Contexto prático do art. 18 do CDC e da responsabilidade solidária dos comerciantes pelos vícios dos produtos

I – Introdução


No modelo sócio-econômico desenvolvido pelo mundo capitalista tem-se as relações comerciais em crescimento exponencial, fenômeno justificado pela facilidade de se abrir novas linhas de crédito para as diversas classes sociais, e também pelas novas formas de comércio como as vendas por telefone e pela internet.


Ao se comercializar qualquer tipo de produto, o fornecedor acaba contribuindo para o desenvolvimento de uma cadeia de produtos e serviços dependentes do primeiro. Exemplo clássico disto está na produção de celulares, ao se produzir um modelo, o fornecedor possui a obrigação de formar a sua rede de assistências técnicas autorizadas, já as empresas de telefonia também investem em publicidade, para vender seus produtos e serviços vinculados como toques, internet, GPS, fotos dentre outros.


O Código de Defesa e Proteção do Consumidor, lei 8078 de 11 de setembro de 1990, trata justamente deste tipo de relação na qual temos o pólo ativo ocupado pelo Consumidor (art. 2º) e no pólo passivo o Fornecedor (art.3º).


Tal código foi promulgado sobre o lastro do art. 5º, inciso XXXII; art. 170, inciso V, da Constituição de 1988. (VENOSA, 2005, p.218)


Um dos pilares onde está firmada a legislação consumeirista é a de que o consumidor e a parte mais fraca da relação, devendo esta diferença ser eqüalizada com o Princípio da Proteção do Consumidor, de um lado existe o Fornecedor, que possui o poder financeiro, a pecúnia, já do outro lado temos consumidor que e resguardado pela lei protecionista.


II – aplicação do artigo 18 do CDC


Quando um consumidor efetua uma compra, inconscientemente ele exige do fornecedor que o produto ou serviço esteja pronto para uso, e que este não possua nenhuma avaria ou algum vício que o diminua o valor ou que o impossibilite de utilizá-lo normalmente.


O CDC em seu art. 18 é bem claro neste sentido, in verbis:


Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.


§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:


I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;


II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;


III – o abatimento proporcional do preço.(…)


Pensando nisso o legislador definiu como padrão a responsabilidade civil objetiva nas relações consumeiristas, fundamentado na teoria do risco, que é uma das características da relação empresarial. Nestes casos é excluída a existência de culpa, mas nunca deverá ser excluído o nexo causal.


Faz-se necessária a conceituação de vício, que a doutrina entende como alguma característica apresentada pelo produto que venha diminuir seu valor ou torná-lo impróprio ou inadequado para o uso pelo qual foi adquirido. Diferente de defeito o qual requer a existência de um vício, e em decorrência deste surge um fato que afete o consumidor fisico, moral ou psicologicamente.


De tal modo podemos concluir que existe a possibilidade de um vício sem defeito, mas nunca a recíproca poderá ser verdadeira.


III – Da contagem prazo de 30 dias.


No parágrafo primeiro do supracitado artigo temos que se o vício não for solucionado no prazo de 30 dias, caberá ao consumidor as alternativas expostas nos seus incisos que o seguem.


Na prática a forma de se contar tal prazo acaba gerando certa celeuma, pois a cada vez que o produto vai à assistência, deve ser somada a quantidade de dias pelo qual este permaneceu por lá até que tenha sido consertado. Se a soma der mais de 30 dias e o vício for o mesmo, gera-se o direito do consumidor.


Não sendo assim admitida a postura dos fornecedores que consideram que a cada nova ordem de serviço nas assistências, o prazo inicia-se novamente.


     Neste mesmo sentido temos o doutrinador Rizzatto Nunes que expõe:


O fornecedor não pode beneficiar-se da recontagem do prazo de 30 dias toda vez que o produto retorna com o mesmo vício. Se isso fosse permitido o fornecedor poderia na prática, manipulando o serviço de conserto, sempre prolongar indefinidamente a resposta efetiva de saneamento. Bastaria fazer um conserto “cosmético”, superficial , que levasse o consumidor a acreditar na solução do problema, e aguardar sua volta, quando, então, mais 30 dias ter-se-iam para pensar e tentar solução. (…)


Quando muito – e essa é também nossa opinião – o prazo de 30 dias é o limite máximo que pode ser atingido pela soma dos períodos mais curtos utilizados. Explicamos: se o produto foi devolvido a primeira vez no décimo dia, depois retornou com o mesmo vício e se gastaram nessa segunda tentativa de conserto mais 15 dias , na terceira vez em que o produto voltar o fornecedor somente terá mais 5 dias para solucionar definitivamente o problema, pois anteriormente despendeu 25 dias, sem ter levado o produto à adequação esperada. (NUNES, 2005, p.184-185)


Filio-me ao entendimento de não ser necessário a reincidência do mesmo vício, podendo ser contado também as ordens de serviço de diferentes problemas apresentados pelos produtos.


Ora se um produto permanece por mais de 30 dias longe de seu proprietário por apresentar diversos vícios, este já não corresponde as expectativas depositadas pelo consumidor, que perdeu a sua confiança no bem e ainda se frustrou ao ter adquirido um produto novo que apresentou tantos problemas.


Vale ressaltar que este prazo também poderá ser excluído, toda vez que se tratar de um produto de natureza essencial, conforme dispõe o §3º do supracitado artigo.


Note-se que o legislador não definiu o que pode ser considerado produto essencial, já a doutrina entende que neste rol pode ser incluso todos os produtos comestíveis, e de uso pessoal básico.


O critério deve ser lido sob o impacto do princípio da proteção da confiança; assim, se o consumidor compra um sapato, mesmo que para utilizar em festas e o sapato apresenta um vício de inadequação, a loja não pode exigir, como ocorreu em Porto Alegre, “o prazo legal de 30 dias” para consertar o sapato ou “talvez depois substituí-lo por outro semelhante”.O produto é essencial, quanto à expectativa do consumidor de usá-lo de pronto; logo, deve o consumidor poder exigir de pronto a substituição do produto.(MARQUES, 1999, p.457)


IV – Da escolha pelo consumidor das alternativas do parágrafo único.


O texto da lei e bastante claro ao dispor que caberá ao CONSUMIDOR, e somente a ele a escolha alternativamente das possibilidades abertas pelos incisos do art. 18, § 1° não cabendo ao fornecedor opor a este.


No campo prático é comum se observar os fornecedores apresentarem dificuldades aos consumidores quando estes preferem ao ressarcimento ao invés a troca (que são as situações mais comuns). Tal dificuldade está na tentativa de fidelização do consumidor. Vejamos bem, se um consumidor fica 30 dias sem o produto que comprou, este na maioria das vezes terá certa resistência para permanecer com a mesmo fornecedor, ele buscará outra marca que não lhe trará tantos dissabores.


Trata-se assim de uma atitude que deve ser reprimida, pois na maioria das vezes tal prática toma um caráter coercitivo em relação ao consumidor, que na ânsia de ter seu problema solucionado, acaba atendendo as imposições feitas pelos reclamados.


 A doutrina e a jurisprudência também entendem da seguinte forma nestas situações:


Acórdão nº 257269 “As opções apresentadas serão exercidas, portanto, a critério do consumidor. Poderá ele escolher livremente qualquer delas. No caso, optou a autora pela restituição da quantia paga e indenização dos danos. Não é ela obrigada a receber veículo que a ré lhe disponibiliza.” (Des. Jair Soares, DJ 09/08/2006)


 “Não pode o fornecedor se opor à escolha pelo consumidor das alternativas postas. É fato que ele, o fornecedor, tem 30 dias. E, sendo longo ou não, dentro desse tempo, a única coisa que o consumidor pode fazer é sofrer e esperar. Porém, superado o prazo sem que o vício tenha sido sanado, o consumidor adquire, no dia seguinte, integralmente, as prerrogativas do § 1o ore em comento.


E, como diz a norma, cabe a escolha das alternativas ao consumidor. este pode optar por qualquer delas, sem Ter de apresentar qualquer justificativa ou fundamento. Basta a manifestação de vontade, apenas sua exteriorização objetiva. É um querer pelo simples querer manifestado’ (NUNES, 2005, p. 186)


V – Da responsabilidade solidária dos fornecedores


Outro aspecto que deve ser analisado e sobre a responsabilidade dos fornecedores. Primeiramente relembraremos o conceito de fornecedor, que está no caput do art. 3o do CDC.


Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.


E a jurisprudência reafirma:


“Entendo que para qualificar-se uma pessoa como fornecedor de acordo com o regime jurídico especial previsto pela Lei nº 8078/90, é necessário que essa pessoa física ou jurídica exerça a atividade econômica com profissionalidade, ou seja, continuamente.” (AGI656396, Acórdão nº 89902, Relator Hermenegildo Gonçalves, 2ª Turma Cível, julgado em 21/10/1996, DJ 27/11/1996 p. 21.905)


Como já visto anteriormente, nos casos de vícios dos produtos, aplica-se o disposto no caput do artigo 18, o qual define ser a responsabilidade solidária dos fornecedores.


O Código Civil expressa em seu art. 264 que existe solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.


Washington dos Santos conceitua solidariedade da seguinte forma:


Solidariedade – S.f. Existência simultânea e interdependente de direitos, obrigações ou responsabilidades iguais para vários indivíduos numa mesma atuação ou fato; relação jurídica, estabelecida entre um ou mais credores ou mais de um devedor de um mesmo compromisso quanto à dívida toda, que é considerada una e que não pode ser dividida, sendo que cada credor ou devedor tem o direito de receber ou de pagar totalmente a prestação. Nota: A solidariedade não é imaginária, ela é o resultado de uma legislação específica ou do arbítrio das partes, dividindo-se em: ativa ou entre credores – segundo Clóvis Beviláqua, “consiste na modalidade da obrigação, que autoriza cada um dos credores a exigir o cumprimento da prestação por inteiro, ainda que o objeto desta seja divisível. Os co-credores são os co-réus stipulandi ou credendi”; passiva ou entre devedores – é quando há diversos devedores conjuntos e coexistentes de uma mesma obrigação, sendo que o credor tem a prerrogativa de receber de um ou alguns devedores, responsáveis pelo pagamento integral ou parcial da prestação. Entretanto, se o pagamento for parcial, os devedores continuam responsáveis solidariamente pelo restante. (SANTOS, 2001, p.232) (grifo nosso)


A doutrina tece os seguintes comentários:


O termo fornecedor é o gênero daqueles que desenvolvem atividades no mercado de consumo. Assim, toda vez que o CDC refere-se a “fornecedor ” está envolvendo todos os participantes que desenvolvem atividades, sem nenhuma distinção. E esses fornecedores, diz a norma, respondem “solidariamente”. (Aliás, lembre-se: essa é a regra da responsabilidade no CDC, conforme já demonstrado.)


Dessa maneira, a norma do caput do art. 18 coloca todos os partícipes do ciclo de produção como responsáveis diretos pelo vício, de forma que o consumidor poderá escolher e acionar diretamente qualquer dos envolvidos, exigindo seus direitos (NUNES, 2005, p.170) (Grifo nossos)


Zelmo Denari comentando o artigo em questão faz as seguintes observações:


1] SUJEIÇÃO PASSIVA — Preambularmente, importa esclarecer que no pólo passivo desta relação de responsabilidade se encontram todas as espécies de fornecedores, coobrigados e solidariamente responsáveis pelo ressarcimento dos vícios de qualidade ou quantidade eventualmente apura- dos no fornecimento de produtos ou serviços.


Assim, o consumidor poderá, à sua escolha, exercitar sua pretensão contra todos os fornecedores ou contra alguns, se não quiser dirigi-la apenas contra um.


Prevalecem, in casu, as regras da solidariedade passiva, e por isso, a escolha não induz concentração do débito: se o escolhido não ressarcir integralmente os danos, o consumidor poderá voltar-se contra os demais, conjunta ou isoladamente. Por um critério de comodidade e conveniência o consumidor, certamente, dirigirá sua pretensão contra o fornecedor imediato, quer se trate de industrial, produtor, comerciante ou simples prestador de serviços.


Se ao comerciante, em primeira intenção, couber a reparação dos vícios de qualidade ou quantidade — nos termos previstos no § 1 ~ do art. 18 —,poderá exercitar ação regressiva contra o fabricante, produtor ou importador, no âmbito da relação interna que se instaura após o pagamento, com vistas à recomposição do status quo ante (GRINOVER, 1998, p.168). (grifo nosso)


O civilista Sílvio de Salvo Venosa em sua doutrina referente a responsabilidade civil, também entende da seguinte forma:


Nessas situações de responsabilidade por vício do produto e do serviço a responsabilidade é mais ampla. Além de ser solidária entre todos os fornecedores, também abrange o comerciante, podendo o consumidor escolher contra quem dirigir sua proteção.(VENOSA, 2005, p. 237)


Os comerciantes utilizam-se reiteradamente de uma interpretação extensiva totalmente equivocada, onde alegam em sua defesa que o art. 13 do CDC os concede o direito de exclusão do pólo passivo da lide todas as vezes que houver a possibilidade de identificação dos fabricantes ou importadores.Diante disto os mesmos se mantém inerte, esperando a resolução pelo fabricante, dificultando assim o trabalho da Justiça e de órgão de proteção e defesa do consumidor.


Tal artigo está fazendo referência a Responsabilidade Subsidiária Objetiva que consta no art. 12, que trata da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço, Seção II do Capítulo IV, e não da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço, que é a Seção III do mesmo Capítulo.


Cláudia Lima Marques explica que devem se responsabilizar todos aqueles que ajudaram a colocar o produto no mercado, iniciando-se do fabricante, passando pelo distribuidor e finalizando pelo comerciante (qual contratou com o consumidor). Sendo que cabe a cada um deles a responsabilidade pela garantia do produto. (MARQUES, 1999. p. 450)


Esta solidariedade passiva também e disciplinada pelo código civil, nos seguintes termos:


Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de al­guns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o paga­mento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obriga­dos solidariamente pelo resto.


Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores.


A jurisprudência pátria também entende que a lei possibilita a responsabilização do comerciante para sanar o vício do produto e do serviço:


Jurisprudência:


CIVIL – CDC – COMPUTADOR – DEFEITO NA PLACA MÃE – VÍCIO DO PRODUTO – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE O FABRICANTE E O FORNECEDOR DO PRODUTO. 1. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo. Preliminar de ilegitimidade passiva que se rejeita em razão da solidariedade entre o fabricante do produto e a empresa que o revende. 2. Demonstrado nos autos o vício de qualidade do produto, cabe ao consumidor a escolha entre a troca ou a restituição do valor pago. 3. Não sanado o vício no prazo de trinta dias, a empresa que vende computador que apresenta defeito na placa mãe, deve restituir o valor recebido. 4. Multas aplicadas pelo Procon/DF não afastam o dever de restituição que recai sobre o fornecedor, uma vez que possuem fundamento fático e legal distintos. Recurso improvido. .(20050110940580ACJ, Relator ESDRAS NEVES, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 06/06/2006, DJ 03/07/2006 p. 129)


Nesta decisão o relator Esdras Neves proferiu as seguintes observações em seu voto:


O consumidor poderá, à sua escolha, exercitar sua pretensão contra todos os responsáveis pelo evento danoso ou contra qualquer um deles. No entanto, fica assegurado ao fornecedor eventual direito de regresso em relação ao fabricante, a fim de assegurar a restituição ao status quo ante.


No tocante ao fato de ter sido aplicada à recorrente multa, insta consignar que esta decorre de infração administrativa apurada por autarquia distrital. Em nada se confunde com a questão posta em debate nestes autos, no qual um particular pretende ser ressarcido de quantia que pagou por produto que apresentou vício no prazo de garantia.


Impende frisar, ainda, que o fabricante do produto com defeito somente propôs a substituição da peça defeituosa e a extensão da garantia, após o registro de reclamação junto ao Procon/DF. À consumidora e ora recorrida, recorde-se, cabe o direito de escolha entre a troca do produto ou a restituição da quantia paga. A recorrida optou pela restituição de quantia, fazendo uso do seu direito legal de escolha.


O Turma Julgadora do Estado de Goiás também firma este posicionamento


“CONSUMIDOR. VICIO DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO COMERCIANTE. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA. I – art. 13 do cdc se refere exclusivamente a responsabilidade do fato do produto ou servico, nao se aplicando ao caso em comento, mas sim o art. 18 c/c art. 2 do cdc, relativo ao vicio do produto ou serviço, impondo-se a responsabilidade solidária dos fornecedores de produtos pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo, sendo certo que fornecedor e tanto o fabricante quando o distribuidor ou comerciante do produto, por isso este e parte legitima para figurar no polo passivo da ação que visa a restituição da quantia paga. 2 – havendo a maquina lavadora retornado da assistência técnica por quatro vezes sem solução, manchando as roupas com bolinhas pretas, pode o consumidor pleitear a rescisão do contrato e exigir a restituição imediata da quantia paga, independentemente do prazo de garantia, dada a inadequação do produto ao consumo- inteligência do art. 18 parag. 1, II do CDC. recurso conhecido e improvido.” escrivania do 1. juizado especial cível, 200302267985, recorrente: Novo Mundo Móveis e Utilidade recorrido: Luciano dos Santos Brito (grifo nosso)


E os ministros do STJ reafirmaram este posicionamento:


CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COMPRA DE VEÍCULO NOVO COM DEFEITO. INCIDÊNCIA DO ART. 18 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO FORNECEDOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRECEDENTES DA CORTE. 1. Comprado veículo novo com defeito, aplica-se o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor e não os artigos 12 e 13 do mesmo Código, na linha de precedentes da Corte. Em tal cenário, não há falar em ilegitimidade passiva do fornecedor. 2. Afastada a ilegitimidade passiva e considerando que as instâncias ordinárias reconheceram a existência dos danos, é possível passar ao julgamento do mérito, estando a causa madura. 3. A indenização por danos materiais nos casos do art. 18 do Código de efesa do Consumidor esgota-se nas modalidades do respectivo § 1º. 4. Se a descrição dos fatos para justificar o pedido de danos morais está no âmbito de dissabores, sem abalo à honra e ausente situação que produza no consumidor humilhação ou sofrimento na esfera de sua dignidade, o dano moral não é pertinente. 5. Recurso especial conhecido e provido, em parte.


Em seu voto o relator o sr. ministro Carlos Alberto Menezes fez as seguintes considerações:


(…) Com razão a recorrente no que concerne à incidência do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor e não dos artigos 12 e 13 do mesmo Código. De fato, em outras ocasiões, diante de situações semelhantes, compra de veículo novo apresentando defeitos como vazamento de óleo, de motor, câmbio, capota, esta Corte decidiu na forma postulada no especial (REsp nº 185.836/SP, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 22/3/99; REsp nº 195.659/SP, de minha relatoria, DJ de 12/6/2000; AgRgAg nº 350.590/RJ, de minha relatoria, DJ de 25/6/01; REsp nº 445.804/RJ, Relator o Ministro Ari Pargendler, DJ de 19/5/03). Se incide o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, não é possível afastar a solidariedade entre os fabricantes e os fornecedores, “sem as restrições opostas pelo art. 13” (REsp nº 142.042/RS, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 19/12/97). Na mesma linha, a Quarta Turma, em outro precedente, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, decidiu que, em princípio, “considerando o sistema de mercialização de automóvel, através de concessionárias autorizada, são solidariamente responsáveis o fabricante e o comerciante que aliena o veículo” , com o que “a demanda pode ser direcionada contra qualquer dos co-obrigados.” (REsp nº 402.356/MA, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 23/6/03; no mesmo sentido: REsp nº 286.202/RJ, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 19/11/01). (…)


Cabe somente ao consumidor a escolha sobre quem deverá requerer a efetivação do seu direito, assim como entende Cláudia Lima Marques, in verbis:


No sistema do CDC, a escolha de tal dos fornecedores solidários será sujeito passivo da reclamação do consumidor cabe a este último. Normalmente, o consumidor preferirá reclamar do comerciante mais próximo a ele, mais conhecido, parceiro contratual identificado, mas o fabricante, muitas vezes o único que possui conhecimentos técnicos para suprir afalha no produto, será eventualmente demandado a sanar o vicio. (…) Na cadeia de produção todos são responsáveis da mesma maneira, podendo haver ação de regresso do comerciante. (MARQUES, 1999, p. 457)


Assim, como exposto por Cláudia Lima, tendo o comerciante assumido o encargo das hipóteses do art.18, §1º do CDC, cabe a este o direito de pleitear contra os seus co-obrigados ação regressiva para que possa assim ratear os dividendos.


 A professora Maria Helena Diniz esclarece que é mediante esta ação regressiva que se consegue restabelecer a condição de igualdade entre os co-devedores, pois “aquele que que paga o débito recobra dos demais as suas respectivas partes (RF, 148:108; Ad, 100:134; RT, 81:146)”


Tal possibilidade também é prevista no Código Civil em seu artigo 283, in verbis:


Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igual­mente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores.


Conclusão


Por fim chega-se a conclusão de que é totalmente inadmissível a prática efetuada pelos comerciantes, que dolosamente se eximem projetando a responsabilidade de sanar os vícios dos produtos para os fabricantes.


Tal prática foi sabiamente reprimida pelo legislador consumeirista, mas no cotidiano este artigo e constantemente desrespeitado pelos fornecedores e passado desapercebido pela Justiça e órgãos de defesa e proteção do direito do consumidor.


Espero ter contribuído com esta análise para a reflexão, possibilitando assim a abertura de novos horizontes dentro da interpretação do CDC em favor do consumidor.




Bibliografia

GRINOVER, Ada Pellegrini – Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. – Rio dc Janeiro: Forense Universitária, 1998.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, ed. RT, São Paulo, 1999

NUNES, Rizzatto. Curso de direito do Consumidor, ed. Saraiva . 2005

SANTOS, Washington dos – Dicionário Jurídico brasileiro – Belo Horizonte: Ed. Del Rey.2001.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Da responsabilidade Civil, Ed. Atlas. 2005.

Informações Sobre o Autor

Nayron Divino Toledo Malheiros

Acadêmico do 10° Período de Direito da Universidade Católica de Goiás. Assessor Jurídico no Procon Goiânia.


Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

Diferença entre Contrato Social e Acordo de Sócios

O contrato social e o acordo de sócios são instrumentos fundamentais para o funcionamento de…

9 horas ago

Acordo de Sócios

O acordo de sócios é um documento essencial para qualquer empresa que conte com mais…

9 horas ago

Cliff Period no Contrato de Vesting

No contexto empresarial, especialmente entre startups e empresas de tecnologia, o contrato de vesting é…

9 horas ago

Contrato de Vesting: Modelo

O contrato de vesting tem se tornado um mecanismo popular entre empresas, especialmente startups, para…

9 horas ago

Vesting x Stock Options: Entenda as Diferenças e Vantagens de Cada Modelo

No contexto corporativo, especialmente em startups e empresas de tecnologia, estratégias de incentivo como vesting…

9 horas ago

Cláusula de Recompra em Contrato de Vesting: Como Funciona e Suas Implicações

A cláusula de recompra em um contrato de vesting é um elemento essencial que estabelece…

10 horas ago