto 4.680/2003 que regulamento o direito à informação, prevendo em seu art. 1º, o dever dos fornecedores de informar quanto os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham organismos geneticamente modificados, sem prejuízo do cumprimento das demais normas aplicáveis.
O art. 10 do CDC veda a colocação de produto ou serviço que ofereça alto grau de nocividade à saúde e à segurança. E, nesse caso, há o dever geral de vigilância pós-contratual[22], um momento posterior ao aperfeiçoamento do contrato.
E, para algumas situações, os artigos 81 e 82 do CDC ainda preveem a possibilidade de defesa de interesses e direitos individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos o que faz ser possível a proteção coletiva de consumidores.
Já o regramento básico que prevê a reparação integral dos danos que assegura aos consumidores as efetivas prevenção e reparação de todos os danos suportados, sejam estes materiais ou morais, individuais, coletivos ou difusos. Também faz jus receber por lucros cessantes.
O dano moral coletivo é modalidade de dano que atinge ao mesmo tempo, vários direitos da personalidade, de pessoas determinadas ou determináveis.
Em sede jurisprudencial, superior o principal julgado que admitiu a reparação dos danos morais coletivos foi exarado pela Terceira Turma do STJ no famoso caso das pílulas de farinha. O referido tribunal decidiu por indenizar as mulheres que tomaram as referidas pílulas inócuas e vieram a engravidar, o que não estava planejado.
A indenização foi em face da Schering do Brasil, que fornecia o anticoncepcional chamado de Microvlar, presente da decisão numa apurada análise de extensão de dano em relação às consumidoras. (Vide STF, Resp 866 636/SP, 3ªT., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29/11/2007, DJ 06/12/2007, p.312).
Podemos deduzir três conclusões em face do retromencionado julgado, a saber: A primeira é que o PROCON[23] como entidade de defesa dos consumidores, com legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos com clara repercussão social.
A segunda conclusão é no sentido de que os danos morais podem ser coletivos e não apenas individuais, o que está evidente na leitura do art. 6º, inciso VI do CDC.
A terceira e derradeira conclusão é que as mulheres que engravidaram sofreram lesão à personalidade diante de uma situação não esperada e nem planejada.
Obviamente não é o nascimento do filho que a causa de dano moral, mas a frustração de uma opção pessoal. Sobre o dano difuso este pode ser visualizado como dano social principalmente pela diminuição de qualidade de vida.
Constata-se que tais prejuízos podem gerar repercussões gerais ou morais, o que os diferencia dos danos morais coletivos, pois os últimos são apenas extrapatrimoniais.
Os danos sociais são danos difusos e atingem pessoas indeterminadas ou indetermináveis, conforme os termos do art. 81, parágrafo único do CDC. Devendo ser instituído um fundo de proteção para indenizar de acordo com os direitos atingidos, ou mesmo para instituição de caridade, a critério do juiz.
Evidenciando a reparação de danos difusos e sociais temos o caso de sistema de loterias chamado “Toto bola” que gerou danos à sociedade. Uma vez fixada a indenização, os valores foram revertidos a favor do fundo gaúcho de proteção de consumidores (in TJRS Recurso Cível 71001281054 – 1ª Turma Recursal Cível. Rel. Des. Torres Hermann j. 12/07/2007).
Com intuito didático resumiremos que: Os danos morais coletivos atingem vários direitos da personalidade; direitos individuais homogêneos ou coletivos em sentido stricto (ocorrem vítimas determinadas ou determináveis). Nesse caso, a indenização é destinada para as próprias vítimas.
Danos sociais ou difusos causam rebaixamento no nível de vida da coletividade. As vítimas são indeterminadas e, a indenização é dirigida para um fundo de proteção ou instituição de caridade.
A perda de uma chance[24] está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa, uma oportunidade futura, que, dentro da lógica do razoável, como expõem os doutrinadores, essa chance deve ser séria e real.
Buscando critérios objetivos para a aplicação da teoria, Sérgio Savi apud Tartuce e Neves lecionam que a perda da chance estará caracterizada quando da probabilidade da oportunidade for superior a cinquenta por cento[25].
Para bem ilustrar a prática, o TJRS já responsabilizou um hospital por morte de recém-nascido havendo a perda de chance de viver (TJRS, Processo 70013036678, Caxias do Sul, 10ª Cam. Cível, Juiz Rel. Luiz Ary Vessini de Lima, j. 22/12/2005).
Cogita-se também em perda de chance[26] de cura do paciente, pelo emprego de uma técnica mal sucedida pelo profissional da área de saúde (In: TJPR, Apelação Cível 0604589-4, Londrina, 10ª Cam. Cível, Rel. Juiz Convocado Vitor Roberto Silva, DJPR 25/3/2010, p.204).
Noutra ocasião, o tribunal gaúcho responsabilizou um curso preparatório para concursos públicos que assumiu o compromisso de transportar o aluno até o local da prova. Porém, houve atraso no transporte, o que gerou a perda da chance de disputa em concurso público, exsurgindo o dever de indenizar (TJRS, Processo 71000889238, Cruz Alta, Segunda Turma Recursal Cível, Juiz Rel. Clóvis Moacyr Mattana Ramos, j.07/06/2006).
Depois que superada a análise dos danos reparáveis na órbita das relações de consumo, o princípio da reparação integral de danos gera a responsabilidade objetiva[27] de fornecedores e prestadores como regra das relações consumeristas.
Tal responsabilidade independentemente de culpa[28] visa à facilitação das demandas em prol dos consumidores, representando tanto um aspecto material do acesso à justiça atendendo o consumidor padrão e o consumidor bystander.
Outro aspecto relevante é que havendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. (art. 7º do CDC).
Definitivamente a função social dos contratos constitui uma virada revolucionária no direito contratual brasileiro, remodelando a concepção do instituto de acordo com as tendências socializantes do Direito. Certos comandos relativos à proteção contratual do Código do Consumidor trazem essa ideia em moldes harmoniosos, mitigando a força obrigatória da convenção, sob a antiga premissa liberal, quando se apontava que o contrato fazia lei entre as partes.
Diante da sociedade atual o regramento mais adequado é contido no art. 46 do CDC segundo o qual os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Desta forma prestigiamos o princípio da transparência e ipso facto o princípio da preservação da dignidade da pessoa humana que é fundamento da república brasileira e remodelou todo o direito privado brasileiro e que justifica a eticidade trazida pela prática de boa-fé em todas as fases da negociação bem como a função social dos contratos.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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