Pegando carona na proposta de regulamentação da Emenda Constitucional n. 29, o Poder Executivo Central – em que pese as peremptórias negativas do gabinete presidencial – com a total conivência dos nobres deputados da base aliada e da incompetência da oposição conseguiu aprovar na Câmara Federal a recriação da CPMF agora sob nova embalagem denominada Contribuição Social para a Saúde – CSS à alíquota 0,10% sobre todas as operações de movimentações financeiras.
Mantida a aprovação no Senado Federal, estaremos novamente sobre um imposto perverso que incide sobre a simples movimentação financeira, de forma cumulativa pois tributa sobre pagamentos já tributados de forma direta e indireta (ex: conta de telefone, energia elétrica, imposto de renda, água, etc…), sem contar o repasse para os preços dos produtos.
Mesmo com o juramento de mãos juntas do Sr. Presidente que tal iniciativa não partiu do Palácio do Planalto e que tampouco teve qualquer movimento de apoio de seu governo, nem o mais ingênuo dos brasileiros consegue se convencer de tal juramento.
A Emenda Constitucional n. 29 com a função de estabelecer as diretrizes e condições de financiamento da área da saúde, coincidentemente entrou na pauta da Câmara Federal com a extinção da CPMF em dezembro de 2007, onde os nobres deputados da base aliada, devidamente orientados e com suas exigências pessoais atendidas, inseriu um artigo criando a Contribuição Social para a Saúde – CSS com alíquota de 0,10%, isentando da tributação quem ganha até R$ 3.038,99, proporcionando uma arrecadação anual na ordem de 10 a 11 bilhões de reais, sob o argumento da necessidade de financiamento das despesas criadas pela própria emenda.
A iniciativa, além de descabida juridicamente, cujos argumentos tratamos adiante, representa um tamanho desrespeito a toda sociedade que recusou de forma contundente a permanência da famigerada CPMF em dezembro de 2007, criada de forma provisória para cobertura exclusiva para despesas com a área da saúde, cujos resultados da arrecadação e sua a desvirtuação dispensam comentários.
Nunca é demais lembrar que a maioria dos defensores da recriação da famigerada CPMF foi contra a sua criação na origem, promovendo vários protestos no país inteiro, inclusive expulsando de suas fileiras parlamentares que apoiaram o nascimento da contribuição provisória. Mas isso é passado, esqueçamos o que foi dito e defendido, pois o poder muda as pessoas, citando o filósofo ROUSSEAU, “Como seria doce viver entre nós, se a contenção exterior sempre representasse a imagem dos estados de coração, se a decência fosse a virtude, se nossas máximas nos servissem de regra, se a verdadeira filosofia fosse inseparável do título de filosofo! Mas tantas qualidades dificilmente andam juntas e a virtude nem sempre se apresenta com grande pompa.” “Rousseau – “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens- Editora Nova Cultural Ltda, 1997, pg.191”
Enfim é a nossa realidade, e ainda somos obrigados a ouvir que a extinção da CPMF deixou um rombo na arrecadação federal impossibilitando a manutenção de recursos para a saúde. Ora, o Poder Central, sem a CPMF, bateu recorde de arrecadação de 161,74 bilhões de impostos e contribuições no primeiro trimestre, representando um crescimento real de 12,97%, descontada a inflação pelo IPCA , comparado com o mesmo período de 2007 que contava a plena vigência da CPMF. Neste ritmo, projeta-se uma arrecadação superior na ordem de 50 bilhões ao final de 2008 do que o previsto na aprovação do orçamento.
Fica a pergunta, aos senhores nobres deputados. Onde serão destinados todos esses recursos?
Outra falácia, com o único interesse de dourar a pílula para parte considerável da sociedade é a isenção concedida a quem ganha até R$ 3.038,99, valor relativo ao teto dos previdenciários. Ora, todos sabemos que além da cumulatividade a cobrança da CSS será repassada para os preços dos produtos, e portanto, a classe mais desfavorecida também arcará com a tributação, portanto, a isenção concedida não passa de mera ficção. Sem contar que o Governo e as instituições financeiras não têm qualquer mecanismo de identificação dos correntistas com renda até o teto de R$3.038,99 para aplicar a isenção.
Aos nobres deputados, vale trazer o ensinamento de Montesquieu, que em sua obra já defendia a necessidade de regulamentação do poder de tributar do Estado de forma a permitir um equilíbrio na cobrança de tributos. “Montesquieu – “Do Espírito das Leis – Volume I – Editora Nova Cultural Ltda, 1997, Capítulo I – Das Rendas Do Estado, pg. 259”
“As rendas do Estado são parcelas que cada cidadão dá de seu bem para ter a segurança da outra ou para fruí-la agradavelmente”. Para fixar corretamente essas rendas, cumpre considerar as necessidades do Estado e as necessidades dos cidadãos. Não se deve tirar das necessidades reais do povo para suprir as necessidades imaginárias do Estado.
Necessidades imaginárias são as exigidas pelas paixões e fraquezas dos que governam a atração de um projeto extraordinário, o desejo doentio de uma glória inútil e certa impotência do espírito contra os caprichos. Amiúde, os que, com um espírito inquieto, estavam na direção dos negócios sob o governo do príncipe, julgaram que as necessidades do Estado eram as necessidades de suas almas insignificantes.
A sabedoria e a prudência devem regulamentar tão bem como a porção que se refira a porção que se deixa aos súditos.
“Não é pelo que o povo pode dar que se devem medir as rendas públicas, mas sim pelo que ele deve dar; e, se as medimos pelo que ele pode dar, é mister que isto seja, pelos menos, segundo o que o povo pode sempre dar”.
Nova pergunta aos nobres deputados. Como fica o projeto de reforma tributária em tramitação no Congresso, cujo um dos pilares é a extinção da cumulatividade dos impostos?
A sociedade resta pressionar o Senado Federal para que a represente de forma digna, sepultando de forma definitiva a CPMF , sob nova embalagem denominada Contribuição Social para a Saúde – CSS. Caso contrário o Supremo Tribunal Federal será chamado à luz da Constituição Federal para se pronunciar sobre a manifesta inconstitucionalidade da criação de uma contribuição social e a alteração da base de cálculo do piso da saúde por lei complementar.
advogado com especialização em Direito Público e Tributário; Administrador de Empresas, com Pós-Graduação em Controladoria; Livre Docente pela Universidade Mackenzie e atual Procurador da Fundação Faculdade de Medicina de São Paulo.
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