Controle jurisdicional de convencionalidade: crítica à posição do Supremo Tribunal Federal

Resumo: Este artigo tem como tema central o controle jurisdicional de convencionalidade das normas, cuja abordagem é feita através do correto estudo da hierarquia que os tratados internacionais de direitos humanos e os tratados comuns ocupam no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, são expostos nesta obra os principais conceitos sobre os tratados internacionais, especialmente no que diz respeito a sua integralização ao direito interno do país e a responsabilidade internacional acarretada pelo descumprimento destes documentos normativos internacionais. Adiante, realizamos uma exposição sobre o equivocado entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a hierarquia que os tratados internacionais possuem no ordenamento jurídico brasileiro, e sobre as incongruências decorrentes daquele entendimento. Ato contínuo, apresentamos a teoria do controle jurisdicional de convencionalidade das normas, onde oferecemos uma acertada interpretação aos §§ 2.º e 3.º do art. 5.º da Constituição Federal de 1988, de modo que adotamos a tese da hierarquia dos tratados defendida pelo doutrinador Valerio de Oliveira Mazzuoli. Concluímos, neste artigo, que o controle de convencionalidade, apesar de pouco discutido e conhecido em nosso país, é plenamente aplicável ao sistema jurídico brasileiro, como forma de resguardar o Estado da responsabilização internacional pelo descumprimento das normas plasmadas nos tratados internacionais de direitos humanos por ele ratificados.[1]

Palavras-chave: Tratados internacionais. Hierarquia constitucional. Controle de convencionalidade.  

Resumen: Este artículo tiene como temática central el control judicial de la convencionalidad de las normas, cuyo tratamiento está hecho a través del estudio correcto de la jerarquía que los tratados internacionales de derechos humanos y los tratados comunes ocupan en el ordenamiento jurídico brasileño. Así, son expuestos en esta obra los principales conceptos sobre los tratados internacionales, principalmente en lo que respecta con su internalización al derecho interno del país y la responsabilidad internacional causada por el no cumplimiento de estos documentos normativos internacionales. En las siguientes líneas, realizaremos una exposición sobre el entendimiento equivocado del Supremo Tribunal Federal sobre la jerarquía que los tratados internacionales poseen en el ordenamiento jurídico brasileño, y sobre las incongruencias que surgen de aquél entendimiento. Posteriormente, presentaremos la teoría del control judicial de la convencionalidad de las normas, donde ofreceremos una correcta interpretación a los §§ 2. º y 3. º del artículo 5. º de la Constitución Federal de 1988, por lo que adoptaremos la tesis de la jerarquía de los tratados defendida por el doctrinador Valerio de Oliveira Mazzuoli. Concluimos, en este artículo, que el control de convencionalidad, aunque sea poco discutido y conocido en nuestro país, es plenamente aplicable al sistema jurídico brasileño, como una forma de proteger el Estado de la responsabilidad internacional por el no cumplimiento de las normas plasmadas en los tratados internacionales de derechos humanos por él mismo ratificados. 

Palabras clave: Tratados internacionales. Jerarquía constitucional. Control de convencionalidad.

Sumário: Introdução. 1. Histórico dos controles de constitucionalidade e de convencionalidade das normas. 1.1 Histórico do controle de constitucionalidade. 1.2 Histórico do controle de convencionalidade. 2 Dos tratados internacionais. 2.1 Aspectos conceituais. 2.2 Da incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento jurídico interno do Estado. 2.3 Da hierarquia dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. 2.4 Da responsabilidade internacional do Estado pelo descumprimento dos tratados internacionais. 3 Do controle da convencionalidade das normas. 3.1 Do paradigma do controle de convencionalidade. 3.2 Da correta hierarquia dos tratados internacionais no direito interno. 3.3 Do controle jurisdicional de convencionalidade aplicado ao Direito brasileiro. 3.3.1 Da incompatibilidade das normas anteriores ao tratado de direitos humanos paradigma. 3.3.2 Do controle difuso de convencionalidade. 3.3.3 Do controle concentrado de convencionalidade. Considerações finais.  

Introdução

O período do pós-guerra foi marcado por profundas mudanças no pensamento jurídico dominante da época. A principal dessas mudanças foi o desprestígio do normativismo kelseniano e a introdução, na ciência jurídica, de valores éticos indispensáveis para a proteção da dignidade humana, de modo que iniciou-se, a partir de então, um movimento expansionista dos direitos humanos.

No Direito Internacional, por influência daquele movimento expansionista, foram celebrados diversos tratados internacionais, com a finalidade de proteger e garantir aqueles direitos humanos fundamentais no âmbito interno dos Estados (principais Sujeitos de Direito Internacional). Tais tratados, de acordo com a Convenção de Viena de 1969 (em pleno vigor no Brasil), possuem força obrigatória, isto é, não constituem meras recomendações políticas. Entretanto, não raras as vezes, estes documentos internacionais são ostensivamente desconsiderados pelos Estados, os quais, inclusive, produzem leis totalmente incompatíveis com aqueles instrumentos normativos supranacionais, fato este capaz de gerar a responsabilidade daqueles Sujeitos de Direito Internacional.

O controle jurisdicional interno da convencionalidade das normas representa mais um instrumento disposto aos Estados para que os mesmos cumpram as normas por eles voluntariamente estabelecidas nos tratados internacionais. Isto é assim porque, através do referido controle, o Estado será capaz de analisar a compatibilidade entre suas normas internas e os tratados internacionais por ele ratificados e internalizados. Ao verificar a incompatibilidade, a norma interna deverá ser declarada inválida, sendo, portanto expurgada do ordenamento jurídico interno, concretizando, assim, o princípio da primazia do Direito Internacional, previsto expressamente no art. 27 da Convenção de Viena de 1969.

É importante ressaltar que, para que seja possível a introdução de um controle de convencionalidade, os tratados internacionais devem possuir hierarquia de norma constitucional dentro do Estado. Desse modo, deverão as normas internas guardar compatibilidade material e formal com a Constituição do Estado (controle de constitucionalidade) e com os tratados internacionais por ele ratificados (controle de convencionalidade).

No Brasil, apesar de todas as exigências internacionais sobre o tema, conforme será visto adiante, o controle de convencionalidade das normas ainda se mostra tímido e pouco desenvolvido pela doutrina e pela jurisprudência. Inclusive, vale salientar, não existe sequer um posicionamento jurisprudencial e doutrinário pacífico no que se refere ao status que os tratados internacionais ocupam no ordenamento jurídico brasileiro. O Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n.º 466.343-1/SP, infelizmente não ofereceu uma solução satisfatória à problemática existente.

Diante de todo o exposto, poderíamos nos indagar se é possível, no Brasil, a inserção de um sistema de controle jurisdicional difuso e concentrado da convencionalidade das normas internas. Desse modo, nesta monografia, buscaremos oferecer uma solução ao referido questionamento, através da análise dos principais conceitos sobre os tratados internacionais, o processo de internalização e a hierarquia destes tratados no ordenamento jurídico brasileiro e, principalmente, sobre a teoria do controle de convencionalidade das normas, cujo principal defensor, no Brasil, é o doutrinador Valerio de Oliveira Mazzuoli.

Este trabalho mostra-se de extrema importância jurídica, pois contribuirá para o esclarecimento daquela questão, que ainda gera bastante divergência entre os estudiosos que se propuseram a estudá-la. Além disso, é também de extrema relevância social, porque, com a solução do problema proposto, ofereceremos mais um instrumento de concretização dos direitos humanos no sistema jurídico brasileiro, através do controle de convencionalidade das normas. Ademais, com a adoção da teoria por nós exposta, o Brasil se igualará ao nível de vários outros países latino-americanos, os quais já estão em um estágio bastante avançado no que se refere a realização daquele novo controle de normas. Por fim, este trabalho também é de indubitável interesse científico, pois só vem a acrescentar outros que já se dedicaram ao tema proposto, contribuindo, assim, para a construção do conhecimento científico, o qual nunca se conforma com o statu quo, necessitando sempre de mais reflexões e aprimoramentos.

Finalmente, a pesquisa que foi realizada neste trabalho classifica-se como bibliográfica, pois teve como subsídios para a coleta de dados livros, legislações, jurisprudências e outros trabalhos referentes ao tema proposto.

1 Histórico dos controles de constitucionalidade e de convencionalidade das normas

1.1 Histórico do controle de constitucionalidade

É imprescindível, para o estudo histórico do controle de constitucionalidade, fazermos uma breve exposição sobre o movimento conhecido como Neoconstitucionalismo, o qual foi determinante para a criação de sistemas de controle de constitucionalidade das normas e dos atos normativos. É importante evidenciar que trataremos de tal movimento sob o ponto de vista ocidental, visto que o mesmo, assim como o constitucionalismo, não se fez presente, com a mesma força e intensidade, em todos os Estados, de modo que nem todos “percorreram os mesmos caminhos ou se encontram no mesmo estágio institucional. Aliás, bem ao contrário, em muitas partes do mundo – talvez na maior parte – o ideal constitucional e a luta pela liberdade ainda são uma aventura em curso” (BARROSO, 2009, p. 6).

O Neoconstitucionalismo nada mais é que uma reação aos horrores e atrocidades praticados na Segunda Guerra Mundial, onde inúmeros direitos humanos, muitos deles previstos em textos constitucionais, foram explicitamente violados. As constituições da Alemanha (1949), da Itália (1947), de Portugal (1976), da Espanha (1978) e a do Brasil (1988), todas sofreram fortes influencias do movimento neoconstitucionalista.

Até o fim da Segunda Guerra Mundial, as constituições até então existentes não possuíam força normativa e os direitos fundamentais nelas previstos não passavam de meras recomendações que não vinculavam o legislador, muito menos os governantes. Na prática, a principal fonte do direito, na época, eram os atos legislativos, de modo que a Constituição ocupava apenas um papel figurativo no ordenamento jurídico dos Estados. Assim: “prevalecia no velho continente uma cultura jurídica essencialmente legicêntrica, que tratava a lei editada pelo parlamento como a fonte principal – quase como a fonte exclusiva – do Direito, e não atribuía força normativa às constituições. Estas eram vistas basicamente como programas políticos que deveriam inspirar a atuação do legislador, mas que não podiam ser invocados perante o Judiciário, na defesa de direitos. Os direitos fundamentais valiam apenas na medida em que fossem protegidos pelas leis, e não envolviam, em geral, garantias contra o arbítrio ou descaso das maiorias políticas instaladas nos parlamentos. Aliás, durante a maior parte do tempo, as maiorias parlamentares nem mesmo representavam todo o povo, já que o sufrágio universal só foi conquistado no curso do século XX” (SARMENTO, 2012, p. 5).

Logo, o referido movimento teve como finalidade principal atribuir força normativa às constituições, concretizando, consequentemente, os direitos e garantias fundamentais nelas previstos. Enquanto que o “caráter ideológico do constitucionalismo moderno era apenas o de liminar o poder, o caráter ideológico do neoconstitucionalismo é o de concretizar os direitos fundamentais” (LENZA, 2009, p. 09 e 10).

Com o neoconstitucionalismo, a Constituição passou a ocupar o centro do ordenamento jurídico, devendo ser observada e respeitada por todos os poderes constituídos, visto que passou a vigorar o princípio da supremacia da constituição. Atualmente, “entende-se que a Constituição é autêntica norma jurídica, que limita o exercício do Poder Legislativo e pode justificar a invalidação de leis” (SARMENTO, 2012, p. 5). Destarte, todos os poderes constituídos, e todos os atos e normas deles provenientes, devem observar e respeitar os ditames estabelecidos explícita e implicitamente na Carta Magna, pois esta constitui seu fundamento de validade e de legitimidade. A Constituição não mais significa mero conjunto de recomendações, mas, a partir do neoconstitucionalismo, passa a ter verdadeira força normativa e irradiante dentro do ordenamento jurídico interno do Estado.

Sem embargo do acima aduzido, de nada adiantaria erigir a Constituição ao centro do ordenamento jurídico e atribuir-lhe força normativa, se não existisse um sistema que verificasse a adequação das normas e dos atos normativos aos preceitos estabelecidos na Carta Magna. Assim, nos Estados Unidos da América e na Áustria, foram criados dois modelos de controle de constitucionalidade, um difuso e um concentrado, respectivamente, os quais serviram de inspiração para o modelo adotado pelo Brasil (modelo misto). É o que estudaremos em seguida.

O controle difuso de constitucionalidade, ou o sistema americano de controle de constitucionalidade, é aquele que é efetuado por todos os juízes e tribunais em determinado caso concreto. Tal sistema tem origem histórica no emblemático caso Marbury v. Madison, o qual foi julgado em 1803 pela Suprema Corte norte-americana.

No referido caso, William Marbury acionou o Secretário de Estado americano James Madison, através do writ of mandamus, para que este último efetuasse a sua nomeação no cargo de juiz de paz do Condado de Washington. No julgamento da contenda, o juiz John Marshall, presidente da Suprema Corte dos EUA na época, enfrentou um conflito entre o art. 13 da Lei Judiciária de 1789 (que atribuía à Suprema Corte competência originária para o julgamento do mandamus) e a Constituição Americana (a qual não estabelecia aquela competência da Corte).

Destarte, naquele julgamento histórico, ficou decidido que o referido dispositivo legal era inconstitucional, cabendo à Corte a função de resguardar a Constituição, controlando e interpretando os atos legislativos de modo a verificar sua compatibilidade com a Lei Maior. “O modelo norte-americano foi aprimorado por outras decisões da Corte, mas a doutrina acabou ganhando espaço em outros Estados, que entenderam a importância de uma corte exercer a função de guardião do documento que organizava o Estado e trazia uma ‘declaração de direitos’” (TREVISAN; AMARAL, 2009, p. 8).

Sendo assim, o caso Marbury v. Madison concebeu o conhecido controle difuso de constitucionalidade, no qual, qualquer juiz ou Tribunal pode deixar de aplicar uma lei que entenda ser inconstitucional, quando estiver diante de um caso concreto.

O controle concentrado é aquele que outorga a função de controle de constitucionalidade das normas a um órgão específico, não a todos os juízes e Tribunais, como ocorre no controle difuso. Este modelo teve origem na Áustria, em 1920, onde, sob a influência da doutrina de Hans Kelsen, foi criado o Tribunal Constitucional Austríaco, o qual tinha a competência exclusiva de realizar o referido controle. Sobre este tema: “o modelo concentrado teve sua origem na Áustria, em 1920, sob a influência do jurista Hans Kelsen. Para Kelsen, a fiscalização da validade das leis representava tarefa especial, autônoma, que não deveria ser conferida a todos os membros do Poder Judiciário, já encarregados de exercerem a jurisdição, mas somente a uma Corte Constitucional, que deveria desempenhar exclusivamente essa função” (PAULO; ALEXANDRINO, 2008, p. 19).

Logo, na Áustria foram lançadas as bases do controle concentrado de constitucionalidade, em que um único órgão é competente para verificar a compatibilidade entre as normas legisladas e os preceitos constitucionais.

No Brasil, foram adotados ambos sistemas de controle de constitucionalidade, com as suas peculiaridades, de modo que vivenciamos um modelo misto de controle.

1.2 Histórico do controle de convencionalidade

O Direito Internacional é o ramo da Ciência Jurídica que regula as relações internacionais entre os considerados Sujeitos de Direito Internacional, cuja finalidade é garantir a estabilidade e a cooperação entre estes sujeitos. De um direito arcaico, cujo registro mais antigo se encontra na mesopotâmia, no ano 3.100 a.C, atualmente possui papel de destaque na Ciência do Direito e nas relações internacionais, regulando a convivência entre os Estados soberanos (e também entre outros Sujeitos de Direito Internacional), e influenciando, inclusive, o Direito Interno desses Estados.

Como melhor será visto adiante, os tratados internacionais compõem uma das mais importantes fontes do Direito das Gentes, visto que constituem instrumentos utilizados pelos Sujeitos de Direito Internacional para criar, modificar, regular e/ou extinguir direitos e/ou obrigações no ordenamento jurídico supranacional.

Entretanto, apesar da extrema importância dos mencionados tratados nos dias atuais, observa-se que os mesmos (os quais muitas vezes resguardam importantes direitos humanos) são explicitamente violados pelos referidos sujeitos, principalmente pelos Estados, através de suas leis e atos administrativos internos. 

Destarte, diante das graves violações acima aduzidas, fez-se necessária a elaboração de um sistema de controle interno nos Estados, diferente do já conhecido controle de constitucionalidade (mas a ele complementar), o qual seria utilizado para aferir a compatibilidade entre as leis internas com as normas pactuadas nos tratados internacionais. Assim: “é lícito entender que, para além do clássico ‘controle de constitucionalidade’, deve ainda existir (doravante) um ‘controle de convencionalidade’ das leis, que é a compatibilização das normas de direito interno com os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no país” (MAZZUOLI, 2013, p. 79).

O controle de convencionalidade, portanto, seria o sistema utilizado internamente pelos Estados para aferir a compatibilidade entre as leis internas e os tratados internacionais (que no caso do Brasil, se daria apenas com os tratados de direitos humanos, conforme adiante será estudado) que vigoram no ordenamento jurídico interno.

A França, de acordo com Mazzuoli (2013, p. 88), foi o país pioneiro em idealizar um controle de convencionalidade e em diferenciá-lo do clássico controle de constitucionalidade das normas. Tal fato ocorreu na decisão n.º 74-54 DC, de 15 de janeiro de 1975, quando o Conselho Constitucional francês entendeu não ser competente para julgar a compatibilidade entre as leis internas do país e a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, visto que aquele órgão seria competente apenas para realizar o controle de constitucionalidade das normas.

No Brasil, muito provavelmente, a primeira vez em que foi examinado o tema do controle de convencionalidade foi em julho do ano 2000, através do jornal “Associação Juízes para a Democracia, “em pequena nota sem indicação de autoria, intitulada ‘Direito ao duplo grau de jurisdição e o controle da convencionalidade das leis’” (MAZZUOLI, 2013, p. 86). Sendo assim, podemos concluir que o controle de convencionalidade das normas, no Brasil, ainda se mostra tímido e pouco desenvolvido pela doutrina e pela jurisprudência.

2 Dos tratados internacionais

2.1 Aspectos conceituais

Como todo ramo jurídico, o Direito Internacional possui suas próprias fontes. A principal delas é o costume internacional, pois é nele que se encontra a maioria das normas de Direito Internacional, inclusive as suas normas fundantes, que lhe dão validez e obrigatoriedade (Pacta Sunt Servanda e a Boa-fé).  Contudo, o costume peca por não conferir certeza e segurança nas relações internacionais, inclusive é de difícil comprovação, fato este que faz com que haja uma preferência na elaboração e aplicação dos tratados internacionais. De fato: “El decaimiento de la costumbre obedece a un inconveniente adicional. El hecho de que la costumbre sea por lo general imprecisa, no escrita y poco difundida, ha generado que resulte difícil de prueba, lo que a su vez ha traído como consecuencia un proceso de codificación destinado a remediar este inconveniente” (TALAVERA; MOYANO, 2003, p. 109).

Assim sendo, no Direito Internacional, os tratados assumem importante papel, havendo preferência na sua aplicação, pois possuem o atributo da segurança jurídica, o qual é importantíssimo para a estabilidade das relações internacionais.

O tratado internacional constitui um gênero que abrange o pacto, o acordo, o protocolo, a convenção, dentre outros, e pode ser conceituado como o acordo de vontades entre dois ou mais Sujeitos de Direito Internacional com capacidade para celebrá-lo, realizado de forma verbal ou escrita, regido pelo Direito Internacional, cuja finalidade é criar, modificar, regular e/ou extinguir direitos e/ou obrigações no ordenamento jurídico internacional. É importante esclarecer que, apesar de o indivíduo ser considerado como Sujeito de Direito Internacional, sua capacidade é limitada, de modo que, atualmente, só quem possui capacidade para celebrar tratados são os Estados e as organizações internacionais.

Para regular os tratados internacionais foi celebrada uma convenção específica: a Convenção de Viena de 1969. Este tratado foi promulgado, no Brasil, pelo Presidente da República em 14 de dezembro de 2009, e o seu estudo e análise é de suma importância, pois este instrumento normativo trata da elaboração e aplicação dos tratados, embora quase tudo o que tenha sido codificado por esta convenção seja costume internacional, apenas com algumas inovações. Assim: “Em 1969, foi assinada a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, principal instrumento internacional voltado a reger a elaboração e aplicação dos tratados. […] como a Convenção de Viena de 1969 apenas consolida normas costumeiras, sua aplicação não é problemática no Brasil” (PORTELA, 2010, p. 91).

Com caráter jurídico e força obrigatória, os tratados internacionais não podem ser considerados como simples mandamentos políticos, não vinculantes. Por conseguinte, as obrigações estabelecidas em um tratado vinculam os sujeitos que o pactuaram e os seus destinatários, de modo que aquele que não observar as suas normas estará sujeito à responsabilidade internacional, ou seja, lhe poderão ser aplicadas diversas sanções.

Sobre a obrigatoriedade dos tratados, dispõe o art. 26 da Convenção de Viena de 1969, in verbis: “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé”. Esta norma nada mais fez que tornar escrito o costume internacional do Pacta Sunt Servanda, o qual constitui fundamento do Direito Internacional.

Existem tratados, vale salientar, que produzem consequências inclusive para sujeitos que não participaram de sua celebração, como ocorre, por exemplo, com a Carta das Nações Unidas, a qual prevê a possibilidade de existirem ações contra Estados que representem ameaça à estabilidade regional ou mundial, mesmo que não tenham aderido àquela carta.  Também é importante esclarecer que a característica da obrigatoriedade não é exclusiva das normas oriundas de tratados internacionais.

2.2 Da incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento jurídico interno do Estado

Não há como negar que o Direito Internacional, assim como já defendiam Carl Heinrich Triepel, na Alemanha, e Dionisio Anzilotti, na Itália, é um sistema ontologicamente distinto do Direito Interno dos Estados, pois ambos possuem características, sujeitos, princípios, objetivos, âmbito de aplicação e normas fundantes distintos. Com efeito: “se puede decir que el Derecho Internacional y el Derecho Interno son dos ordenamientos distintos. El conjunto de características señaladas hacen que el Derecho Internacional tenga una verdadera naturaleza propia, que responde además a las características particulares de los sujetos que relaciona: entre las que resalta la soberanía” (GIADALAH, 2009, p.1000).

Note-se que tal entendimento não é amplamente aceito na doutrina, pois parte dela, seguindo o pensamento kelseniano, entende que não há independência entre o Direito Internacional e o Direito Interno, constituindo ambos, portanto, um único sistema. Contudo, o presente trabalho parte da premissa de que existe sim uma dualidade entre ambos os direitos, a qual pode ser explicada pela Teoria Tridimensional do Direito.

A Teoria Tridimensional do Direito, que tem Miguel Reale como seu principal expoente no Brasil, é utilizada para descrever e fundamentar o Direito Interno da seguinte maneira, resumidamente: as relações intersubjetivas são valoradas pelo Estado, o qual transformará tal valoração em normas jurídicas, as quais deverão influenciar e comandar novas relações intersubjetivas (fato, valor e norma). Assim, a existência do Direito Interno está condicionada à observância desses três elementos, os quais jamais poderão ser considerados separadamente.

Conforme dito anteriormente, a supracitada teoria também serve de fundamento para a existência do Direito Internacional, pois é inegável que existe uma vida internacional (relações internacionais) que é valorada pelos Sujeitos de Direito Internacional, de modo que esta valoração é transformada em normas jurídicas internacionais que regularão a atuação e convivência entre esses mesmos sujeitos. Ademais, as normas de Direito Internacional são plenamente válidas e obrigatórias, pois, ao criá-las, esses mesmos sujeitos assim decidem. Em suma: “el Derecho Internacional puede ser descrito como la interacción entre un conjunto de relaciones de los sujetos de Derecho Internacional, las valoraciones de aquellas, hechas por ellos  mismos, y las normas jurídicas internacionales donde se plasman esas relaciones valoradas” (PUERTAS, 2009, p. 1001).

Foi dito anteriormente que o Direito Interno e o Direito Internacional constituem sistemas distintos. Todavia, é importante ter em mente que isso não significa que eles não se comuniquem em várias situações. Assim, haverá casos em que a celebração de um tratado internacional exigirá a adoção de medidas dentro dos próprios Estados, muitas vezes através de alterações em seus ordenamentos jurídicos. Desse modo: “o estabelecimento de compromissos internacionais necessariamente impõe contrapartidas dentro dos Estados. A título de exemplo, um tratado que visa a combater o tráfico ilícito de entorpecentes pode impor medidas como a destruição de aeroportos clandestinos, que obviamente só podem ser tomadas dentro do território dos entes estatais envolvidos. As convenções internacionais de direitos humanos obrigam os Estados a proteger a dignidade dos indivíduos que vivam sob sua jurisdição. Por fim, um acordo sobre imunidades diplomáticas aplica-se exatamente no espaço geográfico do ente onde se encontram diplomatas estrangeiros” (PORTELA, 2010, p.121).

Diante do fenômeno acima retratado, surge um grande problema na ciência jurídica, pois, a partir de então, exige-se a convivência de dois sistemas jurídicos distintos em um único Estado e, de acordo com a concepção unitária do Direito, amplamente adotada na atualidade, dentro de um Estado somente pode existir um Direito, o qual é formado por normas organizadas de forma hierarquizada, as quais inadmitem contradição entre si. Assim, vale transcrever o seguinte ensinamento: “Hasta aquí, se tiene que en un Estado debe existir solo un ordenamiento vigente, ya que ese Estado es el que monopolizará la creación de ese único Derecho. Por ello, cuando se pretende relacionar el Derecho Interno con el Internacional, dos órdenes normativos distintos, se presenta la posibilidad de un conflicto que rompería con la concepción unitaria de <<un Estado, un Derecho>>” (GIADALAH, 2005, p. 444).

Para remediar a problemática apresentada, de modo a manter, portanto, a ideia unitária do direito e a evitar a contradição dentro do sistema interno, foi criada a teoria da incorporação ou internalização, que nada mais é que a absorção das normas oriundas de um tratado internacional pelo ordenamento jurídico interno de cada Estado, atribuindo-lhes, assim, um status dentro desse mesmo ordenamento, assim como ocorre com qualquer outra norma interna.

Após serem incorporadas as normas internacionais, serão elas aplicadas diretamente a todas as pessoas que estiverem submetidas ao ordenamento jurídico do Estado que as internalizou e, inclusive, poderão ser invocadas por estas mesmas pessoas nas instâncias judiciais. Desse modo: “Com a incorporação, os tratados podem ser invocados por qualquer pessoa natural ou jurídica dentro do território de um ente estatal e podem orientar e fundamentar as ações e decisões dos órgãos e autoridades nacionais dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário” (PORTELA, 2010, p. 121).

Por conseguinte, as normas internalizadas deverão ser utilizadas como fundamento para as ações e decisões de todos os poderes e autoridades do Estado.

Cada Estado é livre para estabelecer como ocorrerá a incorporação. Destarte, um Estado poderá prever um processo interno de incorporação; poderá dispensar qualquer processo, havendo assim a incorporação automática da norma internacional; e poderá, até mesmo, nada estabelecer, cabendo à jurisprudência a tarefa de definir como se dará o referido processo. Diante de tal fato, foram pensados pela doutrina dois sistemas de incorporação: a) o sistema monista, modelo da introdução automática ou ainda modelo da aplicabilidade imediata; e b) o sistema dualista ou modelo tradicional.

No sistema monista, o Direito Internacional e o Direito Interno são considerados como um único sistema, de modo que dispensa-se qualquer processo de internalização dos tratados internacionais, passando os mesmos a vigorar no ordenamento jurídico interno no mesmo momento em que o acordo entra em vigor no plano internacional. É válido atentar para o fato de que, neste modelo, o procedimento necessário para a celebração do tratado no âmbito internacional deverá ser plenamente observado. O que é dispensado, de acordo com o sistema monista, é apenas um procedimento interno de incorporação

O sistema dualista admite que o Direito Internacional e o Direito Interno são sistemas distintos, conforme o incialmente exposto. Assim, neste modelo de incorporação de normas, além do procedimento internacional de celebração dos tratados internacionais, o Direito Interno de determinado Estado prevê um método de internalização do tratado celebrado, ou seja, este não vigora automaticamente no plano interno. Segundo Portela (2010, p. 121), “Pelo modelo tradicional de internalização dos atos internacionais, a introdução do tratado na ordem interna está subordinada ao cumprimento pela autoridade estatal de um ato jurídico especial” (grifo nosso).

No Brasil, foi adotado o sistema dualista (embora um pouco mitigado). Isto posto, determinado tratado internacional começa a vigorar no plano interno após a promulgação do mesmo pelo Presidente da República, que será feita por meio de decreto, o qual ordenará a aplicação do ato internacional no âmbito nacional e a publicação do mesmo no Diário Oficial da União.

Além de definir como se dará a incorporação das normas internacionais no âmbito interno, os Estados deverão também estabelecer que status tais normas ocuparão em seus respectivos ordenamentos jurídicos, visto que, hodiernamente, vigora o sistema do escalonamento normativo, em que as normas jurídicas são organizadas em um sistema hierarquizado, onde a ordem menor, para ser válida, deve ser compatível com a ordem maior, de modo que todo o sistema encontra fundamento em uma Norma Fundamental.

Diante de todo o exposto nas linhas anteriores, o sistema de incorporação parece ter colocado fim a qualquer problema de aplicação das normas de Direito Internacional no âmbito interno dos Estados. Entretanto, isso não aconteceu, pelo contrário, criaram-se conflitos e incongruências que até os dias atuais divide a doutrina e a jurisprudência em todo o mundo.

A problemática do sistema de incorporação ocorre pela seguinte constatação: ambos os modelos de internalização, tanto o monista quanto o dualista, tentam transformar em um único sistema dois ordenamentos jurídicos (internacional e interno) que, conforme o exposto incialmente, são ontologicamente distintos. Consequentemente, diante de tal modelo de incorporação, hoje adotado pelo Brasil e por uma grande maioria de países, sempre o Estado vai se ver obrigado a respeitar a dinâmica de um ordenamento em detrimento do outro (esta problemática não é objeto de estudo deste trabalho.  Assim, não teceremos maiores considerações sobre ela).

2.3 Da hierarquia dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro

Os Estados, no processo de internalização dos tratados internacionais, poderão atribuir os seguintes status às normas internalizadas: supraconstitucionalidade, constitucionalidade, supralegalidade e legalidade. Vale salientar que um Estado não está obrigado a outorgar apenas uma dessas categorias, sendo possível, portanto, de acordo com as regras estabelecidas, que a determinado tratado seja conferido um status e que a um segundo tratado seja atribuído outro status, a depender do conteúdo de suas normas.

No Brasil, há uma grande precariedade de regras sobre a hierarquia dessas normas internalizadas. A única disposição normativa expressa existente encontra-se na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5.º, §§ 2.º e 3.º (este último incluído no texto constitucional pela EC n.º 45/2004), dispositivos estes que se referem apenas aos tratados de direitos humanos.  Vejamos: “Art. 5º […]

§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Isto posto, podemos concluir que a nossa Lei Maior atribuiu a incumbência de definir o status dos tratados à doutrina e à jurisprudência (atribuição que o Constituinte deveria ter tomado para si, vale salientar). A única certeza que o texto constitucional nos oferece é quanto a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos aprovados pelo quórum do § 3.º do art. 5.º: tais tratados terão status formal e material de emenda constitucional.

A problemática da hierarquia normativa dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro foi solucionada (de forma insatisfatória e ainda não definitiva) no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343/SP, onde se discutiu, no Supremo Tribunal Federal, se a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 – Pacto de San José da Costa Rica -, mais especificamente o seu art. 7.º, revogou a parte final do inciso LXVII do art. 5.º da Constituição brasileira de 1988 (o qual permite a prisão civil do depositário infiel) e, conseguintemente, toda a legislação infraconstitucional que nele encontra fundamento direto e indireto.

Destarte, em nosso Direito, de acordo com entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, os tratados podem ser incorporados em três status: constitucional, supralegal e legal (lei ordinária federal). Merece destaque o fato de que, entre nós, não prevaleceu a teoria da supraconstitucionalidade dos tratados internacionais de direitos humanos, pois, de acordo com a jurisprudência dominante, esta tese vai de encontro com o princípio da supremacia formal e material da Constituição, princípio este que vigora nos mais variados países, dentre eles o Brasil.

Sobre o status constitucional, já foi dito acima que, de acordo com o entendimento do STF, terá tal status apenas os tratados de direitos humanos aprovados pelo quórum qualificado do art. 5.º, § 3.º da CRFB/88, de modo que este não merece maiores considerações no presente momento.

Quanto aos tratados de direitos humanos não aprovados pelo quórum explicitado no parágrafo anterior, muito se discute, na jurisprudência e na doutrina, sobre a categoria normativa que os mesmos ocupam no ordenamento jurídico interno. No julgado do Recurso Extraordinário supracitado, considerou-se que, diante da importância atribuída em âmbito supranacional à proteção dos direitos humanos, tais tratados possuem status supralegal, ou seja, serão introduzidos entre as normas constitucionais e as infraconstitucionais.

Assim, de acordo com a tese da supralegalidade, os tratados internacionais de direitos humanos de hierarquia supralegal terão efeito paralisante com relação à eficácia de todas as normas infraconstitucionais com eles conflitantes, mesmo que posteriores àqueles tratados. Esse é o entendimento defendido pelo Min. Gilmar Mendes em seu voto no referido RE 466.343-1/SP, cujo trecho merece aqui ser transcrito: “Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, inciso LXVII) não foi revogada pelo ato de adesão do Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e o Decreto-Lei n.º 911, de 1º de outubro de 1969. Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. É o que ocorre, por exemplo, com o art. 652 do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que reproduz disposição idêntica ao art. 1.287 do Código Civil de 1916” (BRASÍLIA, Supremo Tribunal Federal, RE 466.343-1/SP, Relator: Min. Cezar Peluso, 2008).

De acordo com o acima exposto, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 – Pacto de San José da Costa Rica – possui status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que não mais se admite a prisão civil do depositário infiel, diante do efeito paralisante que aquela convenção possui com relação as normas infraconstitucionais que tratam da matéria. Note-se que nada impede que este tratado, assim como qualquer outro que possua hierarquia supralegal, seja submetido ao quórum de aprovação do art. 5.º, § 3.º, da CRFB/88, passando, assim, a ter status formal e material de norma constitucional (emenda constitucional).

Contra o entendimento da Suprema Corte se insurge boa parte da doutrina, a exemplo do abalizado doutrinador Valerio de Oliveira Mazzuoli, o qual defende que os tratados de direitos humanos não aprovados pelo quórum qualificado do art. 5.º, § 3.º, da CRFB/88 também possuem status constitucional, diante da relevância da matéria por eles tratada e da correta exegese do § 2.º do art. 5.º da Lei Maior. É esta a tese que será por nós adotada, quando tratarmos do controle de convencionalidade das normas.

Por fim, de acordo com aquele posicionamento da Suprema Corte, a legalidade é o status atribuído aos tratados comuns, ou seja, que tratam de matéria estranha aos direitos humanos. Desse modo, de acordo com o entendimento consolidado no STF desde 1977, estes tratados possuem a mesma força de lei ordinária federal. Neste caso, o tratado internacional comum poderá ser afetado pelo princípio da “lex posterior derogat priori”, ou seja, a lei posterior derroga a lei anterior. Este princípio, aplicado ao nosso estudo, gera o seguinte efeito: uma lei interna posterior a um tratado internacional comum, poderá retirá-lo do ordenamento jurídico, desde que seja de status superior ou igual ao do tratado incorporado, e seja com ele incompatível.

2.4 Da responsabilidade internacional do Estado pelo descumprimento dos tratados internacionais

Hodiernamente, o Direito Internacional, malgrado a importância e a relevância que conquistou nos âmbitos nacional e internacional, ainda enfrenta numerosos obstáculos para efetivar as suas normas, mesmo aquelas plasmadas em tratados internacionais, conforme visto anteriormente. Isto ocorre diante das peculiaridades que possui o Direito das Gentes, dentre elas a inexistência de um órgão mundial que imponha a observância de suas normas a todos os Sujeitos de Direito Internacional (não existe uma polícia mundial) e as próprias características de alguns desses sujeitos, dentre as quais se destaca a soberania. Sendo assim: “Efetivamente, a aplicação das normas internacionais é peculiar, em vista de fatores como a complexidade da sociedade internacional, a inexistência de um poder mundial que, a exemplo do Estado, esteja encarregado de impor a observância dos dispositivos de Direito das Gentes, e a circunstância de que os mecanismos internacionais de solução de controvérsias nem sempre têm jurisdição automática sobre os Estados, dependendo destes para existir e de sua anuência para julgá-los” (PORTELA, 2010, p. 293).

Assim, não são raras as vezes que os tratados internacionais, pactuados voluntariamente, são descumpridos pelos Sujeitos de Direito Internacional, principalmente pelos Estados Nacionais. Contudo, através da responsabilidade internacional, este ramo do direito já possui instrumentos próprios para responsabilizar tais sujeitos pelos seus atos, sejam eles lícitos ou ilícitos.

Podemos conceituar responsabilidade internacional como o instituto jurídico que obriga um Sujeito de Direito Internacional que, por ação ou omissão, descumpriu normas internacionais, a reparar os danos causados a outro Sujeito de Direito Internacional, em decorrência da sua conduta lícita ou ilícita. Vale salientar que esta responsabilidade tem como fundamentos o dever de cumprimento das obrigações internacionais, as quais foram livre e voluntariamente pactuadas, e o dever geral de não causar dano a outrem. Ainda, insta ressaltar que é a violação de uma obrigação jurídica internacional que gera a responsabilidade internacional, não a violação do direito interno de outro Estado.

Após a sintética explanação sobre a responsabilidade internacional, podemos, desde já, exteriorizar uma importante conclusão: o controle da convencionalidade das normas constitui um importante instrumento para que o Estado declare a incompatibilidade entre uma norma jurídica interna e um tratado internacional por ele firmado, expurgando tal norma incompatível do seu ordenamento jurídico interno. Nesse sentido, o controle de convencionalidade seria o método a impedir o Parlamento local de adotar uma lei que violasse (mesmo que abstratamente) direitos humanos previstos em tratados internacionais já ratificados pelo Estado (MAZZUOLI, 2013, p. 83). Com isso, evitar-se-á a responsabilização internacional do Estado pelo descumprimento das obrigações por ele voluntariamente pactuadas.

Por conseguinte, realizamos a seguinte crítica ao entendimento do STF sobre a hierarquia normativa dos tratados comuns (alheios aos direitos humanos): ao considerar que estes tratados guardam paridade com leis ordinárias federais, restarão desrespeitados os princípios da obrigatoriedade e da primazia do direito internacional, visto que, uma norma posterior poderá derrogar as normas oriundas destes tratados (no plano interno). Assim sendo, “é possível que uma norma internacional não prevaleça, no caso concreto, diante de outra norma, provocando a violação do tratado” (PORTELA, 2010, p. 125), fato este que gerará nada mais, nada menos, que a responsabilidade internacional do Estado Brasileiro.

Portanto, o entendimento adotado pela Suprema Corte merece ser devidamente reexaminado, pois não mais se admite o desprezo, pelo Estado Brasileiro, das regras pactuadas no plano internacional, as quais, na atualidade, tratam de temas de extrema relevância para o desenvolvimento do país, como, por exemplo, as relações comerciais internacionais, a proteção dos direitos humanos e o meio ambiente. Depreciar o cumprimento daquelas regras significa se distanciar de uma sociedade internacional cada vez mais organizada e dinâmica.

3 Do controle da convencionalidade das normas

3.1 Do paradigma do controle de convencionalidade

Para que haja um controle de convencionalidade das normas, deverá ser bem definido o paradigma desse controle, ou seja, qual o parâmetro que será utilizado para se verificar a compatibilidade das leis. No controle de constitucionalidade, por exemplo, o paradigma de controle são as normas constitucionais expressa e implicitamente elencadas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

 O paradigma do controle de convencionalidade são todos os tratados internacionais de direitos humanos em vigor no país. Isto é assim devido ao status constitucional destes tratados, inclusive daqueles não aprovados pelo quórum qualificado do § 3.º do art. 5.º, como veremos adiante. Trata-se “de um controle de validade das normas nacionais, tendo por parâmetro não o texto constitucional, mas os compromissos internacionais assumidos em matéria de proteção aos direitos humanos (LEITE, 2013, p. 1). Logo, não há que se falar em controle de constitucionalidade porque, não se trata, aqui, de normas integrantes da Lei Maior.

Desde já adiantamos que a explanação a ser realizada a seguir, tomará por base a doutrina defendida pelo professor Valerio de Oliveira Mazzuoli, que, contrariando o entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito da hierarquia dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, confere status constitucional a todos os tratados de direitos humanos em vigor no país, e hierarquia supralegal aos demais tratados comuns (alheios ao tema dos direitos humanos).

3.2 Da correta hierarquia dos tratados internacionais no direito interno

A CRFB/88 é marcada pela relevância que este documento atribui aos direitos humanos (direitos e garantias fundamentais), em harmonia com as exigências e necessidades observadas em várias outras nações do mundo e na própria comunidade internacional. Tanto é assim que o art. 1.º, III, da Carta Magna eleva a dignidade da pessoa humana ao patamar de princípio fundamental da República. Ademais, o art. 4.º, II, daquele mesmo diploma, estabelece que a República Federativa do Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos.

Antes da promulgação da Emenda Constitucional n.º 45/2004, a qual, além de outras reformas, incluiu ao texto constitucional o § 3.º do art. 5.º, os tratados de direitos humanos, em que pese a falha interpretação realizada pelo STF, já possuíam status de norma constitucional, de acordo com a correta exegese do § 2.º do art. 5.º da Lei Maior, o qual estabelece o seguinte: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Logo, o citado dispositivo constitucional, considerando os princípios explicitados no parágrafo anterior, estabeleceu uma abertura ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos, pois ampliou o que chamamos de bloco de constitucionalidade, oferecendo, portanto, caráter constitucional a todos os tratados de direitos humanos em vigor no país.

Tendo os tratados de direitos humanos status material de norma constitucional, o eventual conflito, em um caso concreto, entre direitos e garantias (expressos e implícitos) da Carta Magna e os direitos previstos nos tratados internacionais, seria solucionado através da aplicação do princípio do pro homine, isto é, aplicar-se-ia a norma mais favorável à pessoa a ser protegida.

Infelizmente, as regras e princípios do Direito Internacional ainda não são satisfatoriamente observadas e cumpridas. Por isso, a interpretação do art. 5.º, § 2.º, da CRFB/88 sempre foi objeto de controvérsias, no que se refere à hierarquia daqueles tratados de direitos humanos. 

Com o intuito de pôr fim àquela discussão, a EC n.º 45/2004 adicionou o § 3.º ao art. 5.º da CRFB/88, o qual dispõe que: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Ocorre que, longe de extinguir as controvérsias existentes, este novo dispositivo constitucional inflamou ainda mais o debate sobre o tema. “Ocorre que, ao invés da esperada pacificação da matéria, o que se verificou foi a persistência da controvérsia na doutrina, pois não esclareceu com precisão a situação das três situações no que diz respeito aos tratados internacionais sobre direitos humanos: 1) tratados anteriores à vigência da EC 45/04; 2) tratados posteriores à EC 45/04, ratificados pelo quorum qualificado do parágrafo 3º e, portanto, equivalentes às emendas constitucionais; 3) tratados posteriores à EC 45, mas ratificados pelo procedimento comum, sem utilização do parágrafo 3º” (LEITE, 2013, p. 2).

Com a inclusão do citado § 3.º, começou-se a distinguir, de forma ilógica, tratados de direitos humanos que possuem o mesmo conteúdo ético e de igual fundamento de validade, pois, segundo o STF, apenas os tratados de direitos humanos aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, terão status constitucional, pois eles serão equivalentes às emendas constitucionais. Os demais tratados de direitos humanos, mesmo possuindo o mesmo conteúdo material, guardariam paridade com as normas infraconstitucionais. Desse modo, é patente o equívoco do entendimento dominante na Suprema Corte, senão, vejamos.

Em primeiro lugar, a supracitada distinção nos leva a crer que houve preferência pela aplicação de um formalismo desmedido, em detrimento da relevância que os direitos humanos possuem em nosso texto constitucional, conforme acima já exposto. Ademais, desprestigiou-se todas as conquistas que os direitos humanos arduamente alcançaram na esfera internacional.

Em segundo, a distinção feita entre os tratados de direitos humanos acarreta grave insegurança jurídica, pois não se sabe, ao certo, qual tratado de direitos humanos “merecerá” ser alçado ao status de norma constitucional. Logo, o entendimento adotado pelo STF “também rompe com a harmonia do sistema de integração dos tratados de direitos humanos no Brasil, uma vez que cria ‘categorias’ jurídicas entre os próprios instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados pelo governo, dando tratamento diferente para normas internacionais que têm o mesmo fundamento de validade, ou seja, hierarquizando diferentemente tratados que têm o mesmo conteúdo ético, qual seja, a proteção internacional dos direitos humanos” (MAZZUOLI, 2013, p. 47).

Cria-se, portanto, de forma aleatória e ilógica, categorias entre tratados que possuem o mesmo conteúdo material (direitos humanos).

Em terceiro lugar, cumpre destacar que a interpretação que foi dada ao § 3º do art. 5º da CRFB/88 atribuiu ao Poder Legislativo uma competência absurda, pois este dispositivo não obriga que os tratados de direitos humanos sejam aprovados pelo seu quorum qualificado, ou seja, não obriga o Legislativo a atribuir caráter de emenda constitucional àqueles tratados. Sendo assim, o legislador brasileiro agora possui a prerrogativa de, quando quiser, e pelos motivos que bem entender e lhe forem mais convenientes, elevar determinado tratado internacional de direitos humanos ao status constitucional ou relegá-lo ao plano infraconstitucional.

Por último, devemos evidenciar o paradoxo que poderia existir na aprovação de um tratado de direitos humanos e seu respectivo protocolo. À guisa de informação, protocolo é uma espécie de tratado internacional complementar ou interpretativo de outro tratado anterior. Desse modo, ao adotar o entendimento firmado pelo Tribunal Supremo, haveria a incoerente possibilidade de se aprovar um tratado de direitos humanos com status infraconstitucional (sem a aplicação do § 3.º do art. 5.º da CRFB/88), e, ao seu respectivo protocolo, atribuir hierarquia de norma constitucional, desde que simplesmente seja aprovado pela maioria qualificada daquele mesmo dispositivo constitucional. Note-se: o protocolo, que é um instrumento acessório, teria uma hierarquia superior ao próprio tratado que ele complementa ou interpreta. A incoerência, aqui, se mostra evidente.

Diante de todas as impropriedades e incongruências acima evidenciadas, concluímos portanto que a correta exegese do § 2.º do art. 5.º da CRFB/88 é que todos os tratados de direitos humanos em vigor no país possuem status de norma constitucional. Restaria, portanto, a tarefa de definir qual teria sido o objetivo da inclusão, pela EC 45/2004, do § 3.º àquele mesmo artigo.

Conforme defende a doutrina de Mazzuoli, o citado § 3.º do art. 5.º da CRFB/88 teve como objetivo atribuir aos tratados de direitos humanos a categoria de norma formalmente constitucional, além do status materialmente constitucional que já possuíam na forma do § 2.º do mesmo art. 5.º. Assim, se aprovados pelo quórum previsto no § 3.º, os tratados internacionais de direitos humanos, que já são materialmente constitucionais, agora passam a ser formalmente constitucionais, sendo, portanto, equivalentes às emendas constitucionais.

Ao considerar que um tratado internacional de direitos humanos, além de materialmente constitucional, também é formalmente constitucional (após a sua aprovação pelo quorum do § 3.º), estaremos a admitir três consequências bem definidas.

A primeira consequência é que, ao ter status formalmente constitucional, o tratado de direitos humanos também constituirá um instrumento de reforma da Constituição, visto que é equivalente às emendas constitucionais e passa a integrar a Lei Maior. Tal efeito não é possível quando o tratado possui apenas o status de norma materialmente constitucional.

O segundo efeito é que, sendo formalmente constitucional, o tratado de direitos humanos não poderá ser denunciado pelo Chefe do Poder Executivo no plano internacional, pois, ao integrar a Constituição Federal, passa a constituir o rol das cláusulas pétreas, na forma do art. 60, § 4.º, IV, da CRFB/88 (por tratar de direitos e garantias fundamentais, a norma do tratado não poderá ser abolida). Destarte, caso o Chefe do Executivo realize a citada denúncia do tratado, tal ato será considerado atentatório a Constituição Federal e o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, fato este que configura crime de responsabilidade, conforme regra estabelecida no art. 85, III, da Carta Magna, in verbis: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: […] III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais”.

A terceira e última consequência da aprovação do tratado de direitos humanos pelo quórum do art. 5.º, § 3.º, da CRFB/88 é a de que o mesmo, ao passar a integrar a própria Constituição, servirá de parâmetro do controle concentrado de convencionalidade das normas, o qual será melhor delineado no tópico seguinte.

Note-se que, mesmo que não aprovado pelo quórum qualificado do aludido artigo, o tratado, como já dissemos, possuirá status material de norma constitucional. Neste caso, por não integrar a Constituição, não poderá servir de parâmetro para o controle concentrado de convencionalidade, contudo, nada impedirá que constitua tal tratado paradigma para o controle difuso de convencionalidade das normas. Logo: “materialmente constitucionais os tratados de direitos humanos (sejam eles anteriores ou posteriores à EC 45) já são, independentemente de qualquer aprovação qualificada; formalmente constitucionais somente serão se aprovados pela maioria de votos estabelecida pelo art. 5.º, § 3.º, da Constituição (caso em que serão material e formalmente constitucionais), quando então tornar-se-ão, de facto e de jure, insuscetíveis de denúncia pelo Presidente da República. No primeiro caso (tratados apenas materialmente constitucionais), serão eles paradigma do controle difuso de convencionalidade, ao passo que no segundo caso (tratados material e formalmente constitucionais), serão também paradigma do controle concentrado (ou da fiscalização abstrata) de convencionalidade” (MAZZUOLI, 2013, p. 76).

Por fim, não poderíamos deixar de tecer algumas considerações sobre a hierarquia dos tratados internacionais comuns. Conforme o exposto em tópico anterior, o STF entende que estes tratados possuem paridade normativa com as leis ordinárias federais.

Numerosas são as críticas contra a tese adotada pelo STF, no que diz respeito à hierarquia de lei ordinária conferida a estes tratados comuns. A doutrina divergente, a qual nos filiamos, entende que, na verdade, os referidos tratados teriam status de supralegalidade, diante da importância que o Direito Internacional possui nos dias atuais e, principalmente, em conformidade com o princípio da primazia do Direito Internacional, esculpido no art. 27 da Convenção de Viena de 1969, o qual estabelece que “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Portanto, um Estado soberano não poderá descumprir as normas de Direito Internacional sob a justificativa de que elas são (ou tornaram-se) incompatíveis com as suas normas jurídicas internas.

À título de informação, o próprio Código Tributário Nacional há muito já estabelece, em seu art. 98, que os tratados comuns terão hierarquia supralegal, ao dispor o seguinte: “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.

Portanto, terão status supralegal os tratados internacionais de direito comum, diante dos argumentos acima aduzidos, os quais servem de parâmetro para o controle de supralegalidade das normas.

3.3 Do controle jurisdicional de convencionalidade aplicado ao Direito brasileiro

Toda a elucidação acima exposta, principalmente no que se refere à correta hierarquia dos tratados internacionais no ordenamento jurídico interno brasileiro, nos ofereceu os subsídios necessários para conceituar o controle de convencionalidade das normas da seguinte maneira: o controle de convencionalidade nada mais é que a verificação da compatibilidade entre as normas do direito interno do Estado e às normas oriundas dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no país, sejam eles aprovados ou não pelo quórum qualificado do art. 5.º, § 3.º, da CRFB/88 (conforme vimos, todos os tratados de direitos humanos possuem hierarquia constitucional). Ao se verificar que uma norma interna é incompatível com determinado tratado de direitos humanos, tal norma deverá ser declarada inconvencional e, portanto, inválida. Logo: “todas as normas infraconstitucionais que vierem a ser produzidas no país devem, para a análise de sua compatibilidade com o sistema do atual Estado Constitucional e Humanista de Direito, passar por dois níveis de aprovação: (1) a Constituição e os tratados de direitos humanos (material ou formalmente constitucionais) ratificados e em vigor no Estado” (MAZZUOLI, 2013, p. 82).

Assim, ao lado do clássico controle de constitucionalidade, cujo paradigma é tão somente a própria Constituição da República, existe também o controle de convencionalidade, cujo paradigma de controle são os referidos tratados internacionais de direitos humanos.

É importante salientar que daremos ênfase, neste trabalho, ao controle jurisdicional interno de convencionalidade das normas, isto é, ao controle exercido de forma difusa e concentrada pelo Poder Judiciário brasileiro. Assim, afastamos, desde já, o estudo dos mecanismos internacionais de controle de convencionalidade das normas internas dos Estados.

O controle de convencionalidade das normas deve ser realizado, primeiramente, pelo Poder Judiciário interno do Estado, antes de se buscar as instâncias internacionais para a realização deste controle. Estas últimas somente deverão ser acionadas se a atuação judicial interna tiver sido omissa ou insuficiente. Este é o entendimento extraído das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile e no Caso dos Trabalhadores Demitidos do Congresso Vs. Peru. Vale transcrever importante trecho da decisão proferida neste último caso: “Cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana, sus jueces también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque el efecto útil de la Convención no se vea mermado o anulado por la aplicación de leyes contrarias a sus disposiciones, objeto y fin.  En otras palabras, los órganos del Poder Judicial deben ejercer no sólo un control de constitucionalidad, sino también “de convencionalidad” ex officio entre las normas internas y la Convención Americana, evidentemente en el marco de sus respectivas competencias y de las regulaciones procesales correspondientes.  Esta función no debe quedar limitada exclusivamente por las manifestaciones o actos de los accionantes en cada caso concreto, aunque tampoco implica que ese control deba ejercerse siempre, sin considerar otros presupuestos formales y materiales de admisibilidad y procedencia de ese tipo de acciones” (COSTA RICA, Corte Interamericana de Derechos Humanos, Caso Trabajadores Cesados del Congreso vs. Perú, 2007).

Logo, o controle jurisdicional interno de convencionalidade é uma realidade que deve ser alcançada pelo Brasil, visto que, não apenas se trata de uma teoria criada pela doutrina, mas constitui uma exigência internacional cujo descumprimento é capaz de acarretar, inclusive, a responsabilidade internacional do Estado Brasileiro.

A partir de então, consideraremos que a validade das normas jurídicas internas dependerá da adequação formal e material das mesmas à Constituição (controle de constitucionalidade), aos tratados de direitos humanos em vigor no país (controle de convencionalidade) e, ainda, aos tratados comuns (controle de supralegalidade). Destarte, podemos aduzir que existe uma nova pirâmide normativa do Direito, cujo topo é ocupado não só pela Constituição da República, mas também pelos tratados internacionais de direitos humanos internalizados no ordenamento jurídico brasileiro.

O sistema de controle de convencionalidade, portanto, exige que as normas do direito interno do Estado, mesmo que plenamente compatíveis com a CRFB/88, sejam expulsas do ordenamento jurídico interno (através da declaração de sua invalidade), visto serem incompatíveis com os tratados de direitos humanos internalizados pelo ordenamento jurídico interno.

3.3.1 Da incompatibilidade das normas anteriores ao tratado de direitos humanos paradigma

É sabido que, no sistema brasileiro, não é adotada a chamada inconstitucionalidade superveniente, ou seja, não se admite que a entrada em vigor de uma norma constitucional acarrete a inconstitucionalidade das normas infraconstitucionais anteriormente vigentes e com ela incompatíveis. Neste caso, ocorrerá o fenômeno da não recepção, em que a norma anterior incompatível será revogada pela nova norma constitucional, de acordo com o princípio da lei posterior revoga a anterior com ela incompatível. Desse modo: “Importante destacar, dentro dessa linha de raciocínio, que a não recepção de uma norma infraconstitucional pela vigente Constituição traduz hipótese de revogação hierárquica, regrada pelo chamado direito intertemporal (lei posterior revoga a anterior com ela incompatível), não sendo admitido em nosso sistema a chamada inconstitucionalidade superveniente” (ARAUJO; JUNIOR, 2011, p. 48).

Logo, não há que se falar em inconstitucionalidade da norma anterior, mas de mera revogação ou não recepção ocasionada pela norma constitucional posterior. Pois bem, este entendimento pode e deve ser aplicado ao controle de convencionalidade das normas.

Na teoria por nós defendida, apenas existirá controle de convencionalidade com relação as normas de direito interno que forem promulgadas em momento posterior à vigência de determinado tratado de direitos humanos no nosso ordenamento jurídico. Quanto às normas internas anteriores, também vigorarão as regras de direito intertemporal, isto é, incidirá o fenômeno da recepção ou revogação.

3.3.2 Do controle difuso de convencionalidade

Já foi dito à exaustão que todos os tratados de direitos humanos possuem status material de norma constitucional, por força do § 2.º do art. 5.º da CRFB/88. Desse modo, todos eles constituem paradigma do controle difuso de convencionalidade das normas, inclusive aqueles que foram aprovados pela maioria qualificada do § 3.º daquele mesmo artigo.

Segundo nos ensina Canotilho (2013, p. 898), no sistema difuso, a competência para a fiscalização das normas “é reconhecida a qualquer juiz chamado a fazer a aplicação de uma determinada lei a um caso concreto submetido a apreciação judicial”. Destarte, podemos aduzir que o controle difuso de convencionalidade é a fiscalização, exercida por qualquer juiz ou Tribunal do país, em determinado caso concreto, no que se refere a compatibilidade entre as normas infraconstitucionais e os tratados internacionais de direitos humanos em vigor no país. 

É importante salientar que, inclusive o STF, por meio do Recurso Extraordinário, pode realizar o controle difuso de convencionalidade, por força da interpretação conjunta dos arts. 5.º, § 2.º e do art. 102, III, a, ambos da CRFB/88. Note-se: “Questão interessante, no que toca ao controle difuso de convencionalidade, diz respeito ao cabimento de recurso extraordinário perante o STF sempre que a decisão recorrida contrariar dispositivo constitucional ou de qualquer tratado de direitos humanos em vigor no Brasil. A essa solução se chega interpretando o art. 102, III, a, da Constituição […] junto com o art. 5.º, § 2.º, da mesma Carta […]. Assim, é imperioso entender que quaisquer tratados internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil (tenham sido ou não aprovados por maioria qualificada no Congresso Nacional) são paradigma à propositura do recurso extraordinário no STF” (MAZZUOLI, 2013, p. 163).

Isto posto, qualquer juiz ou Tribunal, inclusive o STF (em sua competência recursal extraordinária), está autorizado a realizar o controle difuso da convencionalidade das normas. Vale ressaltar que qualquer pessoa, ou o próprio juiz ou Tribunal ex officio, em um caso concreto, pode suscitar a inconvencionalidade de uma norma, assim como ocorre no controle difuso de constitucionalidade.

Por se tratar de via difusa de controle, os efeitos da declaração de inconvencionalidade se darão apenas inter partes (entre as partes constituintes do caso concreto).

3.2.3 Do controle concentrado de convencionalidade

Por sistema concentrado de controle, devemos entender a competência de fiscalização das normas, de forma abstrata, atribuída a um único órgão. Ao tratar do controle concentrado de constitucionalidade, Canotilho (2013, p. 898) nos ensina o seguinte: “Chama-se sistema concentrado porque a competência para julgar definitivamente acerca da constitucionalidade das leis é reservada a um órgão, com exclusão de quaisquer outros”. Este mesmo entendimento pode ser aplicado ao controle concentrado de convencionalidade das normas.

No Brasil, de acordo com a doutrina aqui explicitada, deve-se entender por controle concentrado de convencionalidade a fiscalização realizada pelo Supremo Tribunal Federal (pois este é o guardião da Constituição e, consequentemente, dos tratados de direitos humanos equiparados às emendas constitucionais), de forma abstrata (ou seja, independentemente de qualquer litígio concreto), no que toca a harmonia entre uma norma infraconstitucional e os tratados internacionais de direitos humanos aprovados pelo maioria qualificada do § 3.º do art. 5.º da CRFB/88.

Note-se: diferentemente do controle difuso, em que todos os tratados de direitos humanos servem de paradigma de controle, no concentrado, apenas os aprovados pelo quórum do § 3.º do art. 5º da Lei Maior constituem parâmetro de fiscalização. Isto ocorre porque o referido dispositivo concede status de norma formalmente constitucional tão somente aos tratados aprovados por aquele quórum qualificado, de modo que apenas eles são equivalentes às emendas constitucionais.

Por serem tais tratados equivalentes às emendas, não há que se falar em controle de constitucionalidade, visto que eles não são genuínas emendas, apenas a elas são equivalentes. Entretanto, diante daquela equiparação, estes tratados necessitam de mecanismos de defesa contra as afrontas concretizadas pelas normas infraconstitucionais com eles incompatíveis. É assim que entender Mazzuoli (2013, p. 168): “Ora, se a Constituição possibilita sejam os tratados de direitos humanos alçados ao patamar constitucional, com equivalência de emenda, por questão lógica deve também garantir-lhes os meios que prevê a qualquer norma constitucional ou emenda de se protegerem contra investidas não autorizadas do direito infraconstitucional”.

Por isso, o controle concentrado de convencionalidade das normas mostra-se imprescindível.

A competência para a realização deste controle concentrado cabe ao Supremo Tribunal Federal, através das mesmas ações utilizadas no controle concentrado de constitucionalidade das normas, realizadas as devidas adaptações. Assim, teríamos a Ação Direta de Inconvencionalidade, a Ação Direta de Inconvencionalidade por Omissão, a Ação Declaratória de Convencionalidade e, inclusive, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Diferentemente do controle difuso, no controle concentrado de convencionalidade, por se tratar de um processo objetivo, as ações supracitadas podem ser propostas, tão somente, pelas pessoas elencadas no art. 103, incisos I a IX, da CRFB/88, ou seja, pelas mesmas pessoas legitimadas para a propositura das ações do controle concentrado de constitucionalidade.

Por fim, a decisão do STF, em âmbito de controle concentrado de convencionalidade, possui efeitos erga omnes, servindo, portanto, contra todos.

Considerações finais

Os direitos inerentes ao ser humano ganharam importante destaque no cenário internacional, após as barbáries cometidas na Segunda Guerra Mundial. Desde então, têm sido pactuados pelos Sujeitos de Direito Internacional vários tratados internacionais, como forma de melhor proteger e resguardar tais direitos, principalmente no âmbito interno dos Estados Nacionais. Ocorre que estes últimos não concretizam, de forma satisfatória, os direitos humanos previstos naqueles tratados e, não raras as vezes, elaboram normas internas totalmente incompatíveis com aqueles instrumentos normativos internacionais.

A teoria do controle de convencionalidade das leis constitui um tema pouco difundido e conhecido no Brasil, tendo como principal patrono, no país, o doutrinador Valerio de Oliveira Mazzuoli. Tal controle constitui um instrumento de suma importância para o cumprimento e concretização das normas de direitos humanos estabelecidas pelos tratados internacionais, pois possibilita a expulsão, do ordenamento jurídico interno, de todas as normas internas incompatíveis com aqueles tratados, evitando, assim, a responsabilidade internacional do Estado pelo descumprimento do Direito Internacional.  Logo, de acordo com aquela teoria, as normas de direito interno deverão guardar compatibilidade material e formal com a Constituição do Estado e com os Tratados Internacionais em vigor, para que possam gozar de validade no ordenamento jurídico do país.

Para que seja possível a realização do controle jurisdicional difuso e concentrado de convencionalidade, é preciso que os tratados internacionais sejam incorporados ao ordenamento jurídico interno do Estado com hierarquia constitucional. Ocorre que no Brasil, diante da precária disposição normativa no que se refere ao status que os tratados ocupam no ordenamento jurídico interno, existe muita divergência sobre o grau hierárquico dos tratados de direitos humanos e dos tratados comuns dentro do nosso sistema jurídico. A única disposição constitucional sobre o tema encontra-se no art. 5.º, §§ 2.º e 3.º, da CRFB/88 (os quais não solucionam a discussão existente e tratam apenas dos tratados de direitos humanos). Destarte, a teoria do controle de convencionalidade acaba por ser pouco discutida e aplicada, visto que, infelizmente, não se sabe, ao certo, qual seriam os tratados com status constitucional que serviriam de paradigma do controle de convencionalidade.

Com a devida vênia, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 466.343 – 1/SP, propôs uma solução insatisfatória e contrária às exigências e necessidades da comunidade internacional, no que se refere à proteção dos direitos humanos. Isto ocorreu porque, ao interpretar o art. 5.º, §§ 2.º e 3.º da Carta Magna, a Suprema Corte, adotando a tese do Min. Gilmar Mendes, entendeu que apenas os tratados humanos aprovados pela maioria qualificada do citado § 3.º teriam status de norma constitucional. Os demais tratados de direitos humanos não aprovados por aquele quórum, como a própria Convenção Americana de Direitos Humanos, guardariam status supralegal no ordenamento jurídico interno. Por fim, conforme ficou assentado naquela decisão, os tratados internacionais comuns teriam paridade normativa com as leis ordinárias federais, de modo que os mesmos podem ser revogados internamente por qualquer norma infraconstitucional posterior que com eles seja incompatível.

Ao adotar o entendimento do STF, a introdução de um controle de convencionalidade no Brasil se mostraria extremamente limitada, pois tão somente os tratados de direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, poderiam servir de paradigma de controle, visto que somente eles teriam status de norma constitucional (são equivalentes às emendas constitucionais). Ademais, este entendimento apresenta, no mínimo, quatro incongruências, o que demonstra, de forma patente, o equívoco cometido.

 A primeira impropriedade se mostra no fato de que o STF distinguiu tratados internacionais que possuem o mesmo conteúdo ético, em prol de um formalismo excessivo. Assim, de forma ilógica e pouco técnica, existem no Brasil, sem qualquer justificativa jurídica plausível, tratados internacionais de direitos humanos de índole constitucional e outros tratados, também de direitos humanos, de status infraconstitucional. Logo, nos parece que, para o STF, o que importa é a forma, não o conteúdo ético dos tratados e as consequências que os mesmos ocasionam no plano internacional.

A insegurança jurídica é a segunda inconveniência do entendimento da Suprema Corte, pois não se sabe, ao certo, qual tratado de direitos humanos faz jus ao status constitucional e qual não faz, fato este que rompe com a harmonia do sistema de integração dos tratados de direitos humanos no Brasil.

A terceira incongruência se trata da desastrada competência que foi atribuída ao Poder Legislativo, o qual, segundo aquele entendimento, possui a prerrogativa de, quando quiser, e pelos motivos que bem entender e lhe forem mais convenientes, atribuir status constitucional a certo tratado de direitos humanos, e relegar um outro tratado de mesmo conteúdo material ao plano infraconstitucional.

A última incoerência se caracteriza na possibilidade de um protocolo (tratado acessório) ser aprovado com status de norma constitucional, enquanto que o tratado principal (tratado-quadro) pode ser incorporado com status de norma infraconstitucional. O acessório, portanto, teria uma hierarquia superior ao próprio tratado que ele complementa ou interpreta.

Diante de todas as incongruências acima citadas, adotamos para este trabalho a tese defendida pelo ilustre professor Valerio de Oliveira Mazzuoli, a qual contraria o entendimento adotado pelo STF no RE 466. 343 – 1/SP e, consequentemente, se harmoniza com as exigências do Direito Internacional e, principalmente, permite a adoção ampla do controle de convencionalidade das normas no Direito brasileiro.

Assim, conclui-se neste trabalho que, por força do § 2.º do art. 5.º da CRFB/88, todas os tratados de direitos humanos são incorporados ao direito interno com hierarquia de norma materialmente constitucional. Logo, desde 1988, todos os tratados de direitos humanos em vigor no país possuem status de norma materialmente constitucional, independentemente de terem sido aprovados ou não pela maioria qualificada do § 3.º daquele dispositivo constitucional.

Ao serem materialmente constitucionais, todos os tratados de direitos humanos podem ser paradigma do controle difuso de convencionalidade, ou seja, qualquer juiz ou Tribunal do país, na análise de um caso concreto, pode analisar a compatibilidade entre as normas internas do país e os tratados de direitos humanos em vigor.

Também depreende-se que a real finalidade da inclusão do § 3.º ao art. 5.º da CRFB/88, feita pela EC 45/2004, foi estabelecer a possibilidade de os tratados de direitos humanos, que já são materialmente constitucionais, adquirirem o status de norma formalmente constitucional, visto que, segundo o supracitado parágrafo, tais tratados seriam equivalentes (não iguais) às emendas constitucionais.

O status de norma formalmente constitucional atribui aos tratados de direitos humanos, aprovados pela maioria qualificada daquele § 3.º, três consequências: a) estes tratados reformam a Constituição e passam a integrá-la como se normas constitucionais fossem; b) o Presidente da República, sob pena de responder por crime de responsabilidade, fica impedido de denunciar estes tratados no plano internacional, pois os mesmos, por tratarem de direitos e garantias fundamentais, tornam-se cláusulas pétreas, na forma do art. 60, § 4.º, IV, da Carta Magna; e c) estes tratados passam a constituir parâmetro para o controle concentrado de convencionalidade.

Destarte, todos os tratados internacionais de direitos humanos, mesmo que aprovados pela maioria qualificada do art. 5.º, § 3.º, da CRFB/88, compõem o parâmetro do controle difuso de convencionalidade das normas, pois todos eles são normas materialmente constitucionais. Contudo, somente os tratados aprovados pelo quórum do citado § 3.º serviriam de paradigma do controle concentrado, pois somente eles possuem hierarquia de normas formalmente constitucionais, sendo equivalentes às emendas constitucionais. Pelo controle concentrado, o Supremo Tribunal Federal, através das ações próprias do controle concentrado de constitucionalidade, poderá aferir, no plano abstrato, a harmonia entre as normas infraconstitucionais e os tratados de direitos humanos aprovados pela maioria qualificada. 

Ainda, de acordo com a tese por nós adotada, os tratados internacionais de conteúdo comum são os que possuem hierarquia supralegal, de modo que os mesmos servem de paradigma para o controle de supralegalidade das normas. É inadmissível que o STF, atribuindo aos tratados de direito comum o status de lei ordinária federal, desconsidere todas as conquistas e os princípios do Direito Internacional, o qual, de acordo com o art. 27 da Convenção de Viena de 1969, possui primazia perante o direito interno. Tal equívoco pode ocasionar graves sanções ao Brasil, através da sua responsabilização internacional.

Conclui-se, diante de todo o exposto, que o controle jurisdicional de convencionalidade das normas é uma realidade que deve ser alcançada pelo Brasil, uma vez que não se trata apenas de uma teoria criada pela doutrina, mas constitui uma verdadeira exigência internacional, cujo descumprimento é capaz de acarretar, inclusive, a responsabilidade internacional do Estado brasileiro. Entretanto, para que esta teoria se concretize no plano interno, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deverá ser devidamente revista e, consequentemente, se fundamentar no entendimento adotado neste trabalho, no que se refere a hierarquia de norma constitucional de todos os tratados internacionais de direitos humanos internalizados pelo ordenamento jurídico brasileiro, independentemente do seu quórum de aprovação.

 

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Nota:
[1] Trabalho orientado pelo prof. Sérgio Cabral dos Reis, Master em Teoria Crítica en Derechos Humanos y Globalización pela Universidad Pablo de Olavide (Sevilla, Espanha). Mestre em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense (UNIPAR).

Informações Sobre o Autor

Jimmy Matias Nunes

Advogado.


Equipe Âmbito Jurídico

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