CONVÊNIOS
O contrato e o convênio têm pontos em comum, mas também divergentes entre si. Convênio e contrato são acordos, mas aquele não é contrato, conforme já decidiu o Excelso Pretório2, em memorável decisão.
No contrato, os interesses das partes são divergentes e opostos, inicialmente, enquanto que, nos convênios, os interesses são comuns e coincidentes, entre os partícipes. Nestes, os signatários do documento, denominados partícipes, associam-se, para a execução de um objeto.
O contrato distingue-se pela presença de duas ou mais partes, pretendendo uma delas o objeto – a prestação de serviço, a compra de alguma coisa, a realização de obra, a locação de um bem – e a outra, a contra – prestação respectiva – a remuneração ou outra vantagem. Já no convênio entre partícipes, as pretensões são sempre as mesmas, variando apenas a cooperação entre si, de acordo com as possibilidades de cada um, para a realização de um objetivo comum, com a característica de associação cooperativa. Ou, como decidiu o TCU, convolando a proposta do Ministro Mário Pacini, nos convênios, não há que existir a contraprestação em dinheiro, senão a mútua colaboração3.
Não obstante, reina significativa confusão entre estes dois institutos, de modo que, às mais das vezes, a Administração utiliza um pelo outro, com sérias consequências4.
O vocábulo convênio tem a mesma origem da palavra convenção e deriva do latim convenire, significando o acordo entre duas ou mais pessoas. Tem por objetivo a realização de certos atos ou omissões.
Os convênios não são dotados de personalidade jurídica, porque dependentes da vontade de cada um, tendo em vista a execução de objetivos comuns. É uma cooperação associativa, sem vínculos contratuais, entre órgãos e entidades da Administração ou entre estes e o particular.
Alguns autores admitem que o convênio poderá, de preferência, valer-se de um órgão de execução comum, que poderá até ter personalidade de direito privado ou público. Diogo de Figueiredo conceitua-o como ato administrativo complexo em que uma entidade púbica acorda com outras entidades públicas ou privadas, na realização de obras ou serviços públicos de competência da primeira, enquanto que nos consórcios a competência é de todas5.
Os convênios internos são acordos entre pessoas jurídicas de direito público constitucional – União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para a execução de objetivos comuns. O Código Tributário Nacional prevê os ajustes entre esses entes, sobre matéria de administração tributária6, como o lançamento, fiscalização e arrecadação tributária. Estes atos constituem-se em normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais, bem como dos decretos, segundo dispõe o inciso IV do artigo 100.
Estas normas são fonte secundária do direito tributário e obrigam os partícipes e terceiros, completam a lei tributária, constituindo-se em instrumento sumamente útil, na execução de suas leis, serviços e decisões administrativas. Todavia, está em posição subalterna em relação à lei, não podendo criar, alterar ou extinguir tributos, conceder isenções, nem penalidades, visto que indelegável é a competência tributária.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que as isenções do ICM são feitas por convênio e por ele revogadas, sem ofensa ao princípio da legalidade e a cláusula do convênio interestadual não afasta a incidência da norma internacional7.
O Tribunal Regional Federal, da 3ª Região, julgou, por maioria de votos, em acórdão, relatado pelo Juiz Sebastião de Oliveira Lima, de 21.11.90, que, “promulgada a Constituição Federal de 1988 e não editada a Lei Complementar prevista no artigo 155, XII, ficaram os Estados e Distrito Federal autorizados a, mediante convênio, fixar normas para regular provisoriamente a matéria (ADCT, art. 34, § 8º )8”.
O artigo 116, mais preciso e rico que o artigo 829 do revogado Decreto – lei 2300/86, é por demais elástico na sua disciplina. Manda aplicar, no que couber, as disposições da lei, não só aos convênios, mas também a quaisquer acordos, ajustes ou a outros instrumentos, desde que a Administração tenha participação. Tomou emprestado dos artigos 48 a 57 do Decreto federal 93872, de 23 de dezembro de 1986, as principais notas de identificação do convênio.
Este decreto federal, que permanece incólume, no que se conciliar com a legislação posterior e com a lei positiva vigente ( no âmbito da Administração federal ), proclama que o convênio será utilizado como forma de descentralização da Administração Federal, que delegará, no todo ou em parte, a execução de programas, de características locais, a entidades ou órgãos estaduais ou municipais, encarregados de serviços semelhantes, desde que estejam devidamente aparelhados. Mas também, em caráter excepcional, poderá ocorrer o inverso, dando-se essa mútua cooperação, mediante convênio.
A proposta de plano de trabalho da entidade interessada deve ser previamente aprovada, pela Administração, e conterá, pelo menos, a identificação do objeto, as metas pretendidas, as etapas ou fases de execução, o plano de aplicação dos recursos financeiros, o cronograma de desembolso e a previsão de início e término da execução do convênio, assim como da conclusão das etapas ou fases programadas.
O Pretório de Contas do DF diz peremptoriamente que os convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres dependem de prévia aprovação do plano de trabalho, de sorte que deles devem constar as informações exigidas pela Lei 8666/9310 .
O convênio obedece às mesmas formalidades e requisitos, que a lei impõe aos contratos, destacando-se as cláusulas essenciais, o termo escrito, respeitadas as peculiaridades próprias.
A minuta será examinada e aprovada pela respectiva assessoria jurídica da Administração, nos moldes do parágrafo único do artigo 38.
As parcelas serão liberadas, segundo o plano de aplicação aprovados, mas se tiverem sido detectadas impropriedades, as mesmas ficarão retidas até seu total saneamento.
Os convênios devem prever o prazo de duração, contudo podem ser denunciados a qualquer momento. Em caso de conclusão, extinção, denúncia ou rescisão, os saldos remanescentes, não só dos convênios, como também de quaisquer ajustes ou acordos, deverão ser devolvidos à entidade ou ao órgão repassador dos recurso, no prazo de trinta dias do fato, sob pena de instauração imediata de tomada de contas especial do responsável, a ser providenciada pela autoridade competente do órgão ou da entidade que repassou os recursos. O prazo é fatal, improrrogável.
O Tribunal de Contas da União é competente para fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, por meio de convênio, ajuste, acordo ou qualquer outro instrumento congênere, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, por determinação constitucional ( artigo 71, VI ).
O Supremo Tribunal Federal tem-se posicionado contra a autorização legislativa, para a organização dos convênios, por ferir a independência dos poderes11, o que é rechaçado por Hely Lopes Meirelles, porque estes são sempre atos que extrapolam os poderes normais de administração12.
O § 2o.do artigo 116 exige que, após a assinatura do convênio, a entidade ou o órgão repassador dê ciência à Assembléia ou à Câmara Municipal, calando-se quanto ao Congresso Nacional, em se tratando de órgão ou entidade federal.
Interessante questão se reporta à necessidade ou não de licitação, para a realização de convênios. Esta poderá ser dispensada ou declarada inexigível, nas mesmas hipóteses previstas para os contratos ou outros ajustes. Assim, não se há de falar em licitação, se se tratar de convênio entre a União e o Estado, por exemplo, para a consecução de determinados objetivos comuns, porque inviável a competição. Suponha-se, entretanto, a realização de convênio entre um órgão ou uma entidade estatal e um ente privado. A licitação poderá ser dispensada ou declarada inexigível, com fundamento nos artigos 24 ou 25. Não obstante, se várias forem as entidades particulares, que se prestem para a consecução dessas atividades, inquestionavelmente, deverá realizar-se a licitação. Esta é também a opinião de Odete Medauar13. Marcos Juruena Villela Souto, porém, ensina que, por ser uma cooperação de esforços de livre adesão, a licitação não se faz necessária14.
A Segunda Câmara da Suprema Corte de Contas da União, na tomada de contas especial, julgando a aplicação de recursos de convênio em mercado financeiro, firmado entre a Prefeitura Municipal e a Secretaria Especial de Ação Comunitária, para implementação do Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, não penalizou o ato do responsável, calcado em sólida e iterativa jurisprudência, porque ficou comprovado que esses recursos foram aplicados em benefício da comunidade15. Neste mesmo sentido, o voto do Ministro Paulo Affonso Martins de Oliveira, calçado no § 4o. do artigo 116, porque a vedação de aplicação de recursos no mercado financeiro não mais subsiste16.
Tendo como relator, o Ministro Iram Saraiva, o Plenário, na decisão 278/96, de 22 de maio de 1996, fixou o entendimento de que “ para a aquisição de medicamentos fabricados pelos Laboratórios Oficiais, bem como dos demais produtos por eles processados, a existência de interesses recíprocos entre as partes que podem ser alcançados em regime de mútua cooperação, viabiliza a utilização de convênio, descartada a necessidade de licitação porque não existe na Lei 8666/93 qualquer dispositivo que coloque o procedimento licitatório como antecedente necessário ao convênio. O artigo 116 da citada lei impõe tão somente que sejam estendidas aos convênios as diretrizes básicas previstas na Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Somente na hipótese em que não seja possível a utilização de convênios tem aplicação o inciso VIII do artigo 24 Lei supra”17.
O Tribunal de Contas da União resolveu sancionar o Prefeito Municipal de Lajes – SC, em virtude da má aplicação de recursos por parte da Prefeitura Municipal e comprovação de falhas em alguns convênios, como gastos dos recursos do SUS/Fundo Municipal da Saúde fora da área específica, não atingimemto das metas estabelecidas em plano de trabalho e falta de continuidade das obras objeto de convênio, utilização de recursos federais, para asfaltamento parcial de rodovia vicinal, sem geração de benefícios à comunidade, e inúmeras falhas no processo de licitação, quase todas de caráter formal, como não observância de interstícios mínimos para a abertura de propostas, ausência de precisa definição para pagamentos de serviços, omissão de publicação dos extratos resumidos de contratações e utilização de licitação não prevista ( preço máximo )18. No mesmo sentido, rejeitada foram as contas, porque o Prefeito não realizou as obras, objeto do convênio SUS 1/9019.
Apesar de haver construído área superior à prevista, as Prefeituras Municipais de Mirassol, Piacatu e Pereira Barreto, no Estado de São Paulo, não constatou o TCU desvio de objeto dos convênios20.
CONSÓRCIOS ADMINISTRATIVOS
Pode ocorrer ajustes entre organismos estatais, paraestatais, fundacionais ou autárquicos, para a concretização de objetivos de interesse comum, constituindo-se em consórcios. Distinguem-se dos convênios, porque aqueles se realizam entre entidades da mesma espécie.
Os consórcios mais comuns são os que se realizam entre municípios, com o objetivo de reunir esforços técnicos, humanos e financeiros, que um só município não dispõe, segundo preleção do assessor jurídico da Secretaria Municipal de Betin, no Estado de Minas Gerais, Dr. Ubiratan Laranjeiras Barros21. Hely Lopes Meirelles lembra que, para administrar seus interesses e realizar seus fins, de conformidade com as pretensões dos consorciados, mister se faz criar paralelamente uma sociedade comercial ou civil, já que não tem eles capacidade civil nem são pessoas jurídicas22. A formação dessas sociedades civis ou comerciais de apoio não é obrigatória, entretanto, se tal suceder, mister se faz a autorização do Legislativo municipal, de conformidade com a Carta Política de alguns Estados e manifestação de Guido Carvalho, ao comentar a Lei Orgânica da Saúde Leis 8080 e 8142, de 1990, São Paulo, 1992, Hucitec, pág. 108.
Também os consórcios se sujeitam às disposições da Lei 8666/93 ( artigo 116).
CONSÓRCIOS DE EMPRESAS
Aqueles consórcios não se confundem com os consórcios de empresas, que se associam, para participarem de licitação, porque isoladamente nenhuma delas teria condições de executar o contrato, por razões técnicas, de capital ou outro motivo relevante. ( artigo 33 ).
Essa modalidade de associação é regulada pela Lei 6404, de 1976, e suas alterações, nos artigos 278 e 279. Esta configuração não cria pessoa jurídica e a consorciadas obrigam-se, na forma contratual. Cada sociedade responde em seu próprio nome pelas obrigações, não havendo solidariedade entre elas (§ 1o. do artigo 278 ). Entretanto, o inciso V do artigo 30 da Lei 8666/93 institui a responsabilidade solidária dos seus integrantes, pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação, quanto na fase contratual. Esta norma desnatura totalmente a natureza desta coligação que existe, transitoriamente, e para fins determinados, quebrando a harmonia do sistema.
Criou a lei o impedimento de participação de empresa consorciada, na mesma licitação, através de um consórcio ou isoladamente. Trata-se de norma salutar.
Notas
1 Cf. nosso Os Convênios Administrativos, publicado, na Revista dos Tribunais 669/39, Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados 76/39 e no Boletim de Licitações e Contratos 3/90. Também na Revista de Informação Legislativa 125/112. Leia-se ainda o interessante trabalho de Maria Garcia, in op. cit.
2 Cf. Revista Trimestral de Jurisprudência 141/619.
3 Cf. DOU de 18.9.85, pág.133651.
4 Leia-se o Parecer do Procurador do Estado Luiz Dias Costa, chamando a atenção da Administração, tendo em vista frequentes equivocos na utilização de um instrumento por outro ( cf. Boletim de Direito Administrativo 8/9//6, pág. 528).
5 Cf. Curso de Direito Administrativo, Forense, 4ª edição, 1983, pp. 118 e 119.
6 Cf. Compêndio de Direito Tributário, 2ª edição, Segundo volume, Forense, RJ, 1994, pp. 65/66; Direito Tributário Brasileiro, de Aliomar Baleeiro, Forense, 10ª ed., 1980, pp. 71 e 480; ICM na Constituição e na Lei Complementar, de Alcides J. Costa; Os Convênios destinados a estabelecer sanções…, de Luiz Mélega, in Estudos Tributários em Homenagem a Rubens Gomes de Sousa, p. 381.
7 Cf. RTJ 116/794, in Direito Tributário, de Vittorio Cassone, Atlas, 1993, pp. 292/3. Vide também Súmula do STF 575, RTJ 121/355/9 e LEXJSTF103/217.
8 Cf. de Cassone, op. e p. cits. Cf. RTJ 116/794, in Direito Tributário, de Vittorio Cassone, Atlas, 1993, pp. 292/3. Vide também Súmula do STF 575, rtj 121/355/9 e LEXJSTF103/217. Cf. de Cassone, op. e p. cits.
9 Cf. TC 625-642/86-4, em consonância com a orientação do Tribunal registrada, na Ata 14/89, Anexo III, in DOU de 10.5.89, no sentido de aplicar aos convênios a legislação pertinente, especialmente, o Decreto-lei 2300/86 ( Boletim de Licitações e Contratos 11/90, pág.441).
10 Cf. decisão 3839/95.
11 Cf. Adin 770 – 0 – MG, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, em 26.8.92; idem, Adin 165 – MG, Relator Ministro Celso de Mello, 1.2.90, in RTJ 131/490; Adin 342 PR, Relator Ministro Luiz Gallotti, RTJ 133/88. A Adin 331 – PBm, relatada pelo Ministro Luiz Gallotti, foi indeferida porque a Carta da Paraíba só exigia aprovação ou autorização de convênios se estes acarretassem encargos ou compromissos gravosos, in RTJ 131/84.
12 Cf. op. cit., pág. 355.
13 Cf. Boletim de Direito Administrativo 8/95, págs. 458-9, enriquecida de ampla bilbiliorafia naiconal e estrangeira.
14 Cf. op. cit., pág. 248.
15 Cf. acórdão 794/96, de 14.11.96, relatado pelo Ministro Ademar Ghisi, ,in Boletim de Direito Administrativo 3/97.
16 Cf. Decisão Plenário 314/94, DOU de 15.6.94;
17 Cf. DOU de 17.6.96, apud Boletim de Direito Municipal 10/96, págs. 569 e segs.
18 Cf. acórdão 167/95, relatado pelo Ministro Iran Saraiva, Pleno, publicado no DOU de 22.12.95, in Boletim de Direito Municipal cit. 7/96, págs. 372 e segs. No mesmo sentido: TC 699018/91-9, ac. 1/93, Plenário, Relator Olavo Drumond, DOU de 29.1.93;
19 Cf, decisão 295/93, 1a. Câmara, Relator José Antônio de Macedo. No mesmo sentido, Acórdão 642/94, 2A. Câmara, Relator Fernando Gonçalves, DOU 27.9.94.
20 Cf. Ac. 36/93, Ata 10/93, 2a. Câmara, Relator Ministro Marcos Viniciius Vilaça, DOU de 7.4.993.
21 Cf. Consórcio intermunicipal de Saúde, Boletim de Direito Municipal 10/95.
22 Cf. op. cit., págs. 356/7.
escritor, poeta, jornalista, advogado, subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, especialista em Direito do Estado e metodologia do ensino superior, conselheiro e presidente da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, juiz arbitral da American Arbitration Association, Nova York, USA, juiz arbitral e presidente do Conselho de Ética e Gestão do Centro de Excelência de Mediação e Arbitragem do Brasil, vice-presidente do Instituto Jurídico Consulex, acadêmico do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (diretor-tesoureiro), da Academia de Letras e Música do Brasil, da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal, da Academia de Letras do Distrito Federal, da Associação Nacional dos Escritores, da Academia Brasileira de Direito Tributário e membro dos Institutos dos Advogados Brasileiros, de São Paulo e do Distrito Federal, Entre suas obras, destacam-se: LITERÁRIAS: Hebreus – História de um povo, Orquestra das cigarras, ensaios, contos, poesias e crônicas. Crônicas e poesias premiadas. JURÍDICAS: Responsabilidade Tributária, Execução Fiscal, Medidas Provisórias (esgotadas), Medidas Provisórias – Instrumento de Governabilidade. Ensaios sobre Crimes de Racismo, Contratos Administrativos, arbitragem, religião. Condecorações e medalhas de várias instituições oficiais e privadas.
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