Conceitos fundamentais para o estudo das prisões enquanto elemento padrão do direito penal e processual penal

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo discutir as prisões enquanto elemento punitivo principal, do atual Ordenamento Jurídico. As prisões substituíram a punição baseada na restituição de danos diretamente no corpo dos indivíduos, o que é derivado da matriz liberal. Como o corpo ascendeu à condição principal de trabalho, a flagelação deste, impediria o uso do corpo no mercado de trabalho, excluindo as liberdades e garantias fundamentais.


Sumário: 1. Introdução; 2. Notas históricas e sociais acerca das prisões; 3. A prisão penal surge apenas com uma sentença?; 4. Considerações finais; 5.Referências


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1. Introdução


O presente artigo busca discutir as prisões. Para tanto, o tema de pesquisa é apresentado de modo mais geral, no primeiro item. Dessa forma, são apresentados conceitos relevantes acerca das prisões, em um primeiro momento. São discutidas as dimensões de cunho socio-filosófico, enquanto elementos de apoio da tese da ascensão das prisões, que suportam o seu uso jurídico.


Em um segundo momento, discute-se a prisão de cunho penal. O foco são as espécies de prisões atualmente admitidas, bem como as alterações dos últimos anos, por conta da reforma do processo penal. Tudo isso se encaixa, de forma a possibilitar uma discussão ampla sobre o tema, não delimitada exclusivamente por elementos jurídicos, vez que estes não são suficientes para suportar a amplitude da discussão teórica.


Essa discussão busca apresentar o maior número de elementos jurídicos, que se somam aos argumentos e noções sociológicas e históricas, permitindo um tratamento do tema que privilegia a sua explicação. Isso é feito com vistas a apresentar elementos relevantes, que não têm sido privilegiados pelos pesquisadores da área.


2. Notas Históricas e Sociais Acerca das Prisões


No presente item, as prisões são discutidas de modo mais geral. Analisa-se seu sentido e seu uso atual. Tomam-se por base alguns elementos históricos e sociológicos. Eles são necessários para que se possa entender as origens e “fases” da utilização das prisões enquanto elementos punitivos. Ao mesmo tempo, auxiliam na explicação do seu uso como pena-padrão no atual estágio de desenvolvimento humano, em uma sociedade capitalista.


Tais definições permitem refletir acerca do estágio atual destas, bem como as implicações de alguns pensamentos acerca de sua função. Nota-se, no entanto, que a maioria dos autores jurídicos que se propõem a escrever sobre esse tema, não realiza uma discussão ampla. Por outro lado, os sociólogos e psicólogos não discutem as prisões por meio de conceitos jurídicos. Em todos os casos, o tema é tratado sem a necessária interação, minorando o espaço real de aproximação com o tema.


Iniciando com uma definição bem básica, tem-se, segundo posição enciclopédica, que  “Prisão, s. f. o ato de prender alguém, de o privar da liberdade; apreensão, captura de uma pessoa […]”[1]. Outra definição, expressa que “Prisão. Do latim “prehension, onis = ação de segurar, agarrar com a mão, do verbo “pre(ae)hendere. É a privação da liberdade, em recinto confinado, resultante da aplicação de uma pena.”[2] Tais definições, embora não sejam jurídicas, expressam a ideia de que a prisão representa o cerceamento à liberdade.


Embora inteligentes, elas não expõem que a prisão ascende enquanto elemento de uma ideia de formação social tipicamente liberal. Isso é notável, uma vez que para Montesquieu “A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder.”[3] Portanto, a imposição de um óbice a esta é, na realidade, um óbice ao conceito de liberdade e, nesses termos, é elemento fundamental para a vida em sociedade.


Observando-se as palavras de Michel Foucault, quando analisa o papel das prisões, pode-se notar que elas possuem um sentido que equaliza seus efeitos, uma vez que


“Como não seria a prisão a pena por excelência numa sociedade em que a liberdade é um bem que pertence a todos da mesma maneira e ao qual cada um está ligado por um sentimento universal e constante. Sua perda tem, portanto, o mesmo preço para todos;”[4]


Conforme concebido por tal autor, a prisão afasta o dilema das classes, comuns nas interpretações marxistas de sociedade. Além disso, a liberdade é um elemento tão relevante, que todo indivíduo a possui, independentemente de qualquer outra condição. Assim sendo, para Foucault, ela é uma condição comum, que deve ser a única determinante das punições dos indivíduos que cometem infrações e geram danos a outrem.


Apenas após as revoluções liberais as prisões passaram a ser vistas como elemento padrão de sanção. Isso é o que se observa das palavras de Roberto Lyra, para quem


“A princípio, a prisão destinava-se a animais. Não se distinguia, porém, entre irracionais e racionais “inferiores”. Prendiam-se homens pelos pés, pelas mãos, pelo pescoço etc., conforme o medo ou a cólera. Homens e animais foram amarrados, acorrentados, calcetados, grilhetados, manietados etc. Das nascentes zoológicas é que vem o uso de “prender”, da canga às algemas. O número crescente de presos foi pretexto para murá-los e ainda emparedá-los, engradá-los, aferrolhá-los, sem prejuízo dos guardas e soldados armados como para a guerra. Cavernas, naturais ou não, subterrâneos, túmulos, fossas, torres, tudo servia para prender. Prendia-se para não deixar fugir ou para obrigar a trabalhar.”[5]


Apesar das menções do Gênesis bíblico às prisões, os primeiros “depósitos de presos” surgiram apenas no séc. XVII a. C.. Eles serviam para a custódia dos escravos que pertenciam aos homens livres egípcios. Porém, apenas no séc. VI a C. é que as prisões passaram a ser utilizadas ostensivamente. Isso ocorria quando


“[…] os lavradores eram requisitados para construir as obras públicas e cultivar as terras do faraó, proprietário de toda a terra do Egito e toda a riqueza, repousava no trabalho dos lavradores. Quem não conseguisse pagar os impostos ao faraó, em troca de construção de obras de irrigação e armazenamento de cereais, se tornava escravo.


Assim como no Egito, a Grécia, a Pérsia, a Babilônia, o ato de encarcerar, tinha como finalidade conter, manter sob custódia e tortura os que cometiam faltas, ou praticavam o que para a antiga civilização, fosse considerado delito ou crime.”[6]


As prisões não surgiram naturalmente, nas sociedades. Inicialmente, os conflitos sociais eram resolvidos, conforme Antônio Cintra, Ada Grinover, Candido Dinamarco[7], por meio da autotutela, da autocomposição e da arbitragem. Isso demonstra que “[…] a antiguidade desconheceu totalmente a privação de liberdade estritamente considerada como sanção penal. Embora seja inegável que o encarceramento de delinqüentes existiu desde tempos imemoráveis.”[8] Inicialmente, a prisão era só um ambiente de transição ou espera do destino final. A pena possuía caráter físico e era infligida diretamente no corpo do condenado, conforme indica Elizabeth Misciasci[9].


A partir do momento no qual o Estado ascendeu, uma nova lógica surgiu. Dessa forma, as suas punições, considerando-se as suas origens liberais, pararam de envolver a punição corporal e a perda de membros ou a morte.


“[…] isso ocorre uma vez que a satisfação momentânea e imediata, produzida no âmbito da vingança privada é suprimida. Impende referir que essa supressão ocorre em três momentos temporais: passado (no qual os fatos são desligados da prestação jurisdicional), presente (no qual a vingança privada é suprimida) e futuro (no qual o violador pode ser perdoado). De todo modo, em qualquer dos âmbitos temporais que se analise, a intervenção estatal, através do processo, revela a introdução de uma nova lógica na operacionalização da solução dos conflitos.”[10]


Tal visão, porém, só se tornou possível pela revisão do conceito de restituição do direito violado. Se no modelo pré-estatal, a satisfação do dano só seria atingida pela punição corporal, com o Estado surgiram novos valores. A vendetta, originada da Lex Tallionis, foi substituída pela lógica liberal da prisão, como informam Aguiar e Duarte[11].


Interessante é notar que, enquanto a flagelação e a amputação deixavam efeitos permanentes, a pena de prisão reflete uma medida temporária. Há restituição, uma vez que


“Retirando tempo do condenado, a prisão parece traduzir concretamente a idéia de que a infração lesou, mais além da vítima, a sociedade inteira. Obviedade economico­moral de uma penalidade que contabiliza os castigos em dias, em meses, em anos e estabelece equivalências quantitativas delitos­duracão.”[12]


Uma vez que o dimensionamento das penas é feito por intermédio da lei, esta possui um sentido dúplice: ela delimita um comportamento esperado do cidadão, ao mesmo tempo em que reforça o poder do Estado. Para que este possa manter seu controle sobre a população, “[…] necessita de um direito cujo funcionamento seja previsível de forma semelhante ao de uma máquina”[13], o que só é possível por força de um direito positivado. Para Cesare Beccaria, a produção de lei não é racional, como se poderia pensar. Desse modo,


“Percorramos a história e constataremos que as leis, que deveriam constituir convenções estabelecidas livremente entre homens livres, quase sempre não foram mais do que instrumento das paixões da minoria, ou fruto do acaso e do momento, e nunca a obra de um prudente observador da natureza humana, que tenha sabido orientar todas as ações da sociedade com esta finalidade única: todo o bem-estar possível para a maioria.”[14]


Considerando-se essa perspectiva, o Estado se apresenta como instrumento que possibilita a dominação. É por força dele que uma classe prevalece sobre a outra, tomando-se por base a doutrina marxista. Lênin, levando em consideração tal percepção, reflete que


“A idéia fundamental do papel do marxismo sobre o papel histórico e a significação do Estado. O Estado é o produto e a manifestação do fato que as contradições de classes são inconciliáveis. O Estado surgiu aí no momento e na medida em que, objetivamente, as contradições de classes não podiam ser conciliadas. E inversamente: a existência do Estado prova que as contradições de classes são inconciliáveis.”[15]


O Estado funcionaria, conforme essa concepção, como um mecanismo classista de contenção das posições e anseios. A ação estatal serviria como uma condição de possibilidade para o controle, considerando-se a estrutura de normas contidas no Ordenamento Jurídico. E elas suportariam um processo continuado de limitação de liberdades, idealização e valorização dos conceitos de propriedade e exploração, que são entendidos como negativos.


Além disso, deve-se ter em conta também o papel desempenhado pela Igreja. Ela foi determinante para a adoção do conceito de prisão como elemento de constrição e punição. As prisões teriam surgido nos mosteiros da Idade Média e concretizariam uma “[…] punição imposta aos monges ou clérigos faltosos, fazendo com que se recolhessem às suas celas para se dedicarem, em silêncio, à meditação e se arrependerem da falta cometida, reconciliando-se com Deus.”[16] Segundo essa concepção o objetivo principal das prisões era o reconhecimento dos comportamentos negativos, com vistas ao arrependimento.


Para Georg Rusche e Otto Kirchheimer, “[…] penitência e perdão representavam a readmissão na comunidade, que era tanto uma morada espiritual quanto um lugar de trabalho”[17]. Isso demonstra que se objetivava com o encarceramento a reintegração em um momento futuro. Antes dessa função, porém, a prisão “[…] foi firmemente utilizada com cunho meramente processual, ou seja, era onde os acusados aguardavam por outra qualidade de punição, que não o cárcere, que viria com a condenação.”[18], sendo esta um local de “depósito” temporário de corpos.


Para Montesquieu, as prisões representam a afirmação de uma lógica de cunho econômico, portanto, elas seriam um instrumento racional. Na sua concepção, elas estariam entre as boas práticas do passado, sendo que “Os germanos, nossos antepassados, apenas admitiam castigos pecuniários. Esses homens belicosos e livres consideravam que seu sangue apenas podia ser vertido em combate.”[19] Ao mesmo tempo, sustenta que a riqueza de alguns poderia gerar uma punição inadequada, o que afetaria o sentimento de contrição. Uma sociedade evoluída, na concepção daquele autor, optaria por uma punição de cunho moral, em lugar de uma punição física.


Analisando-se a história da França, pode-se perceber que essa concepção não foi observada quando da vigência do “Sistema dos Três Estados”. Segundo a lógica desse sistema, bastante criticado por Sieyès[20], “[…] certos castigos eram descartados para certos estados (clero e nobreza) e substituídos por outros, ou eram aplicados com modificações para membros dos estados superiores”[21]. Isso fazia com que o cidadão, que pertencia ao Terceiro Estado, percebesse que, embora houvesse punições mais brandas, a única punição admitida ao “Terceiro Estado”, pela sua condição, seria o castigo corporal.


Um tratamento similar, no caso americano, é demonstrado por Loïc Wacquant, segundo o qual, “[…] a prisão é portanto um domínio no qual os negros gozam de fato de uma promoção diferencial”[22], dada a sua condição étnica e social. Isso demonstra, com razão, que o sistema prisional “[…] tornou­se, portanto, progressivamente restrito a uma minoria da população”[23], o que apenas reproduz as regras de um sistema de desigualdades.


Não é surpreendente que esse sistema, como sustenta Wacquant, estigmatize e reinsira no seu corpus os mesmos indivíduos. Acerca da estigmatização, pode-se referir que


“A estigmatização daqueles que têm maus antecedentes morais pode, nitidamente, funcionar como um meio de controle social formal; a estigmatização de membros de certos grupos raciais, religiosos ou étnicos tem funcionado, aparentemente, como um meio de afastar essas minorias.”[24]


Por meio dessa lógica, impede-se a reintegração social, cumprida a pena, uma vez que o estigma de ter passado pela prisão permanece. E, muitas vezes, ele se torna o próprio impedimento para a reintegração.


Mesmo que a punição tenha passado a ser baseada no encarceramento, inicialmente “[…] não havia qualquer tipo de preocupação com os presos, aos quais não se destinavam cuidados básicos com saúde e alimentação – que eram providenciados pelos familiares ou por religiosos”[25]. O Estado não fornecida condições para a efetivação dos direitos mais básicos do indivíduo. Nesse sentido, elas funcionavam como meros depósitos, que não primam pelo reconhecimento dos direitos mínimos do encarcerado.


Inegável é que os “castigos” impostos aos clérigos no medievo foram fundamentais para a “[…] instituição da pena celular, visto que, a igreja não aplicava penas de tortura ou de morte, ainda buscava por meio deste tipo de punição o arrependimento e a salvação pelo isolamento.”[26] Essa forma de contenção de corpos foi tão determinante que substituiu o uso de celas gerais, que foram utilizadas, até mesmo na Revolução Francesa. Esse novo modelo,


“[…] inspirou a construção da primeira prisão destinada ao recolhimento de criminosos, a House of Correction, construída em Londres entre 1550 e 1552, difundindo-se de modo marcante no Século XVIII.


Porém, a privação da liberdade, como pena, no Direito leigo, iniciou-se na Holanda, a partir do século XVI, quando em 1595 foi construído Rasphuis de Amsterdã.[27]


Como dito, inicialmente, a “[…] prisão era uma espécie de ante­sala de suplícios”[28], porém, passou a ser utilizada pelo Estado liberal. E, dada as influências europeias, tornou-se a punição padrão admitida pelo Estado brasileiro. No âmbito do presente artigo, tal discussão se amplia, com o discussão acerca das prisões de cunho penal.


3. A Prisão Penal Surge Apenas Com Uma Sentença?


No presente item contemplam-se as prisões penais admitidas no Ordenamento Jurídico. Busca-se observar a prisão-pena e a prisão processual e suas divisões. De plano, importante é especificar que o Direito Penal seleciona


“[…] os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los com infrações penais, cominando-lhes, em conseqüência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais, necessárias à sua correta e justa aplicação.”[29]


Acerca de tais definições, a Constituição informa, referindo-se às prisões, que “LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;”[30]. Trata-se de uma prerrogativa importante, uma vez que a prisão limita uma garantia fundamental à liberdade, o que pressupõe a correção de um veredicto que determine a sua perda.


Outra proteção constitucional é que “XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;”[31]. Sendo todos os julgamentos realizados de modo imparcial, nos termos da lei. Essa é uma questão relevante, pois “XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;”[32] e “LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”[33]. Tais previsões suportam e informam o texto do Código Penal, quando este dispõe que


“Anterioridade da Lei


Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.


Lei penal no tempo


Art. 2º. Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.


Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.[34]


Essa reprodução busca oferecer ao cidadão que é processado uma série de garantias e liberdades invioláveis. Esses artigos representam a


“[…] função garantidora do primado da liberdade porque, a partir do momento em que somente se pune alguém pela prática de crime previamente definido em lei, os membros da coletividade passam a ficar protegidos contra qualquer invasão arbitrária do Estado em seu direito de liberdade.”[35]


Consoante informa Celso Delmanto, é clarividente que é na lei que se encontram as definições[36]. Apenas a lei determina o comportamento considerado criminoso, estipulando o quantum de pena, caso ocorra um crime. Se a lei esvaziar a pena de um comportamento antes tipificado, tal regra retroagirá, refletindo a ideia de que “XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”[37].


Considerando-se essas definições, deve-se partir para a questão das prisões. As mais relevantes são a Prisão-Pena e a Prisão Processual. Pensando sobre a primeira, Marcellus Polastri Lima expõe que ela “[…] resulta da condenação transitada em julgado, conforme previsto no Código Penal e na Lei das Execuções Penais […]”[38]. Ela surge a partir de uma condenação criminal definitiva. Idêntica posição é expressa por Capez, para quem


“[…] trata-se da privação da liberdade determinada com a finalidade de executar decisão judicial, após o devido processo legal, na qual se determinou o cumprimento de pena privativa de liberdade. Não tem finalidade acautelatória, nem natureza processual. Trata-se de medida penal destinada à satisfação da pretensão executória do Estado”.[39]


Tratando-se da Prisão Processual, Julian Lopez Masle observa que é um conjunto de “[…] medidas restritivas ou privativas de liberdade pessoal que pode o juiz adotar contra o imputado no processo penal, com o objetivo de assegurar a realização dos fins penais do procedimento”[40]. É uma prisão “[…] imposta com finalidade cautelar, destinada a assegurar o bom desempenho da investigação criminal, do processo penal ou da execução da pena, ou ainda para impedir que, solto, o sujeito continue praticando delitos.”[41]


Além destes, há também a Prisão em Flagrante, definida nos termos do art. 301, do Código de Processo Penal: “Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”[42] O vocábulo “flagrante” vem do latim flagare, que significa queimar. Flagrante é tudo aquilo que está ocorrendo no exato momento em que se lhe descobre. Ela possui “[…] natureza cautelar e processual, consistente na prisão, independente de ordem escrita do juiz competente, de quem é surpreendido cometendo, ou logo após ter cometido, um crime ou contravenção.”[43]


Uma definição nesses termos é suportada pelo texto do art. 302, CPP:


Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:


I – está cometendo a infração penal;


II – acaba de cometê-la;


III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;


IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração”.[44]


Conforme o que disciplina José Barcelos Souza, nos casos de flagrante, “[…] a desnecessidade de ordem escrita é para capturar, para dar voz de prisão; para conduzir o infrator penal, encontrado em flagrante delito, à presença da autoridade competente para a lavratura de auto de prisão.”[45] E isso pode ser feito pelo cidadão, facultativamente, ou pela polícia, obrigatoriamente.


De todo modo, essa prisão possui caráter excepcional, nos termos do § 2º do art. 282, com redação estabelecida pela Lei 11.403/2011, segundo o qual, “§ 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.


Por sua vez, “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”[46] Ela garante a eficácia de um provimento futuro, como expressa Capez[47], garantindo a manutenção da Ordem Social.


No que se refere à prisão preventiva decretada na pronúncia, a antiga “Prisão por Pronúncia”, regulada nos termos do art. 408, caput e parágrafo 1º, do CPP:


“Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento.


§ 1o Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, recomendá-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para sua captura.[48]


Houve alteração significativa, promovida pela Lei 11.689/2008. Seu novo teor é expresso no art. 413, caput e § 3o, CPP:


Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. […]


§ 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.[49]


Como informa Lima, “[…] sua natureza é de prisão preventiva, só que decretada no momento da pronúncia […]”[50]. De toda sorte, trata-se de uma prisão que modifica a situação do réu, mandando ser recolhido, ou alterando seu caráter.


Persistiu durante muito tempo uma celeuma jurídica acerca do conteúdo do art. 594, segundo o qual, “Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se á prisão, ou prestar fiança, salvo se condenado por crime de que se livre solto.”[51] Tratava-se de uma prisão […] coerente com o sistema do Código, uma vez que o então art. 393, I determinava ser efeito da condenação ser o réu preso ou se dar a conservação do mesmo na prisão, sendo que o art. 597 dizia que a apelação não suspenderia esse efeito.” Além disso, ela era suportada pela Súmula 9 do STJ, segundo a qual “A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência.”[52] No entanto, tal artigo foi revogado.


Há que se notar, no entanto, que a ideia envolvida nessa prisão não foi abandonada, considerando-se os termos do parágrafo único do art. 387. Segundo este, “Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta”[53]. O que, no fim das contas, demonstra a manutenção da celeuma.


Deve-se mencionar ainda a Prisão Temporária, estabelecida na Lei 7.960/1989. Conforme o art. 1º dessa lei,


“Art. 1°. Caberá prisão temporária:


I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;


II – quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;


III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:


a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);


b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);


c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);


d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);


e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);


f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);


g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);


h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);


i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);


j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);


l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;


m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n. 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;


n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n. 6.368, de 21 de outubro de 1976);


o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n. 7.492, de 16 de junho de 1986).[54]


O art. 2º da mesma lei expressa o prazo dessa prisão: “Art . A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.[55] Além disso, “§ 5° – A prisão somente poderá ser executada depois da expedição de mandado judicial.”[56]. Não sendo respeitada tal garantia, essa prisão encerraria mera arbitrariedade da instrução policial, transformando-se em “prisão para averiguação”, o que não é admitido pela lei.


4. Considerações Finais


Segundo a discussão temática realizada, fica evidente que a punição se baseava, inicialmente, na punição corporal. Seu quantum era estabelecido de modo autônomo pelos próprios envolvidos. Quando o Estado passou a dominar o processamento de indivíduos, ascendeu a ideia da prisão. Porém, ela não era considerada como elemento punitivo. Tratava-se de mero instrumento para a consolidação da pena a ser estabelecida.


A ascensão da doutrina liberal alterou o papel das prisões. Nesse sentido, ela se consolidou como uma forma de punir sem flagelar, uma vez que essa rotina impediria o uso do corpo para o trabalho. Além disso, a mutilação poderia estigmatizar o indivíduo, impedindo a sua reintegração na sociedade.


No que se refere ao âmbito penal, deve-se reconhecer que há duas distintas previsões acerca da prisão. Há aquelas prisões que se referem a uma Pena. Ela consolida o esforço punitivo do Estado e resultam da prolação de uma Sentença Condenatória Transitada em Julgado. Há também as prisões cautelares, que representam uma medida assecuratória da Ordem na Sociedade, assegurando o cumprimento da pena, bem como a Instrução Policial.


Resta claro que, com a evolução da sociedade e de seus meios de repressão de comportamentos negativos, as prisões se tornaram uma opção. As prisões são, atualmente, elementos jurídicos decisivos para a punição de comportamentos considerados criminosos e que impedem a continuidade do regular desenvolvimento das relações sociais.


 


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MISCIASCI, Elizabeth. Como surgiram os Cárceres. Revista Zap!. Disponível em <http://www.eunanet.net/beth/revistazap/topicos/inicioprisoes1.htm>. Acesso em: 09 ago. 2010.

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SOARES, Ana Maria Cervi. Prescrição: Um Instituto Necessário à Efetivação da Segurança Jurídica em Matéria Trabalhista. (Monografia de Especialização) Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 2010.

SOUZA, José Barcelos. A Defesa na Polícia e em Juízo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980.

WACQUANT, Loïc. As Prisões de Miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.


Notas:

[1] CALDAS AULETE. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Delta, 1958, p. 4079.

[2] ÁVILA, Fernando Bastos de. Pequena Enciclopédia da Moral e Civismo. Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar, 1972, p. 529.

[3] MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. In: MONTESQUIEU. Coleção os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 200.

[4] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 208.

[5] LYRA, Renato. Origem e Evolução das Prisões. Núcleo de Pesquisa Lyriana. Disponível em: <http://www.nplyriana.adv.br/link_geral.php?item=geral30&titulo=Origem+e+Evolu%E7%E3o+das+Pris%F5es>. Acesso em: 10 ago. 2010.

[6] MISCIASCI, Elizabeth. Como surgiram os Cárceres. Revista Zap!. Disponível em <http://www.eunanet.net/beth/revistazap/topicos/inicioprisoes1.htm>. Acesso em: 09 ago. 2010, p. 01.

[7] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.

[8] BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p 04.

[9] MISCIASI. Op. cit, p. 01

[10] SOARES, Ana Maria Cervi. Prescrição: Um Instituto Necessário à Efetivação da Segurança Jurídica em Matéria Trabalhista. (Monografia de Especialização) Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 2010, p. 19.

[11] AGUIAR, Renata Maggi; DUARTE, Vergílio Rios. O Surgimento da Pena­Prisão e a Influência Capitalista. In: VII Seminário Internacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea. Santa Cruz: UNISC, 2010.

[12] FOUCAULT. Op. cit., p. 208.

[13] WEBER apud KÜHNL, Reinhard. O Modelo Liberal de Exercício do Poder. In: CARDOSO, Fernando Henrique; MARTINS, Carlos Estevam. (Orgs.) Política & Sociedade. Vol. 1. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979, p. 242.

[14] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2006, p.15.

[15] LÊNIN, Vladimir Ilitch. A Sociedade de Classes e o Estado. In: FERNANDES, Florestan (org.) Lênin. São Paulo: Ática 1989, p. 140.

[16] MISCIASCI. Op. cit., p. 01.

[17] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e Estrutura Social. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 20.

[18] AGUIAR; DUARTE. Op. cit., p. 04.

[19] MONTESQUIEU. Op. cit., p. 130.

[20] Cf. CLAVREUL, Colette. “O que é o Terceiro Estado?”. In: CHATELET, F. et. al. Dicionário de Obras Políticas. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1993.

[21] RUSCHE; KIRCHHEIMER. Op. cit., p. 35.

[22] WACQUANT, Loïc. As Prisões de Miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 95.

[23] RUSCHE; KIRCHHEIMER. Op. cit., p. 04.

[24] GOFFMANN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: LTC, 1988, p. 17.

[25] BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São Paulo: RT, 2001, p.42.

[26] AGUIAR; DUARTE. Op. cit., p. 07.

[27] MISCIASCI. Op. cit., p. 01.

[28] BITENCOURT. Op. cit., 04.

[29] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 01.

[30] BRASIL. Op. cit., p. 10.

[31] Id., Ibid., p. 09.

[32] Id., Ibid., p. 09.

[33] Id., Ibid., p. 10.

[34] Id., Ibid., p. 539.

[35] CAPEZ. Op. cit., p. 40.

[36] DELMANTO. Celso et al. Código Penal Comentado. 7. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 12.

[37] BRASIL. Op. cit., p. 09.

[38] LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. 2. ed. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 529.

[39] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 244.

[40] MAZLE, Julian Lopez apud RAMOS, João Gilberto Garcez. Tutela de Urgência no Processo Penal Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 303.

[41] CAPEZ. Op. cit., p. 244-245.

[42] BRASIL. Op. cit., p. 639.

[43] CAPEZ. Op. cit., p. 251.

[44] BRASIL. Op. cit., p. 639

[45] SOUZA, José Barcelos. A Defesa na Polícia e em Juízo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 164.

[46] Id., Ibid., p. 639.

[47] CAPEZ. Op. cit., p. 263.

[48] BRASIL. Código Penal; Código de Processo Penal; Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 444.

[49] BRASIL. Op. cit., p. 648.

[50] LIMA. Op. cit., p. 574.

[51] BRASIL. Op. cit., p. 464.

[52] BRASIL. Op. cit., p. 1793.

[53] Id., Ibid., p. 654.

[54] BRASIL. Op. cit., 1414.

[55] BRASIL. Op. cit., p. 1415.

[56] BRASIL. Op. cit., p. 1415.

Informações Sobre o Autor

Luiz Aristeu dos Santos Filho

Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com o trabalho intitulado “O Caráter da Súmula Vinculante no Contexto da Reforma Institucional do Poder Judiciário Brasileiro”; bacharel em Administração, Ciências Sociais e licenciado em Sociologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA); Advogado


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