Considerações sobre o ativismo judicial, constitucionalismo e democracia

É uma grande questão do direito constitucional o reconhecimento da abertura do texto constitucional que dispensa periódicas revisões para dar vez e voz às reivindicações atuais e futuras.

Nesse sentido, o reconhecimento judicial de direitos (sejam novos ou implícitos) ao invés de configurar o chamado ativismo judicial[1], que é tido como ofensa à separação de poderes e ao Estado de Direito, apresenta-se mais como confirmação da própria democracia.

Desta forma, não precisamos cotejar os direitos não enumerados porque a própria Constituição autoriza e inclui essa transcendência em nome das exigências de liberdade e igualdade que a fundamentam.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Para melhor analisar a atuação do Poder Judiciário em relação ao controle feito sobre a produção legislativa por meio do controle de constitucionalidade[2], é relevante examinar o conceito de democracia para que seja possível analisar algumas contrariedades existentes em algumas formas de atuação da Corte Suprema em relação a esta forma de governo.

No desenho da democracia está o princípio da separação de poderes e sua influência no contexto brasileiro, demonstrando possíveis flexibilizações e limites impostos pelo legislador.

Há inúmeras questões a respeito da judicialização[3] política, capacidade e premissas hermenêuticas bem como o acompanhamento de algumas decisões que nitidamente abrangem matérias de cunho político, para que se possa avaliar o direcionamento tomado pelo STF nas questões relativas à fiscalização da produção legislativa.

Concluímos que a democracia e o constitucionalismo[4] antes de se antagonizarem, em verdade, se complementam estabelecendo uma relação produtiva e de permanente releitura do texto constitucional.

A questão do reconhecimento de “novos direitos” por decisão do STF e mesmo o controle judicial exercido, é mesmo legítimo principalmente em face do cenário democrático atual considerado como paradigma da Constituição brasileira de 1988 apesar de haver definidos limites para essa atuação judicial.

Não é mero estabelecimento de periódicas revisões da Constituição através do processo formal de reforma constitucional ou pela institucionalização da representação parlamentar das opiniões que possibilita realmente conciliar o “governo do povo e pelo povo”, consagrando-se apenas como “governo de leis e não de homens”.

Há grandes ambiguidades quanto ao significado da democracia, mas a concepção promovida por John Rawls[5] que a evidenciou como a mais larga e ampla, fazendo parte desta os elementos necessários para caracterizar um modo com que pode ser exercido o poder político.

Hans Kelsen[6] vaticinou que, apesar de as pessoas serem iguais, essa igualdade somente se mostrará efetiva caso a sociedade se submeta a um comando de governo que seja capaz de ordenar as ações sociais, porém sem se afastar dos princípios de igualdade e liberdade sendo justamente a síntese desses dois princípios que gera a autêntica índole da democracia que se caracteriza por favorecer a plena igualdade e liberdade dos cidadãos.

A interpretação criativa dos tribunais acolhe um processo de luta por direitos e a forma produtiva de conciliar esses dois princípios[7], harmonizando ainda o constitucionalismo com a democracia.

Para alguns teóricos o princípio de igualdade e o de liberdade são contrapostos. E como a submissão à vontade de um comando ou governo poderia ser harmonizado com a ideia plena de liberdade e igualdade?

A resposta a tal questionamento é aparentemente simples, pois se atribuindo o poder de comando ou governo ao povo, pela fórmula governo do povo, pelo povo e para o povo. Como conciliar a liberdade pública com a liberdade privada? Mas, desde Grécia a significação da democracia conforme sua etimologia era de “governo do povo”.

Bobbio ressalta que o conceito de democracia seja elástico posto que se pode tanto puxar de um, como de outros à vontade. Significando o governo de todos ou de muitos ou, de pelo menos da maioria, contra o governo de um só ou de poucos ou ainda de uma minoria.

Em contraponto, Bobbio ainda aduz que a democracia embora elástica, possui contornos precisos pois é sistema de poder no qual as decisões coletivas, isto é, as decisões que interessam a toda coletividade (seja grande ou pequena) são tomadas por todos os membros que a compõem. Referia-se naturalmente a democracia direta[8].

A essência da democracia segundo Kelsen[9] era a participação dos governados, o princípio de liberdade no sentido de autodeterminação política.

Alexis Tocqueville[10] cotejando a democracia dos EUA mencionou que é o povo quem nomeia quem faz a lei e quem irá executá-la, bem como caberá ao povo, a determinação da punição ao infrator. Disto se depreende que todos os poderes (legislativo, executivo e judiciário) estão subordinados à vontade popular.

Longe de ser pacífico, o conceito de democracia aponta que o povo deve estar encabeçando as decisões políticas, e as determinando, bem como indicando o direcionamento a ser adotado pelo poder público.

No entanto, a execução dessa vontade geral é árdua e nem sempre levada em consideração pelos representantes eleitos pelo povo e que são detentores de cargos eletivos no Poder Executivo e Legislativo.

O procedimento caracterizador da democracia é o sufrágio universal, sendo as eleições um processo descontínuo e elementar, resultando que o poder do povo fica inativo.

É a inoperatividade da vontade popular que ocorre justamente no ato da escolha tanto dos representantes como de políticas, mantendo, portanto estrita correlação com a questão das eleições e da formação da vontade popular. O critério utilizado para a determinação de tais anseios populares é o critério majoritário que se concretiza por meio do sufrágio.

Desta forma percebe-se que a Constituição[11] é estabelecida cotidianamente através de seus intérpretes e destinatários, não podendo assim a democracia ser compreendida somente em termos de representação política da vontade popular.

São sábias as observações de Claude Lefort[12] que menciona que a democracia sempre selvagem é marcada de conflitos e, não se reduz a um sistema de instituições, sendo sua singularidade a formação de sociedade desprovida de certezas definitivas, marcada pela indeterminação, e sempre as voltas, com a sua própria redefinição.

No fundo, o Estado Democrático de Direito[13] excede aos tradicionais limites do Estado do Direito pois experimenta direitos que ainda não lhe estão incorporados.

É curial afirmar que o reconhecimento judicial dos direitos das minorias, não significa ofensa ao princípio da separação de poderes e, não significa também, uma usurpação de poderes e funções do legislativo pelo judiciário, antes representa um reforço da própria democracia, desta forma conforme ensina Flávia Piovesan a democracia não se vincula apenas ao modo pelo qual o poder político é exercido estando envolvido basicamente, a forma pela qual os direitos humanos são implementados.

Não se pode ver a democracia apenas como o governo de uma maioria, mas sim, a possibilidade de que todos, independentemente de suas diferenças, e das mais variadas visões de mundo, possam ter direitos e serem sujeitos de direitos.

Como expôs poeticamente Claude Lefort “a democracia é governo de todos e de ninguém ao mesmo tempo”. É uma soberania sem soberanos, um governo estruturado na liberdade da autorrealização e autodeterminação de cada um e não no comando de uns sobre outros.

Porém apontam alguns doutrinadores que o constitucionalismo[14],o ativismo judicial e a democracia foram concebidos em campos opostos e irreconciliáveis, já que entendiam que os vínculos estabelecidos pelos antepassados seriam uma restrição ao governo das gerações atuais e futuras.

O fato é que se tem tradicionalmente entendido que a criação de normas constitucionais dotadas de supremacia, e que não podem ser revogadas, via procedimentos ordinários pelo legislador infraconstitucional, significa uma restrição às atuais maiorias, ou seja, representa uma preponderância dos constituintes passados sobre a geração atual, na medida em que esta deveria se sujeitar às decisões tomadas por aqueles.

É paradoxal entender que todos somos livres e iguais, mas a própria Constituição diminuiria nossa capacidade de ação. É nesse sentido que a democracia e constitucionalismo aparecem como antagônicos no período revolucionário francês, podendo a dificuldade de implementação de uma Constituição em tal país ser explicada por uma revolução a que não se queria por fim.

Ocorre que essa ausência de mediação jurídica da soberania popular, a ausência de limites ao poder do povo e o clamor das maiorias apaixonadas, é que estiveram subjacentes ao terror instaurado pelos jacobinos.

A pretensão de não vincular as futuras gerações pelas passadas está presente na discussão americana surgida na independência e instituição da Constituição norte-americana de 1787.

Longe de ser pacífico, o conceito de democracia[15] aponta que o povo deve estar encabeçando as decisões políticas, determinando o direcionamento a ser adotado pelo poder público.

Infelizmente ocorre a inoperatividade da vontade popular justamente no ato de escolha tanto dos representantes como de políticas públicas, mantendo, portanto estreita correlação com a questão de eleições e da formação da vontade popular.

O critério utilizado para determinar de tais anseios populares é utilizado o critério majoritário[16] que se concretiza por meio do sufrágio. Sério drama é vivido pela representatividade estatal e da efetivação da vontade popular a partir do momento em que o Judiciário se imiscui no âmbito de atuação dos Poderes Executivo e Legislativo[17].

Tendo em vista o desígnio jurisdicional ser a aplicação da norma ao caso concreto de forma isenta e neutra, o que só é possível com o devido distanciamento do Judiciário da sociedade, de forma que essa assunção da função jurisdicional contrariaria o enunciado de Tocqueville.

Em suma, o povo se afastaria das decisões governamentais ferindo de morte o sistema democrático. Nesse sentido, apesar de ser uno o Estado a sua estrutura e funcionamento é composta pela função executiva, legislativa e jurisdicional e, são funções indispensáveis para efetivação do Estado Democrático tendo suas atribuições bem traçadas devendo ser harmônicas, coerentes com os ditames constitucionais, de forma que não se pode cogitar em democracia sem a observância do princípio da separação de poderes.

O Estado Democrático de Direito é um conceito-chave acolhido expressamente pelo art. 1º da CF/1988 e tem fundamento o princípio da soberania popular, na qual a participação do povo na coisa pública que é uma das marcantes características.

Além de ter a simples formação das instituições representativas segundo a vontade dos cidadãos, havendo também outros fatores a serem observados.

Também a separação dos poderes é positivada no art. 2º da CF/1988 sendo um dos princípios fundamentais do Estado brasileiro, de forma que a atuação da separação de poderes deverá conduzia a interpretação das normas constitucionais, levando à integração das normas constitucionais entre si e pré-ordenar a estruturação e organização dos poderes.

A relevância suprema da separação de poderes fez que o constituinte originário a elevasse à cláusula constitucional pétrea e, portanto, inderrogável, intocável e insuprimível. Mesmo assim, a separação de poderes possui várias facetas que explicam bem o governo caracterizado pela vontade estatal formulada, expressa e realizada por órgãos supremos que incumbe o exercício das funções do poder politico.

Cabe advertir que apesar do poder político ser uno, indivisível e indelegável este, se decompõe em várias funções como executiva, legislativa e jurisdicional sendo úteis e necessárias para a concretização da atividade governamental.

A função legislativa consiste na edição de regras gerais, abstratas, impessoais e inovadoras de ordem jurídicas, denominadas leis e que devem atender ao bem geral.

A função executiva resolve os problemas concretos e individualizados, de acordo com as leis; não se limita à simples execução das leis, como às vezes se diz: “comporta prerrogativas, e nela entram todos os atos e fatos jurídicos que não tenham caráter geral e impessoal”; por isso, é cabível dizer que a função executiva se distingue da função de governo, com atribuições políticas, colegislativas e de decisão e, função administrativa, com suas três missões básicas: intervenção, fomento e serviço público.

A função jurisdicional tem por objeto aplicar o direito aos casos concretos a fim de dirimir conflitos de interesse (José Afonso da Silva). A dimensão funcional e orgânica da separação de poderes que irradia os princípios da separação de poderes que irradia os princípios da racionalização, moderação e limitação do poder estatal, sempre focado na efetividade da liberdade.

Enfim, a separação de poderes erige um Estado respeitador das liberdades, no qual, por meio de divisão do exercício do poder, estabelece um sistema de freios e contrapesos[18] com o objetivo de conter quaisquer excessos e promover a concatenação e complementação de ações governamentais.

Dentro de uma proposta contramajoritária da Constituição, reforçada pela rigidez constitucional, isto é, pela defesa da imutabilidade de suas normas, foi então compreendida como um empecilho à democracia. Eis aí, o principal confronto entre o constitucionalismo e democracia.

É sobre esse interessante debate que Paine e Jefferson[19] foram os primeiros revolucionários defensores da soberania popular, enquanto que Madison pode ser apontado como aquele que buscar ressaltar a importância dos vínculos constitucionais.

Houve ainda o famoso panfleto Common Sense surgido em 1776 e que contribuiu para a divulgação dos ideais de liberdade que levaram à Declaração de independência. Thomas Paine[20] apresentou-se como um crítico voraz da Constituição inglesa, condenando o seu governo por ser monárquico e hereditário, e mesmo que o rei tivesse sido eleito, ainda assim, entendia que não seria recomendável em face de haver a sucessão hereditária significando negar as gerações futuras o direito de autodeterminação, e as condenando ao que fora decidido e eleito pelos primeiros eleitores.

“Não tem paralelo nem dentro e nem fora das escrituras sagradas senão na doutrina do pecado original, a qual supõe que toda liberdade de escolha dos homens perdeu-se com Adão”. (Paine)

Insurgia-se assim contra toda forma de limitação ao governo dos vivos sendo que essa restrição poderia ser viabilizada através de um governo equilibrado no qual o poder do povo fosse contido pelo monarca ou até mesmo pela existência de uma Câmara Alta.

Já em 1776 se defendia em Estatuto Continental ou Continental ou das Colônias livres onde seriam fixados não somente a forma de escolha e o número de membros do Congresso e das Assembleias Provinciais, mas também, onde estariam assegurados direitos como da liberdade de exercício da religião, em 1791,      quando publica Rights of Man, Paine revela mais nitidamente sua faceta democrática, indo contra a estrutura constitucional herdada por seus antepassados.

Em verdade, tal propositura correspondia a uma resposta à reflexão de Burke sobre a Revolução Francesa, pois enquanto este entendia que o Parlamento de 1688 podia vincular as gerações vindouras até o “fim dos tempos”, Paine era totalmente contra os mortos governarem os vivos.

As circunstâncias do mundo estão se alterando continuamente, e as opiniões do homem; e como o governo é para os vivos, e não para os mortos, são somente os vivos que possuem aqui qualquer direito. ”(Paine).

Paine considerava ilegítima qualquer restrição do âmbito de ação dos herdeiros pelos seus próprios antepassados, como também demonstrava que tal pretensão seria inútil, já que não é possível, mesmo que este seja o desejo “querer governar o mundo além-túmulo”.

A ideia da mutabilidade está intimamente vinculada com a defesa da democracia não sendo admissível qualquer limite constitucional que pretenda conter a dinâmica da vida através de normas intangíveis anteriormente estabelecidas.

A aura mágica da própria noção Constituição, considerando-se esta como “sagrada”, já que a expressão da sabedoria humana, não sendo passível, portanto de ser alterada em virtude das contingências de tempo e espaço.

Essa perpetuidade constitucional contraria a defesa realizada de Jefferson, da mutabilidade das normas estabelecidas pela Virgínia, haja vista que estas poderiam ser alteradas pelo procedimento do legislativo ordinário.

Após propagar a flexibilidade constitucional Jefferson estranhamente limitou o alcance destas observações, argumentando que uma convenção constitucional regularmente eleita podia excluir no âmbito das coisas suscetíveis de serem discutidas seja os direitos fundamentais, seja a forma de governo.

Tal ambivalência inicial de Jefferson foi, contudo, solucionada quando o mesmo passou a defender abertamente o direito das gerações vindouras de governarem a si mesmas, foi quando Jefferson perdera a reverência pela Constituição, admitindo a periódica alteração da Constituição para que se tornasse obsoleta, acompanhando o desenrolar dos tempos e a evolução do espírito humano.

Partindo de um estudo da expectativa de vida que teria um homem maior de idade, ou seja, plenamente capaz naquela época, de participar da vida política de seu país (Jefferson calculou o tempo que deveria durar a Constituição elaborada por uma geração).

Em carta a Samuel Kercheval, datada de 12/07/1816, Jefferson se pronunciou sobre a necessidade de emendas periódicas à Constituição, in litteris:

“Cada geração é tão independente da que a precedeu como esta de todas as outras que passaram antes. Ela tem, pois como as outras, o direito de escolher para si a forma de governo que acredita promover sua própria felicidade, consequentemente, de acomodar-se às circunstâncias e que se encontra e que recebeu de seus predecessores; e é para a paz e o bem dos homens que uma solene oportunidade de fazer isto cada dezenove ou vinte anos deve ser estabelecida na Constituição, de modo que possa ser transmitida, com reparos periódicos, de geração a geração até ao fim dos tempos, se qualquer coisa humana pode persistir tanto tempo…” (Jefferson).

Se a ideia de soberania levou ao questionamento de como poderia um soberano realizar um contrato vinculante consigo mesmo, tendo sido este um problema crucial surgido em doutrinas como a de Sièyes e Rousseau, na tradição constitucionalista norte-americana o questionamento volta-se também para a legitimidade de uma geração pode criar normas obrigatórias para sua sucessora, na medida, em que era difusa a crença de quem deve governar são os vivos ou os mortos.

Jefferson defendeu a necessidade de emendas constitucionais periódicas, mas se referia realmente ao poder constituinte derivado? Mas a compreensão que se tem é que justificava também a existência de permanente poder constituinte originário, pois não admitia restrições, mesmo que procedimentais, às mudanças pretendidas pelo povo.

Tal postura era francamente a favor da democracia, em oposição à própria ideia de Constituição sendo qualificada como radical, mas o que está por detrás dessa atitude é a continuidade da ideia de soberania absoluta, ou seja, da tradicional prática britânica de ausência de limites de poder, seja do monarca, como antes da Revolução Gloriosa, seja do parlamento, entendimento este que, de certa forma, prevalece ainda hoje em virtude de ausência de efetividade do chamado King in Parliament.·.

Cumpre lembrar que mesmo a soberania do famoso parlamento inglês vem sendo questionada pelo fato da Inglaterra integrar a União Europeia tendo a Câmara de Lordes reconhecido em 1991 a superioridade do direito comunitário sobre o elaborado pelo Parlamento britânico.

Discute-se a incongruência estrutural do Estado ao se constatar a interferência no papel de cada poder. Especialmente quando o Judiciário imiscui-se com questões legislativas.

Inicialmente a autonomia para inovar o ordenamento jurídico foi deferida originalmente para o Legislativo, sendo este composto por representantes eleitos mediante sufrágio universal pela simples inviabilidade do papel regulamentador ser exercido diretamente pela totalidade das pessoas que optaram por sair do estado de natureza e ingressaram na vida em sociedade, não sendo deferida, evidentemente, tal atribuição ao Poder Judiciário.

Frise-se que não se pretende a reduzir a função jurisdicional a uma tarefa de aplicação mecânica lógico-silogística das normas legais, sendo o Judiciário competente para atuar sobre o Legislativo quando for para impedir abusos de poder, para propiciar a harmonia na relação entre os poderes, para garantir as liberdades ou assegurar o exercício das funções próprias.

Contudo, discute-se a usurpação da atribuição principal da função legislativa (inovar no ordenamento jurídico) o que vem ser ora afirmado e ora renegado. Mas na função de aplicar a lei ao caso concreto, é imprescindível interpretá-la e atualizá-la conforme os vetores axiológicos estatuídos na Constituição.

Reconhece-se que o Judiciário exerce uma representação social indireta, o que inviabiliza que se possa atribuir à função legislativa pois as instituições democráticas normatizadoras devem estar e constante contato com a sociedade e a serviço da opinião da maioria do eleitorado.

A própria atividade legislativa em si contradiz a própria concepção formal do Poder Judiciário, de forma que a assunção desse papel é de conferida ao parlamento, que é órgão constitucionalmente legitimado para tanto, tendo, inclusive a estrutura orgânica constituída para que o exercício de sua função política seja confrontada com as alternativas mais representativas para a sociedade.

No contexto do Estado Democrático de Direito, não é aconselhável que as estruturas institucionais especialmente emanadoras de normas jurídicas sejam vulneráveis vindo a refletir passivamente as relações de forças incorporadas ao cenário do Poder constituído.

Para a mitigação deste problema foi criada a divisão do poder legislativo em um número grande de parlamentares (513 deputados federais e 81 senadores) o que não fora reproduzido no Judiciário (onde só há onze ministros do STF[21], e trinta e três ministros do STJ[22]) de forma que este último, em razão de seu menor efetivo pessoal, estaria mais propenso a tais pressões.

Porém a função jurisdicional com atuação dentro de seus limites constitucionais constitui núcleo essencial ao princípio da separação de poderes para o Estado Democrático de Direito, sendo que o controle exercido por este órgão constitui um contra-poder da função legislativa enquanto instrumento de função política.

Daí se depreende que será natural a existência de alguma tensão entre a atuação destes dois poderes, não por representarem forças político-sociais portadoras de interesses divergentes, mas simplesmente, pelo fato de cada um deles exercer funções material e teologicamente distintas.

É fato que a função do Poder Judiciário deve ser caracterizar pela natureza eminentemente jurídica de sua atuação, direcionada sempre ao caso concreto, estando despida da intenção politica conjuntural, sendo que qualquer ampliação das exceções do princípio da separação de poderes torna tênues os contornos necessários a cada função estatal, esvaziando consequentemente o conteúdo determinado da norma jurídica que o instituiu.

O Poder Judiciário será legítimo contrapoder do legislador apenas na medida em que se confinarem seus poderes no controle exclusivamente jurídico da constitucionalidade das leis. Porém o Judiciário não é legitimado a erigir-se em contralegisladores ou em substitutos do legislador, invadindo a ampla liberdade de conformação política[23] deste no quadro da constituição usurpando o núcleo essencial da função legislativa.

Evidencia que a direta legitimação democrática do legislador, que não é a dos tribunais, aponta para uma presunção de constitucionalidade das leis e o princípio da separação de poderes, por sua vez, aponta para uma judicial self-restrait quanto aos juízos de natureza politica contidos nas leis cuja constitucionalidade se trata de apreciar, uma vez que se assente o primado do legislador. (In: PIÇARRA, Nilo. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Lisboa: Coimbra Editora, 1989, p.261).

Percebemos que o processo revolucionário norte-americano e a convicção de que o soberano não poderia se submeter às regras que criasse, pois ao fazer um contrato consigo mesmo restava-lhe sempre a possibilidade de descumpri-lo, bem como a crença de que a geração atual não poderia impor obrigações as obrigações futuras são fatos interligados.

De fato, a Constituição norte-americana não foi um contrato entre duas partes, como o foi a Magna Carta, por ter sido esta estabelecida através de um pacto entre o monarca e os barões, mas se pode afirmar que o povo norte-americano se deu uma Constituição, ou seja, criou seus vínculos constitucionais obrigatórios para si mesmo.

Mas uma questão é pertinente: Seria mesmo isso possível? A resposta é sinceramente negativa e, é dada justamente por aqueles que, tal como Paine e Jefferson, entenderam ser a soberania ilimitada o que significa negar a legitimidade das restrições constitucionais, seja para si mesmo, seja para gerações futuras.

A experiência americana que não dedica uma cega veneração pelas coisas antigas, hábitos ou títulos, capaz de anular as sugestões de seu próprio bom-senso, o conhecimento de sua própria situação e as lições de sua própria experiência.

A possibilidade de reforma constitucional bem como a noção de representação política pode ser vistas como instrumentos criados pela configuração política e jurídica adotada pelos EUA, em seu nascedouro enquanto país independente, que demonstram como tradição democrática e a constitucionalista podem ser complementares uma à outra.

Montesquieu sustentava que a república só poderia existir em pequenos territórios. Frise-se que representação não significa um dado, uma identificação simbólica de representantes e representados, mas algo que é construído através de debate público, e não de uma aclamação baseada em sentimentos e emoções.

O periódico plebiscito, de fato, ameaça anular as garantias constitucionais democráticas, fazendo o jogo da força antirrepublicana. É por esta razão somente que Madison se opõe ao procedimento excessivamente permissivo e otimista previsto por Jefferson para as emendas.

De fato, o apelo constante à vontade do povo, com a revogação automática de todas as garantias constitucionais, pode levar a um governo de maioria, isto é a um governo no qual as minorias não tem respeitado seu direito de ser diferente, seu direito de discordar.

Desta forma, a ausência de vínculos constitucionais opera como impedimento para a formação de novas maiorias impossibilitando que o grupo minoritário venha a conquista a aprovação dos demais em um momento posterior, em outros termos, configura-se como um obstáculo ao desenvolvimento da própria democracia.

Não é plausível entender que toda Constituição é contrária à acepção de democracia. De que, devido ao seu papel contramajoritário, esta seria incompatível com a defesa dos “direitos dos vivos”?

Partindo da convicção de que só se pode cogitar em democracia se são constitucionalmente previstos procedimentos para seu exercício, a Constituição não poderia mais ser identificada com um instrumento que restringe a liberdade do povo, pois é exatamente esta que a torna possível.

Assim, a constituição americana não é obstáculo ao governo, mas um instrumento de governo. Não seria um peso ou fardo, mas uma força. Quando se afirma que não há democracia sem constituição o que está subjacente a tal pensamento é que é necessário limitar a vontade do povo para preservá-la, isto é, de que é imprescindível uma restrição à soberania popular para que esta possa se manifestar.

O poder constituinte originário, então, não pode ser considerado permanente se quer implementar um regime democrático, pois o risco de privatização da vontade geral, estando ausentes vínculos constitucionais, é potencializado.

Surge aqui então outro questionamento pela função e justificativa do poder constituinte derivado: Qual seria o papel por este poder desempenhado na “resolução” – do paradoxo entre constitucionalismo e democracia?

Se a Constituição em si é instrumento que leva consigo a pretensão de permanência gerando estabilidade ao incidir sobre gerações vindouras, só pode ser compatibilizada com o fato de direito não pertencer aos mortos, as gerações passadas na medida em que esta própria estabelece procedimentos formais para a sua própria alteração.

Desta forma, as reformas constitucionais se justificam pela necessidade de mudança das normas herdadas dos antepassados tendo em vista as novas circunstâncias especiais e temporais, ou seja, em virtude natureza mutável de todas as coisas.

Portanto, tem o poder constituinte derivado uma função, qual seja, resolver o problema democrático surgido com a predeterminação de normas que atuarão sobre as gerações futuras, pois permite que, tal como os pais fundadores, os cidadãos de hoje e de amanhã também possam exercer sua liberdade e igualdade ao participarem do projeto constituinte.

Por esta razão defende como possível a conciliação entre o constitucionalismo e a democracia, pois o mesmo que não o exercício do poder de reforma constitucional não corresponda a um consenso em relação às normas anteriormente estabelecidas, quando os indivíduos não utilizam seu poder constituinte derivado, eles implicitamente aceitariam a ordem institucional deixada por seus ancestrais.

É evidenciada a influência do chamado consenso tácito de Locke. O Brasil após 1988 ter recorrido inúmeras vezes ao processo de emenda constitucional já nos mostrou que nem sempre esse recurso ao poder constituinte derivado corresponda à assunção do povo no papel de constituinte.

Muitas vezes a alteração da Constituição pelos procedimentos formais deve-se muito mais as questões de governabilidade que às reivindicações das gerações atuais.

Logo a ordem constitucional não passa prioritariamente pela via formal de mudança, mas pelo entendimento adequado do que seja Constituição, seja pela compreensão de que a via de interpretação é outro caminho existente para realizar essa compatibilização entre o constitucionalismo e democracia.

O silêncio da lei não pode ser interpretado como proibição de reconhecimento de direitos, da constituição de família mesmo que por pessoas do mesmo sexo.

Mas há a discussão se seria necessária à emenda constitucional, ou se o fato da Constituição estar sempre sujeita à interpretação seria suficiente para o reconhecimento de direitos não expressamente elencados.

De certo como guardião da Constituição o STF não se curvou a uma interpretação literal e reducionista da mesma, ao fazer o papel contramajoritário sendo democraticamente legítimo seu posicionamento em defesa dos direitos das minorias.

O regime democrático não se reduz a uma categoria meramente conceitual ou simplesmente formal, torna-se assegurar, às minorias, notadamente em sede jurisdicional, quando tal se impuser, a plenitude de meios que lhes permitam exercer, de modo efetivo, os direitos fundamentais que a todos sem distinção são assegurados.

A grande contribuição do constitucionalismo à democracia contemporânea é a atribuição de direitos às minorias posto que não os conseguiam por meio da representação política deixando a democracia de ser considerada como o governo da maioria, na qual até possa aniquilar os opositores.

Portanto, é o reconhecimento de uma igualdade na diferença se traduzindo no governo de todos, seja a maioria ou minoria, mas sendo todos cidadãos com seus direitos constitucionalmente garantidos e respeitados.

Assim concretiza-se o ideal da igualdade substancial e, não meramente formal indo além da representação parlamentar. Conveniente salientar que por maioria ou minoria não se pode atentar apenas para a expressão quantitativa mas a partir de uma análise quantitativa que verifique a possibilidade de acesso, de distribuição de bens e riquezas e de reconhecimento.

Cada geração trava sua própria batalha por reconhecimento de direitos, e a democracia contemporânea deve ter forma produtiva de lidar com a tensão existente entre os direitos fundamentais humanos e a soberania popular, ou propriamente, entre o constitucionalismo e a democracia.

Portanto, é curial rever e ampliar os direitos reafirmando o projeto constitucional de construção de uma sociedade de homens livres e iguais.

Conforme pontificou Peter Häberle[24] se somos todos intérpretes da Constituição, ou seja, se vivenciamos uma soberania difusa, uma soberania comunicativamente diluída conforme ensinou Habermas[25] entende-se como justificável a interpretação criativa do Poder Judiciário que significa o ativismo judicial que na verdade produz a afirmação cotidiana e democrática dos direitos.

A definição de ativismo judicial[26] principalmente quando tomada na versão pejorativa deve-se a incompreensão da abertura do dispositivo constitucional pois se a norma é diferente de texto, se podemos atribuir sempre novos significados aos termos do documento constitucional escrito, devendo além disso, a Constituição ser interpretada como um todo, e não em tiras ou fatias.

É uma postura ingênua se ater a postura rígida ou engessa da hermenêutica pois não compreendem que a atuação dos chamados ativistas na interpretação criativa coaduna com a necessária dimensão inacabada e incompleta da democracia constitucional.

E não compreendem que assim que os direitos humanos não se esgotam nos direitos fundamentais ou nos direitos positivados em determinado momento histórico, estando sempre sujeitos a novas leituras e abordagens.

Nem mesmo o mais clarividente dos dispositivos constitucionais não resta imune à Constituição posto que não seja uma lista fechada nas quais todas as situações concretas se subsumiriam ou não. Trata-se de um texto aberto à interpretação.

É a própria Constituição Federal brasileira vigente que no segundo parágrafo do seu art. 5º que afirma a referida abertura do texto constitucional o que possibilita a atribuição de novos significados ao texto original e de reconhecimento de direitos até então inexistentes.

Cumpre sublinhar a semelhança deste dispositivo constitucional brasileiro como o da IX Emenda da Constituição dos EUA. Os norte-americanos se consagraram como “criadores” da Constituição no sentido formal, da ideia de rigidez e supremacia constitucional e sempre entenderam que a Constituição transcende ao positivado, basta ver a reforma realizada pelo New Deal que não fora feita pelo processo de emenda constitucional.

O exagerado otimismo iluminista por vezes gera excessivas expectativas no legislador constituinte, como se este fosse capaz de controlar totalmente a complexidade social inteira.

Na tradição francesa, foi o período de codificação que ocorreu no início do século XIX que bem representou essa confiança ilimitada no legislador e em sua obra. Os códigos foram idealizados como aglomerados de leis, isto é, de criações humanas que são completas por si só, como se fosse possível que todos os conflitos que por ventura viessem ocorrer na sociedade já estivessem sido previstos, existindo assim uma resposta jurídica definitiva e em abstrato para todos os futuros casos que demandassem um pronunciamento jurisdicional.

Ocorrendo lacunas ou obscuridade deve-se recorrer à vontade presumida ou real do legislador/fundador, pois este gozava de autoridade suficiente para determinar todas as interpretações que uma lei poderia ter.

Ao juiz dessa forma, em face do princípio da separação de poderes, caberia somente aplicar de forma mecânica em lei anterior estabelecida, o que ocasionou certo fetichismo da lei, como se esta fosse um dogma inexpugnável de questionamento, devendo somente ser concretizada pelos operados do direito tendo sempre em vista a intenção de seu criador.

Esse era o método da Escola de Exegese que acreditava na onipotência e onisciência do legislador, tendo sido responsável por um entendimento restrito de direito, ao identificá-lo com a lei escrita.

As leis gerais e abstratas em documentos escritos não esgotam o seu conteúdo normativo, pois este surge no dia a dia, indo além do momento de elaboração dos textos legais.

Já a dimensão hermenêutica, isto é, da certeza de que necessariamente há uma implicação cognitiva entre sujeito e objeto de estudo, em virtude de nunca podermos livrar-nos de nós mesmos, de nossas circunstâncias, quando nos dispomos a compreender algo no mundo, revelou-nos que podemos entender o fato ou o texto do mundo que nos constitui por estarmos inseridos em tradições.

Neste sentido, revela-se uma pretensão descabida e inútil procurar a vontade do legislador para resolver os problemas atuais, pois, mesmo que não queiramos, o presente acaba se impondo.

O culto excessivo da letra da lei como se fosse esta perfeita e acabada, sem precisar de qualquer interpretação revela-se uma supervalorização da capacidade do homem para lidar com contingências mundanas.

Com o esfacelamento das certezas absolutas, nos libertamos da autoridade de nossas tradições passamos considerar as inúmeras possibilidades que nem mesmo uma decisão atual seria capaz de controlar.

A idolatria da lei corresponde ao enaltecimento da racionalidade humana que se desejava perfeita, e explica toda discussão entre os originalistas e não originalistas nos EUA. Por identificarem a Constituição com a vontade dos “pais-fundadores”, os originalistas negam qualquer outro método de interpretação que não seja o de busca de intenção dos legisladores constituintes, pois acreditam que se os juízes decidirem de outro modo, o que estarão fazendo seria “criando o direito” da decisão do caso concreto, o que contraria o pressuposto democrático do governo se exercido pela maioria.

Mas, na medida em que os juízes forem persuadidos da filosofia não originalista, estarão usurpando autoridade que pertence apropriadamente, ao povo e a seus representantes eleitos. A doutrina originalista que se apresenta como antidemocrática, por negar aos vivos o direito de definir o que seja a Constituição, aprisionando-se à vontade de seus antepassados.

Assim os novos originalistas estão inventando ativamente determinado passado que poderia ditar nosso futuro constitucional. Ao fazerem isto, estão reivindicando para a história uma autoridade decisiva que incompatível com os limites do que podemos saber e a falsa em relação à própria natureza da Constituição.

Alguns doutrinadores como John Hart Ely[27] defendem que a controvérsia havida entre originalistas e não-originalistas é falsa dicotomia pois a função da Suprema Corte[28] ao exercer o controle de constitucionalidade não é a de aplicar princípios constitucionais sejam estes explícitos ou implícitos dos falecidos constituintes da Filadélfia entendiam ser a essência da Constituição, nem a determinar os valores substantivos da sociedade que, apesar de não estarem inseridos no texto constitucional, e em virtude da tessitura aberta do mesmo, fariam da Constituição dos EUA.

O papel que tal pensador atribuiu à Suprema Corte pode ser visto como uma relação produtiva, e não paradoxal entre o constitucionalismo e a democracia pois o controle de constitucionalidade é entendido como um mecanismo de desobstrução e reforça da participação e de preservação do governo representativo.

Significando que a Suprema Corte não se coloca como a instância moral última da sociedade, determinando os valores que devem ser observados, mas sim como garantidora do próprio processo democrático. Os vínculos constitucionais reforçam e viabilizam a soberania popular.

Ely fez outra leitura do ativismo da Suprema Corte americana durante o período do New Deal, justificando-o não com base na análise da correção ou não de valores que teriam sido preservados em detrimento da observância estrita do que pensaram os “pais fundadores” mas defendendo que as decisões foram importantes e por terem permitido o acesso aos processos e benefícios do governo representativo a minorias até então excluídas.

Contemporaneamente mesmo nos países originados do sistema romano-germânico com base positivista, pautando-se basicamente, na predominância absoluta da codificação do direito, quando estes optam por assimilar em seus textos constitucionais também a presença de normas principiológicas, tal atitude possibilita o surgimento do chamado ativismo judicial, o que, de certa forma, contrapõe-se a fundamental característica do sistema eleito em razão da viabilização do espaço necessário a interpretações construtivistas.

Ernani Rodrigues de Carvalho aponta como fato propiciador desta nova tendência judicial a existência de um sistema político democrático, a separação de poderes, o exercício dos direitos políticos, o uso dos tribunais pelos grupos de interesse, o uso dos tribunais pela oposição e, por derradeiro, a inefetividade das instituições majoritárias.·.

Dessa forma, é a crise democrática a mãe do ativismo judicial sendo necessário delimitar-lhe o sentido pois por vezes são usadas equivocadas opções.

Por força da margem de discricionariedade existente na atividade judicante, o ativismo judicial representa rompimento com a postura fortemente arraigada no poder Judiciário designando uma postura proativa do magistrado na interpretação da norma, especial da Constituição, de forma a expandir seu conteúdo e alcance, participando o juiz, portanto, no processo de criação da norma jurídica.

Vale lembrar, que a referida capacidade interpretativa inserta no grau de discricionariedade judicante, por conseguinte, ser limitada sua utilização aos julgamentos dos denominados casos difíceis (hard cases) [29], mesmo assim, condicionando o magistrado conforme sugeriu a doutrina de Kelsen a transitar somente dentro da moldura jurídica imposta previamente pelo legislador.

Tanto a limitação da ação do juiz quanto à flexibilidade interpretativa é, de certa forma, intrínseca à atuação jurisdicional e, é decorrente da própria situação fática levada ao Judiciário cumulada com a própria amplitude do ordenamento jurídico, pois, quando mais de uma possibilidade, todas razoáveis e arrimadas no direito se apresentam, cabendo ao juiz optar pela melhor solução aplicável ao caso concreto.

A acepção de ativismo judicial até então usada, pode ser encarada como uma postura participativa do magistrado na condução do processo judicial, sendo esta uma postura desejável para todo juiz e demais funcionários públicos, porém, há também a acepção do ativismo judicial como a participação d o juiz na formação da norma jurídica tendo, portanto, foco no momento do pronunciamento judicial do mérito.

A distinção entre as acepções apontadas são momentos anteriores ou posteriores à decisão judicial, ou seja, no iter procedimental destinados à preparação do ato decisório ou à satisfação do direito reconhecido pelo pronunciamento judicial, enquanto que na segunda acepção faz referência apenas a sentença judicial prolatada pelo magistrado, pois este é o ato capaz de criar a norma jurídica concreta que será válida para a questão decidida, e em alguns casos, será capaz o ativismo judicial constitui uma espécie de atitude ou comportamento dos juízes no sentido de “participar na elaboração de políticas que poderiam ser deixadas ao arbítrio de outras instituições mais ou menos habilitadas” e, por sua vez, substituir decisões deles derivadas por aquelas derivadas de outras instituições.

Apesar de justificado constitucionalmente o ativismo judicial, utiliza a Carta Magna como repositório axiológico na interpretação de normas infraconstitucionais com o fim de adaptá-las aos valores prevalentes no meio social momento em que é prolatada a decisão.

 

De sorte que a decisão judicial não exorbitará o âmbito de competência do Judiciário, não adentrando no âmbito do Legislativo. Desta forma, não se pode encarar o ativismo judicial como violação do princípio democrático da separação de poderes e nem viola a manutenção de autonomia e harmonia entre os poderes instituídos.

Nenhuma intervenção[30] judicial no campo político se fez de forma de ingerência desmotivada institucional do Judiciário principalmente porque sua atuação somente ocorre quando provocada.

Desta forma, a partir do requerimento da tutela, o Judiciário não poderá se furtar a resolver o problema trazido, de forma que só haverá intervenção judicial na seara normativa quando o mesmo instado para tanto, sendo questionada, somente, a amplitude da decisão tomada, que em determinadas hipóteses invadem a esfera atuação do Legislativo.

Ademais, com o fito de se evitar que o ativismo se converta em atitudes arbitrárias do Poder Judiciário é forçoso a observância do principio constitucional do contraditório, o que permite a defesa contra tais ingerências, principalmente quando cumulados com o duplo grau de jurisdição.

Mas resta uma questão e quando tais julgamentos forem de competência originária do STF e não haver outras instâncias recursais?

A participação mais intensa e ampla do Judiciário busca verdadeiramente a concretização dos valores e fins constitucionais, havendo maior interferência no espaço de atuação dos dois outros poderes.

Também se associa o ativismo judicial com o tema da judicialização da política, é percebido como atitude, decisão ou comportamento dos magistrados no sentido de revisar temas e questões – prima facie – de competência de outros poderes.

A judicialização[31] da política é mais ampla e estrutural, cuidaria das metacondições jurídicas, políticas e institucionais que favoreciam a transferência decisória do eixo Poder Legislativo- Poder Executivo para o Poder Judiciário.

Outros doutrinadores utilizam a expressão “judicialização[32] da política” como política como sinônima de ativismo judicial, sendo este o entendimento de Jamile B. Mara Diz ao apregoar que “essa ideia relaciona-se à concretização pelo juiz dos princípios previstos abertamente na Constituição e, portanto propiciando o alargamento da discricionariedade judicial”.

Fica claro, no entanto, que a judicialização da política abarcaria a responsabilidade de o Judiciário dar concretude as normas positivadas na Constituição, autorizando-lhe, se necessário for, que se valha do controle das atividades de outros poderes.

Embora sejam próximos os termos não devem ser usados como sinônimos estando o ativismo judicial contido na judicialização da política e, nesse sentido corrobora Luís Roberto Barroso que explicitamos afirma que são primos embora não tenham as mesmas origens.

A judicialização[33] significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais (…) a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais.

E reparamos que tal fenômeno tem se verificado com certa habitualidade nos dias atuais porém sua utilização é pautada nas formalidades positivados pela Constituição vigente. Desta forma, é apontada a origem[34] ou fundamento da judicialização a redemocratização brasileira que culminou com a promulgação da Constituição Cidadã (a de 1988) e, ainda, a constitucionalização[35] abrangente de matérias antes outorgadas ao processo político majoritário e para a legislação ordinária e, por fim, o controle de constitucionalidade.

O STF é a mais alta Corte da organização judiciária brasileira, é o órgão máximo e nos últimos tempos tem assumido posição de destaque não apenas no cenário judicial como também no político nacional onde atua como complementador e desenvolvimentador do ordenamento jurídico pátrio.

Deixando o plano ordinário, o Judiciário passa a ostentar papel de legislador ao prolatar decisões que afetarão toda a sociedade em prospecção.

O posicionamento adotado pelo STF implica na assunção da função jurisdicional clássica conhecida como legislador negativo saindo do papel passivo, porém, de forma mais restrita que o legislativo, até porque existem as limitações já mencionadas anteriormente, como a necessidade de provocação do órgão jurisdicional.

É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito institucional do Poder Judiciário – e nas desta Suprema Corte – em especial – a atribuição de formular e implementar políticas públicas[36] (In: ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina) pois nesse domínio, o encargo, reside primeiramente, nos Poderes Legislativo e Executivo.

Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais poderá atribuir-se ao Poder Judiciário[37], se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.

Por essa razão, o surgimento de um judiciário despido de qualquer constrangimento ao exercer competências de revisão cada vez mais amplas sobre as políticas destinadas a serem decididas pelos representantes da sociedade que possuem cargos eletivos de legitimidade inquestionável.

A divisão de competências judiciais atribuídas pela CF/1988 que postou o STF como o órgão competente para julgar temas relativos ao Texto Maior e acabou por permitir a atuação política da Corte.

De qualquer forma é dúbio o resultado pois colocou o STF no topo do protagonismo nacional, transformando-o num declarante importante para as instituições políticas de nossa nação. Mas ao mesmo tempo, soterrou o STF numa avalanche de processos e de precedentes, obrigando-o a conciliar o papel político, de instância de revisão e segundo turno da política representativa, com um papel mais rotineiro de prestador de serviços forenses, e ainda, o papel de terceira instâncias dentro da estrutura judiciária tradicional de solução de disputas individuais.

Sua atuação é potencializada em especial no controle concentrado de constitucionalidade, gerando expressivos resultados e, citamos como exemplos a matéria sobre a Lei de Biossegurança (ADI 3510), a reforma partidária (ADI 1351 e 1354), a verticalização de candidaturas eleitorais de 2006 e a batalha judicial sobre as contribuições previdenciárias dos inativos (ADI 3105) dentre vários outros exemplos.

É a estatística que confirma que apenas 16,57 percento das ações diretas de inconstitucionalidade julgadas entre 1998 a 2008 foram improcedentes, o que aponta para uma razoável propensão de proferir juízos de inconstitucionalidade gerando assim forte impacto na política brasileira.

Ao se indagar se o Judiciário para não violar a deliberação pública de uma comunidade política atua autonomamente orientado pelos valores que compartilha, ou deve atuar como regente republicano da cidadania ou deve abdicar de garantir os direitos constitucionalmente assegurados.

Responder positivamente significa autorizar os tribunais especialmente as cortes supremas, a atuar como deuses ou profetas do direito, consolidando aquilo que já é designado como “teologia constitucional[38]” e imunizando a atividade jurisprudencial perante a crítica a qual originalmente deveria estar sujeita, pois quando a justiça ascende à condição de mais alta instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer controle social.

O formato de atuação política assumido pelo Judiciário brasileiro, em especial pela Corte Suprema, conta com progressiva transferência de poderes decisórios das instituições políticas representativas para o judiciário, é o caminho em rumo à juristocracia ou juristocracy, contudo, deve-se manter em mente que a harmonia entre os poderes é da essência de um Estado Democrático, o que acaba por gerar, com o modelo de atuação assumido, uma contrariedade à Constituição.

Há referidas ingerências no âmbito legislativo que são potencializadas, certamente, pelo efeito erga omnes atribuído a tais decisões conforme confirmado pelo voto do Ministro Relator Celso Mello na Reclamação 2143/SP na qual afirma que as ordens judiciais proferidas pelo STF em sede de fiscalização abstrata possuem efeito vinculante em relação a todos os magistrados, tribunais e toda Administração Pública de todas as esferas, “impondo-se, em consequência, a necessária observância por tais órgãos estatais que deverão adequar-se, por isso mesmo, em seus pronunciamentos, ao que a Suprema Corte, em manifestação subordinante, houver decidido…”.

Não se questiona aqui a legalidade do efeito erga omnes das decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade, porém tais efeitos, quando provenientes de uma atuação que se identifica como claramente política, é prejudicial ao sistema democrático, haja vista a atuação judiciária como legislador.

É o caso, por exemplo, da ADI 3.015, na qual foi julgada a questão dos inativos, que apesar de o governo ter saído vencedor, o STF decidiu discricionariamente aumentar a limitação de isenções.

Não seria o valor de isenção uma decisão que caberia exclusivamente ao Legislativo? Caso o STF reconhecesse a constitucionalidade da norma como realmente fez, sem ter interferido nas atribuições do Legislativo não haveria problema, pois teria cumprido o seu papel constitucionalmente estabelecido.

Não é o efeito erga omnes que por si só traz problema democrático, não se esquecendo dos pontos positivos[39] trazidos por ele principalmente na garantia de uniformidade, regularidade, segurança jurídica, eficiência e transparência nas decisões judiciais.

Ressalta Luís Roberto Barroso com pertinência que todas as decisões proferidas pelo STF foram provocadas, e o fez dentro dos pedidos formulados. O Tribunal não tinha alternativa de conhecer ou não as ações, de se pronunciar ou não sobre o mérito, uma vez preenchidos os requisitos de cabimento.

Desta forma, concluiu o doutrinador: “Não se pode imputar aos Ministros do STF a ambição ou pretensão, em face dos precedentes referidos, de criar um modelo juriscêntrico, de hegemonia judicial”.

Só se pode cogitar em ativismo judicial legitimamente em função da margem da discricionariedade deixada ao julgador pelo legislador. Sabemos que é permitido que o juiz transite livremente dentro do espaço de escolhas amparadas pelo direito optando pela aplicação de normas que melhor se adéquem ao caso concreto a fim de se conseguir buscar o máximo grau de justiça[40].

É inseparável da escolha do juiz a legitimidade interpretativa peculiar do Judiciário, sendo esta intrínseca à atividade jurisdicional, conforme afirma Lenio Luiz Streck “definitivamente, é preciso ter claro que a lei (o texto) não carrega um sentido imanente ou uma espécie de essência (substância) que o intérprete passa revelar, a partir de um ato de conhecimento. Esse sentido é atribuível”.

A aplicação da norma com a consequente solução do litígio, somente se viabiliza a partir da interpretação de que o magistrado fará das normas jurídicas que regulam a questão, sendo que inserta nesta se realizará a pré-compreensão do juiz (de caráter subjetivo).

Por esta razão, o texto normativo somente terá capacidade de regulamentação, a partir da atribuição do sentido que lhe dará o intérprete conforme os valores por este assimilados dependendo a “existência” da norma.

Segundo a lógica da hermenêutica apontada por Streck, não há dúvidas sobre a capacidade e legitimidade judicial na criação de normas, tendo em vista que as normas concretas prolatadas ao fim do processo judicial somente surgirão a partir da atividade cognoscente do magistrado, porém, a legitimidade normativa se exaure na competência decisória dos casos levados ao judiciário, com efeitos inter partes.

Ao se cogitar sobre a possibilidade de conceber normas que regerão toda a sociedade, começa a aparecer o problema relativo à capacidade e à legitimidade do Poder Judiciário pois tais normas devem ser provenientes de entes que tenham sido escolhidos pelos cidadãos para representar-lhes nas opções de cunho legislativo, não tendo o Judiciário legitimidade para tanto…

É possível ampliação da legitimidade interpretativa judicial[41] mas não deve exceder aos limites razoáveis em que há de se conter, quando cria ou “inventa” contra legem, ou melhor, contra a Constituição posto que aparentemente ainda está na sombra da lei, sendo perniciosa à garantia como à certeza das instituições.

Por mais que pareçam justos e corretos os casos decididos pelo STF como o da fidelidade partidária em que a Corte, em nome do princípio democrático, criou uma nova hipótese de perda mandato[42] parlamentar que não se encontra no texto constitucional, outro exemplo é a vedação ao nepotismo aos Legislativo e Executivo através da súmula vinculante que assumiu caráter nitidamente normativo e, ainda, o caso da verticalização em que elevou a regra da anterioridade anual da lei eleitoral ao status de cláusula pétrea.

Os temas acima citados são de âmbito político devendo o Judiciário se ocorrer a contrariedade do ordenamento jurídico não permitir a ocorrência de atos afrontantes à norma, porém, chegar ao ponto de gerar inovação legislativa certamente supera a competência deste poder.
Torna-se ainda mais séria tais ingerências quando são originadas do STF, principalmente pelo fato de grande dificuldade no controle de arbitrariedade proveniente da Suprema Corte cujas decisões não cabem recurso à outra instância judicante.

Apesar de ser interessante a atuação proativa do Judiciário devem as decisões ativistas ser eventuais devendo ainda ser coerente com o momento histórico vivido por nosso país as interferências irrestritas e inconsequentes na atividade parlamentar impedem a consolidação da democracia e ainda aplica a tarja incredibilidade do Poder Legislativo.

Por outro lado entre as opiniões contrárias ao reconhecimento de que as decisões ativistas sejam temerosas, podemos ver no trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes na ADI 3.510/DF, in litteris:

“Portanto é possível antever que o STF acabe por se livrar o vetusto dogma do legislador negativo e se alie a mais progressiva linha jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva, já adotadas pelas principais Cortes Constitucionais europeias.”

A assunção de uma atuação criativa pelo Tribunal poderá determinante para a solução de antigos problemas relacionados à inconstitucionalidade por omissão, que muitas vezes causa entraves para a efetivação de direitos e garantias fundamentais assegurados pelo texto constitucional.

O presente caso oferece uma oportunidade para que o Tribunal avance nesse sentido. O vazio jurídico a ser produzido por uma decisão simples de declaração de inconstitucionalidade.

Pelo exposto, observa-se que o judiciário vem assumindo uma posição extravagante às funções constitucionalmente postas a este, na qual, neste caso, vem idealizando a concretização da Constituição como panaceia para resolver problemas brasileiros de ordem distinta, praticamente avocando a competência que seria originalmente do Congresso, que através de um “irracionalismo decisionista” que despreza inteiramente o texto constitucional, e, independentemente de juízos sobre isso é bom ou mau, o juiz “faz” o direito. (In: ADEODATO, João Maurício. Jurisdição constitucional à brasileira: situação e limites. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, vol.1., n.2, 2004, p.179).

Foram certamente decisões intervencionistas, mas não foram estimulas por um desejo da Corte de defender valores substantivos particulares que teria considerado importantes ou fundamentais, mas primordialmente por um desejo de proteger o processo político no qual esses valores são propriamente identificados, pesados e acomodados que foi aberto partir de uma abordagem de bases igualitárias.

Como exemplo ilustrativo do ativismo da Corte de Warren[43] podemos citar “Brown versus Board of Education” de 1954 onde pela primeira vez a legislação segregacionista, referente às instalações públicas voltadas para a educação, foi tida como contrária ao princípio de “igual proteção” diante da lei, princípio este garantido pela décima quarta Emenda Constitucional norte-americana.

O posicionamento da jurisdição constitucional[44] como espaço de mediação política é bem peculiar ao pensamento de Frank Michelman, pois ao tentar se distanciar o republicanismo clássico que se baseava em valores sociais majoritários, defende que seria papel dos juízes a inclusão dos excluídos, ao relacionar o constitucionalismo e a democracia, liberalismo e republicanismo, minoria e maioria.

Michelman acaba conferindo uma posição privilegiada aos magistrados, delegando para eles a tarefa de atribuir direitos aos excluídos, esquecendo-se que a inclusão somente se dá através da luta política, isto é, através do exercício da soberania popular.

Também há a crítica ao “juiz responsável” de Michelman pensado em substituição ao “juiz hércules[45]” de Dworkin que seria bem representado pelo juiz William J. Brennan[46].

Enfim a questão é a constituição não é simplesmente um documento procedimental que não se pronúncia sobre as questões de conteúdo. E a Corte de Warren se ocupou de uma pluralidade de valores, por exemplo, da igualdade, independentemente do fato de haver defendido a causa da democracia.

Cabe sublinhar que toda decisão judicial ainda que resumidamente envolva questões substantivas, mas isso não significa que o juiz esteja autorizado a resolvê-las a partir de suas próprias convicções valorativas.

É óbvio que a subjetividade sempre influenciará na tomada de decisões, pois não temos como abandonar nossas precompreensões, só que a refletividade trazida com modernidade nos possibilita questionar a nossa própria eticidade e levantar pretensões de verdade que trazem consigo o ideal da universalidade, ou seja, que buscam uma validade para além de situações concretas que surgiram.

Assim é possível haver uma resposta correta tal como cogita Dworkin que necessariamente envolve escolhas de conteúdo, até mesmo valores positivados, mas se propõe a ultrapassar o contexto de aplicação.

Por outro lado, cabe mencionar que tais decisões de conteúdo substantivo são encontradas dentro do próprio ordenamento de princípios, não sendo assim construções arbitrárias dos juízes, pois se o fossem, não haveria como justificar nem mesmo a obrigatoriedade de sua observância por todos os cidadãos.

A maneira de interpretar as normas constitucionais, a partir da intenção dos legisladores, como no caso de norte-americanos dos “pais fundadores” se representam as convicções valorativas dos juízes ou da sociedade, ou se são normas cujo sentido transcende as suas origens, leva-nos a questionar o conceito de Constituição do qual partimos.

A Constituição é um instrumento simultaneamente jurídico e político, não se reduzindo a um texto, sendo então essencial que os direitos fundamentais institucionalizados sejam continuamente conquistados pelos vivos, como afirmar legitimamente que os constituintes deveriam ser consultados sobre o pretenderem ao aprovar o documento em questão?

Como bem afirma Michelman sobre “pais fundadores”, além de respeito e gratidão por sua sabedoria, o que devemos a eles?

Se a Constituição é essencial para a democracia, na medida em que a possibilita, o texto constitucional por si só não nos constitui enquanto uma comunidade de iguais na diferença, sendo assim, uma necessária uma busca constante de concretização e reconhecimento dos direitos por parte dos cidadãos.

A normatividade engloba fatos e texto ultrapassando o momento de sua institucionalização, o texto constitucional somente apresenta normatividade se ele não é estanque no tempo, se as gerações sucessivas se deixam vincular pelo mesmo.

Não seria mutação constitucional quando ocorre a natural dissonância entre texto e contexto, seria um desvio de rumo do desenvolvimento da dinâmica constitucional que deve ser analisado como fenômeno acidental.

A acepção de mutação constitucional traz boa definição de Constituição[47] como se fosse um documento escrito e estático engessado numa normalidade que não acompanha o tempo.

Em verdade, a Constituição não se modifica em termos interpretativos o que ocorre é a deslegitimação da normatividade que se torna mero simulacro. A continuidade da Constituição bem como a sobrevivência da democracia está baseada na transcendência de seu momento inaugural.

A dimensão jurídica e política da Constituição, ou seja, a positivação do direito moderno preso a testificação é como mencionou Müller uma faca de dois gumes.

Posto que a Constituição só seja democrática se não pertencer aos mortos, se possibilitar atual exercício da soberania popular, e permitir novas inclusões sejam sempre realizadas, significando um processo inacabado, nas palavras de Habermas que cogita de um processo de aprendizagem que se corrige a si mesmo.

Estamos então ressaltando o não congelamento do processo constituinte no tempo, pois como poderia ser garantida a liberdade e igualdade das gerações vindouras. Não se defende a ideia de poder constituinte permanente, mas se reconhece o caráter fragmentário desse próprio poder constituinte.

Já que nem todos participaram do mesmo, deve estar sempre aberta à possibilidade dos cidadãos de hoje e do futuro integrarem tal projeto constitucional, seja por meio de via institucionalizada do poder de reforma, seja por assunção do papel de intérprete da Constituição.

Concluímos que o documento escrito não finda, na verdade, o processo constituinte, exercendo nossas liberdades comunicativas, construindo de uma comunidade político-jurídica que desejamos para viver.

A Constituição não consolida singularmente apenas a soberania popular, mas num crescente progressivo vai consolidando conforme seu contexto de aplicação.

A democracia constitucional é um projeto inacabado e de construção progressiva não sendo os direitos, conforme afirma Hannah Arendt um dado, um artifício voltado para busca de tratamento igualitário de homens naturalmente desiguais.

Há portanto um reforço recíproco entre democracia e constitucionalismo podendo entender com o reconhecimento pelo Poder Judiciário das lutas cotidianas por direitos[48], ao invés de configurar a ofensa à democracia, ao princípio majoritário, pode significar sua mais firme afirmação.

Evidentemente que toda norma carece de interpretação seja em função de imprecisa formulação linguística que não permite um sentido unívoco do ordenamento, quanto pela necessidade de aplicação ao caso concreto, todavia, nas palavras de Streck, quando:

 “a partir de redefinições dos textos, a dogmático jurídica, no interior da qual predomina sem gerar maiores traumas ou perplexidades – estabelecer não somente sentidos contra legem e/ou inconstitucionais como também “novos textos”.”.

Há quem pregue que a produção normativa pelo Judiciário deve ser repelida veemente. Na opinião de João Maurício Adeodato o debate sobre os limites à criatividade do Judiciário, pode-se considerar a preponderância da atividade judicante na concretização, sobretudo por parte das Cortes mais altas, como uma realidade prejudicial ao Estado Democrático de Direito, pois o Judiciário passa a ser guardião do conteúdo moral do direito e, ao invés de a moral limitar o direito, como parece ser a intenção jusfilósofos como Ronald Dworkin, pode acontecer exatamente o contrário: a inserção direta de princípios morais nas questões judicias através de uma “moral do judiciário”, faz com que as fronteiras de que é jurídico e coercitivo ampliem-se a níveis preocupantes no contexto democrático.

De qualquer forma, reconheçamos o engajamento recíproco existente entre constitucionalismo e democracia e da necessidade do Poder Judiciário perante as lutas por direitos venha reconhecer novos direitos, e prover decisões erga omnes sem ofender nem a democracia e nem a separação de poderes, atualizando as garantias constitucionais e cumprindo a promessa axiológica de defender sobretudo a dignidade da pessoa humana que se configura como um dos principais fundamentos da república brasileira.

 

Referências:
ADEODATO, João Maurício. Jurisdição constitucional à brasileira: situação e limites. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, vol.1., n.2, 2004.
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1978.
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Cia. De Letras, 1990.
______________. Da revolução. São Paulo: Editora Ática, 1988.
BARROSO, Luís Roberto. Diferentes, mas iguais. Revista Brasileira de Direito Constitucional. RBDC, n.17, p.105-138, jan./jun. 2011.
________________________ Judicialização, ativismo e legitimidade democrática. Disponível em: www.oab.org.br/editora/revista/users/…/1235066670174218181901.pdf‎ Acesso em 23/12/21013.
BREDIN, Jean-Denis. Un governement des juges? Paris: Pouvoir, 1994.
BURKE, Edmund. Textos Políticos. México: Fondo de Cultura Econômica, 1996.
CARVALHO, Ernani Rodrigues. Em busca da judicialização da política no Brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Rec. Sociol. Polit.[online] Nov. 2004, n.23, p.127-139. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104447820004000200011&Ing_- ISSN 0104-4478. Acesso em 23/12/2013.
DWORKIN, Ronald. The concept of unemerated rights. The University of Chicago. Law Review. N.59, p. 381-432, 1992.
________________. Uma questão de princípios. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia: o guardião de promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
ELY, John Hart. Democracy and Distrust: A Theory of Judicial Review. Cambridge: Harvard University Press, 1995.
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito de poderes: O poder congressual de sustar atos normativos de Poder Executivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.
HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. Trad. Heitor Almeida Herrera. O Federalista. Brasília: Ed. UnB, 1984.
KELSEN, Hans. A democracia. Tradução: Ivone Castilho Benedetti. Jefferson Luiz Camargo. Marcelo Brandão Cipolla. Vera Barkow. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
LEFORT, Claude. A invenção democrática: os limites da dominação totalitária. Trad. Isabel Marva Loureiro; 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
______________. Pensando o Político: Ensaios sobre democracia, revolução e liberdade. Trad. Eliana Souza. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1991.
LEITÃO, Rômulo G. Origem do Termo Judicialização da Política. Colocação do Problema. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/Anais/Romulo%20Guilherme%20Leitao.pdf Acesso em 23/12/2013.
MÜLLER, Friedrich. Quem é povo? A questão fundamental da democracia. Trad. Peter Nauamann. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.
PAINE, Thomas. O Senso Comum e a Crise. Trad. Vera Lúcia de Oliveira Sarmento. Brasília: Editora UnB,1982.
_____________. Rights of Man Being in Answer o Mr. Burke’s Attack on the French Revolution. The Project Gutenberg Etext of Writings of Thomas Paine. Vol. II, 2003. Disponível em: http://gutenberg.net
PIÇARRA, Nuno. A separação de poderes como doutrina e princípio constitucional: contributo para os estudos de suas origens e evolução. Lisboa: Coimbra Editora, 1989.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos Globais, Justiça International e o Brasil. Rec. Fund. Esc. Superior MP-DF. Brasília: ano 8, v.15 p. 93-110, 2000.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
________________O efeito vinculante das súmulas e o mito da efetividade: uma crítica hermenêutica. Porto Alegre: Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. Vol. I, n.3, 2005.
TOCQUEVILLE, Alexis de. La democracia em America. Madri: Alianza Editorial, 1993.
VIEIRA, José Ribas; BRASIL, Deilton Ribeiro. O efeito vinculante como ferramenta do ativismo judicial do STF. Revista de Informação Legislativa, Brasília: ano 45, n. 178, abr./jun. 2008.
Waldron, Jeremy Five to four. Why Bare Majorities Rule on Courts?(January 2nd 2013) NYU School of Law, Public Law Research Paper n.12-72.
Notas:
[1] Outras cortes institucionais além das brasileiras destacaram-se historicamente assumindo o protagonismo nas decisões e na materialização de valores constitucionalmente protegidos e de políticas públicas e, provendo escolhas morais sobre temas controvertidos. No Canadá, sua Suprema Corte fora chamada a se manifestar sobre a constitucionalidade de os EUA fazerem testes com mísseis nucleares em território canadense. Em Israel, a Suprema Corte decidiu sobre a compatibilidade, com a Constituição e com atos internacionais, da construção de um muro na fronteira com o território palestino.
[2] É outra causa da judicialização, sendo considerado como um dos mais abrangentes modelos do mundo conforme mencionou Ministro Gilmar Mendes. É um controle qualificado como híbrido ou eclético que combina dois diferentes sistemas: o americano e o europeu.
[3] Judicialização segundo Tate e Vallinder é definida nos seguintes termos: "é a reação do Judiciário frente à provocação de terceiro e tem por finalidade revisar a decisão de um poder político tomando como base a Constituição. Para Marcos Faro de Castro a judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do legislativo e do executivo se mostra falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições ocorre uma aproximação entre Direito e Política e, vários casos tornam-se difícil distinguir entre um "direito" e um” interesse político".
[4] É extremamente fluída a divisa entre a politica e a justiça no mundo contemporâneo. E se destaca o caso brasileiro pela notável extensão e volume. Somado a isso a transmissão direta dos julgamentos pela TV Justiça transformou os principais julgamentos numa espécie de reality show com direito repleto de bizarrices verbais e jurídicas. Barroso aponta que é mais positivo tal espetacularização do STF principalmente num país com pouca transparência onde assistir os onze ministros dotados de notável saber jurídico, decidindo questões nacionais, sem dúvida, é uma boa imagem. Dando maior visibilidade pública que propicia o controle social e o funcionamento da democracia.
[5] John Rawls (1921-2002) foi professor de Filosofia Política na Universidade de Harvard, autor de "Uma Teoria da Justiça" em 1971, "Liberalismo Político" em 1993 e "O Direito dos Povos" em 1999. Ao retomar a figura do contrato social como método, não teve como objetivo fundamentar a obediência do Estado, como na tradição do contratualismo clássico de Hobbes, Locke e Rousseau. Ligando-se a Kant, a ideia de contrato introduzida como recurso para fundamentar um processo de eleição de princípios de justiça, que são descritos, a saber: princípio de liberdade (cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que sejam compatíveis com um sistema de liberdade para as outras); princípio da igualdade (as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo: a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável (princípio da diferença); b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos (princípio da igualdade de oportunidades). Fora fiel à tradição liberal, Rawls considerou o princípio da liberdade anterior e superior ao da igualdade. Também ponderou que a o princípio da igualdade de oportunidades é superior ao princípio da diferença. Para Rawls uma democracia certa, seria aquela em que todos fossem iguais perante a justiça, em conceitos como direitos e oportunidades. Para o filósofo, nossa democracia moderna se baseia no princípio de que ninguém deve ser escravo de ninguém. Pois se a base da democracia é a igualdade e liberdade, seremos então iguais e assim nos tornando livres e responsáveis por nossos atos. "A democracia tem uma longa história, desde o seu início na Grécia clássica até o presente, e há muitas ideias diferentes de democracia. Aqui, estou interessado apenas numa democracia constitucional bem ordenada (…) compreendida também como uma democracia deliberativa. A ideia deformativa a favor da democracia deliberativa é ideia da própria deliberação. Quando deliberam, os cidadãos trocam pontos de vista e debatem as razões que os sustentam no que diz respeito às questões políticas públicas. Eles supõem que as duas opiniões políticas podem ser revistas por meio da discussão com outros cidadãos, e não são, portanto, simplesmente o resultado fixo dos seus interesses privados ou não-políticos”. "(…) Há três elementos essenciais na democracia deliberativa. Uma é uma ideia de razão pública, embora nem todas as ideias de tal tipo sejam as mesmas. Um segundo elemento é uma estrutura de instituições democráticas constitucionais que especifique o cenário dos corpos legislativos deliberativos. O terceiro é o conhecimento e o desejo dos cidadãos em geral de seguir a razão pública e concretizar o seu ideal na conduta política. (…) A democracia deliberativa também reconhece que, sem educação ampla sobre os aspectos básicos do governo democrático para todos os cidadãos, e sem um público informado a respeito de problemas prementes, as decisões políticas e sociais, cruciais não podem pura e simplesmente ser tomadas. Mesmo que líderes políticos previdentes desejassem fazer mudanças e reformas sensatas, não poderiam convencer um público mal informado e descrente a aceitá-las e segui-las. (…)".
[6] Kelsen afirmava que "se temos de ser comandados, queremos sê-los por nós mesmos", nada está dizendo de especialmente novo na tradição do pensamento liberal democrático, mas são as passagens seguintes que demonstram a peculiaridade do pensamento de Kelsen. Se a autonomia pode aumentar e a heteronomia diminuir ou, em última instância, coincidir na medida em que os sujeitos à obediência são os mesmos que estabelecem as regras às quais deverão obedecer, conclui-se que o máximo de democracia é constituído por uma democracia direta na qual todas as decisões são tomadas de forma unânime.
[7] A liberdade e a igualdade são preceitos por meio dos quais um Estado Constitucional se afirma, de tal forma que o próprio constitucionalismo se entrelaça com o passado de afirmação desses dois preceitos basilares do ordenamento jurídico na sociedade moderna. Conforme afirmou Gilmar Mendes: ”é impossível negar, desta forma, a simbiose existente entre liberdade e igualdade e o Estado Democrático de Direito.” A liberdade que era entendida no Estado Liberal como o direito de se fazer tudo aquilo que não fosse proibido por um mínimo de leis, no Estado Social pressupõe a existência de leis sociais e coletivas que possibilitem o reconhecimento das diferenças materiais. O que antes era tido como igualdade meramente formal passa, posteriormente, a ser entendido como tendencialmente material e equitativo. Na primeira concepção, implicava igual na proteção formal, satisfazendo as expectativas por meio da delimitação de esferas da liberdade individual por intermédio de garantias negativas. Ele consistia no direito de cada pessoa ter a sua própria concepção de bem e estabelecer o sentido da sua vida sem interferências externas.
[8] A democracia direta é qualquer forma de organização na qual todos os cidadãos podem participar diretamente no processo de tomada de decisões. As primeiras democracias na Antiguidade Clássica foram as democracias dietas. E foi um exemplo marca a de Atenas, na qual o povo se reunia nas praças e ali tomava as decisões políticas. Porém lembremos que para os gregos antigos o significado de povo era composto apenas por pessoas com título de cidadão ateniense. E, as mulheres, escravos e mestiços não possuíam direito a voto e nem ao título de cidadão que era exclusivo para os homens que fossem descendentes de atenienses. No mundo contemporâneo, o atual sistema mais aproximado dos ideais da democracia direta é a democracia da Suíça.
[9] Na época da criação do primeiro tribunal constitucional, Hans Kelsen e Carl Schmitt travaram célebre debate sobre quem deveria afinal ser o guardião da Constituição. Schmitt era contrário à existência da jurisdição constitucional e afirmou que a judicialização da política iria se perverter em politização da justiça. Mas sua profecia não se cumpriu e o controle de constitucionalidade se disseminou por todo mundo.
[10] Alexis-Charles-Henri Clérel, visconde de Tocqueville, chamado simplesmente de Alexis de Tocqueville (1805-1859) foi um pensador político, historiador e escritor francês. Tornou-se célebre por suas análises da Revolução Francesa, cuja pertinência foi destacada por François Furet, da democracia americana e da evolução das democracias ocidentais em geral. Sua obra mais célebre baseada nas suas viagens nos EUA fora traduzida para o português com o título "A democracia na América" e é frequentemente usada em cursos de história americana do século XIX e de teoria política moderna.
[11] A Constituição deve estipular as regras do jogo democrático permitindo ampla participação política como o governo da maioria e alternância de poder. Porém, a democracia não se resume ao princípio majoritário.
[12] Claude Lefort (1924-2010) foi um historiador da filosofia e filósofo francês. Era politicamente ativo em 1942 e sob influência de seu tutor, o fenomenologista Maurice Merleau-Ponty (cujas publicações póstumas Lefort posteriormente editou). Lecionou na USP, na Sorbonne e no École des Hautes Études en Sciences Sociales, sendo filiado ao Centre de Reacherches politiques Raymond Aron. Ele escreveu sobre os primeiros escritores políticos como Nicolau Maquiavel e Ettiénne de La Boétie e explorou a empresa totalitária em sua negação da divisão social [e] a diferença entre a ordem de poder, a ordem da lei e da ordem do conhecimento.
[13] O Estado Democrático de direito é conceito que supera o simples Estado de Direito que fora concebido pelo liberalismo. Garante não apenas a proteção dos direitos de propriedade, sendo pautado nas garantias fundamentais baseadas no princípio da dignidade humana.  Não é um conceito que designe qualquer Estado que se dedica a garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais. É decorrência de extenso processo de evolução das sociedades.
[14] É apropriado relacionar a democracia à constituição a partir do conceito de poder. Desse modo podemos classificar a constituições em três espécies: 1) mínima (que limita indicar o titular do poder político apenas responder a questão: quem governa? Ao determinar quem governa, define-se o tipo de regime e se é monarquia, aristocracia, oligarquia e, etc. Onde há um regime ipso facto existe uma constituição. Para Aristóteles, a constituição mínima simplesmente aponta o sujeito do poder; 2) constituição formal que indica o sujeito e a forma do poder ser exercido. Para Kelsen, a constituição é senão "a norma positiva ou normas positivas através das quais é regulada a produção de normas jurídicas gerais". Para Aristóteles a constituição formal indica a causa formal do poder – o modo pelo qual este deve ser exercício. Há outra denominação para constituição formal: constituição normativa (como sistema de normas que se impõe o poder); 3) Constituição finalística que indica quem exerce o poder, de que modo e qual é a sua finalidade. Indica a natureza finalística do Estado, como por exemplo, Roma que se expandiu por meio de guerra; China que se expandiu por meio da navegação e, etc. A tese finalística das constituições fora discutida por Canotilho com base em Montesquieu, e apresenta outro tipo de constituição finalística: ou teleológica, que impõe certo ideal de boa vida explicado na enumeração constitucional dos direitos fundamentais. Berzotto propõe interpretação da democracia constitucional contemporânea nas constituições teleológicas, como é o caso da Constituição Federal brasileira de 1988.
[15] As democracias podem ser divididas em diferentes tipos, baseados em um número de distinções. A distinção mais relevante é referente democracia direta ou democracia pura quando o povo expressa a sua vontade por voto direto em cada assunto particular. E, a democracia representativa ou democracia indireta quando o povo expressa sua vontade por meio da eleição de representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram. Contemporaneamente o regime mais próximo aos ideais de uma democracia direta é a democracia semidireta da Suíça (é um regime em que existe a combinação de representação política com formas de democracia direta). A democracia semidireta na opinião Bobbio é uma forma que possibilita um sistema mais bem-sucedido de democracia frente às democracias representativa e direta, ao permitir um equilíbrio operacional entre a representação política e a soberania popular direta. A prática desta ação equilibrante da democracia semidireta, segundo Paulo Bonavides, limita a alienação política da vontade popular, onde a soberania está com o povo, e o governo, mediante o qual essa soberania se comunica ou exerce, pertence ao elemento popular nas matérias mais importantes da vida pública.
[16] Em termos conceituais, a democracia é governo do povo, pelo povo, para o povo. A concepção de democracia deve explicar três elementos: quem governa? (sujeito da democracia); funcionamento da democracia (como se governa?) governo pelo povo e a finalidade da democracia (para quem se governa?) para o povo. Há a concepção plebiscitária de Rousseau, a concepção procedimental de Kelsen e a concepção deliberativa de Aristóteles. Assim para Rousseau é governo da vontade geral. O ser humano é concebido como cidadão. O poder do povo é incontestável, ele é soberano e não está limitado pelo direito. O povo decide as questões mais relevantes, não pode errar e não pode desejar o mal a si mesmo. A lei é expressão da vontade do povo e, ela não pode ser injusta. Já segundo Kelsen, é governo da maioria. O ser humano é auto-interessado e antissocial (sua vontade colabora para formar a vontade do Estado). Impera o ideal da legalidade dado que este protege a minoria da maioria e a maioria de si mesma. O direito positivo é produto da maioria ou de um conjunto de interesses de todos. A ideia de bem como é irracional, pois a maioria decide o que deve ser o bem. Por fim, Aristóteles ressalta que a democracia é o governo de muitos. A pluralidade dos pontos de vista sobre bem comum que comunicados no debate público dão à democracia um caráter deliberativo e racional. O homem é concebido como um animal dotado de logos (palavra/razão). Cabe à democracia canalizar os diversos pontos de vista e argumentos para deliberar coletivamente. O direito é produto da razão prática.
[17] O justo oposto do ativismo judicial está na autocontenção judicial, onde se procurar mitigar ao máximo a interferência do Judiciário nas ações dos outros poderes, evitando também aplicar diretamente a Constituição que não seja no âmbito da expressa incidência, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; e utiliza critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos e também se abstém de interferir na definição e desenvolvimento de políticas públicas. Até a CF/1988 era esta a linha de atuação do judiciário brasileiro.
[18] Visa o sistema de freios e contrapesos impedir a sobreposição de um poder (ou função sobre o outro e de possíveis interferências especialmente política), no âmbito funcional de cada poder.
[19] Thomas Jefferson (1743-1826) foi o terceiro presidente dos EUA (período de 1801 a 1809) e o principal autor da Declaração de Independência (1776) daquele país. Jefferson foi um dos mais influentes Founding Fathers (Os Pais-Fundadores da nação), conhecido pela sua promoção dos ideais do republicanismo nos EUA. Visualizava o país como força por trás de um grande império de liberdade que promoveria o republicanismo e combateria o imperialismo do Reino Unido. Como filósofo fora um homem típico do Iluminismo, que conheceu diversos líderes intelectuais ingleses e franceses de seu tempo. Idealizou o fazendeiro yeoman como exemplo das virtudes republicanas, alimentava uma desconfiança de cidades e financistas, enquanto que privilegiava os direitos dos estados e um governo federal rigorosamente controlado. Apoiava a separação da Igreja e Estado e foi autor do Estatuto da Virgínia para Liberdade Religiosa (1779, 1786). Foi cofundador do Partido Democrata-Republicano que dominou a política norte-americana por vinte e cinco anos. Jefferson ainda serviu como governador da Virgínia durante o período da guerra (177901881) e foi o primeiro secretário de EUA (1789-1793) e segundo vice-presidente dos EUA (1797-1801). Foi também o fundador da Universidade de Virgínia.
[20] Thomas Paine (1737-1809) foi um político britânico, além de panfleteiro, revolucionário, radical, inventor, intelectual e um dos países fundadores dos EUA. Viveu na Inglaterra até os trinta e sete anos, quando imigrou para as colônias britânicas na América, em tempo de participar da Revolução Americana. Suas principais contribuições foram os amplamente lidos Common Sense (1776), advogando a independência colonial americana do Reino da Grã-Bretanha, e The American Crisis (1776-1783), uma série de panfletos revolucionários. Depois influenciou bastante a Revolução Francesa, escreveu Rights of Man (1791), um guia das ideias iluministas. Mesmo não falando francês, foi eleito para Convenção Nacional Francesa em 1792. Os Girondinos o viam como aliado, assim os Monatagnards, especialmente Robespierre, o viam como inimigo. Em dezembro de 1793, ele foi aprisionado em Paris, e solto em 1794. Tornou-se notório por The Age of Reason (1793-94) um livro onde advogava Deísmo, argumentando contra a religião institucionalizada (doutrinas cristãs) e promovia a razão e o livre pensar, motivo pelo qual foi ridicularizado na América.
[21] O STF é composto por onze ministros também obedece à escolha aos requisitos impostos ao STJ e também são nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Tem sua competência prevista pelo art. 102 da CF/1988. A EC 45/2004 introduziu a possibilidade de aprovar, depois de reiteradas decisões sobre a matéria constitucional, súmula com efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. O STF já recebeu várias denominações históricas dos órgãos de cúpula da Justiça brasileira, como: Casa da Suplicação do Brasil (1808-1829), Supremo Tribunal de Justiça (1829-1891) e Supremo Tribunal Federal (desde 28/2/1891 até presente data).
[22] O STJ ou Tribunal da Cidadania é composto por no mínimo 33 ministros nomeados pelo presidente da República, após aprovação do Senado Federal. Essa composição é estipulada pelo art. 104 da CF/1988, segundo o qual o cargo deve ser preenchido por brasileiros com mais de trinta e cinco anos e menos de 65 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Acredito que a aprovação pelo Senado Federal endosse a legitimidade de suas funções e atuação no cenário brasileiro. Foi criado pela vigente Constituição Federal (1988) sendo responsável por uniformizar a interpretação da lei federal por todo o Brasil em atenção aos princípios constitucionais e a garantia e defesa do Estado de Direito.
[23] A teoria crítica do Direito já proclamava que Direito é política, denunciando ser uma instância de poder e dominação. Apesar do recuo das concepções marxistas é fora de dúvida que já subsista no contexto contemporâneo a crença na ideia liberal-positivista de objetividade plena do ordenamento e da neutralidade do intérprete. Mas, em verdade, o Direito não é política principalmente porque não é correto definir o justo segundo a vontade daquele que detém o poder. É verdade que na realidade pós-positivista o Direito muito se aproximou da Ética, vindo a servir de instrumento de legitimidade, da realização da dignidade da pessoa humana. Infelizmente a crítica mais desqualificadora de uma decisão é acusá-la de ser mais política do que jurídica.
[24] Häberle é considerado o príncipe do constitucionalismo na Europa e adquiriu grande influência no STF. Se na Europa defendeu a ideia do Estado Constitucional cooperativo, no qual as decisões tomadas por cada Suprema Corte devem rumar para além da soberania dos Estados nacionais, no Brasil pelo menos dois movimentos distintos e complementares do STF possuem inspiração em suas teses. Häberle desenvolveu o conceito de sociedade aberta pelo qual o STF é visto como uma instância de participação das pessoas nas decisões. Segundo ele, como as decisões irão atingir diferentes grupos e pessoas, o STF deve se abrir para que todos possam se manifestar nos julgamentos. Foi seguindo tal entendimento que o STF permitiu a igualdade de manifestações entre pessoas opostas como quando o ex-ministro Rezek falou em defesa de donos de terras em Roraima e a índia Joênia Batista de Carvalho se manifestou sobre a demarcação de áreas para sua tribo. Tradicionalmente relegados ao papel de meros espectadores, os cidadãos comuns passaram a dar explicações diretamente aos ministros. Resultado final foi a efetiva popularização do STF. Outro movimento entende que a Constituição é texto mutável portanto, sua interpretação deve ser alterada para atender às demandas do momento. Deve a Constituição ser considerada como ponto de partida e não como um fim. Não é estática pois faz parte da dinâmica da sociedade.
[25] A teoria discursiva de Habermas apresenta-se como uma solução para a legitimação e efetivação dos direitos fundamentais em sociedades pluralistas, bem como de toda a estrutura normativa do direito, superando a tensão existente entre democracia e direitos fundamentais. Neste sentido, somente é possível a produção de um direito legítimo se estiverem asseguradas, a participação ativa de todos os cidadãos, através de autonomia pública, bem como se estiverem garantidas as liberdades subjetivas de todos os indivíduos sem exceção, através da autonomia privada. Por conseguinte, os direitos fundamentais e democracia se complementam. Habermas constrói o conceito de "patriotismo constitucional" configurando assim uma nação de cidadãos, autônomos, participativos e independentes, que vem a substituir o nacionalismo dos comunitaristas.
[26] O ativismo judicial é atitude, um agir específico e proativo de interpretar a Constituição expandindo o seu sentido e alcance. E, normalmente se dá onde há retração do Legislativo, de certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo o atendimento de demandas sociais bem como a efetividade de garantia e direitos constitucionalmente protegidos. Portanto significa uma mais ampla e intensa participação do Judiciário no âmbito de atuação dos dois outros poderes.
[27] John Hart Ely (1938-2003) é um dos juristas mais citados na história dos EUA e logo após de Richard Posner, Ronald Dworkin e Oliver Wendell Holmer, Jr. de acordo com estudo realizado em 2000 na Universidade de Chicago e pelo Jornal de Estudos Jurídicos.
[28] A Suprema Corte ou Supremo Tribunal dos EUA localizada em Washington D.C., é a mais alta corte federal dos EUA, possui autoridade suprema dentro do país para interpretar e decidir questões quanto à lei federal, incluindo a Constituição dos EUA. A Suprema Corte é por vezes chamada de SCOTUS ou USSC (De United States Supreme Court). A constituição estipula que os juízes fiquem na corte enquanto tiverem boa conduta exceto quando o escolhido não seja confirmado pelo senado. Portanto, os juízes podem continuar exercendo por toda sua vida, ou até quando se aposentar ou sair voluntariamente. Os juízes associados são os membros da corte junto ao chefe de Justiça. Seu número é determinado pelo Congresso, sendo correntemente oito. São nomeados pelo Presidente dos Estados Unidos que os submete ao referendo do Senado para confirmação; se confirmado se torna juiz federal vitalício somente sendo removido pela morte, aposentadoria ou impedimento. A diferença do chefe de Justiça para o juiz associado é que aquele preside as sessões judiciárias e administra as instalações da Suprema Corte e recebe uma remuneração ligeiramente maior.
[29] Hard case é uma expressão usada pelos teóricos do direito para definir casos nos quais se verifica uma lacuna ou obscuridade na aplicação da lei ao caso concreto, e por isso, não existe um raciocínio lógico-dedutivo simples a partir de uma regra jurídica existente para a solução da controvérsia. Segundo Hart, fiel representante do juspositivismo, a existência de casos difíceis se dá por conta da textura aberta do direito. Explica-se: para todas as regras há um núcleo de certeza, ou seja, existem casos que certamente são ou não regulamentados por determinada norma jurídica, mas também há uma penumbra de dúvida, ou seja, casos em que há incerteza ou ambiguidade na aplicação da norma. A lei não consegue prever todos os casos, e tal limitação é inerente à linguagem humana. As formas de interpretação não podem eliminar estas incertezas, pois elas próprias se utilizam de termos que exigem interpretação e, assim, não possuem objetividade. A teoria de Hart sustenta que, nestes casos, o juiz não apenas aplica as normas; ele as cria. Quando as regras não são claras, há um espaço para a discricionariedade do juiz. Ele poderia se apoiar em doutrina jurídica e jurisprudência para conferir racionalidade à sua decisão, mas o recurso a estas fontes não necessariamente fornecem uma única resposta correta. Por isso, ao decidir sobre estes casos, o juiz acaba por criar a norma que ele próprio irá aplicar ao caso concreto. Não há, pois, uma única resposta correta para solucionar um caso difícil. Já para Dworkin fiel representante do jusmoralismo quando não há nenhuma regra regulando o caso, ainda assim, uma das partes tem um direito a ser protegido, ou seja, não há uma criação discricionária do direito pelo juiz conforme defendeu Hart. O juiz deve descobrir quais são os direitos das partes, e não inventar o direito. Dworkin não nega que os juízes divergem quanto à aplicação do direito em um hard case, mas isso não significa, para ele, que não há direito algum a ser aplicado nestes casos, e que o juiz "cria" o direito. Seu argumento é que quando a verdade sobre determinado fato não é descoberta isto não significa que a verdade não existe. Assim, para se buscar esta verdade (ou ao menos ficar o mais próximo possível dela) um juiz deverá seguir tanto a integridade textual (ajuste da justificativa de sua decisão à lei e à legislação) quanto à equidade política (respeito à opinião pública que levou às declarações realizadas no processo legislativo). Ambas as formas de interpretação deverão estar sujeitas ao tempo, e às mudanças principiológicas e políticas ocorridas após a edição da lei.
[30] Deve o judiciário promover a conservação e a promoção dos direitos fundamentais mesmo contra a vontade das maiorias políticas, é uma condição de funcionamento do constitucionalismo democrático. Logo, a intervenção do Judiciário nesses casos, sanando uma omissão legislativa ou invalidando a lei inconstitucional dá-se à favor e não contra a democracia. Barroso concluiu que o Judiciário quase sempre pode mas nem sempre deve interagir devendo prover uma avaliação criteriosa da própria capacidade institucional e optar por não exercer o poder num gesto de autolimitação espontânea. Confirma que o Judiciário é o guardião da Constituição e deve fazê-la valer, em nome dos direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, inclusive em face de outros poderes. Finda Barroso seu brilhante artigo que o ativismo judicial tem sido parte da solução e não do problema, funcionando como um poderoso antibiótico cujo uso deve ser eventual e controlado.
[31] Tate e Vallinder criou um quadro de elementos que indicam se há ou não judicialização em determinado Estado: democracia, separação de poderes, direitos políticos, o uso dos tribunais pelos grupos de interesse, o uso dos tribunais pelos partidos de oposição e inefetividade das instituições majoritárias.
[32] A primeira judicialização fora a redemocratização brasileira que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Onde a recuperação de garantias transformou a magistratura em poder político capaz de concretizar a Constituição e as leis, inclusive no confronto de outras leis. Também ocorreu a expansão institucional do Ministério Público passando atuar mais também fora da área penal e a maior presença da Defensoria Pública. Enfim, a redemocratização brasileira expandiu o Poder Judiciário e aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira.
[33] "O juiz é chamado a socorrer uma democracia na qual um legislativo e um executivo enfraquecidos, obcecados por fracassos eleitorais contínuos, ocupados apenas com questões de curto prazo, reféns do receio e seduzidos pela mídia, esforçam-se em governar, no dia-a-dia, cidadãos indiferentes e exigentes, preocupados com suas vidas particulares, mas esperando do político aquilo que ele não sabe dar: uma moral um grande projeto”. (In: BREDIN, J. D. Un gouvernement des juges? Pouvoirs, Paris, 1994, p. 81.).
[34] A origem do ativismo judicial remonta à jurisprudência norte-americana. E numa primeira fase, foi de natureza conservadora principalmente para endossar a conduta e direitos dos grupos reacionários para justificar a segregação racial e para invalidação de leis em geral, culminando no confronto do Presidente Roosevelt e a Corte com orientação contrária ao intervencionismo estatal.
[35] De fato, a constitucionalização foi uma tendência mundial e observada nas Constituições de Portugal de 1976, da Espanha (1978) e igualmente na brasileira de 1988.
[36] Ultimamente o STF fora instado a se pronunciar sobre políticas governamentais, sobre a Reforma da Previdência (contribuição de inativos) e da Reforma do Judiciário (com a criação do Conselho Nacional de Justiça) sobre a determinação dos limites legítimos de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) com a quebra de sigilos e decretação de prisão e sobre o papel do MP na investigação criminal, sobre os direitos fundamentais, incluindo liberdade de expressão no caso de racismo (Caso Elwanger) e a possibilidade de progressão de regime penitenciário para os condenados pela prática de crimes hediondos.
[37] O problema da invasão de competência constitucional e da hipertrofia do Judiciário incentivado e largamente aceito nas sociedades como a norte-americana através do Judicial review tem reflexos certos no estado constitucional brasileiro levando os estudiosos a analisar esse fenômeno. E questionando-se sobre a criatividade dos juízes em interpretar as normas jurídicas e criar direito novo em contraponto à crítica ao protagonismo dos pequenos juízes integrantes de um novo judiciário na França (petit juge).
[38] A sociedade não carece de deuses ou de justiceiros. Não se deve autorizar os tribunais, especialmente, as cortes supremas, a atuar como profetas ou deuses do direito, consolidando aquilo que já é designado de teologia constitucional e imunizando a atividade jurisprudencial perante a crítica, à qual originariamente deverá estar sujeita (…), pois quando a Justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral da sociedade e escapa de qualquer mecanismo de controle social. A sociedade coloca o STF como guardião da Constituição. Ipso facto ela tem o papel de interpretar conforme a Constituição, porém não é articulado pelos vernáculos expressos que podem representar o povo. Tanto assim que foi o anseio do Poder Constituinte Originário, fixado no texto constitucional. O problema não e criar direitos, reinventar valores e princípios e sim, a aparente falta de legitimação popular.
[39] Há um lado positivo do ativismo judicial que é o atendimento de demandas sociais não satisfeitas pelo Legislativo assim em temas como greve no serviço público, a vedação ao nepotismo ou regras eleitorais. Já o lado negativo é que de expor ainda mais as dificuldades enfrentadas pelo Legislativo, o que força uma reaproximação entre a classe política e a sociedade civil. Defendem alguns doutrinadores que os ativistas devem ser eventuais e ocorrer em certos momentos históricos. Até na agenda, o Judiciário tem se destacado mais que o Legislativo haja vista as audiências públicas e o julgamento sobre a pesquisa com células-tronco embrionárias que obteve grande visibilidade pública e ainda fomentou sério debate para o processo legislativo.
[40] A democracia só funciona mediante Estado organizado juridicamente, um Estado de Direito. E o direito é racional, inteligível, na medida em que está relacionado com a noção de justiça. As relações entre pessoas, a sociedade e o Estado passam ser pensadas em termos de justiça na acepção clássica de "dar a cada um o que lhe é devido”. Portanto, a interpretação constitucional necessita de uma teoria da justiça. Mas, cumpre esclarecer o tão falado conceito de justiça social, utilizado para refletir o conceito de "Justiça legal" de Aristóteles e Tomás de Aquino, e visa o bem comum como objeto próprio, determina os deveres dos cidadãos e dos governantes em relação à comunidade. O conceito de justiça social não esgota o conceito de justiça.
[41] Há, contudo, três objeções colocadas contra o ativismo judicial brasileiro. E se concentram no risco para a legitimidade democrática, na indevida politização da justiça e nos limites da capacidade institucional do Judiciário. A primeira objeção é que os juízes, desembargadores e ministros não são agentes públicos eleitos, não sofreram o batismo da vontade popular. E a ideia do órgão como STF sobrepor-se a uma decisão do Presidente da República sufragado por expressiva quantidade de votos ou do Congresso é identificada como a dificuldade contramajoritária. Porém existem duas justificativas uma de natureza normativa e outra filosófica. A primeira decorrente da expressa disposição constitucional que dá atribuição ao Judiciário e notadamente ao STF a parcela de poder político para ser exercida por agentes públicos e cuja atuação e predominantemente técnica e imparcial. Os magistrados não possuem vontade política própria. E ao aplicarem a Constituição e as leis apenas concretizam a vontade do constituinte ou do legislador, ou seja, dos representantes do povo. Para a definição do Estado Constitucional democrático que é produto de duas ideias que se complementam o constitucionalismo e a democracia.
[42] No que se refere à fidelidade partidária, o STF em nome do princípio democrático, declarou que a vaga no Congresso Nacional pertence ao partido político. Criando assim, nova espécie de perda de mandato parlamentar, além das já previstas constitucionalmente. No mesmo sentido, atuou o STF na vedação do nepotismo dos Poderes Legislativo e Executivo vindo até expedir súmula vinculante sobre o tema. E também se manifestou sobre as coligações eleitorais em face da eleição que se realizaria em menos de um ano de sua aprovação. Desta forma, precisou o STF exercer incomum competência, declarando a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional, conferindo a regra de anterioridade anual da lei eleitoral o status de cláusula pétrea.
[43] Jeremy Waldron ao questionar as decisões mais relevantes do direito norte-americano serem decididas por maioria simples na suprema corte, traz à tona a seguinte questão: se o judiciário existe para sanar os problemas do majoritarismo democrático. Afinal, os defeitos na elaboração das leis cuja discussão passar por um processo de votação, por que o judiciário não deveria utilizar o mesmo método de votação por maioria?
[44] A jurisdição constitucional bem exercida configura numa fiel garantia para a democracia e, não um risco ou ameaça. Evidentemente apesar de reconhecermos que o Judiciário ser o maior intérprete da Constituição não pode suprimir a política, o governo de maioria e nem o papel do Legislativo. Como alertou Daniel Sarmento não pode a Constituição ser oblíqua (onipresente).
[45] Uma discussão que atravessou anos e institucionalizou os modelos de juiz, como sendo Júpiter, Hércules e Hermes a partir de um conhecido texto de Fraçois Ost em que o professor belga propõe uma espécie de juiz pós-moderno-sistêmico (Hermes) que atuaria em rede e superaria, com grande vantagem, os modelos anteriores. Com efeito, para Ost, basicamente a teoria do direito trabalha com dois modelos de juiz que também simbolizariam modelos de direito (Júpiter e Hércules). Consequentemente, simbolizaram também os modelos de jurisdição. O primeiro representaria o modelo liberal-legal, de feição piramidal-dedutiva, isto é, sempre dito a partir do alto, de algum Monte Sinai; esse direito adota a forma de lei e se expressa em forma de imperativo, vindo a ser representado pelas tábuas da lei ou códigos e as Constituições modernas, sendo que dessa parametricidade é que são deduzidas as decisões particulares. Já o modelo herculeano está sustentado na figura do juiz que seria a única fonte do direito válido. Trata-se de uma pirâmide invertida, segundo Ost. É Dworkin quem ao revalorizar até o extremo a figura do juiz moderno, atribui-lhe as características de Hércules. Embora mencione que pretende equiparar a tese de Dworkin aos realistas ou pragmatistas, Ost termina por colocar no Hércules dworkiano os defeitos que caracterizariam o juiz monopolizador da jurisdição, no modelo de direito do Estado Social, em que o direito se reduz ao fato, enfim a indiscutível materialidade da decisão. Esse juiz propiciaria um decisionismo, a partir da proliferação de decisões particulares.
[46] William Joseph Brennan, Jr., (1906-1997) foi um jurista americano que serviu um juiz da Suprema Corte do Supremo Tribunal dos EUA de 1956-1990. Como o sétimo justiça mais antigo na história da Suprema Corte, ele era conhecido por ser um líder da ala liberal do Tribunal. Era conhecido por suas sinceras progressistas visualizações, incluindo a oposição à pena de morte e suporte para o aborto de direitos. Ele escreveu vários casos e marcou opiniões, como por exemplo, Baker versus Carr, que estabeleceu o princípio "uma pessoa, um voto", e New York Times Co. versus Sullivan, que exigiu real malícia em um processo por difamação contra aqueles considerados "figuras públicas". Devido à sua capacidade de moldar uma grande variedade de opiniões e negócio para os votos, em muitos casos, foi considerado um dos mais influentes membros do Tribunal. Antonin Scalia chamou Brennan provavelmente a Justiça mais influente do século XX. Foi presenteado em 30.11.1993 com a Medalha Presidencial da Liberdade pelo presidente Bill Clinton. Teve papel de liderança no Warren expansão dos direitos individuais do Tribunal. Brennan teve um papel por trás das cenas durante o Tribunal de Warren, persuadindo colegas mais conservadores pra participar das decisões do Tribunal. Opiniões de Brennan a respeito da votação (Baker v. Carr), processo penal (Malloy v. Hogan), o discurso livre e estabelecimento cláusulas Primeira Emenda (Roth v. EUA), e os direitos civis (verde v. Conselho de Escolas de New Kent County) foram algumas das opiniões mais importantes da Era Warren. O papel de Brennan em expandir os direitos de liberdade de expressão sob a Primeira Emenda é particularmente notável, como escreveu o parecer do Tribunal, em 1964, do New York Times v. Sullivan, que criou restrições constitucionais sobre a lei da difamação. Foi Brennan que cunhou a expressão "efeito paralisante", em 1965, de Dombrowski v. Pfister. Sua amizade com Chief Justice Warren, que frequentemente atribuído Brennan a tarefa escrever a opinião da maioria, levou aos outros juízes apelidando-o de "vice-chefe".  Brennan acreditava firmemente no Bill of Rights, argumentando no início de sua carreira, que deve ser aplicados para os estados, além do governo federal. Ele sempre tomou posições em favor dos direitos individuais contra o Estado, muitas vezes favorecendo réus criminais, as minorias, os grupos sub-representados pobres, e outros. Além disso, geralmente evitava as posições absolutistas de Justiças Hugo Black e William O. Douglas, sendo muito favorável a um compromisso. Ele estava disposto a ceder para ganhar a maioria dos juízes. Foi acusado de ser um fornecedor de ativismo judicial, sem ter uma justificativa legal para ele. Em sua aposentadoria, Brennan disse que o caso ele pensava que era mais importante era Goldberg versus Kelly, que decidiu que um local, estadual ou federal governo não poderia terminar pagamentos de bem estar para uma pessoa sem uma audiência probatória prévia individual. Na década de 1980 já que a administração Reagan e o Tribunal Rehnquist ameaçaram reverter as decisões da Corte de Warren, Brennan tornou-se mais vocal sobre seus pontos de vista jurisprudenciais. Em um discurso de 1985 na Universidade Georgetown, Brennan criticou o procurador-geral Edwin Meese chamado de uma jurisprudência da intenção original como arrogância camuflada como a humildade e defendeu a leitura da Constituição dos EUA para proteger os direitos de dignidade humana.
[47] Porém há contundente crítica baseada principalmente porque a democracia requer um aparelhamento judicial independente e eficaz e e espalhado por todo território nacional e apto a dar solução aos litígios, e o enfraquecimento da primeira linha de jurisdição com a desmedida concentração de poderes na segunda instância e nos tribunais superiores implicam no retorno do absolutismo à justiça das cortes, e consequentemente à fragilidade do sistema como um todo. Frise-se que a proatividade dos magistrados incentivada pela busca de efetividade dos direitos sociais precisa preocupar-se com o devido processo legal substantivo em evitar o prosseguimento de demandas manifestamente infundadas.
[48] A PEC 33 visa limitar os poderes do STF submetendo as decisões da Alta Corte ao Congresso nacional. Assim com a aprovação dessa PEC três artigos constitucionais seriam alterados. Sob o argumento de se viver em um estado judiciário, pretendemos viver num estado legislativo que se encontra afundado numa grave crise de representatividade além de merecedor de grande descrédito por décadas, sem a necessária nobreza, isenção e legitimidade para exercício do pode político e, especialmente de retirar do judiciário a sua legitimidade jurídica constitucional para bem exercer suas funções e dar a última palavra quanto à interpretação e validade das leis. E tornar concretas as promessas e premissas constitucionais do Estado Democrático de Direito.

Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

Sou obrigado a chamar um advogado de doutor

Uma das dúvidas mais comuns entre clientes e até mesmo entre profissionais de outras áreas…

2 dias ago

Trabalho aos domingos na CLT

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula o trabalho aos domingos, prevendo situações específicas…

3 dias ago

O que é abono de falta

O abono de falta é um direito previsto na legislação trabalhista que permite ao empregado…

3 dias ago

Doenças que dão atestado de 3 dias

O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…

3 dias ago

Como calcular falta injustificada

O cálculo da falta injustificada no salário do trabalhador é feito considerando três principais aspectos:…

3 dias ago

Advertência por falta injustificada

A falta injustificada é a ausência do trabalhador ao trabalho sem apresentação de motivo legal…

3 dias ago