Conflitos em unidades de conservação com populações tradicionais


O homem vive da natureza, isto significa que a natureza é o seu corpo com o qual ele deve permanecer em processo constante, para não perecer. O fato de que a vida física e espiritual do homem se relaciona com a natureza não tem outro sentido senão o de que a natureza se relaciona consigo mesmo, pois o homem é a parte da natureza”. (Karl Marx).


Benedito Rui Barbosa, no capítulo final da novela “Pantanal”, exibida pela Rede Manchete, na década de 90, deixou-nos uma interessante reflexão: “ O homem é o único animal que cospe na água que bebe”. Por sua vez, Luiz Gonzaga Silva Adolfo lembra que “da caverna ao arranha-céu, muito longe foi o caminho percorrido pela humanidade. Longo e difícil. E podemos dizer; longo, difícil e devastador.”


Não obstante seja a percepção dos nomes acima mencionados acerca da condição que se encontra o nosso planeta, é fácil perceber o quanto a ação humana vem prejudicando a “sadia qualidade de vida” protegida pela Constituição Federal vigente.


O Constituinte, ao albergar na Lex Mater, em seu artigo 225, que todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, também impôs ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.


Ocorre, entretanto, que apesar do Constituinte ter trazido esta significativa questão, lançando ao centro das discussões um novo conjunto de princípios e valores relacionados à proteção do meio ambiente, a defesa e preservação do meio ambiente não tem sido uma missão nada fácil.


A conservação do patrimônio natural não é uma questão de interesses de grupos, diferente disto, é uma questão de interesse nacional. Logo, na existência de conflitos entre grupos humanos e a criação de uma unidade específica de conservação, por exemplo, deve prevalecer o interesse comum.


Prova disto é que a criação das referidas unidades de conservação, conforme prevê o art. 225, §1º, III, da Constituição Federal, é uma das maneiras mais relevantes para a proteção dos recursos naturais ambientais.[1] Senão vejamos:


Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.


§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:


III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.”


Diante do objetivo de estabelecer um sistema de proteção à herança cultural e natural de valor universal, organizando de forma permanente e de acordo com os modernos métodos científicos, é que o Poder Público tem criado unidades de conservação.


No entanto, não sobejam dúvidas acerca da existência de dificuldades para a gestão e manutenção das referidas unidades de conservação de proteção integral. Uma delas, que adquire importância e visibilidade crescente, diz respeito à presença de populações humanas que já viviam no local antes da apropriação da área pelo Estado. [2]


Isto porquê apesar da exigência da ausência de moradores, grande parte das unidades de conservação teve seus limites sobrepostos sobre as áreas habitadas pelas populações locais, conflitando, por conseguinte, com os interesses destas populações em permanecer em seus territórios.


Ora, há que se dizer que a maior dificuldade tem sido colocada pelos problemas decorrentes da remoção e também pela permanência em unidades de conservação das populações denominadas como “tradicionais”. Populações estas que utilizam o espaço e recursos naturais voltado para a subsistência, com o uso de mão-de-obra familiar, e que ocupam a região há muito tempo e não tem registro de propriedade da terra.[3]


Em muitos casos, a criação das referidas unidades de conservação tem gerado disputas traumáticas com as populações locais, pois a implementação das referidas unidades tem implicado em desapropriação destas populações tradicionais de suas terras.


Muitas são as conseqüências que podem ser geradas às populações tradicionais com a desapropriação de terra, dentre elas, pode-se citar o agravamento das condições de vida destas populações, vez que estarão elas privadas do seu meio de sobrevivência, aumento do número de pessoas nas periferias das cidades em situação de miséria, aumento do número de desemprego, haja vista que estas comunidades não desenvolvem, via de regra, aptidão para outros tipos de trabalho, senão trabalhos rurais, bem como a conseqüente criminalização das comunidades.[4]


Por certo, a retirada abrupta destas populações sem um planejamento bem estudado não é a melhor solução, até porque seria contraditório transferir populações tradicionais do local provedor da sua subsistência para outro local, onde elas sejam submetidas a necessidades.


Destarte, não se pode, sob nenhuma hipótese, desamparar aqueles que por anos e anos promoveram o manejo sustentável das áreas naturais, sem qualquer auxílio do Poder Público. Devendo, portanto, ser lembrado que as unidades de conservação, ainda que baseadas em critérios científicos não devem gerar problemas sociais.


Portanto, parte dos operadores do Direito, bem como ambientalistas, tem concordado que não existindo uma alternativa mais acertada, a opção seria a criação de unidades de conservação de uso sustentável, permitindo a população tradicional a permanecer e explorar o local e seus recursos, com o apoio do governo.


 



Notas:

[1] MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

[2] BENJAMIM, Antônio Herman. Direito Ambiental das áreas protegidas. O Regime das Unidades de Conservação. Introdução à Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

[3] IORIS, Edviges. Conflitos em Unidades de Conservação com populações locais, o caso da Floresta Nacional do Tapajós. Brasília, 2000. Disponível em: http://ftp.unb.br/pub/UNB/dan/F.3-22RBA/sessao3/ioris.rtf.

[4] ARRUDA, Rinaldo. Populações e a proteção dos recursos naturais em unidades de conservação. 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/asoc/n5/n5a07.pdf.

Informações Sobre o Autor

Dayane Sanara de Matos Lustosa

Advogada e Correspondente Jurídico do LUSTOSA Assessori a e Consultoria Jurídica. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana Bahia. Colaboradora de vários sites e revistas jurídicas


Equipe Âmbito Jurídico

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