Inúmeros são os aspectos penais, processuais e administrativos que compõem o chamado Direito Militar, razão pela qual pretendo (sob o risco de não ter feito a melhor escolha) apresentar aos participantes do seminário virtual, rápidas pinceladas sobre o Direito Militar em si mesmo considerado, sobre o ramo do Direito Disciplinar – atualmente em fase de construção, sobre os valores básicos das Instituições Armadas: hierarquia e disciplina, sobre o peculiar comportamento do militar e, sobre um aspecto que chama à atenção de maneira particular pelas implicações na vida castrense, que é a aplicação do chamado princípio da insignificância no crime militar de furto.
1. A NOÇÃO DE DIREITO MILITAR
Por Direito Militar há que se entender todo o conjunto legislativo que está ligado, de uma forma ou outra, ao sistema que envolve tanto as Forças Armadas Brasileiras, como aquelas que são consideradas suas Forças Auxiliares: as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal.
Até mesmo pela ausência de estudos mais aprofundados sobre o tema, costuma-se ter a idéia de que a expressão Direito Militar estaria a referir-se apenas ao Direito Penal Militar e ao Direito Disciplinar Militar, implicando em restrição de seu conceito.
Daí porque necessário conhecer toda a legislação material que se refere à organização e funcionamento das Forças Armadas[1] – o direito militar, como preferiram chamá-la Eugênio Raul ZAFFARONI e Ricardo Juan CAVALLERO[2], em contrapartida àqueles autores que viam o direito militar como expressão usada para designar apenas o direito penal militar e o direito disciplinar militar.
Entender a estrutura e a organização das Forças Armadas, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, seu modus vivendi próprio, além dos usos e costumes militares que lhe são peculiares se faz, portanto, necessário:
Ou, como já disse anteriormente:
A sociedade militar é peculiar;
Possui modus vivendi próprio;
Todavia, submete-se aos princípios gerais do direito, amoldando-se ao ordenamento jurídico nacional; pode e deve ser submetido ao controle judicial do qual a ninguém é dado furtar-se.
Esta peculiaridade exige sacrifícios extremos (a própria vida), que é mais do que simples risco de serviço das atividades tidas como penosas[3] ou insalubres[4] como um todo.
Para condições tão especiais de trabalho, especial também será o regime disciplinar, de modo a conciliar tanto os interesses da instituição como os direitos dos que a ele se submetem. A rigidez do regime disciplinar e a severidade das sanções não podem ser confundidas como supressão dos seus direitos.[5]
1.1. A POSIÇÃO DO DIREITO MILITAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O ordenamento jurídico brasileiro deve estar amoldado às regras da Constituição da República, de forma que conhecê-lo é efetuar um passeio pela Carta Magna, identificando que dispositivos se referem às Instituições Militares (Forças Armadas e Forças Auxiliares), já que de extrema relevância seu papel para com a Pátria, para com os Estados e o Distrito Federal.
O ponto de partida que se elege para o início da abordagem é a análise do Capítulo II, do Título V, em especifico o art. 142 da Carta Magna, que assegura que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem, disciplinado em seus parágrafos, aspectos peculiares da vida militar.
Já em relação aos militares da Forças Auxiliares é o art. 42 da CF que disciplina sua estrutura e organização.
Outros dispositivos constitucionais se referem às instituições militares e seus integrantes, como aqueles relacionados aos direitos políticos, à nacionalidade, aos direitos sociais, e à objeção de consciência, que serão, a seu tempo, estudados com mais vagar.
1.2. NATUREZA JURÍDICA DO SERVIDOR MILITAR
Em um sentido lato os militares são servidores públicos. Por ocasião da edição da CF/1988, o constituinte originário consignou em seu texto a clássica distinção, prevendo no art. 39 uma seção tratando dos servidores públicos civis e, no art. 42, a existência dos servidores públicos militares, distinguindo-os inclusive em duas espécies: servidores militares federais os integrantes das Forças Armadas e; servidores militares dos Estados, Territórios e Distrito Federal os integrantes de suas Polícias Militares e de seus Corpos de Bombeiros Militares.
Posteriormente, com a edição da EC nº 18/98, o constituinte derivado destinou o artigo 42 para tratar dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ficando o art. 142 tratando das Forças Armadas e, de conseqüência, dos militares federais.
Entretanto, apesar de estarem tratados em artigos diversos, manteve-se a distinção operada em 1988: servidor militar é um gênero, com duas espécies, federais e; estaduais e do DF.
Interessa, no entanto, a natureza jurídica dos integrantes das instituições armadas, que é peculiar.
Nesse sentido o §3º do art. 142 da CF/88 consignou que “os membros das Forças Armadas são denominados militares”, fixando-lhes garantias e deveres, proibindo-lhes a sindicalização e a greve, dispondo sobre a perda do posto e da patente de seus oficiais, estendendo-lhe alguns direitos sociais, e acima de tudo estabelecendo que a Lei especial disporá sobre o Ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, considerando as peculiaridades de suas atividades.
A Lei referida no dispositivo Constitucional é a Lei nº 6.880, de 09.12.1980, que os denominando de militares, refere que os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação Constitucional[6], formam uma categoria especial de servidores da Pátria.
É a própria Carta Magna em seu art. 42 §1º, que remete para a Lei Estadual a mesma competência da Lei Federal referida no inc. X do art. 142.
Portanto, a natureza jurídica dos membros das Instituições Armadas brasileiras, é a de categoria especial de servidores da Pátria, dos Estados e do DF, com regime jurídico próprio, no qual se exige dedicação exclusiva, restrição a alguns direitos sociais, e sob permanente risco de vida[7].
Em contrapartida, diferenciando-os dos servidores civis, a Constituição lhes reserva tratamento previdenciário mais benéfico, p.ex., possibilitando aos militares se aposentarem a partir dos 30 anos de serviço (+- 48 anos de idade), enquanto o restante dos trabalhadores brasileiros passou a se aposentar com 60 anos de idade e 35 anos de contribuição previdenciária[8] , aumentando inclusive o limite etário anterior que era de 53 anos de idade.
Leciona Léo da Silva ALVES “que é valida a lição proferida em conferência do eminente advogado português Dr. Cipriano Martins, que foi deputado à Assembléia da República e foi Governador Civil de Coimbra. Ele lembra que as pessoas devem ter, em volta de si, um muro que as protege de interferências externas. São, em regra, garantias postas nas Constituições dos Estados democráticos. Todavia – observa o jurista lusitano -, o muro dos funcionários públicos é mais baixo do que o muro dos demais cidadãos. Aqueles que escolheram as carreiras no serviço público, na verdade gozam de prerrogativas que os particulares não têm; a média de salários é mais alta que a dos trabalhadores comuns; mas em contrapartida, têm, diante do Estado, responsabilidades, obrigações, deveres, expressos ou implícitos, que vão além daqueles a que sujeitam os demais mortais”. [9]
Estas prerrogativas ficam muito mais evidenciadas em relação aos servidores militares, notadamente os policiais militares que exercitam o poderoso poder de polícia em relação ao cidadão comum.
Bem por isso oportuna é a advertência de Laurentino de Andrade Filocre, ao analisar as causas, a escalada e as conseqüências dos graves movimentos grevistas que irromperam na Polícia Militar de Minas Gerais a partir de 1997 – e que aterrorizaram a população destinatária do serviço de segurança pública, no sentido de que “é compreensível e fundamental à sobrevivência da democracia e do estado de direito, que os militares – todos e não só as praças – estejam subordinados a normas especiais. Detêm a força e, especialmente os policiais militares, exercitam permanentemente o poder de coação contra o cidadão comum com as armas que o Estado lhes confia. São segurança, mas, a um passo, podem converter-se no arbítrio absoluto.[10]
Bem por isso a Constituição Portuguesa dispôs que “as Forças Armadas estão a serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política”. [11]
2. NATUREZA DO DIREITO DISCIPLINAR MILITAR
Falar sobre a natureza do Direito Disciplinar Militar é, antes de tudo, reconhecê-lo como uma disciplina autônoma, que alguns autores preferem denominar de Direito Administrativo Disciplinar Militar.
Tratando do direito Disciplinar lato sensu, e considerando-o jungido ao Direito Administrativo, José Armando da Costa, ao início da década de 80 do século passado, assim definiu-o: Direito Disciplinar é, portanto, o conjunto de princípios e normas que objetivam, através de vários institutos próprios, condicionar e manter a normalidade do Serviço Público. [12]
O reconhecido autor, em formato revisto e atualizado de sua obra[13], mantém a mesma definição, aduzindo, no entanto, que as particularidades intrínsecas que imprimem fisionomia própria ao Direito Disciplinar, o faz, pouco a pouco, se desvincular do seu ramo-mãe.
E lembra que o Direito Disciplinar relaciona-se com vários outros ramos do Direito, recebendo deles princípios e normas orientadores e de complementação. Porém, as suas relações são bem mais estreitas com o Direito Administrativo e com o Direito Penal. [14]
Cremos que a fixação do Direito Administrativo Militar como disciplina autônoma teve como marco importante, a edição em 1.995, da obra de Antonio Pereira DUARTE, Direito Administrativo Militar.
Destaque-se igualmente a obra de Paulo Tadeu Rodrigues ROSA, Direito Administrativo Militar – Teoria e Prática, com a 1ª edição lançada em 2003, e a 2ª edição, revista e atualizada em 2005.
A primeira instituição a reconhecer o Direito Administrativo Militar como disciplina autônoma foi o Ministério Público Militar, quando da publicação do Edital de seu 10º Concurso para Promotor da Justiça Militar – 10º CPJM, datado de 14.03.2005, onde a matéria foi prevista como uma das disciplinas a ser cobrada dos candidatos. [15]
Este reconhecimento foi muito importante porque até o concurso anterior (9º CPJM), a questão era tratada de forma simplista como Legislação das Forças Armadas, sem a dignidade de disciplina autônoma. [16]
Já em relação à fixação da disciplina como Direito Administrativo Disciplinar Militar, é de se destacar o aparecimento da obra de mesmo nome, de autoria de Eliezer Pereira MARTINS, em 1.996.
Recentemente, com o mesmo título, a obra conjunta de Alexandre Henriques da COSTA, Cícero Robson Coimbra NEVES, Abelardo Júlio da ROCHA, Marcelino Fernandes da SILVA e Rogério Luiz Marques de MELLO, quando comentou o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo em 2004.
Tratando sobre a Sanção Disciplinar Militar e Controle Jurisdicional, há que se registrar ainda a obra de Farlei Martins de OLIVEIRA, lançada em 2005.
Referindo-se ao Direito Administrativo Disciplinar Militar, aduzem Cícero Robson Coimbra NEVES e Marcello STREIFINGER, poder se asseverar que o Direito Penal Militar e o Direito Administrativo (Militar) se relacionam de forma intensa justamente por ter a hierarquia e a disciplina como base de toda a estrutura jurídica construída, de sorte que se pode afirmar que nem todo ilícito disciplinar se configura delito, porém todo delito reclama, residualmente, a existência de uma transgressão disciplinar. [17]
Todavia, é exatamente na Constituição Federal que entendemos estar delineada e fixada a existência de um Direito Disciplinar Militar, com a recente alteração levada a efeito pela Emenda Constitucional nº 45/2004, a qual, alterando a redação do art.125 e seus parágrafos, incluiu a competência da Justiça Militar Estadual, especificamente do Juiz de Direito, para julgar as ações judiciais contra os atos disciplinares militares.
Anote-se que existe proposta em andamento no Congresso Nacional, para alterar a competência de a Justiça Militar da União, para nela incluir o controle jurisdicional das punições disciplinares militares. [18]
Conforme já referimos anteriormente[19], a primeira coisa a ser feita é delimitar se as expressões “ações judiciais contra atos disciplinares militares” e “controle jurisdicional sobre as punições disciplinares militares” serão ou não sinônimas.
Atos disciplinares militares é, a nosso sentir, expressão mais ampla do que punições disciplinares aplicadas aos militares, isto porque estas, as punições, serão sempre aplicadas por meio de atos disciplinares, os quais, antes de qualquer coisa são atos administrativos, e como tal devem ser tratados.
É pelo ato disciplinar (v.g., a nota de punição) que se aplica a punição disciplinar que está previamente prevista nos regulamentos disciplinares militares.
Quais seriam, então, os limites desta nova jurisdição militar?
Quer nos parecer que o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares a ser exercido pela Justiça Militar da União (caso a proposta de emenda se concretize, a tendência parece ser esta) só poderá ser exercido em decorrência das ações judiciais interpostas naquele juízo, da mesma forma que a Justiça Militar Estadual ao processar e julgar as ações judiciais contra atos disciplinares militares estará exercendo o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos militares estaduais.
Conquanto ditas de forma diversa, e postas em locais diversos da Constituição, a competência das duas espécies da Justiça Militar brasileira, com relação ao direito disciplinar – que é administrativo, é a mesma.
2.1. POSIÇÃO DO DIREITO DISCIPLINAR DENTRO DO DIREITO MILITAR
Ao tempo em que pretendemos estabelecer a autonomia do Direito Administrativo Militar e, dentro dele a do Direito Disciplinar Militar, convém lembrar que o estudo do primeiro não é algo que se faça de forma isolada senão em conjunto com toda a legislação material que se refere à organização e funcionamento das forças armadas[20] – o direito militar como preferiram chamá-la Eugênio Raul Zaffaroni e Ricardo Juan Cavallero[21], em contrapartida àqueles autores que viam o direito militar como expressão usada para designar apenas o direito penal militar e o direito disciplinar militar.
Dentre esta ampla legislação que compõe o direito militar, para usarmos a expressão de Zaffaroni e Cavallero, destaca-se de fundamental importância o Estatuto dos Militares[22] ao dispor sobre o ingresso nas Forças Armadas, a hierarquia e a disciplina, sobre o cargo e função militares, sobre as obrigações e deveres militares, sobre os direitos e prerrogativas dos militares, sobre as disposições diversas como as situações especiais, a exclusão do serviço ativo, a reabilitação, o tempo de serviço, o casamento, as recompensas e as dispensas de serviço.
Inserem-se ainda dentro deste direito militar, a seguinte legislação extrapenal: Lei do Serviço Militar e seu Regulamento; os Regulamentos Disciplinares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; as Leis de Promoções de Oficiais e Praças; a Lei que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, as Leis e Decretos que dispõem sobre o Conselho de Justificação e de Disciplina, e seus correspondentes em relação à Forças Auxiliares[23], os Decretos e Portarias regulamentares, etc.
Ou seja, sem entender a estrutura e a organização das Forças Armadas, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, seu modus vivendi próprio, os usos e costumes militares e os valores que lhes são caro difícil é a compreensão do que seja o direito disciplinar militar o qual, em última análise é a manifestação do Estado na delimitação de conduta dos integrantes das instituições militares, visando uma melhor prestação de serviço na consecução das missões constitucionalmente fixadas para as Forças Armadas e Forças Auxiliares.
Portanto, feita esta ligeira digressão sobre o fortalecimento da disciplina Direito Disciplinar Militar, é possível afirmar-se, a toda evidência, a existência de três (03) ramos do Direito, os quais estão em ordem decrescente, contidos uns nos outros, a saber:
2.1.1. UM DIREITO MILITAR, composto por toda a legislação material que se refere à organização e ao funcionamento das Forças Armadas e das Forças Auxiliares;
2.1.2. UM DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR, que pode ser definido como o conjunto harmônico de princípios jurídicos próprios e peculiares que regem as instituições militares, seus integrantes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado e fixados na Constituição Federal: a defesa da Pátria e a preservação da ordem pública[24] e;
2.1.3. UM DIREITO DISCIPLINAR MILITAR, que é aquele que se ocupa com as relações decorrentes do sistema jurídico militar vigente no Brasil, o qual pressupõe uma indissociável relação entre o poder de mando dos Comandantes, Chefes e Diretores militares (conferido por lei e delimitado por esta) e o dever de obediência de todos os que lhes são subordinados, relação essa tutelada pelos regulamentos disciplinares quando prevê as infrações disciplinares e suas respectivas punições, e controlada pelos órgãos do Poder Judiciário quando julgam as ações judiciais propostas contra atos disciplinares militares.
Distinguindo o direito penal do direito disciplinar, afirmam Eugênio Raúl ZAFFARONI e Ricardo Juan CAVALLERO que o direito penal protege bens jurídicos enquanto que o disciplinar visa tão-somente a infração de um dever especial com relação a um determinado serviço. [25]
3. DISCIPLINA E HIERARQUIA
Disciplina e hierarquia são institutos constitucionalizados em favor das Forças Armadas e Forças Auxiliares (arts. 42 e 142 da Carta Magna).
A nível conceitual o art. 14 do Estatuto dos Militares[26] dispõe o seguinte:
Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico.
§ 1º. A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos[27] ou graduações[28]; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela Antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade.
§ 2º – Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.
§ 3º – A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva remunerada e reformados.
Para Wilson Odirley VALLA, a organização militar é baseada em princípios simples, claros e que existem há muito tempo, a exemplos da disciplina e da hierarquia. Como se tratam dos valores centrais das instituições militares é necessário conhecer alguns atributos que revestem a relação do profissional com estes dois ditames basilares da investidura militar, manifestados pelo dever de obediência e subordinação, cujas particularidades não encontram similitudes na vida civil[29]. (grifos no original)
Para o autor, a obediência hierárquica militar, no âmbito do Direito Penal e no D0ireito Administrativo deve ser diversamente considerada, visto que a natureza da função militar requer que o superior conte com poderes e faculdade que compreende, ao mesmo tempo, o direito de ordenar e a faculdade de punir os atos que julgue contrários à disciplina[30].
Referindo-se à hierarquia, José Luiz Dias CAMPOS JUNIOR, em preciosa monografia que defendeu perante a Escola Superior do Ministério Público Paulista[31], referindo-se ao § 1º do art. 14 do estatuto dos Militares aduz que aliás, não é por outro motivo, portanto, que “a obediência hierarchica é, no consenso geral, o princípio maior da vida orgânica e funcional das forças armadas. O ataque a esse princípio leva à dissolução da ordem e do serviço militar.
Anotou que se refletir sobre o aludido respeito, bem como sobre essa advertência, certamente iríamos ter com o interessante comentário de Guilhermo J. FIERRO que bem a eles se amolda:
Da essência mesma da hierarquia, desprende-se que a localização que cada um dos integrantes tem na escala hierárquica importa em um diferente nível de exigências e atribuições. A medida em que se sobe na mesma, se acrescentam ambas, pois a maior capacidade de comando corresponde a uma maior responsabilidade.
E prosseguiu, lembrando Tomaz PARÁ para quem a hierarquia é a base da instituição, e o mais graduado comanda tão-somente porque se preparou e revelou qualidades de chefe. É tão nobre obedecer quanto comandar. O superior só conseguirá subordinação voluntária coincidente e completa se for disciplinado, imparcial, sereno e enérgico: tornando-se exemplo pelas suas qualidades morais.[32]
Para Luis A. LUNA PAULINO, jurista da República Dominicana, a hierarquia é um atributo, qualidade ou condição que tem uma pessoa dentro de uma coletividade humana que lhe permite dirigi-la e exercer sobre seus componentes determinada liderança, e que no caso dos militares está regulada pela lei. [33]
E refere que o único critério que existe sobre superioridade hierárquica na legislação militar da República Dominicana, é o contido na Lei Orgânica das Forças Armadas, nº 873/1978, a qual, referindo-se à citada superioridade hierárquica, expressou que esta, é a que tem um militar, a respeito dos demais, por graduação, cargo ou autoridade. [34]
E lembrou que não só as instituições militares possuem hierarquia, mas também, dentre outras, as eclesiásticas. Para o autor, os exemplos mais convincentes de organização à base de hierarquia são os da Igreja Católica e das Forças Armadas, que como conseqüência do estabelecimento de rigorosas ordens hierárquicas, têm logrado sua perpetuidade no tempo, existindo por milênios. Ainda que tenham sofrido algumas transformações, foram para adaptar-se às exigências dos novos tempos, quiçá unicamente nos métodos e formas desenvolvidas para lograr suas metas e objetivos frente ao conglomerado social. [35]
Anotou ainda Wilson Odirley VALLA, que Celso Antonio Bandeira de Mello, citado no trabalho do Cel PMSP Carlos Alberto de CAMARGO, ao definir hierarquia, põe em evidência o princípio da autoridade, dizendo: Hieraquia se define como o vínculo de autoridade que une escalonadamente em graus sucessivos, órgãos e agentes numa relação de subordinação, ou seja: de superior a inferior, de hierarca a subalterno”.
Por isso, em razão do direito de poder mandar, o superior tem, em matéria de serviço, completa disponibilidade sobre os atos praticados pelo subordinado que, além da faculdade de aplicar a punição, tem autoridade de fiscalização, de revisão, de dirimir controvérsias de competência e avocação. Obviamente, essa disponibilidade sobre os atos do subordinado é exercida dentro dos limites da legalidade, da moralidade e da eficiência[36].
E finaliza, lembrando os ensinamentos de Maurice HAURIOU, citado por João Batista FAGUNDES, entende-se por hierarquia “a superposição de vários graus em uma organização autorizada de agentes, de sorte que agentes inferiores não cumprem suas funções sob a obrigação direta e única de observar a lei, mas pela obrigação de obedecer ao chefe que se interpõe entre eles e a lei”[37] (grifos no original)
E exemplificou em relação às polícias militares, mas com completa pertinência em relação às Forças Armadas: Se o policial militar prende alguém, lavra uma notificação por infração de trânsito ou executa outro ato de polícia ostensiva qualquer, ele está cumprindo a lei. Mas se sai à rua com sua tropa para congelar uma área ou ocupar uma determinada instalação, ou ainda, executar uma ação letal contra um marginal que está de posse de refém, ele está cumprindo ordens, as quais não lhe compete analisar se estão ou não conforme a lei.
A segunda viga mestra das Instituições Armadas[38] é a disciplina.
Lorenzo Cotino HUESO, jurista espanhol, ao iniciar o capítulo V de sua premiada obra, trouxe à lume a seguinte lição, com a qual concordamos plenamente:
Un Ejército que ha perdido la disciplina no puede salvarse.
Ya no es un militar, ya no es un Ejército.
En la obediencia (…) está la esencia de la milicia, y la eficacia de las Fuerzas Armadas. (Juan Carlos I, Discursos en Pascua Militar de 1979 y 1990)[39]
HUEZO considera a disciplina militar um elemento essencial das Forças Armadas. Para ele, a ordem e a disciplina são próprias de qualquer sociedade, com o que se pode concluir que o princípio da autoridade não seja exclusivo da organização militar, ocorrendo tanto em outros órgãos públicos como privados.
E prossegue afirmando que tanto as relações administrativas civis como as trabalhistas ou educativas se configuram com base no princípio da autoridade, ainda que todos estes âmbitos estejam longe da organização militar, onde o princípio da eficácia e com ele o da hierarquia e disciplina adquirem uma significação de todo particular. Não seria em vão, portanto, concluir que a organização burocrática militar é a técnica de dominação mais perfeita[40].
A quase totalidade dos regulamentos disciplinares brasileiros prevê, como sendo uma das manifestações da disciplina, a obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos (art. 8º, § 1º, inciso II, de o Regulamento Disciplinar do Exército).
É conditio sine qua non para a existência das instituições militares a circunstância elementar do militar dever consideração, respeito e acatamento aos seus superiores hierárquicos (art. 3º, Regulamento Disciplinar da Aeronáutica)[41].
Salvo engano, o único Estado brasileiro que revogou como manifestação da disciplina a obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos – e de conseqüência o dever de consideração, respeito e acatamento aos superiores hierárquicos, foi Minas Gerais, com a edição de seu inusitado Código de Ética e Disciplina[42], que não a previu em seu art. 6º, o que nos parece lamentável.
No extinto Regulamento Disciplinar o dever de obediência era tratado no Capítulo II (Princípios Gerais da Hierarquia e Disciplina, art. 5º, § 2º, I e II). No Código de Ética o dever de obediência foi omitido, descaracterizando a essência da natureza militar da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar do Estado de Minas Gerais.
Para o Código de Ética, a disciplina de manifesta pela: “observância às prescrições regulamentares”; e pela “pronta obediência às ordens legais”.
Para Laurentino de Andrade Filocre, “nítida no novo diploma legal a reversão do princípio fundamental à disciplina – a “obediência devida” – ao condicionar o cumprimento da ordem à sua legalidade. Subtrai, assim, um elemento básico existente nos ordenamentos disciplinares dos mais diversos países: a presunção de legitimidade da ordem do superior hierárquico. A ordem poderá, assim, ser sempre questionada quanto à sua legalidade”.[43]
Não é difícil de visualizar a insegurança jurídica passível de se instaurar em um sistema, dito militar, em que, cada um de seus integrantes, de per si, possa arvorar-se em órgão de controle prévio da legalidade da ordem dada pelo seu superior, principalmente quando se sabe que o controle da legalidade das ordens hierárquicas é sempre posterior, quando a obediência é alegada como causa de exclusão da culpabilidade.
Se a obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos é uma das manifestações elementares da disciplina – daí decorre o dever de obediência comum às instituições militares, a falta de sua previsão nas leis e regulamentos militares (por omissão ou má-fé) torna a corporação capenga em um de seus sustentáculos e ai, conquanto a justificativa inicial apresentada fosse à valorização profissional dos militares do Estado, resguardando os princípios basilares da hierarquia e da disciplina, a constatação final é de referidos princípios basilares e constitucionais restaram sensivelmente enfraquecidos, podendo mesmo se falar em inconstitucionalidade por omissão, autorizando a competente ação no Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 103, § 2º, da Carta Magna.
3.1. DEVER DE OBEDIÊNCIA
Referindo-se ao dever de obediência, Wilson Odirley VALLA adverte que, se em princípio somente à lei é que se deve obediência, pois esta é a única autoridade impessoal à qual o homem pode se submeter sem constrangimento à sua dignidade pessoal, na vida militar, porém, existem circunstâncias especiais decorrentes da hierarquia e da disciplina, em que a obrigação de obediência não se esgota na lei, e se prolonga na ordem do superior hierárquico. Se assim não fosse, a hierarquia militar não teria razão de existir, pois na própria lei estariam presentes todas as soluções[44].
Daí decorre que aquele que recebe uma ordem tem o direito e dever de apenas analisar se o autor da ordem tem um poder de superioridade, ou seja, se existe entre os dois a relação de dependência hierárquica sobre a qual se funda o dever de obediência.
Se a ordem contrariar preceito regulamentar ou legal, o executante pode solicitar sua confirmação por escrito, cumprindo ao superior que a emitiu, atender a solicitação. Mesmo assim, adverte Wilson Odirley VALLA, o inferior terá que cumpri-la, já que somente não se executa a ordem manifestamente criminosa, isto é, quando a ilicitude da ordem dada é tão visível que extingue a presunção de legitimidade do comando. É o caso, exemplifica, do superior que manda o subordinado eliminar um desafeto ou a praticar atos de tortura em determinada pessoa suspeita[45].
Para Lorenzo Cotino HUESO, a desobediência militar somente se justifica para a sustentação do regime constitucional democrático, como uma manifestação particular do ius resistendi de todo cidadão.
E referindo-se ao regime constitucional espanhol, asseverou:
“Como se ha firmado, la quiebra de la obediencia ciega se produjo en aras del mismo sistema constitucional. Y es así como la misma se contempla en el sistema español. Las Reales Ordenanzas preceptúan en su artículo 34 que ningún militar está obligado a obedecer la ejecución de actos que <manifiestamente […] constituyan delito, en particular contra la Constitución […] en todo caso asumirá la grave responsabilidad de su acción u omisión.> Asimismo dispone que < Todo mando tiene el deber de exigir obediencia a sus subordinados y el derecho a que se respete su autoridad, pero no pondrá ordenar actos contrarios a las leyes y usos de la guerra o que constituyan delito> (art.84). En esta línea, el Código Penal Militar de 1985 señala en su artículo 21 que <No se estimará como eximente ni atenuante el obrar en virtud de obediencia a aquella orden que entrañe la ejecución de actos que manifiestamente […] constituyan delito, en particular contra la Constitución>. Toda la construcción de los delitos de rebelión y desobediencia es coherente con esta disciplina reflexiva. La disciplina sólo se legitima constitucionalmente como medio indispensable de alcanzar la eficacia de la institución militar, pero la eficacia de las FAS no es un valor en sí mismo, sino sólo con relación a las misiones que eficazmente deben desarrollarse, y estas misiones se resumen en la defensa del Estado constitucional.”[46]
Para garantir o dever de obediência, o próprio Código Penal Militar brasileiro previu, entre as excludentes de culpabilidade, no seu art. 38, letra b, que não é culpado quem comete o crime em estrita obediência a ordem direta do superior hierárquico em matéria de serviços, ocasião em que responde pelo eventual crime o autor da ordem.
Ressalva a lei penal militar, entretanto, em seu § 2º, a punibilidade solidária do inferior hierárquico, quando a ordem tiver por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou quando houver excesso nos atos ou na força de execução por parte de quem a cumpriu. Os regulamentos disciplinares também garantem a obediência a ordem hierárquica no cumprimento de ordens legais.
Assim, se a disciplina e a hierarquia constituem os pilares básicos das Instituições Armadas[47], sendo inclusive protegidos pela Constituição Federal, necessário neste ponto afirmar-se que, via de regra, [48] o instrumento garantidor por excelência desse binômio é o Regulamento Disciplinar de cada Força.
Sempre existiram regulamentos disciplinares, desde o descobrimento do Brasil e de todas as nações politicamente organizadas, todavia, em face da evolução natural da sociedade, estes regulamentos, de tempos em tempos se atualizam, mantendo, entretanto, uma estrutura rígida e dogmática, em razão da peculiaridade da disciplina militar aplicada à Força que o regulamento irá tutelar.
4. O COMPORTAMENTO DO MILITAR[49]
O comportamento do militar espelha sua vida dentro e fora da caserna. Tem influência inclusive no processo penal castrense. Em diversos dispositivos, tanto do Código Penal Militar quanto do Código de Processo Penal Militar, a ele (comportamento militar) se faz referência, como veremos a seguir.
A primeira análise do comportamento do réu no Direito Penal Militar está prevista no art. 72, inciso II, do CPM, como uma atenuante genérica, a ser considerada na aplicação da pena, o meritório comportamento anterior.
Para a caracterização deste meritório comportamento anterior do réu militar, não bastam o recebimento de elogios ou medalhas, tido como normalidade na vida castrense, devendo presumir-se a atenuante na ocorrência de condutas excepcionais àquelas do dia-a-dia da caserna. Nesse sentido, decidiu o E. STM, ao julgar os embargos declaratórios de n°46.829-2/BA, publicada a decisão no Diário da Justiça da União, de 14.12.94.
Uma interferência mais severa, entretanto encontra-se no art. 86, inciso III, do CPM, ao prever a revogação obrigatória da suspensão condicional da pena ( sursis ), quando no curso do prazo, o beneficiário, sendo militar, é punido por infração disciplinar de natureza grave.
Este comando está repetido no inciso III, do art. 614, do Código de Processo Penal Militar.
Por ai se verifica que o Comandante do militar ( beneficiário do sursis ) tem o dever de comunicar ao Juízo da Auditoria competente , a aplicação de punição em decorrência de da prática de transgressão de natureza grave pelo réu que lhe for subordinado.
No campo da Administração Militar, é claro que o julgamento da transgressão deve ser precedido de uma análise que considere a pessoa do transgressor, as causas que a determinaram, a natureza dos fatos ou atos que a envolveram, e as conseqüências que dela possam advir ( art.14, RDE ), entretanto, o próprio Regulamento Disciplinar já dispõe que será sempre considerada como <grave>, a transgressão da disciplina que constituir ato que afete a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe (art.20).
Sendo causa obrigatória de revogação em relação ao sursis, a punição por transgressão disciplinar considerada grave é, entretanto, causa facultativa de revogação do livramento condicional, como se vê do § 1°, do art. 93 do diploma penal e art. 632, letra ‘c’, do CPPM.
Como o comportamento militar reflete inclusive a vida civil do réu militar, as restrições se justificam, mesmo porque, tanto o sursis quanto o livramento são condicionais, impondo obrigações aos beneficiários, e atendendo-se ainda à existência de requisitos legais, dentre os quais sua conduta posterior ao crime ou durante a execução da pena, autorizando a presunção ou permitindo supor que não tornará a delinqüir.
Por fim, para que o condenado militar possa obter a reabilitação criminal, deverá preencher os requisitos do § 1°, do art. 134 do CPM, e art. 652 do CPPM, inclusive o de ter dado, durante o lapso temporal exigido, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e particular, sendo óbvio que aquele que possuir comportamento militar classificado como ‘insuficiente’ ou ‘mau’, não faz juz à pretensão reabilitatória, da mesma forma que não é exigido que possua comportamento ‘ótimo’ ou ‘excepcional’, como se observa a seguir:
“Ementa. Reabilitação. Insuficiência de punição disciplinar aplicada pela Administração para descaracterizar como <bom>, o comportamento funcional do requerente: inexigência de comportamento irrepreensível, sem qualquer mácula, para a concessão da reabilitação, bastando, pois, possuir o militar comportamento dedutível como <bom>. Atendimento, ‘in casu’, do que prescrevem as alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’, do art. 652 do CPPM. Provimento do recurso, para, reformando o ‘decisum’ hostilizado, deferir o pedido de reabilitação, unânime.” (STM – Rec.Crim. 6.166-0/AM, DJU, 12.12.94 )
Por uma questão de coerência convém conceituá-lo. O Decreto federal n° 4.346, de 26.08.2002 – Regulamento Disciplinar para o Exército (RDE) dispõe, em seu art. 51 que “o comportamento militar das Praças espelha o seu procedimento civil e militar sob o ponto de vista da disciplina”. Esta ótica serve, igualmente, para as demais Forças Armadas, bem como para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
Dependendo do número de punições que o militar tenha sofrido em um determinado lapso temporal, seu comportamento militar será classificado em ‘excepcional’, ‘ótimo’, ‘bom’, ‘insuficiente’, e ‘mau’.
Curial que se diga que ao ingressar na vida militar, o cidadão classifica-se naturalmente no ‘bom comportamento’, e dali navega, para cima ou para baixo, marcando positiva ou negativamente sua carreira militar.
Nos termos do § 1º, art. 51, do RDE, o comportamento militar da praça deve ser classificado em:
I – excepcional:
a) quando no período de nove anos de efetivo serviço, mantendo os comportamentos “bom”, ou “ótimo”, não tenha sofrido qualquer punição disciplinar;
b) quando, tendo sido condenada por crime culposo, após transitada em julgado a sentença, passe dez anos de efetivo serviço sem sofrer qualquer punição disciplinar, mesmo que lhe tenha sido concedida a reabilitação judicial, em cujo período somente serão computados os anos em que a praça estiver classificada nos comportamentos “bom” ou “ótimo”; e
c) quando, tendo sido condenada por crime doloso, após transitada em julgado a sentença, passe doze anos de efetivo serviço sem sofrer qualquer punição disciplinar, mesmo que lhe tenha sido concedida a reabilitação judicial. Neste período somente serão computados os anos em que a praça estiver classificada nos comportamentos “bom” ou “ótimo”;
II – ótimo:
a) quando, no período de cinco anos de efetivo serviço, contados a partir do comportamento “bom”, tenha sido punida com a pena de até uma detenção disciplinar;
b) quando, tendo sido condenada por crime culposo, após transitada em julgado a sentença, passe seis anos de efetivo serviço, punida, no máximo, com uma detenção disciplinar, contados a partir do comportamento “bom”, mesmo que lhe tenha sido concedida a reabilitação judicial; e
c) quando, tendo sido condenada por crime doloso, após transitada em julgado a sentença, passe oito anos de efetivo serviço, punida, no máximo, com uma detenção disciplinar, contados a partir do comportamento “bom”, mesmo que lhe tenha sido concedida a reabilitação judicial;
III – bom:
a) quando, no período de dois anos de efetivo serviço, tenha sido punida com a pena de até duas prisões disciplinares; e
b) quando, tendo sido condenada criminalmente, após transitada em julgado a sentença, houver cumprido os prazos previstos para a melhoria de comportamento de que trata o § 7o deste artigo, mesmo que lhe tenha sido concedida a reabilitação judicial;
IV – insuficiente:
a) quando, no período de um ano de efetivo serviço, tenha sido punida com duas prisões disciplinares ou, ainda, quando no período de dois anos tenha sido punida com mais de duas prisões disciplinares; e
b) quando, tendo sido condenada criminalmente, após transitada em julgado a sentença, houver cumprido os prazos previstos para a melhoria de comportamento de que trata o § 7o deste artigo, mesmo que lhe tenha sido concedida a reabilitação judicial;
V – mau:
a) quando, no período de um ano de efetivo serviço tenha sido punida com mais de duas prisões disciplinares; e
b) quando condenada por crime culposo ou doloso, a contar do trânsito em julgado da sentença ou acórdão, até que satisfaça as condições para a mudança de comportamento de que trata o § 7o deste artigo.
Necessário anotar que mostramos a classificação do comportamento do Exército, por entendermos que o comportamento dos militares da maioria das polícias militares e corpos de bombeiros militares é classificado à sua semelhança, já que as forças auxiliares são reserva da Força Terrestre[50].
Na Aeronáutica, com alguma semelhança, a classificação do comportamento é feita a partir do art. 40 do RDAer[51].
Curiosamente, a Lei Estadual nº. 14.310, de 19.06.2002, que instituiu o Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais – CEDMMG passou a se referir a <conceito> dos militares e não mais ao comportamento das praças, mas a finalidade, cremos, conquanto seja propalada como a de aferir a eficiência se usarmos a expressão constitucional, daqueles que a ele estão submetidos, na prática procedeu a uma injustificada igualdade entre oficiais e praças.
O art. 5º do CEDMMG dispõe que será classificado com um dos seguintes conceitos o militar (oficial ou praça) que, no período de doze meses tiver registrado em seus assentamentos funcionais a pontuação adiantes especificada:
I – conceito “A” – cinqüenta pontos positivos;
II – conceito “B” – cinqüenta pontos negativos:
III – conceito “C” –mais de cinqüenta pontos negativos.
Seu § 1º assevera que ao ingressar nas Instituições Militares Estaduais – IMEs -, o militar será classificado no conceito “B”, com zero ponto, enquanto que o § 2º determina que a cada ano sem punição o militar receberá dez pontos positivos, até atingir o conceito “A”.
Ao tratar das disposições gerais, o CEDMMG, dispôs, em seu art. 96 o seguinte:
Art. 96 – Ficam definidas as seguintes regras de aplicação dos dispositivos deste Código, a partir de sua vigência:
I – o militar que possuir registro de até uma detenção em sua ficha funcional nos últimos cinco anos fica classificado no conceito “A”;
II – o militar que possuir registro de menos de duas prisões em sua ficha funcional no período de um ano ou de até duas prisões em dois anos fica classificado no conceito “B”, com zero ponto;
III – o militar que possuir registro de até duas prisões em sua ficha funcional no período de um ano fica classificado no conceito “B”, com vinte e cinco pontos negativos;
IV – o militar que possuir registro de mais de duas prisões em sua ficha funcional no período de um ano fica classificado no conceito “C”, com cinqüenta e um pontos negativos;
V – as punições aplicadas anteriormente à vigência deste Código serão consideradas para fins de antecedentes e outros efeitos inseridos em legislação específica;
VI – aplicam-se aos procedimentos administrativo-disciplinares em andamento as disposições deste Código, aproveitando-se os atos já concluídos;
VII – fica abolido o caderno de registros como instrumento de avaliação do oficial da PMMG e do CBMMG, ficando instituída a avaliação anual de desempenho e produtividade.[52]
É um critério aritmético de avaliação, que tem por base os limites estabelecidos no art. 18 do inusitado Código, que estabelece um curioso parâmetro de atribuição de pontos negativos em face da natureza da transgressão (leve, média e grave), contrabalanceando-o com pontos positivos quando estiverem presentes atenuantes para a transgressão cometida.
A sistemática identifica-se com o fato de que o número de pontos que cada militar (oficial ou praça) possui tem implicação direta na aplicação das punições que eventualmente receba. Para melhor esclarecimento, o CEDM extinguiu o comportamento para as praças e todos os militares mineiros passaram a ter conceito que varia de ‘A’ (50 pontos positivos) até ‘C’ (50 pontos negativos).
Atualmente, a dosimetria da pena administrativa não é mais poder discricionário do Comandante, mas sim o somatório resultante da avaliação objetiva da conduta profissional, pessoal e social do acusado, aliado ao seu conceito (definido por critérios também objetivos), não se fazendo mais distinção, para fins de avaliação de conceito, entre oficiais e praças.
Sabe-se que esta equiparação na avaliação de conduta profissional, pessoal e social, entre oficiais e praças, teve como fundamento o pretenso atendimento ao princípio da isonomia constitucional (igualdade de todos perante a lei) e que sequer se cogita sua alteração.
Data venia de entendimentos opostos e de todo respeitados, não vemos igualdade profissional entre oficiais e praças de qualquer corporação militar. O próprio art. 5º, inciso I, da Carta Magna, quando assegura a igualdade em direitos e obrigações, a homens e mulheres, se ocupou de ressalvar que a igualdade será nos termos desta Constituição.
Ora, os dispositivos constitucionais (artigos 42 e 142) que se referem às Forças Armadas e às Polícias e Corpos de Bombeiros Militares, expressam de forma clara e indiscutível, que estas são organizadas com base na hierarquia e disciplina, o que pressupõe um escalonamento vertical entre todos os integrantes da corporação militar, havendo uma natural separação entre oficiais (que são os dirigentes daquele corpo) e as praças. Ainda que se pudesse aceitar a afirmação de que a avaliação essencialmente objetiva dos militares de Minas Gerais, não permite – ou restringe ao máximo, a possibilidade de avaliação tendenciosa, gerada muitas vezes por questões pessoais entre o superior avaliador e o subordinado avaliado, não há como deixar de constatar, que este critério inusitado, confuso e aritmético de aferição de conceito, aliado a outros fatores presentes no CEDMMG – como o recurso suspensivo em todas as punições disciplinares, somado ao fato da demora de se definir e aplicar a punição inicialmente proposta, gera, para a sociedade leiga, uma falsa impressão de que os militares mineiros estão em sua maioria classificados em comportamentos elogiáveis, quando na verdade, ainda que existam muitas punições decididas originariamente, sua aplicação estará contida pelo efeito suspensivo, e não irá refletir a realidade do comportamento da tropa, mascarando-o.
Ao colocar em pé de igualdade, oficiais e praças para verificação de conceito, o CEDMMG feriu de morte a corporação que pretende tutelar.
Lembra Laurentino de Andrade Filocre que “situações esdrúxulas ocorrerão. Imagine-se, por exemplo, a desqualificação moral do oficial ou do próprio comandante da unidade perante o soldado classificado em melhor conceito.”[53]
5. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME MILITAR DE FURTO
Questão que suscita controvérsia no direito penal castrense é a aplicação do chamado princípio da insignificância ao furto cometido por militares.
Cediço que as instituições militares sustentam-se no binômio hierarquia e disciplina, pilares reforçados pelas lições de ética, moral e devoção ao cumprimento do dever, e que devem, e que devem ser impostas àqueles que são os responsáveis pela defesa da Pátria e pela preservação da ordem pública, muito mais do que os cidadãos comuns.
Não é o valor monetário da res fator decisivo para selar o destino do agente, mas o relevante prejuízo para as Forças Armadas e para a sociedade em geral (STM – Ap.2005.01.049837-0-RJ).
Entendemos que há que se conter ao máximo, a tentativa de tentar traduzir em conceitos jurídicos experiências vitais da caserna.
O Superior Tribunal Militar, apreciando a Apelação nº. 2004.01.049586-0, considerou o furto de R$ 104,00 (cento e quatro reais), praticado por um recruta contra outro soldado como infração disciplinar, mantendo a absolvição recorrida pela aplicação do princípio da insignificância (Relator o Ministro Ten.-Brig.-do-Ar Flávio de Oliveira Lencastre), julgamento em que pesou na decisão do Tribunal, o fato dos réus já haverem sido licenciados da Força, por ocasião do julgamento do Apelação, e também o fato de que eram menores à época dos fatos, pelo que incidiria a prescrição da pretensão punitiva, pela pena que fosse concretizada pelo acórdão.
Em julgamento anterior, hipótese versando sobre o furto de uma bicicleta que o soldado utilizava para seu transporte e que fora avaliada em R$ 130,00 (cento e trinta reais), o Tribunal adotou o mesmo posicionamento, julgando o fato insignificante (Apelação nº. 2003.01.049296-8-PE, Relator Ministro Dr. José Coelho Ferreira).
Por outro lado, em julgamento noticiado pelo Informativo nº. 373, de 06 a 10 de dezembro de 2004, o Supremo Tribunal Federal, por sua Quinta Turma, por unanimidade, considerou inaplicável o princípio da insignificância para o caso de paciente condenado na Justiça comum pelo furto de uma bicicleta, avaliada em R$ 60,00 (sessenta reais).
EMENTA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
I – No caso de furto, para efeito da aplicação do princípio da insignificância, é imprescindível a distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade).
II – A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto.
Writ denegado. (Relator Ministro Carlos Britto, no HC – 84202, julgado em 07.12.2004)
Todavia, foi o próprio STF que, recentemente, entendeu possível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes militares, ao apreciar o HC nº 89.104-MC/RS, quando o Ministro Celso de Mello, Relator, deferiu medida cautelar, em face de impetração do remédio heróico contra decisão do E.STM, tendo a ementa sido formatada da seguinte forma:
Ementa. Princípio da Insignificância: Possibilidade de sua aplicação aos crimes militares. Identificação dos vetores cuja presença legitima o reconhecimento desse postulado de política criminal. Conseqüente descaracterização material da tipicidade penal. Delito de furto. Instauração de ‘Persecutio Criminis’ contra militar . ‘Res furtiva’no valor de R$ 59,00 ( equivalente a 16,85% do salário mínimo atualmente em vigor). Doutrina. Considerações em torno da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Cumulativa ocorrência, na espécie, dos requisitos pertinentes à plausibilidade jurídica do pedido e ao ‘periculum in mora’. Medida cautelar concedida. (julgado em 13.10.2006, DJU de 19.10.2006)
Esta oscilação de posições na aplicação do princípio da insignificância no crime militar de furto, e aqui vimos decisões do Superior Tribunal Militar, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, demonstra que a questão não é pacífica, demonstrando, entretanto, sua evidente importância no direito especial.
Não é objetivo deste pequeno ensaio aprofundar a discussão sobre o principio considerado, mas não se poderia deixar de trazê-lo à colação, concitando a comunidade jurídica para o debate.
Membro do Ministério Público da União. Promotor da Justiça Militar lotado em Santa Maria – RS. Sócio Fundador da Associação Internacional das Justiças Militares – AIJM. Membro Correspondente da Academia Mineira de Direito Militar. Coordenador da Biblioteca de Estudos de Direito Militar da Editora Juruá.
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