Considerações sobre responsabilidade pelo fato das coisas


A base fundamental da responsabilidade civil está em que o homem responde pelos danos que causa. Sem dúvida, representou um grande passo na evolução da responsabilidade civil o reconhecimento da responsabilidade de alguém pelo fato de outrem.


Por essa razão, Aguiar Dias insurge-se contra o conceito de responsabilidade pelo fato das coisas, sob o simples argumento de que coisa não é capaz de fato. Nesse mesmo diapasão dispõe os Mazeaud ao proclamarem que “o fato” de uma coisa inanimada é inconcebível: quando uma caldeira explode, dizem eles, é porque o homem acendeu o fogo; quando o automóvel atropela o pedestre, é porque o motorista o pôs em movimento. Assim por trás de uma coisa inanimada, há inexoravelmente o fato do homem.


Admite-se, no entanto, que há coisas mais perigosas do que outras. Pondera-se que quando o homem utiliza a força estranha aumenta sua própria força, este aumento rompe o equilíbrio antes existente entre o autor do acidente e a vítima.


Georges Ripert afasta a distinção entre as coisas mais perigosas e menos perigosas, bem como Marty e Raynaud. Foi necessário grande esforço doutrinário para que o direito se desprendesse daquele conceito, para enunciar o princípio segundo o qual se construísse a teoria da responsabilidade pelo “fato das coisas”. Pormenoriza essa fase evolutiva, o direito francês como o fato dos animais e ruína dos edifícios.


E modificações profundas foram acrescidas para responder às novas necessidades surgidas do desenvolvimento tecnológico, industrial e social. Somente depois de cinqüenta anos de trabalho jurisprudencial, veio ao primeiro plano a responsabilidade pelo fato das coisas inanimadas em geral.


Segundo Planiol, Ripert e Boulanger foi somente no fim do século passado que a jurisprudência teve a idéia de encontrar no § 1º do art. 1.384 do Código de Napoleão uma regra geral que abrigasse tal gênero de responsabilidade civil.


Ocorreu através da idéia de presunção de culpa, assim explicados nos arts. 1.385 e 1.386, e, num desenvolvimento lógico foi possível utilizar a mesma explicação “quando o dano provinha do fato de uma coisa inanimada”. Assinalavam os Mazeaud que o art. 1.385 editava uma “presunção de culpa”. Não se contentou em reforçar a presunção antes editada pelo art. 1.384, estendendo-a consideravelmente para aplicação sobre as coisas, móveis, imóveis, perigosas e não perigosas.


Da presunção de culpa criou-se a presunção de responsabilidade. Expressão muito criticada como não tendo sentido, pois que ou uma pessoa é responsável ou não; o que não é cabível, é dizer que se presume ser responsável. O fato, porém, é que não obstante combatida, a chamada presunção de responsabilidade, esta encontra boa acolhida entre prestigiados mestres franceses.


Parte da doutrina enxerga na teoria da responsabilidade pelo fato das coisas, uma consagração parcial da teoria do risco (Planiol, Ripert e Boulanger), o que repercute diretamente no conceito de guardião da coisa.


Com efeito, determinar o conceito de “guardião” é um dos cruciais pontos para a responsabilidade pelo fato da coisa, mas paradoxalmente, é sobre este que a jurisprudência e a doutrina tanto hesitam.


A guarda é noção-chave que exprime a idéia de responsabilidade de pleno direito, ligando-se a certo poder sobre a coisa. Segundo Marty e Raynaud a detenção material de uma coisa não basta para caracterizar a figura do guardião. Liga-se mais o conceito de guarda jurídica do que ao conceito de guarda material.


A saber o proprietário é presumido como guardião da coisa, desta sorte, em ocorrendo fato danoso, contra ele, ergue-se a presunção de culpa. Embora seja presunção relativa, posto que nem sempre o proprietário tem o uso direto da coisa.


Salientam os irmãos Mazeaud que essa responsabilidade do proprietário é alternativa e não cumulativa, logo a vítima não pode em todos os casos voltar-se contra o proprietário. Poderá o dono da coisa elidir a guarda presuntiva da coisa provando que outra pessoa se servia da coisa, seja por locação, comodato, arrendamento, depósito ou penhor. Nesses casos, a responsabilidade passa do proprietário ao cessionário.


Há diversos critérios para se definir o princípio da responsabilidade pelo fato das coisas. Em primeiro plano, posta-se o critério do proveito (grifo nosso), dizendo-se que é o guardião da coisa quem dela se aproveita economicamente, que atrai a doutrina para a teoria do risco: ubi emolumentun ibi onus.


Tal teoria é contestada pelos partidários da doutrina subjetiva, para os quais, fora da culpa, é impossível dizer por que a propriedade, o uso ou a detenção de uma coisa que constituem direitos, que imporiam, ao mesmo tempo obrigações.(Planiol, Ripert e Boulanger). É certo que pelo C.Civil brasileiro de 2002 a propriedade vigora sob ótica da função social, daí certamente acarreta obrigações tanto individuais como coletivas.


O segundo critério proposto pelos irmãos Mazeaud é o da direção material (grifo nosso), assim: guarda é pessoa que materialmente tem a dirção da coisa ( a guarda do automóvel será o motorista, quando o dirige, mesmo que não seja preposto do proprietário).


Variação deste critério será o “direito de direção”(grifo nosso) onde se tem o conceito de guardião como a pessoa à qual a situação jurídica confere um direito de direção relativamente à coisa. Quando o proprietário confia seu veículo ao motorista, permanece aquele como guarda de seu automóvel. Quando um ladrão se apossa de uma coisa, a guarda continua com o proprietário, posto que o ladrão não tem direito sobre a coisa. Observam os Mazeaud que tal critério é inaceitável por maior número de doutrinadores, e foi elaborado para evitar decidir que o preposto, e não o comitente, é o guarda da coisa.


Outro critério que também influenciou a jurisprudência francesa, após longas hesitações, é o da “direção intelectual”, que se define como o poder de dar ordens ou o poder de comando relativamente à coisa. Distinto do critério da direção material e do “direito de direção” somente considera a situação de fato: guarda é a pessoa que tem, de fato, um poder de comando em relação à coisa.


Como alega Carbonnier, guardião é quem tem o uso, a direção e o controle da coisa. A lei põe a cargo da pessoa que exerce um poder sobre a coisa a obrigação de tê-la sob seu comando; se a coisa lhe escapa a comando, o guardião é responsável, a menos que demonstre que por causa estranha não pôde exercer seu poder.


A noção de guardião e de guarda são fundamentais para determinação de quem é responsável pelo fato das coisas. André Bresson sustenta que o fato da coisa deve ser entendido como a imperfeição da ação do homem sobre a coisa. Cumpre apurar quem tinha o poder efetivo sobre a coisa no momento em que provocou o dano.


Cabe ao julgador, portanto, verificar quem tinha de fato a guarda da coisa, sobre quem deve razoavelmente recair a presunção de culpa na vigilância e a falta de vigilância é uma circunstância material que pode ser estabelecida mediante prova direta.


A distinção entre a guarda jurídica e a guarda material não tem fundamento sólido e, é contrária à própria significação da palavra “guarda” que supõe um poder de vigilância sobre a coisa e meios de evitar que esta venha a causar danos a terceiros. Não se compreende guarda quando o controle da coisa se torna impossível de ser exercido. Assim, a partir do momento em que perdeu a direção da coisa, deixa evidentemente de ser o guardião.


Ao se deparar com o problema do furto do automóvel em estacionamento, a jurisprudência brasileira, para definir a responsabilidade pelo dano, cogita do depósito do bem, o que demonstra, que, sem se ter aprofundado na idéia de “guarda”, chega a esse mesmo resultado.


De qualquer maneira é necessário determinar a relação de causalidade entre a coisa e o dano, a responsabilidade pelo fato da coisa exige do juiz a determinação do vínculo causal.


O guardião fica exonerado quando a coisa desempenhou função meramente passiva na realização do dano, o que estabelece que a coisa não foi a causa do acidente e induz que este teve uma causa inteiramente estranha.


Não cabe a distinção entre coisas perigosas e não perigosas, bem como animadas ou inanimadas. A responsabilidade pelo fato das coisas dirige-se para aquelas situações em que a ocorrência do prejuízo origina-se de circunstância em que não é a ação direta do sujeito que predomina no desfecho prejudicial. São danos causados por animais, pela ruína de edifício, por objeto que cai ou é arremessado de um prédio, por acidente com a máquina.


É interessante à guisa de enriquecimento, a transcrição de notícia recente sobre jurisprudência: In verbis:


“A responsabilidade pelos danos causados por um cachorro é do dono.” A conclusão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que condenou os donos de três cães a pagarem R$ 6 mil de indenização a uma menina atacada pelos animais.


O relator, desembargador Odone Sanguiné, baseou-se no artigo 936, do Código Civil de 2002. “Com efeito, o dispositivo em comento determina a responsabilidade objetiva do dono ou do detentor do animal, salvo se comprovar que o evento danoso se deu em virtude da culpa da vítima ou mesmo de força maior”, afirmou.


Para os desembargadores, não ficou comprovada a culpa concorrente da menina. Testemunhas afirmaram que a criança estava indo para a escola e foi atacada pelos cachorros. Os depoimentos comprovaram que ela não provocou os animais, que estavam soltos em frente à casa dos donos. (…)”


De acordo com a decisão, os responsáveis pelos cães não usaram os meios necessários para mantê-los dentro de sua propriedade. Em decorrência disso, a vítima foi mordida pelos animais na cabeça e nádegas. Ela sofreu diversas lesões. Os mesmos cães também já haviam avançado contra várias pessoas da comunidade, em outras ocasiões.


O desembargador lembrou de várias notícias de mortes provocadas pelo ataque de cães decorrentes da conduta de seus donos. “Os quais de forma negligente e imprudente, deixam seus animais à solta, só vindo a perceber o perigo quando já ocorrido grave dano ou mesmo a morte da vítima, o que, por sorte, não ocorreu na hipótese sub judice”, constatou.


Os danos morais foram fixados em R$ 6 mil porque a autora delimitou esse valor no recurso. Segundo o desembargador, em casos semelhantes, a Câmara tem estabelecido uma quantia indenizatória bem superior.


Na primeira instância, de Guarani das Missões (RS), a reparação foi determinada em R$ 2 mil. A autora da ação apelou, pedindo um valor maior pelo dano moral. Os donos dos cães também recorreram para pedir a reforma da sentença. APELAÇÃO CÍVEL 70018205005 NONA CÂMARA CÍVEL COMARCA DE GUARANI DAS MISSÕES / Porto Alegre, 23 de maio de 2007.


Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras Des. ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente e Revisora) e Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi. Revista Consultor Jurídico, 8 de junho de 2007 (in http://conjur.estadao.com.br/static/text/56388,1 ).


Aqui, como em todo tema ligado à responsabilidade civil, defrontam-se as duas correntes: subjetivista e objetivista.


Os primeiros doutrinadores não se desvencilham do conceito de culpa, aliando a ocorrência de dano à obrigação de guardar a coisa. Foi daí que Ripert construiu a noção de culpa na guarda: há obrigação de guardar as coisas de que se utiliza, isto é, impedir que estas causem danos.


Do outro lado, os partidários da teoria objetiva, procuram fundar a responsabilidade pelo fato da coisa na circunstância de se encontrar esta na disponibilidade material de alguém obrigado à custódia, não se importando que ele a possua como dono ou a detenha em nome alheio, sempre que possa exercer sobre esta um controle físico (Ruggiero). A doutrina foi particularmente exposta por Salleiles e Josserand, e pode ser resumida desta forma: “quem utiliza uma coisa e dela tira proveito, suporta os riscos quando a coisa causa dano”.


Todavia é certo que a responsabilidade originária da culpa ou definida ex re ipsa do proveito extraído da coisa, é relevante a caracterização do conceito de guarda ou guardião.


Caio Mário obtempera classicamente pautado na jurisprudência francesa de que guardião é aquele que tem de fato, o poder de comando da coisa. De maneira geral, cabe ao proprietário reparar o dano causado pela coisa, pois que pesa sobre seus ombros a presunção da guarda. Que poderá ser elidida se produzir prova de que a guarda incumbe à outra pessoa. Tal pode acontecer quando o terceiro tem o consentimento ou autorização do dono, ou quando o terceiro tem ou ainda se apossa da coisa no desconhecimento ou contrária a vontade do proprietário.


No primeiro caso, configuram o preposto, o detentor autorizado, o locatário, o comodatário, transportador, o garagista, o empregado da oficina, o operador da máquina ou do veículo, o usufrutuário, enfiteuta. A guarda nesse caso está cometida ao terceiro.


Em caso de furto ou roubo da coisa, a situação é mais complexa, uma vez que a coisa escapa à direção do proprietário. O que põe fim à guarda, é menos a perda da coisa do que a utilização dela por outrem, isto é, o poder de uso, de controle ou de direção.


O que se presume é o nexo de causalidade. O que importa que incumba responsabilidade ao dono da coisa, mas pode ser ilidida por prova em contrário. Não se trata de presunção irrefragável ou absoluta.


Preferindo o exame de casos de espécie ao enunciado de um princípio geral, assenta, contudo que é de se presumir “o nexo de causa e efeito entre o fato da coisa e o dono: o dever jurídico de cuidar das coisas que usamos se funda em superiores razões de política social, que induzem, por um ou outro fundamento à presunção de causalidade aludida e, em conseqüência, à responsabilidade de quem se convencionou a chamar de guardião da coisa, para significar o encarregado dos riscos dela decorrentes.”


Guardião não é uma noção comum da obrigação de vigiar. Surge uma noção nova capaz de definir uma obrigação legal que pesa sobre o possuidor, em razão de detenção da coisa. A qualificação de guardião serve para encarregar uma pessoa dum risco.


No caso do detentor autorizado, ou stricto sensu, cumpre analisar os termos do contrato, ou a qualificação jurídica, visando a determinar os direitos que foram transmitidos ao contratante. Mas, no caso de preposição, o comitente permanecendo com o poder de comando, é este o responsável pelo dano da coisa.


Se a pessoa detém a coisa, na incidência ou contra a vontade do dono (seja ladrão ou possuidor de má fé) o dono perde o poder comando. Quando o preposto infiel se serve da coisa, utilizando-a sem autorização, não é mais guardião.


Com relação às coisas inanimadas, De Page assenta que a responsabilidade permanece com base na culpa, e no sistema da jurisprudência belga, consiste no fato de guardar uma coisa viciosa. A existência de vício, verdadeira condição de responsabilidade, deve ser provada pela vítima, aí compreendida a relação de causalidade entre o vício e o dano. Produzida a prova, a responsabilidade é presumida e é iuris et iure.


Com relação aos animais, a regra geral é que responde o dono do animal ou quem dele se serve pelo tempo em que o tem em uso.


Não importa, diz Ruggiero, se o ato danoso do animal seja realizado contra naturam sui generis ou secundum naturam. Se é da mesma natureza do animal ou contrariamente a esta. Situa-se não precisamente na teoria da culpa, porque o dano pelo animal extraviado ou fugido é atribuído ao dono, mesmo provando que fez tudo que era necessário para impedir o dano. Somente admitida a escusativa fundada em prova de caso fortuito.


A origem da responsabilidade pelo fato caudado por animais provém do direito romano, segundo o qual o dominus era o responsável, mas exonerava-se abandonando o animal (abandono noxal), conforme leciona Marty e Raynaud.


O Código Civil de 1916 em seu art. 1.527 aludia especialmente à responsabilidade do dono ou detentor do animal por danos produzidos por estes. Clóvis Beviláqua sem descartar a teoria subjetiva, afirma que há uma presunção de culpa do dono do animal ou de quem o guarda, apontando a chamada culpa in vigilando.


O art. 936 do Código Civil de 2002 salienta claramente a responsabilidade civil do dono do animal ou detentor, se não comprovar a culpa da vítima ou força maior. Evidentemente se a vítima é imprudente e ingressa em lugar privado da residência, no momento em que foi atacada pelos cães, afasta-se o dever de indenização do proprietário, mormente se este os guardava e vigiava de forma adequada (RT787229).


Pablo Stolze esclarece que guardião não se entende apenas o proprietário (guardião presuntivo), mas, até mesmo, o possuidor ou o mero detentor do bem, desde que, no momento do fato, detivesse o seu poder de comando ou direção intelectual.


Se eu contrato um amestrador de cães, confiando-lhe a guarda do meu buldogue, e este durante a sessão de treinamento, se solta da coleira e vem a causar dano a terceiro, obviamente que, pela reparação do dano, responderá apenas o expert, pois no momento do desenlace fatídico, detinha o poder de comando do animal, que estava sob sua autoridade. Pois raciocínio contrário, aliás, esbarraria no conceito de nexo de causalidade, uma vez que, no caso, o dano não poderia ser atribuído ao proprietário do cão, que o havia confiado a um peito. Foi o comportamento deste último que representou a causa direta e imediata do resultado lesivo.


A atribuição dessa responsabilidade não exige necessariamente perquirição de culpa. O guardião será responsabilizado mesmo que não tenha atuado com culpa ou dolo, mas pelo simples fato de haver exposto a vítima à situação de risco.


Sendo a coisa ou animal de propriedade da Administração Pública, a responsabilidade civil objetiva que esta detém pela conduta de seus agentes a obriga à reparação dos danos, independentemente do fato de o responsável direto pelo bem móvel ou semovente ter tido culpa no evento danoso.


No novo codex a responsabilidade não pode ser ilidida nesses termos, pois, partindo«se da teoria do risco, o guardião somente se eximirá se provar a quebra do nexo causal em decorrência da culpa exclusiva da vítima ou evento de força maior, não importando a investigação de sua culpa.


Sendo o animal furtado, e estando na posse do ladrão, vindo atacar a terceiro, quem será responsabilizado? Nosso mestre Caio Mário esclarece que ao dono do animal pode ser imputada culpa in vigilando. Se for por faltar ao dever de guarda que o furto ocorreu, a mesma reparação se justifica pela culpa in custodiendo se impõe ao dono do animal.


No entanto, se o furto ou roubo ocorreu não obstante todas as cautelas de custódia devida, o dono se exonera, equiparando-se o furto à excludente da força maior. O que é aplicável também, se forem cometidos outros delitos que impliquem na subtração do animal.


Em se tratando de animais selvagens que tenham sido aprisionados pelo homem, exime-se o proprietário das terras onde se encontrarem os animais selvagens ou silvestres, por não se delinear a hipótese de dono ou detenção.


Quando o detentor do animal é o empregado do dono, sem dificuldade, atribui-se ao patrão, amo ou comitente a responsabilidade pelos atos do empregado, serviçal ou preposto.


Mas se o animal se encontra na detenção de outrem, fora da relação de preposição, cabe determinar até onde vai a responsabilidade do dono, ou se esta se exime, ou se esta se desloca para aquele que o detém. Portanto, a responsabilidade jurídica decorre da posse direta. Onde ocorre a transferência não somente material da guarda, mas também em seu sentido jurídico, com a conseqüente atribuição do dever de vigilância, ou de comando efetivo, cabendo a quem o tenha a conseguinte assunção de responsabilidade.


Descabe também distinguir entre animais perigosos ou não perigosos. É uma causa exoneradora de responsabilidade o fato de o animal ter sido provocado por outro. Onde a solução mais adequada seria repartir as responsabilidades, atribuindo a um e outro dono o ressarcimento dos danos em partes iguais.


Com relação à imprudência do ofendido, com a provocação da vítima. Há de se determinar se tal provocação fora de fato a causa única do dano que sofreu, ou se a imprudência não seria de molde a causar a lesão, se se tratasse de um animal cuja periculosidade era grande.


Definitivamente insere-se o fato do animal na doutrina objetiva, baste que o ofendido prove que houve o dano, e que foi este causado por um animal, para que responda por ele o dono ou detentor.


Estatuía o art.1.528 do Código Civil de 1916 a responsabilidade do dono do edifício ou construção pelos danos que resultarem de sua reina, por falta de reparos cuja necessidade seja manifesta. Começa a delinear uma responsabilidade anônima, impessoal e objetiva, mas contraditoriamente, terminar por inserir no preceito uma dose de subjetividade e, conciliá-lo com a teoria da culpa.


Clóvis Beviláqua considerava que o fundamento do preceito era a violação do dever de reparar o edifício ou construção. Assim, desloca-se o conceito da responsabilidade subjetiva, uma vez que na violação do dever de reparar vem ínsita a idéia de contrariar um dever legal. Ao mesmo tempo se exclui da escusativa de responsabilidade a alegação do proprietário, de ignorar o mau estado da edificação. Isenta da obrigação de indenizar quem ocupa a propriedade sem a titularidade dominial seja locatário, comodatário ou outro qualquer detentor.


Curial é definir o que é edifício para a temática jurídica em particular para a responsabilidade civil: “é toda construção resultante de uma reunião de materiais tornada imóvel em razão de sua fixação durável no solo” (Marty e Raynaud).


Excluem-se, portanto, as construções provisórias, as imobilizadas por destinação e as que não são realizadas pela mão do homem.


A doutrina quando se refere à ruína significa o desmoronamento por desagregação natural, não resultante de intervenção voluntária, e não se subordina à destruição total.


Caio Mário alude que a origem dessa responsabilidade escora-se na cautio damni infecti do direito romano. Quando o pretor poderia impor caução ao proprietário diante de imóvel que ameaça ruína.


O mesmo doutrinador comenta que o legislador de 1916 nessa disposição vislumbra a hipótese de responsabilidade sem culpa.


De Page considera o defeito de manutenção ou vício de construção. Desde que um ou outro é demonstrado, não é mais necessário provar a culpa do proprietário, a qual se opera de maneira absoluta.


Também no direito pátrio labora-se uma presunção de culpa do proprietário. Posto que se presume a negligência do dono uma vez que a ruína ocorreu.


O art. 937 do Código Civil de 2002: “O dono do edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta”.


Ressalva-se, apenas, a ação regressiva contra o construtor.


Facilita-se a ação de reparação para a vítima, que só precisa provar o dano e a relação de causalidade.


Aguiar Dias defende que o referido dispositivo legal embora dê impressão de que a vítima tenha de provar também que a ruína do edifício ocorreu devido à falta de reparos, que a manifesta falta de reparos decorre do simples fato de ter havido a reina, desta forma, conclui-se que “tanto necessitava de reparos que caiu”.


Mais rara é a hipótese de cair um edifício que não necessitasse de reparos. Mas, nem por isso o proprietário deixa de ter o evidente dever de vigilância, prova de que esta ocorreu. E o Poder Público também poderá ser responsabilizado, no caso de não ter notificado e diligenciado a respeito da urgência dos reparos a fim de evitar a ruína do edifício ou construção.


A presunção de culpa do proprietário do edifício em ruína só cede diante prova de culpa da vítima ou de força maior, ou nova prova que ateste de que a ruína não decorreu da falta de reparo, cuja necessidade foi manifesta.


A responsabilidade do proprietário funda-se no dever de reparar o edifício, ou qualquer construção, como canalizações, pontes, comportas, esgotos, andaimes. Beviláqua argumentava sobre a diferença entre o direito pátrio e o direito francês. E sublinha que a responsabilidade do proprietário não é absoluta como é no direito francês. A necessidade de reparo deve ser manifesta. O que retira o caráter puramente objetivo que se faz presente no direito suíço e, em outras legislações.


Mas, a objetividade não desaparece inteiramente, posto que o proprietário poderá achar-se ausente, ignorar de fato a necessidade do reparo, apesar de ser evidente aos olhos dos vizinhos e transeuntes, e, no entanto responderá pelo dano resultante da ruína.


Havendo desabamento decorrente da falta de reparos ou de vício de construção, o proprietário. Este se quiser poderá promover ação regressiva após pagar a indenização, pode, se quiser, promover ação regressiva contra o culpado, quer seja o empreiteiro, quer seja o inquilino, e, etc.


Com relação a defeito de construção é importante saber que o arquiteto só responde por falhas quando executa a obra vide http://conjur.estadao.com.br/static/text/55582,1.


A propósito do tema, o prazo para proprietário recorrer à Justiça com pedido de indenização contra defeito de obra de construção civil é de 20 anos. O entendimento é do Superior Tribunal de Justiça, pacificado e transformado na Súmula 194:


“Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra”.(http://conjur.estadao.com.br/static/text/49128,1 ).


A solução adotada pelo novo codex não é a melhor pois ainda permite que o proprietário se exima da responsabilidade, provando que apesar da ocorrência de danos em razão de falta de reparos, provando que a necessidade de efetuá-los não era manifesta.


Vide jurisprudência acessível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/51484,1 com relação à indenização da Ceagesp em face das famílias vítimas de desabamento. Sobre o mesmo tema vide também http://conjur.estadao.com.br/stati, 1 onde o Ibama foi condenado por acidente causado por queda de árvore.


Deve-se assimilar ao conceito de edifício ou construção tudo aquilo que está incorporado a este em caráter permanente, como por exemplo, elevadores, escada rolante, etc… e, a lei se refere tanto aos imóveis pela natureza como aos que o são por destinação.


De fato a doutrina francesa revela-se mais avançada com base no art. 1.384, a tese objetiva sustentada por Colin e Capitant aponta que a responsabilidade do proprietário é absoluta.


Legitima o novo codex a convocar o técnico responsável, bem como aquele que haja assumido as conseqüências do dano, seja o construtor, o empreiteiro, o incorporador.


Lugar de destaque ocupava o art. 1.529 do C.C. de 1916, a reparação do dano conseqüente ao lançamento de coisas sejam líquidas ou sólidas de uma casa à rua é prevista mormente no art. 938 do C.C. de 2002. A responsabilidade nesse caso é puramente objetiva. Não se cogita de culpa.


No direito francês embora inexistente dispositivo legal expresso, aplica-se ao caso a presunção de responsabilidade do guardião da coisa. O art. 938 do C.C. de 2002 pode ser considerado como exemplo mais flagrante de responsabilidade do guarda da coisa inanimada, em nosso direito.


A vítima só tem de provar a relação de causalidade entre o dano e o evento. No caso de coisas ou líquidos arremessados por edifícios sem que se consiga apurar de qual apartamento foi que arremessou, afirma Aguiar Dias que a solução não pode ser outra senão a que já oferecia o edito: a responsabilidade solidária de todos os moradores.


Na mesma esteira de entendimento Pontes de Miranda, no direito pátrio a solidariedade é por parte de todos os que poderiam ser os responsáveis. Assim se o edifício tem duas alas de apartamentos, só uma das quais está em posição de ter coisas que caiam, ou seja, lançadas, os habitantes dos apartamentos aí situados é que são legitimados passivos. Dá-se o mesmo a respeito dos andares.


O Superior Tribunal de Justiça embora admitindo a hipótese de a totalidade dos condôminos arcar com a responsabilidade repartida por danos causados a terceiros quando ocorre a impossibilidade de se identificar o exato ponto de onde partiu a conduta lesiva, isentou, no caso em julgamento, os titulares de apartamentos que não contam com janelas ou sacadas para a via pública, onde a recorrida foi atingida, responsabilizando apenas os proprietários de unidades de onde poderia ter caído ou sido lançado o objeto que atingiu a vítima, aceitando o “princípio da exclusão” daqueles que certamente não poderiam ter concorrido para o fato. (RTSTJ 116/259).


Também já se decidiu que a responsabilidade a que se refere o art. 1.529 (novo art. 938 do CC) é objetiva, recaindo sobre o habitante da casa e não sobre o proprietário que a aluga e reside em outro local. (vide http://conjur.estadao.com.br/static/text/39536,1, http://conjur.estadao.com.br/static/text/46343,1).


Verificar no link http://conjur.estadao.com.br/static/text/43530,1 o caso julgado onde morador respondeu por objeto que caiu da janela (Processo 70013042601, da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul).



Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


Equipe Âmbito Jurídico

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