1) Introdução
A sociedade de economia mista, tal qual o Deus Bifronte Janus, único Deus Romano não copiado da mitologia grega, também tem duas faces olhando em direções opostas, uma mirando o Direito Público e outra fitando o Direito Privado.
Este ente híbrido criado pelo Poder Estatal compete no mercado junto com os particulares, mas com eles não guarda total similitude.
Ao contrário, a sociedade de economia mista em muito discrepa das suas concorrentes particulares, pois além de prestar contas aos seus acionistas também tem elas de prestar contas a toda a sociedade, o que, na prática, caracteriza-se como um dever de se submeter ao crivo dos tribunais de contas.
A locação de imóveis promovida por uma sociedade de economia mista para o exercício de suas atividades (exemplo: o aluguel de um imóvel para sediar uma agência bancária) é um típico exemplo desta natureza dual que reveste o figurino das sociedades de economia mista, vez que é um negócio jurídico tutelado tanto pelas diretrizes do direito público como pelas diretrizes do direito privado.
Neste breve estudo, procuraremos trazer algumas ponderações sobre os diversos desdobramentos jurídicos que circundam esta matéria.
2) Contrato de Direito Público e contrato de Direito Privado
Como bem observa Lucas Rocha Furtado[1] não é o simples fato de a Administração Pública figurar como parte em um contrato que o transforma em contrato administrativo.
É clássica entre nós a distinção feita por Celso Antônio Bandeira de Mello[2] cuja ensinança consiste em separar os contratos em: a) contratos de Direito privado da Administração e b) contratos administrativos.
As lições do renomado autor inclusive reverberam nos posicionamentos pretorianos, conforme podemos ver abaixo:
Superior Tribunal de Justiça
RESP 200500370566 RESP – RECURSO ESPECIAL – 737741 – Relator(a) CASTRO MEIRA – Órgão julgador SEGUNDA TURMA – Fonte DJ DATA:01/12/2006 PG:00290 – Ementa ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RESCISÃO. INDENIZAÇÃO. – 1. Distinguem-se os contratos administrativos dos contratos de direito privado pela existência de cláusulas ditas exorbitantes, decorrentes da participação da administração na relação jurídica bilateral, que detém supremacia de poder para fixar as condições iniciais do ajuste, por meio de edital de licitação, utilizando normas de direito privado, no âmbito do direito público. 2. Os contratos administrativos regem-se não só pelas suas cláusulas, mas, também, pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente as normas de direito privado. 3. A Administração Pública tem a possibilidade, por meio das cláusulas chamadas exorbitantes, que são impostas pelo Poder Público, de rescindir unilateralmente o contrato. 4. O Decreto-Lei nº 2.300/86 é expresso ao determinar que a Administração Pública, mesmo nos casos de rescisão do contrato por interesse do serviço público, deve ressarcir os prejuízos comprovados, sofridos pelo contratado. 5. Recurso especial provido em parte. Data da Decisão 03/10/2006. Data da Publicação 01/12/2006
Ainda sobre o tema, a Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tece as seguintes considerações:
“Embora de regimes jurídicos diversos, nem sempre é fácil a distinção entre os contratos privados da Administração e os contratos administrativos, pois, como os primeiros têm regime de direito privado parcialmente derrogado pelo direito público, essa derrogação lhes imprime algumas características que também existem nos da segunda categoria. Importa, portanto, indicar os pontos comuns e os traços distintivos entre os dois tipos de contratos da Administração.
Sabe-se que o regime jurídico administrativo caracteriza-se por prerrogativas e sujeições; as primeiras conferem poderes à Administração, que a colocam em posição de supremacia sobre o particular; as sujeições são impostas como limites à atuação administrativa, necessários para garantir o respeito às finalidades públicas e aos direitos dos cidadãos.
Quando se cuida do tema contratual, verifica-se que, no que se refere às sujeições impostas à Administração, não diferem os contratos de direito privado e os administrativos; todos eles obedecem a exigências de forma, de procedimento, de competência, de finalidade; precisamente por essa razão é que alguns autores acham que todos os contratos da Administração são contratos administrativos.” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 10ª edição, São Paulo: Atlas, 1999, pág. 237)
De novo nos reportando à jurisprudência, há de ser dito que ela tem legitimado o formato de direito privado em negócios jurídicos celebrados pela Administração Pública. Neste sentido, tragamos à baila um pronunciamento do STF que, segundo a lição de Carlos Pinto Coelho Motta[3] segue o que foi proferido no leading case (RE 89.217) sobre o tema ora debatido:
“RDA n. 137, 1979, p. 169-218. Vide ainda: Petição n. 1.654-8, protocolada no STF, Rel. Min. Celso Mello, DJ de 18.2.1999; e Petição n. 1.655-3 (ambas proced. MG), Rel. Min. Moreira Alves: ‘Os contratos firmados entre os Estados-Membros e a União não configuram contrato administrativo que admite cláusulas exorbitantes, pois neles não há relação de subordinação entre os contratantes.’ Medida liminar, DJ de 12.2.1999, p. 59.”
Resta induvidosa, portanto, a possibilidade de a Administração Pública celebrar contratos sob o regime de Direito Privado (mesmo com as devidas sujeições e derrogações ao regime de Direito Público).
3) Contratos celebrados por Sociedades de Economia Mista: regime de direito provado versus sujeição à lei de licitações e contratos administrativos
Mais uma vez nos valendo da lição de Lucas Rocha Furtado[4], destacamos que as sociedades de economia mista, por serem espécie do gênero empresas estatais, são pessoas jurídicas dotadas de personalidade jurídica de Direito Privado, e, por força de mandamento constitucional, instituídas unicamente através de lei específica e sujeitas ao regime jurídico privatístico.
Mas, mesmo gozando de natureza de Direito Privado, estariam às sociedades de economia mista obrigadas a licitar? Sobre tal questão, o autor mencionado no parágrafo anterior nos fornece a seguinte síntese acerca das regras aplicáveis às chamadas empresas estatais sob à ótica da Lei Federal nº 8.666/93:
“Em matéria de licitação, a questão pode ser apresentada, portanto, nos seguintes termos: 1. todas as empresas estatais estão obrigadas a licitar; 2. o procedimento da licitação deve observar o que dispõe a Lei nº 8.666/93; 3. as empresas estatais que explorem atividades empresariais, somente quando celebrarem contratos diretamente relacionados ao exercício da atividade fim, estão desobrigadas de observarem a Lei nº 8.666/93, devendo no entanto, seguir os princípios constitucionais de impessoalidade, moralidade, eficiência etc.” (Lucas Rocha Furtado, Curso de Licitações e Contratos Administrativos, Belo Horizonte: Fórum, 2007, pág. 436)
Desta feita, fica evidenciado que às empresas estatais é possibilitada uma mitigação à aplicação da Lei Federal de Licitações e Contratos Administrativo (8.666/93), de modo que se ressalta a tese aqui já referida de que não é o simples fato de a Administração Pública figurar como parte em um contrato que o transforma em contrato administrativo.
4) Sobre a locação e a Lei 8.666/93
No que diz respeito à locação, a Lei nº 8.666/93 diz, no seu art. 24, inciso X, ser dispensável a licitação para a locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia.
Comentando tal dispositivo, eis o posicionamento da doutrina especializada:
“A ausência de licitação deriva da impossibilidade de o interesse sob tutela estatal ser satisfeito através de outro imóvel, que não aquele selecionado. As características do imóvel (tais como localização, dimensão, edificação, destinação etc.) são relevantes, de modo que a Administração não tem outra escolha. Quando a Administração necessita de imóvel para destinação peculiar ou com localização determinada, não se torna possível a competição entre particulares. Ou a Administração localiza o imóvel que se presta a atender seus interesses ou não o encontra.” (Marçal Justen Filho in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª edição, São Paulo: Dialética, 2008, págs. 669/670)
“Em princípio, a Administração compra ou loca mediante licitação (a locação de bens a esta sujeita-se, definida que é como serviço – v. comentários ao art. 6º, II), tais e tantas podem ser as contingências do mercado, variáveis no tempo e no espaço, a viabilizarem a competição. Mas se a operação tiver por alvo imóvel que atenda a necessidades específicas cumuladas de instalação e localização do serviço, a área de competição pode estreitar-se de modo a ensejar a dispensa, desde que o valor do aluguel situe-se na média do mercado. Nestas circunstâncias, e somente nelas, a Administração comprará ou locará diretamente, inclusive para que não se frustre a finalidade a acudir.” (Jessé Torres Pereira Junior in Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública, 6ª ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, pág. 277)
No âmbito dos tribunais de contas, o disposto no art. 24, inciso X da Lei nº 8.666/93 tem ensejado interpretações em consonância com a doutrina acima exposta:
“Tribunal de Contas do Distrito Federal. (Processo nº 5515. Decisão nº 1246/95)… no caso de locação de imóvel destinado ao uso de órgão público, é cabível a dispensa de licitação, com fundamento no artigo 24, inciso X, da Lei nº 8.666/93.” (manifestação extraída do livro “Vade-mécum de licitações e contratos: legislação selecionada e organizada com jurisprudência, notas e índices” de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, 3ª edição, rev., atual., 4. tiragem. Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 437)
“Tribunal de Contas de Santa Catarina. (Processo nº 5515. Prejulgado nº 0318 Processo nº CON-TC0016901/32 Parecer: COG-651/93 Relator: Conselheiro Dib Cherem Data da Sessão: 14/03/1994). Nada obsta que o Poder Público efetue locação de imóvel com pessoa jurídica e/ou física, utilizando-se da figura da dispensa de licitação, na forma como dispõe o artigo 24, inciso X da Lei 8.666/93; e com fundamento no artigo 62, § 3º, inciso I, da Lei das Licitações, a restrição imposta à renovação de contratos por força do disposto no artigo 57 não é aplicável na locação de imóveis.”
Diante das lições doutrinárias e do posicionamento das cortes de contas, resta induvidoso que a locação de um imóvel por parte de uma sociedade de economia mista para fins de utilização em suas atividades empresariais está perfeitamente emoldurada na hipótese contemplada no art. 24, inciso X da Lei nº 8.666/93.
Contudo, não se deve incorrer no equívoco de que a Lei nº 8.666/93 será aplicada sem qualquer mitigação às locações empreendidas pelas sociedades de economia mista, pois, por exemplo, como bem pontuou o então Chefe da Divisão de Consultoria do Departamento Jurídico do Banco do Estado do Ceará, Dr. José de Arimatéa Neto (in: Revista Zênite de Licitações e Contratos, nº 232, março de 1998) tais contratos de locação não estão adstritos aos prazos estabelecidos no art. 57 da Lei nº 8.666/93, uma vez que seu conteúdo é regido, predominantemente, por norma de direito privado, que é a Lei de Locação de Imóveis (Lei Federal no 8.245, de 18 de outubro de 1991).
Reforçando sua natureza híbrida de amálgama de aspectos públicos e privados, os contratos de locação do qual as sociedades de economia mista tomam parte mas devem ser sujeitos ao competente processo de dispensa e às demais formalidades previstas no Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos[5].
Claro portanto é que as locações empreendidas pelas sociedades de economia mista não ficarão completamente adstritas às normas nem de direito privado nem de direito público.
Deve se esclarecer também que a aplicação da Lei de Locação de Imóveis (Lei Federal no 8.245, de 18 de outubro de 1991) só se dá de forma inquestionável nos casos em que o as empresas estatais (donde se incluem as sociedades de economia mista) estejam condição de LOCATÁRIAS, pois, quando União, Estados, DF e Municípios resolvem alugar imóveis de sua PROPRIEDADE, a própria Lei de Locação de Imóveis ressalta a sua inaplicabilidade:
“Art. 1º A locação de imóvel urbano regula – se pelo disposto nesta lei:
Parágrafo único. Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais:
a) as locações:
1. de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas;”
Estando a sociedade de economia mista na condição de proprietária do imóvel e locadora no contrato de locação não haveria óbice à aplicação da Lei de Locação de Imóveis urbanos, ante à literalidade do item 1 da alínea “a” do parágrafo único do artigo 1º, mas como podem ser sempre aduzidas interpretações extensivas que restrinjam a ação do gestor público, não seria estranhável alguém questionar que por ser a sociedade de economia mista ligada a algum ente político-administrativo (União, Estados, DF e Municípios) a ela não deveria se aplicar a Lei Federal no 8.245, de 18 de outubro de 1991.
Assim, incontroversa mesmo é a conclusão de que, nos casos em que uma sociedade de economia mista está a exercer o papel de LOCATÁRIA de um imóvel cuja propriedade é de um particular, serão totalmente aplicáveis os ditames da Lei de Locação de Imóveis (Lei Federal no 8.245, de 18 de outubro de 1991)[6].
Neste sentido, vejamos a jurisprudência:
“Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Processo AC 200002010381942 AC – APELAÇÃO CIVEL – 239548. Relator(a) Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA. Órgão julgador SEXTA TURMA ESPECIALIZADA. Fonte DJU – Data::17/09/2009 – Página::105. Ementa. DIREITO CIVIL E COMERCIAL. RENOVATÓRIA. LOCAÇÃO NÃO-RESIDENCIAL. LEI Nº 8.245/91. VALOR DO ALUGUEL. 1. Somente as locações de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas não se submetem às normas da Lei nº 8.245/91, nos expressos termos do artigo 1º, parágrafo único, alínea “a”, n. 1, do texto supra-referido. Em se tratando de empresa pública federal, o seu regime jurídico é o próprio das empresas privadas, conforme expressamente menciona o artigo 173, § 1º, da Constituição Federal. 2. Os contratos e termos aditivos celebrados dão conta da existência, validade e eficácia do contrato de locação não-residencial (antiga locação comercial) entre as partes relativamente aos imóveis descritos na inicial, razão pela qual perfeitamente correta a ação, diante do preenchimento de todas as condições da ação. 3. A Autora preenche os requisitos previstos no artigo 51, da Lei nº 8.245/91 e, portanto, tem direito à renovação da locação comercial: a) os contratos a renovar foram celebrados por escrito, e com prazo determinado; b) o prazo mínimo dos contratos a renovar era de cinco anos; c) o locatário explora comércio do mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos; d) o prazo decadencial foi observado para o exercício do direito. 4. Houve, também, cumprimento dos requisitos previstos no artigo 72, da Lei nº 8.245/91, com a prova do cumprimento do contrato em curso, indicação clara e precisa das condições oferecidas para a renovação da locação. 5. Apelação improvida. Data da Decisão 31/08/2009. Data da Publicação 17/09/2009”.
“Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Processo AC 9802063843 AC – APELAÇÃO CIVEL – 162816. Relator(a) Desembargador Federal LUIZ PAULO S. ARAUJO FILHO. Órgão julgador QUINTA TURMA ESPECIALIZADA. Fonte DJU – Data::07/07/2009 – Página::105. Ementa; PROCESSUAL CIVIL. RENOVATÓRIA DE ALUGUEL. EMPRESA PÚBLICA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. As empresas públicas federais sujeitam-se ao regime jurídico das empresas privadas (art. 173 da CF) e, portanto, nos contratos de locação celebrados, à Lei n.º 8.245/91, e não ao Decreto n° 9.760/1946, como entendeu a sentença para extinguir o processo, sem resolução do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido. 2. Verificado, todavia, que o prazo de vigência do contrato expirou há mais de dez anos, inviabilizando a sua renovação, deve ser mantida a extinção do processo, mas por falta superveniente de interesse processual, pois o pedido não é mais pertinente. 3.Apelação improvida. Data da Decisão 10/06/2009. Data da Publicação 07/07/2009”.
“Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. EMENTA: 1° GRUPO CÍVEL AÇÃO DE DESPEJO. CONTRATO DE LOCAÇÃO FIRMADO ENTRE EMPRESA PÚBLICA, COMO LOCADORA, E COOPERATIVAS, COMO LOCATÁRIAS. É de natureza privada, e não administrativa, submetido, portanto, ao regime jurídico do direito civil, o contrato de locação celebrado entre empresa pública, como locadora, e cooperativas, como locatárias, sujeitando-se a retomada à Lei n° 8.245/91, e não à Lei n° 8.666/93. (Embargos Infringentes Nº 70001591825, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 15/12/2000)”
Por fim, não podemos olvidar de mencionar que o § 3º do art. 62 da Lei nº 8.666/93 manda aplicar o disposto no art. 55 e nos arts. 58 a 61 da Lei, e demais normas gerais, no que couber: “I – aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por normas de direito privado; II – aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público”.
Sobre tal dispositivo, novamente trazemos à colação os comentários de Marçal Justen Filho e Jessé Torres Pereira Junior:
“A previsão do § 3º está mal colocada e melhor ficaria em um dispositivo específico, pois não tem relação com o presente artigo. Ali fica determinado que o regime de direito público aplica-se inclusive àqueles contratos ditos ‘privados’, praticados pela Administração. A regra disciplina a hipótese em que a Administração Pública participe dos contratos ditos de ‘direito privado’. Tais contratos, no direito privado, apresentam caracteres próprios e não comportam que uma das partes exerça as prerrogativas atribuídas pelo regime de direito público, à Administração. Não se atribui uma relevância mais destacada ao interesse titularizado por uma das partes.
A mera participação da Administração Pública como parte em um contrato acarreta alteração do regime jurídico aplicável. O regime de direito público passa a incidir, mesmo no silêncio do instrumento escrito.(…)
Mas a simples participação de entidade administrativa em uma relação contratual caracteristicamente privada não significa a incidência integral do regime de direito público.(…)
As contratações indispensáveis à promoção do bem comum são subordinadas integralmente ao regime de direito público, enquanto as que não se apresentam assim indispensavelmente relacionadas com os interesses fundamentais permaneceriam sujeitas ao regime privatístico. Mas essa formulação não é satisfatória, especialmente sob o prisma prático. Como diferenciar as duas situações na realidade? É muito difícil.
Talvez a melhor solução seja reconhecer que a satisfação de determinadas necessidades estatais pressupõe a utilização de mecanismos próprios e inerentes ao regime privado, subordinados inevitavelmente a mecanismos de mercado. As características da estruturação empresarial conduzem à impossibilidade de aplicar o regime de direito público, eis que isso acarretaria a supressão do regime de mercado que dá identidade á contratação ou o desequilíbrio econômico que inviabilizaria a empresa privada. Não por acaso, o art. 62, § 3º, inc. I, alude a seguro e a financiamento. Ambos os contratos são objeto de regulação estatal muito estrita, subordinando-se a exploração profissional dessas atividades a regras severas, inclusive para evitar a diferenciação de tratamento entre clientes diversos.
Outra hipótese referida é a locação de imóveis, em que a publicização do vínculo poderia conduzir á desnaturação da propriedade privada.” (Marçal Justen Filho in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª edição, São Paulo: Dialética, 2008, págs. 703/704)
“Nos comentários até aqui expendidos, ter-se-á percebido, sem maior esforço, que a teoria geral das obrigações, cunhada no direito privado, está presente nos contratos administrativos, tanto que foram várias as referências feitas a disposições do Código Civil concernentes à estrutura conceitual das obrigações, perfeita e necessariamente aplicáveis ao direito público. Nem poderia ser diferente, sob pena de cindir-se o incindível, que é o sistema da ordem jurídica positiva, ou de por-se em cheque a aspiração científica do Direito.
O § 3º do art. 62 percorre o caminho inverso, mostrando que o direito público penetra na teoria geral das obrigações quando a Administração Pública ocupa um dos pólos da relação contratual. Põe em relevo que, respeitada a igualdade objetiva entre os contraentes, nos termos pactuados, há espaço para uma desigualdade subjetiva a justificar que a lei (antes de fazê-lo o contrato) outorgue aquelas prerrogativas ao ente ou entidade que realiza a função pública, não para que a pessoa administrativa prevaleça sobre a particular, mas para que o interesse público não se veja derrogado ou acuado pelo privado.(…)
Isso significa que, nesses contratos, sujeitos a regime de direito privado embora, à Administração são garantidas prerrogativas que laboram em favor da prevalência do interesse público, e que devem estar previstas no ato convocatório (se houver licitação) e no contrato.(…)
Tais características básicas acompanham todos os contratos públicos, sejam os administrativos, os de figuração privada, ou, ainda, aqueles em que a Administração é a usuária do serviço público. O que não significa que a Lei nº 8.666/93 haja exonerado a Administração das obrigações que lhe couberem segundo o contrato e o seu regime de predominância privada. Assim, ilustre-se, se o Estado, locatário de bem imóvel, não honra os alugueres mensais, sujeitar-se-á á ação de despejo por falta de pagamento como qualquer inquilino inadimplente.” (Jessé Torres Pereira Junior in Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública, 6ª ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, págs. 632/633)
Cremos portanto que, ex vi de tudo o que já foi espraiado nas linhas acima, não se deve pôr em dúvida a aplicabilidade da Lei de Locação de Imóveis (Lei Federal no 8.245, de 18 de outubro de 1991) quando das ocasiões em que as empresas estatais estejam a locar imóveis de propriedade de particulares, vez que a mesma resta induvidosa.
5) Da necessidade de as Sociedades de Economia Mista promoverem, antes da celebração do contrato de locação de imóvel junto a particular, um processo formal de dispensa de licitação e uma avaliação para se apurar a compatibilidade do preço do aluguel com o valor de mercado
Como bem anota o art. 24, inciso X da Lei nº 8.666/93 …
“Art. 24. É dispensável a licitação:
X – para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;(Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)”
… é necessário que, antes da locação:
1º) seja verificado se o imóvel atende as finalidades precípuas da Administração, de modo que as necessidades do interesse público em termos de instalação e localização condicionem a escolha do bem e
2º) que o preço do aluguel seja submetido à avaliação aos preços de mercado a fim de se atestar a sua adequação.
Ou seja, não possuindo o imóvel características intrínsecas que o tornem não a melhor, mais sim a única escolha de local para que a Administração (in casu, por óbvio a sociedade de economia mista) realize as suas finalidades precípuas (diz-se única escolha em razão de inciso X do art. 24 da Lei 8.666/93 asseverar que esta escolha é condicionada) ou não sendo o valor do aluguel compatível com os preços do mercado, NÃO SE PODE COGITAR A DISPENSA DA LICITAÇÃO.
Neste sentido, vejamos o que lecionam Joel de Menezes Niebuhr e Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:
“Portanto, se a Administração quiser comprar ou locar imóvel em região central de determinado Município e existirem vários imóveis que podem atender aos seus propósitos, é inevitável proceder à licitação pública. A contratação direta encontra lugar nas situações em que houver somente um imóvel cujas características atendam aos interesses da Administração, pelo que, a rigor jurídico, está-se diante da hipótese já prevista no inciso I do artigo 25 da Lei nº 8.666/93, relativa à inexigibilidade provocada pela exclusividade do bem.
Ora, em sentido contrário, se houvesse vários imóveis, todos prestantes aos propósitos da Administração, não há a mínima justificativa para contratar diretamente.” (Joel de Menezes Niebuhr in Dispensa e inexigibilidade de licitação pública, São Paulo: Dialética, 2003, págs. 303/304)
“Trata-se, em verdade, de hipótese de inexigibilidade de licitação, visto que, uma vez existindo apenas um imóvel que satisfaça ao interesse da Administração, estará caracterizada a inviabilidade jurídica de competição. Nesse caso, se tão-somente um imóvel é que atende as necessidades, não haverá licitação, tendo o legislador preferido colocar a hipótese entre os casos de dispensa, embora isto seja doutrinariamente condenável.(…)
As condições do imóvel devem atender também as prescrições do art. 12 da mesma lei, acrescidas da localização como elemento fundamental para o atingimento do interesse público pretendido pelo órgão.
Nesse sentido, o TCU determinou ao TRT/RS a observância, no que concerne a dispensa de licitação para aquisição de imóveis, de que o enquadramento no art. 24, inciso X, da Lei nº 8.666/93 somente é possível quando a localização do imóvel for fator condicionante para a escolha.” (Jorge Ulisses Jacoby Fernandes in Contratação direita sem licitação, 7ª ed., 2. tiragem. Belo Horizonte: Fórum, 2008, págs. 399/400)
Ressalte-se aqui que o preço do aluguel a ser pago pela sociedade de economia mista deve ser uma questão de suma importância quando da avaliação prévia exigida pelo inciso X do art. 24 da Lei 8.666/93 e, sobre ele, mais uma vez nos valemos das lições de Joel de Menezes Niebuhr e Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:
“A Administração, antes de comprar ou locar imóvel, deve avaliá-lo, justamente para evitar que se pague por ele valor acima do praticado no mercado.” (Joel de Menezes Niebuhr in Dispensa e inexigibilidade de licitação pública, São Paulo: Dialética, 2003, pág. 305)
“Sobreleva registrar que a avaliação deve necessariamente anteceder a compra ou a locação, e a inobservância de tal dispositivo pode acarretar penalidades a serem aplicadas pelas Cortes de Contas, nos termos dos arts. 57 e 58, inciso II, da Lei Orgânica do TCU. Efetivamente, sendo a licitação caracterizada como ato administrativo formal (v. art. 4º, parágrafo único da Lei nº 8.666/93), o afastamento dos ditames da lei constitui infração legal de natureza grave e, portanto, punível. Sem a avaliação prévia, não há como aferir o preço praticado no mercado.” (Jorge Ulisses Jacoby Fernandes in Contratação direita sem licitação, 7ª ed., 2. tiragem. Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 403)
Os tribunais de contas, com a severidade que lhes é peculiar, não discrepam do posicionamento envergado pela doutrina:
“Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul(Súmula 28)… a ausência de avaliação prévia do preço de locação do imóvel destinado ao serviço público, visando a verificação de sua compatibilidade com o valor vigente no mercado, enseja a declaração da ilegalidade e irregularidade do contrato e aplicação de multa ao responsável. (manifestação extraída do livro “Vade-mécum de licitações e contratos: legislação selecionada e organizada com jurisprudência, notas e índices” de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, 3ª edição, rev., atual., 4. tiragem. Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 436)
“Tribunal de Contas da União(Processo nº TC-009.118/2002-8. Acórdão nº 1.412/2004 – 2ª Câmara)… proceda, previamente à locação de qualquer imóvel, a criterioso estudo das necessidades operacionais (instalação e localização), fazendo constar do processo, inclusive, informações referentes à compatibilidade do valor de locação com o preço de mercado, conforme previsto no inciso X do art. 24 da Lei nº 8.666/93 … (manifestação extraída do livro “Vade-mécum de licitações e contratos: legislação selecionada e organizada com jurisprudência, notas e índices” de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, 3ª edição, rev., atual., 4. tiragem. Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 437)
Tribunal de Contas da União(Processo nº TC-004.690/2000-9. Acórdão nº 1.512/2004 – Plenário) … rejeitar as justificativas apresentadas pelos (…) quanto à dispensa de licitação realizada sem os requisitos necessários estabelecidos no inciso X, do art. 24 da Lei nº 8.666/93, quais sejam: ausência de demonstração de que o imóvel locado dispunha de condições relevantes como localização e edificação, que justificariam a sua escolha e ausência de procedimento de avaliação prévia; (manifestação extraída do livro “Vade-mécum de licitações e contratos: legislação selecionada e organizada com jurisprudência, notas e índices” de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, 3ª edição, rev., atual., 4. tiragem. Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 438)”
Calha à fiveleta também deixar patente que mesmo atendidas as exigências quanto à singularidade do imóvel para o atendimento das necessidades das sociedades da economia mista e quanto à adequação do preço do aluguel aos valores praticados no mercado É IMPRESCINDÍVEL A REALIZAÇÃO DE UM PROCESSO FORMAL DE DISPENSA DE LICITAÇÃO. Neste sentido, veja-se decisão do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco na qual se faz a seguinte recomendação:
“Tribunal de Contas de Pernambuco (DECISÃO T.C. Nº 0089/00 PROCESSO T.C. Nº 9960040-7 RELATOR: CONSELHEIRO ROLDÃO JOAQUIM.)… observe as seguintes recomendações: Não realizar despesa com aluguel de imóvel sem a devida formalização da dispensa da licitação, quando esta não for exigível;”
Para finalizar, entendemos que, quanto ao preço do aluguel, se ele se revelar não mais inserido nas condições de mercado, deverá a sociedade de economia mista não renovar a locação, vez que, se não é admitida a contratação inicial quando os preços não forem condizentes com o mercado, também não se admitirá a prorrogação contratual quando o preço do aluguel for dissociado da realidade mercadológica.
6) Da análise dos contratos de locação celebrados pelas Sociedades de Economia Mista à luz da Lei de Locação de Imóveis Urbanos
Procedemos agora com a análise pontual de alguns artigos da Lei de Imóveis Urbanos que entendemos sejam os mais relevantes para os fins deste artigo.
Primeiramente, é lícito se presumir que, no âmbito de suas atividades comerciais/empresariais, as sociedades de economia mista só aluguem imóveis com fins não residenciais, locação esta que é assim definida pela Lei nº 8.245/91:
“Art. 55. Considera – se locação não residencial quando o locatário for pessoa jurídica e o imóvel, destinar-se ao uso de seus titulares, diretores, sócios, gerentes, executivos ou empregados.”
Mas, mesmo que de fato, as sociedades de economia mista aluguem imóveis para seus funcionários neles venham a residir, isto não será capaz por si só de caracterizar a locação como residencial. Neste sentido, vejamos Waldir de Arruda Carneiro citando jurisprudência do TJSP:
“O que caracteriza a locação como residencial é o fato de se destinar à moradia do locatário. Uma firma comercial, industrial ou de prestação de serviços, por evidente, não reside, mas apenas se estabelece em determinado imóvel O fato de destinar esse imóvel para moradia de funcionário seu, sócio ou diretor, não transmuda a natureza da locação em residencial. O uso em questão insere-se na atividade operacional da locatária, posto que a concessão de imóvel à pessoa de seus quadros tem por objetivo o seu interesse próprio e a persecução dos seus objetivos precípuos, que visam, em última instância, o lucro. Apenas na hipótese de ser o imóvel locado diretamente ao funcionário com o pagamento do aluguel pela empresa é que se poderia vislumbrar uma locação residencial.” (Waldir de Arruda Carneiro in Anotações à Lei do Inquilinato, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, pág. 430)
Já sobre outros aspectos mais comezinhos da relação locatícia, dispõe o art. 51 da Lei nº 8.245/91 que:
“Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:
I – o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;
II – o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;
III – o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.
1º O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários ou sucessores da locação; no caso de sublocação total do imóvel, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário.
2º Quando o contrato autorizar que o locatário utilize o imóvel para as atividades de sociedade de que faça parte e que a esta passe a pertencer o fundo de comércio, o direito a renovação poderá ser exercido pelo locatário ou pela sociedade.
3º Dissolvida a sociedade comercial por morte de um dos sócios, o sócio sobrevivente fica sub – rogado no direito a renovação, desde que continue no mesmo ramo.
4º O direito a renovação do contrato estende – se às locações celebradas por indústrias e sociedades civis com fim lucrativo, regularmente constituídas, desde que ocorrentes os pressupostos previstos neste artigo.
5º Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor.”
Comentando tal dispositivo, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery nos fornecem as seguintes lições:
“Objeto da relação locatícia que ora se analisa são os imóveis que se destinam à atividade empresarial urbana (de pessoa física ou jurídica, à atividade ou ao uso de sociedade civil, ou empresária regular (…) ou não (…), com destinação urbana. (…)
Nos casos em que a lei permite a renovatória do contrato de locação, é o locatário a parte legítima para o pedido. Outros, porém, também têm legitimidade. Se houver sublocação total do imóvel, o direito poderá ser exercido pelo sublocatário (…). Se a sublocação for parcial, ambos, locatário e sublocatário, podem exercer o direito de renovação do contrato. Cessionários ou sucessores da locação também podem postular a renovação (…) bem como a sociedade de que faça parte o locatário, desde que este esteja autorizado, pelo contrato, a utilizar o imóvel locado para as atividades da sociedade a qual pertence (…)
Somente ensejam direito à renovatória as locações que tenham por objeto imóveis urbanos e se destinem à atividade empresarial, industrial ou à atividade de sociedade civil com fins lucrativos (…). O legislador, portanto, prestigia com o favor legal apenas relações locatícias que se prestem ao exercício de atividade econômica.(…)
A jurisprudência e a doutrina se debatem em busca da melhor solução para a situação legal criada a partir da expressão ‘por igual prazo’, contida na lei. A jurisprudência, a partir da STF 178, fixou o prazo de 5 anos como máximo para a renovação (…)
Nosso entendimento é no sentido de que o ‘igual prazo’ da lei deve ser o do período contratual ininterrupto que ensejou a renovatória. Isto porque o que se renova é a permanência do locatário no lugar de seu negócio, pelo prazo que a lei exige para o aparecimento do direito.(…)
Não basta, porém, que a forma seja escrita, apenas. É necessário que o contrato seja a prazo, não inferior a 5 anos. Contratos firmados por escrito e por tempo indeterminado não ensejam a renovação.(…)
a) Enseja renovatória a relação locatícia regulada por contrato escrito, a prazo, por cinco anos ininterruptos. b) Também se admite a renovatória se a relação jurídica locatícia tiver tido gênese em contrato escrito, firmado por prazo inferior a 5 anos, se os prazos somados dos contratos escritos anteriores (do vínculo contratual) perfizerem prazo total ininterrupto, igual ou superior a 5 anos (…) Os contratos anteriores, entretanto, devem ter as mesmas características exigidas pela lei cumulativamente (LI 51 I) para autorizar a renovação: a) devem ter sido celebrado (sic) por escrito; b) devem ter sido celebrados a prazo. Se a relação locatícia for ininterrupta, e não o contrato, o locatário não terá direito á renovação. O prazo deverá estar concluído quando do ajuizamento da renovatória.
(…) Prazo ininterrupto no mesmo ramo. O que pretende o legislador é proteger o fundo de empresa (LI 51 III e § 4º). O período do exercício da atividade empresarial ininterrupta deve estar concluído quando do ajuizamento da renovatória. O que se proíbe a alteração radical do ramo empresarial. Não obstaculiza o pedido, a alteração superficial da atividade empresarial que mescla à principal outra atividade, de maneira discreta, permanecendo aquela outra como o carro-chefe da empresa, por mínimo três anos, ininterruptamente. Importante é ter em conta que a lei exige cumulativamente os requisitos para a renovatória (LI 54 caput). Não basta que o contrato seja escrito, a prazo, por período não inferior a 5 anos: é necessário que a atividade empresarial seja a mesma, há três anos.
(…) Renovação de locação empresarial. O contrato de locação celebrado por indústrias e sociedades civis com fim lucrativo, desde que regulares (…), poder ser renovado, desde que obedecidos os mesmos requisitos da LI 51.
(…) Decadência do direito à renovação. O prazo é fatal (RTJ 58/312). O locatário tem o prazo (…) de um ano no máximo e seis meses no mínimo antes do termo final do contrato, para ajuizar a ação renovatória.
(…) Como se conta o prazo para o exercício do direito à renovação. O prazo de seis meses se conta de acordo com a L 810/49 2º: ‘Considera-se mês o período de tempo contado do dia do início ao dia correspondente do mês seguinte.’ Por isso, seis meses antes do fim do contrato cujo dies ad quem (termo final) seja em 25.9.1992, v.g., ocorrerá em 25.3.1992. O período para o exercício do direito à renovatória nesse caso, terá como prazo inicial 25.9.1991 (posto que ano, pelo L 810/49 1º, é o período de 12 meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte) e final 25.3.1992.” (Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery in Leis Civis Comentadas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, págs. 648/651)
Dos comentários de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery aos termos do art. 51 da Lei nº 8.245/91 podemos haurir que estão disciplinadas na lei as hipóteses em que, atendidos determinados requisitos poderá o locatário instar judicialmente o locador a renovar a avenças.
Contudo, há de se mencionar que a própria Lei de Locações de Imóveis Urbanos elenca algumas situações onde o locador NÃO SERÁ OBRIGADO A RENOVAR O ALUGUEL mesmo se locatário for albergado pelas possibilidades conferidas pelo art. 51 da Lei nº 8.245/91:
“Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se:
I – por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade;
II – o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente.
§ 1º Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences.
§ 2º Nas locações de espaço em shopping centers , o locador não poderá recusar a renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo.
§ 3º O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar.”
Já nos termos do parágrafo único do art. 56, da Lei nº 8.245/91 é exposta outra situação que também é muito comum nas locações, qual seja:
“Art. 56. Nos demais casos de locação não residencial, o contrato por prazo determinado cessa, de pleno direito, findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso.
Parágrafo único. Findo o prazo estipulado, se o locatário permanecer no imóvel por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir – se – á prorrogada a locação nas condições ajustadas, mas sem prazo determinado.”
Aqui, mais uma vez, trazemos à colação o entendimento da doutrina, por meio dos ensinamentos de Maria Helena Diniz e de Francisco Carlos Rocha de Barros:
“Se a locação não for residencial, não preenchendo o locatário os requisitos do art. 51, sendo por prazo determinado, como a renovação pode ser impedida pelo locador, o contrato extinguir-se-á, de pleno direito, findo o prazo de vigência estipulado, independentemente de qualquer notificação, ou aviso, devendo o inquilino desocupar o imóvel locado. (…) Se o locatário, sem embargo, nele permanecer por mais de trinta dias, sem que o locador se oponha, ter-se-á a presunção de prorrogação voluntária tácita da locação, por prazo indeterminado, nas condições anteriormente pactuadas.” (Maria Helena Diniz in Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada, 10ª edição, rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC, São Paulo: Saraiva, 2009, págs. 253/254)
“A lei atual não deixa margem a qualquer dúvida. Este art. 56 afirma que, na locação não residencial (excetuadas aquelas referidas nos artigos antecedentes – 51 a 55), o contrato por prazo determinado cessa, de pleno direito, findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso (…)
Em suma, findo o prazo contratual, considera-se, automaticamente, desfeito o vínculo locatício. Cessada a locação, fica o locador autorizado a retomar o imóvel mediante ação de despejo, que não precisa ser precedida de notificação. Não se trata, sequer, de hipótese de denúncia vazia, porque já não existe vínculo que devesse ser rompido mediante denúncia.
O parágrafo único contém a mesma regra consagrada no § 1º do art. 46.(…) Em resumo, o locador deve exercer o seu direito à retomada dentro de trinta dias, contados do fim do prazo contrato.
Da inércia do locador durante aquele trintídio, presume-se prorrogada a locação por tempo indeterminado. A relação jurídica que se considerou extinta pelo simples vencimento do prazo contratual ressuscita e passa viver sem prazo, mantidas as demais condições originariamente ajustadas.” (Francisco Carlos Rocha de Barros in Comentários à Lei do Inquilinato, São Paulo: Saraiva, 1995, págs. 305/306)
Claro porém é que mesmo o contrato com prazo certo tendo se convolado em contrato com prazo de vigência indeterminado não quer dizer que com isso o locatário poderá permanecer indefinidamente no imóvel alugado, vez que nos termos do artigo 57 da Lei 8.245/91 …
“Art. 57 – O contrato de locação por prazo indeterminado pode ser denunciado por escrito, pelo locador, concedidos ao locatário trinta dias para a desocupação.”
Para finalizar, cumpre trazer à colação o que dispõe o artigo 53 da aqui multicitada Lei de Locações de Imóveis Urbanos:
“Art. 53 – Nas locações de imóveis utilizados por hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder Público, bem como por entidades religiosas devidamente registradas, o contrato somente poderá ser rescindido. (Redação dada pela Lei nº 9.256, de 9.1.1996)
I – nas hipóteses do art. 9º;
II – se o proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário, em caráter irrevogável e imitido na posse, com título registrado, que haja quitado o preço da promessa ou que, não o tendo feito, seja autorizado pelo proprietário, pedir o imóvel para demolição, edificação, licenciada ou reforma que venha a resultar em aumento mínimo de cinqüenta por cento da área útil.”
Pela sua clareza, vale aqui trazer à baila os comentários da Professora Maria Helena Diniz sobre estas “locações privilegiadas” (expressão referida pela autora) constantes do artigo 53 da Lei Federal nº 8.245/91. Segundo a doutrinadora, tais avenças só poderão ser rescindidas:
“a) se houver distrato ou mútuo acordo dos contratantes no sentido de resolver a locação por eles avençada; b) se ocorrer infração legal ou contratual; c) se o locatário deixar de pagar aluguel e demais encargos locatícios; d) se o Poder Público determinar a realização de obras urgentes, que não possam ser levadas a efeito com a permanência do inquilino no imóvel, ou este se recusar a consenti-las; e) se houver retomada do imóvel para demolição, edificação licenciada ou reforma que aumente, no mínimo, cinqüenta por cento a sua área útil pedida pelo proprietário, compromissário-comprador ou promissário-cessionário, em caráter irrevogável e imitido na posse, com título registrado, que haja quitado, ou não, o preço do compromisso, desde que autorizado pelo proprietário.” (Maria Helena Diniz in Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada, 10ª edição, rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC, São Paulo: Saraiva, 2009, págs. 246/247)
Diga-se ainda que a doutrina (citando jurisprudência relativa à Lei Federal nº 6.239/75 que foi revogada pela atual Lei de Locações, mas que se aplica às hipóteses normatizadas por esta última) entende que o artigo 53 da Lei nº 8.245/91 deve ser interpretado de forma restritiva e que o ônus de provar o enquadramento nas hipóteses albergadas pela norma é do locatário. Neste sentido, vejamos o que diz Waldir de Arruda Carneiro:
“A interpretação deste dispositivo deve ser obrigatoriamente restritiva. ‘Instituindo a Lei nº 6.239/75 séria restrição aos direitos do proprietário do imóvel locado, há de interpretar-se estritamente, de maneira a não abranger hipóteses em que injustificável o favor legal’ (REsp 2.853-SP, 3ª T. do STJ, j. 28.7.90, rel Eduardo Ribeiro, v. u. JSTJ e TRF-Lex 18/197. Pub. Na íntegra in NRJLI 53/21)
O ônus da prova do seu enquadramento nas hipóteses deste artigo é do locatário.” (Waldir de Arruda Carneiro in Anotações à Lei do Inquilinato, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, pág. 402)
Analisando um a um os estabelecimentos elencados no artigo 53 da Lei 8.245/91 que fazem jus à uma “locação privilegiada” Waldir de Arruda Carneiro leciona o seguinte:
“Hospital. ‘Estabelecimentos onde se internam e tratam doentes’ (..) a estrutura de internação tem sido considerada essencial ao enquadramento no conceito (..)
Unidade sanitária oficial é toda instalação, pessoal e/ou humana, de qualquer porte, que o Poder Público – federal, estadual ou municipal – mantém para prestar qualquer serviço que interesse à saúde e à higiene, agindo preventivamente ou não. Supõe a gratuidade do serviço.
Asilo (…) O que caracteriza o asilo é sua finalidade assistencial aos desprotegidos e necessitados: atividade beneficente, caridosa, filantrópica. Se o locatário exerce atividade lucrativa, não merece a proteção deste artigo.
Não se enquadram no conceito de hospitais ou estabelecimento de saúde para fins do dispositivo em exame: os laboratórios de análises clínicas (…) Para os efeitos da proteção legal, por estabelecimento de saúde se há de entender o que presta acompanhamento diário e permanente do paciente enfermo, com receita e ministração de medicamentos e cuidados de enfermagem. (…) clínica médica ou o pronto socorro (…) o consultório médico (…) a clínica dentária (…) o escritório de cooperativa de trabalho médico (…)
Estabelecimento de ensino (…) Como estabelecimento de ensino, para os efeitos da Lei do Inquilinato, só deve ser tido aquele de existência regular, em que se ministre curso disciplinado pela legislação em vigor por pessoal docente especializado a corpo discente contínuo (…)” (Waldir de Arruda Carneiro in Anotações à Lei do Inquilinato, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, págs. 402/405)
Embora haja esta previsão no artigo 53 da Lei de Locações, cremos que a mesma será inócua para as sociedades de economia mista, vez que não é usual que as mesmas exerçam atividades típicas de hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos ou estabelecimentos de saúde e de ensino.
7) Considerações finais
Considerando o que foi exposto acima sobre a possibilidade de se ingressar com uma ação renovatória em face do locatário, deverão ser envidados esforços por parte dos gestores para que as sociedades de economia mista procurem assinar contratos de locação sempre pelo prazo de cinco anos, e, em tempo hábil, antes do seu vencimento, intentando negociação com vistas à sua renovação, se assim interessar, a qual, não logrando êxito, poderá ensejar a propositura da competente ação renovatória, assegurada no § 5º do art. 51 da Lei Federal nº 8.245/91.
Considerando o que foi exposto sobre a necessidade inafastável da realização um procedimento formal para a dispensa da licitação nas locações promovidas pelas sociedades de economia mista (no qual fosse atestada tanto a condição de singularidade do imóvel para o atendimento aos interesses da Administração como a adequação do preço do aluguel às condições de mercado), deverá ser verificado pelos gestores das sociedades de economia mista se tal procedimento foi adotado, sob pena de imediata rescisão do contrato, deixando-se patente que tal procedimento deverá ser adotado em TODOS os contratos de locação realizados pelas empresas por eles geridas e que, em futuras locações sempre se proceda com o processo formal de dispensa de licitação nos moldes já aqui especificados em linhas anteriores.
Considerando que entendemos que não só na celebração inicial, mas também na renovação contratual deverão os preços dos aluguéis serem compatíveis com os praticados no mercado, deverá ser feita minuciosa análise sobre a adequação do preço pretendido pelo(a) LOCADOR(A) com os preços de aluguel vigentes do mercado para que, só assim, se verificada a adequação dos valores, se promover a renovação contratual (medida esta que deverá ser adotada em TODOS os contratos de locação da sociedade de economias mista visando verificar se a empresa não está pagando aluguéis a maior).
Advogado da UEN de Direito Administrativo do Escritório Lima e Falcão, Assessor Jurídico da Diretoria de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde do Recife e Consultor Jurídico do Departamento de Vigilância Sanitária de Olinda
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