Neibo Aparecido Ferraresi – Advogado, Pós-Graduado em Direito Processual Civil. (ferraresi.advocacia@gmail.com)
Resumo: O artigo aborda a discussão quanto à aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva nos negócios jurídicos celebrados em decorrência da pandemia do coronavírus/Covid-19, diante as consequências por ela advindas. Neste contexto, apresenta-se fundamentos que sustentam a aplicação das teorias em detrimento ao princípio da pacta sunt servanda, possibilitando a rediscussão das obrigações contratuais que podem resultar na modificação, suspensão ou extinção do negócio jurídico celebrado. A aplicação das teorias da imprevisibilidade e da onerosidade excessiva, já reconhecida no âmbito da Administração Pública, pode ser, igualmente, admissível e adequada nas relações contratuais no âmbito do Direito Civil e do Direito do Consumidor, conforme os fundamentos justificantes.
Palavra-chave: Teoria da Imprevisibilidade. Teoria da Onerosidade Excessiva. Modifica, suspensão ou extinção dos contratos. Covid-19.
Abstract: The article addresses the discussion regarding the application of theories of unpredictability and excessive burdens on the legal deals concluded as a result of the coronavirus / Covid-19 pandemic, in view of the consequences arising from it. In this context, fundamentals are presented that support the application of theories to the detriment of the principle of pacta sunt servanda, enabling the rediscussion of contractual obligations that may result in the modification, suspension or extinction of the entered into legal transaction. The application of theories of unpredictability and excessive burdens, already recognized within the scope of Public Administration, may also be admissible and appropriate in contractual relations within the scope of Civil Law and Consumer Law, according to the justifying grounds.
Keywords: Theory of Unpredictability. Excessive Onerity Theory. Modifies, suspends or terminates contracts. Covid-19.
Sumário: Considerações iniciais. 1. Mitigação do princípio da pacta sunt servanda pelas teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva. 2. Aplicação da teoria da imprevisibilidade e da onerosidade excessiva no ordenamento jurídico brasileiro. 3. Requisitos da teoria da imprevisibilidade e da onerosidade excessiva. 4. Da força maior e do caso fortuito. 5. Teoria da imprevisão aplicada nas relações de consumo. Conclusão. Referências.
Considerações iniciais
Diante o atual cenário em que o mundo se assola em decorrência da pandemia provocada pelo coronavírus, há desdobramentos que vão além das tribulações que envolvam a saúde das pessoas.
Neste contesto, apresenta-se a problemática a ser considerada na seara contratual, principalmente, quanto às consequências imprevisíveis que, possivelmente, resultarão no aumento da inadimplência das obrigações contratuais, propiciando aumento da crise econômica.
Verifica-se que as medidas adotadas para contenção do coronavírus, sejam elas por órgãos governamentais ou por particulares, impactaram, dentre outras, as relações contratuais. Instalando um sentimento contraditório entre as pessoas, de um lado a solidariedade por entenderem à necessidade das medidas sancionadas em benefício da saúde de todos, por outro, um sentimento de angústia pelas consequências futuras e incertas na economia.
Fato é, que o mundo não estava preparado para reagir a uma situação como a vivenciada atualmente. Em que, por falta de orientação, ficam, ansiosamente, a aguardar medidas de solução de problemas mediatos, como a manutenção do adimplemento das diversas naturezas obrigacionais.
Nesse sentido, busca-se apresentar, sugestivamente, soluções ao cumprimento das obrigações contratuais, ou seja, trazer a discussão a possibilidade de encontrar respostas que possam contribuir para minimizar os danos decorrentes pela pandemia.
Preliminarmente, sugere-se, como primeira solução a ser buscada, a revisão contratual pela autocomposição entre as partes envolvidas. Providência que permitirá a rediscussão das cláusulas contratuais de uma obrigação com o objetivo de restabelecer o equilíbrio financeiro/econômico por meio da manutenção dos acordos convencionados com as necessárias alterações ou, na sua impossibilidade, dar resolução à obrigação amigavelmente. Nestes casos, requer-se das partes temperança, razoabilidade e bom senso na busca de soluções.
Para as negociações que se mostrarem frustradas pelo não entendimento entre as partes, será necessário apresentar o caso concreto a apreciação do poder jurisdicional, em busca de um desfecho ao conflito.
Dentre as possíveis soluções, apresenta-se o presente estudo da teoria da imprevisibilidade e da teoria da onerosidade excessiva, que podem auxiliar no debate dos conflitos.
Nesse sentido, para melhor compreensão do tema, necessário apresentar alguns conceitos inerentes a matéria construídos ao longo dos tempos e aplicáveis à atualidade.
Entende-se que o contrato é um ato jurídico bilateral, um acordo de vontade que envolvem interesses de duas ou mais pessoas com poder de criar, modificar e extinguir direitos, envoltos em uma prestação e contraprestação que, via de regra, possui cunho patrimonial.
Em situações de normalidade, os contratos devem ser cumpridos na sua integralidade em obediência ao princípio da pacta sunt servanda, ou seja, os acordos celebrados devem ser, obrigatoriamente, cumpridos na sua integralidade. Princípio que impõe o dever pelo cumprimento da obrigação avocada, respeitando as condições ajustadas e instituída pela livre autonomia da vontade das partes envolvidas, que proporciona segurança jurídica quanto ao adimplemento das obrigações contratuais.
Em decorrência de outros princípios consagrados em nosso ordenamento jurídico, entre eles a função social do contrato, a probidade e a boa-fé objetiva, que integral a regência das obrigações contratuais, construídos sob a luz de fundamentos e garantias constitucionais, permite-se a relativização do princípio da pacta sunt servanda.
Significa dizer que os contratos não interessam somente as partes contratantes, mas a toda sociedade. Busca-se ainda, garantir o equilíbrio entre as partes, não permitindo que o contrato resulte em onerosidade desproporcional a uma das partes. Assim, a obrigatoriedade pelo cumprimento contratual foi mitigada pelo princípio rebus sic stantibus, em tradução literal significa dizer: “enquanto as coisas assim estiverem” ou teoria da imprevisão.
A teoria da imprevisibilidade consiste na possibilidade de rediscutir a relação contratual em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, que resulta em uma obrigação, excessivamente, onerosa, mitigando o princípio pacta sunt servanda. Portanto, uma exceção à regra da força obrigatória quanto ao fiel cumprimento dos contratos celebrados.
Historicamente, a teoria da imprevisibilidade surgiu no direito romano, visando proteger àqueles que vinham a sofre graves consequências econômicas advindas de causas imprevisíveis e improváveis no momento da celebração contratual que, normalmente, resultavam em prejuízos econômicos a uma das partes envolvidas. Encontra-se ainda, referência da teoria da imprevisibilidade no século XVIII a. C, pela leitura do artigo 48 do Código de Hamurabi.
A revisão e alteração de contratos, como medida alternativa à resolução dos acordos celebrado entre as partes, pode também possuir como fundamento na aplicação da teoria da onerosidade excessiva. Por ocasião da ocorrência de fatos supervenientes e imprevisíveis capazes de prejudicar o cumprimento das obrigações pelas partes contratantes, percebeu-se que, em não raras ocasiões, apresentavam consequências que afetavam terceiros alheio à relação. Justificando a exceção ao princípio pacta sunt servanda, em que se permite rediscutir, revisar, suspender ou extinguir as obrigações contratuais pactuadas, que a posteriori, se tornaram excessivamente onerosas.
Nas palavras de Geraldo Serrano Neves:
“O risco que os contraentes assumem no contrato, não pode ser concebido como excedendo o risco normal, isto é, o que se compreende nos limites da previsão humana. Levar mais longe o dogma da intangibilidade do contrato, seria, sob pretexto de garantir a liberdade contratual, destruir o fundamento mesmo do contrato, a sua base econômica e moral, como instrumento de comercio e de cooperação entre homens, o elemento de boa-fé e de justiça, sem o qual a liberdade dos contratos seria apenas uma aparência destinada a legitimar o locupletamento injusto de uma parte às custas do patrimônio da outra, sobre uma recaindo de modo exclusivo os riscos estranhos à natureza do contrato e que, se previsíveis na ocasião de atar-se o vínculo, teria impedido a sua formação”. (1956, p. 1)
A teoria da imprevisibilidade e da onerosidade excessiva fundamentam-se na modificação das circunstâncias inicialmente acordadas, causando um desequilíbrio das obrigações pactuadas entre as partes no curso da relação contratual que, anteriormente, não eram possíveis de serem previsíveis, por serem estranhas à álea do negócio pactuado. Portanto, firmaram-se como exceção ao princípio pacta sunt servanda.
No ordenamento jurídico brasileiro, até a metade do século passado, havia grande resistência em reconhecer a aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva como exceção ao princípio da obrigatoriedade dos contratos por falta de dispositivo legal permissivo. Aponta-se o Ministro Nelson Hungria como o primeiro julgador a reconhecer à aplicação da teoria da imprevisibilidade no direito brasileiro por meio da equidade e dos princípios gerais do direito (Lôbo, 2018, p. 145).
Atualmente, existem dispositivos na legislação brasileira que, expressamente, relativiza o princípio da obrigatoriedade dos contratos pela aplicação da teoria da imprevisibilidade ou da teoria da onerosidade excessiva nos contratos, entre eles, cita-se: Código Civil, Lei de Licitações, Código de Defesa do Consumidor.
A exemplo, o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.433.434/DF, em consonância com preceitos constitucionais que visam garantir a manutenção das condições em contratos celebrados com a Administração Pública e por expressa previsão da Lei de Licitações, reconheceu a possibilita da revisão contratual sob fundamento e aplicação da teoria da imprevisão.
Assim, pode-se afirmar que os negócios contratuais podem ser revisados, alterados, suspensos ou extintos. No entanto, a problemática encontra-se na dificuldade em reconhecer quais os fatos supervenientes que seriam imprevisíveis à época de sua celebração, ou seja, distinguir os fatos supervenientes que pertence à álea do contrato entabulado, entre àqueles que justificaria pela exceção ao dever pelo cumprimento das obrigações.
Em toda relação contratual há riscos atinentes ao negócio jurídico, que embora não sejam determinados podem ser previsíveis, integrando à álea da relação contratual, que não serve como sustentáculo para fundamentar ou justificar o inadimplemento da obrigação de uma das partes.
Por outro lado, fatos futuros, imprevisíveis e extraordinários capazes de alterar ou impedir o cumprimento de uma obrigação contratual, são capazes de justificar a sua revisão, suspensão ou resolução, desde que haja repercussão direta no equilíbrio das obrigações pactuadas, inicialmente, entre as partes. Exige-se ainda, que o fato superveniente e imprevisível não tenha contribuição das partes. Desta forma, o evento extraordinário a justificar à rediscussão contratual não pode ter origem na ação ou omissão dos envolvidos na relação negocial.
Atualmente, encontra-se divergência na doutrina a despeito de qual teoria fora adotada pelo Código Civil Brasileiro. Pela similaridade existente entre as teorias, encontramos àqueles que entendem que a teoria da onerosidade excessiva fora absolvida pela teoria da imprevisão, não havendo relevância jurídica quanto a sua distinção. Dentre eles: Caio Mário da Silva Pereira (2017, p. 168), Flávio Tartuce (2014, p. 143) e Maria Helena Diniz (2007, p. 94).
Em contraposto, parte da doutrina entende que as teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva possuem semelhanças, mas, não se confundem. Dentre as justificativas apontadas defende-se que a distinção se encontraria: a) na fundamentação jurídica, pela existência de dispositivos legais próprios para cada teoria; b) na consequência, vez que o resultado do evento seria a desproporcionalidade a qualquer das partes ou onerosidade excessiva a uma; c) no resultado prático, previsão de satisfação pelo pedido revisional ou resolutivo. Nesse sentido, aponta-se a doutrina de Cleyson de Moraes Mello (2017, p. 199), Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019, p. 293).
Entre àqueles que defendem a distinção quanto à aplicabilidade jurídica da teoria da imprevisão e da teoria da onerosidade excessiva, apontam como principal diferença o objetivo pretendido. Nesse sentido, se o resultado pretendido for a revisão dos contratos, esta deve ser, necessariamente, proposta sob fundamento da teoria da imprevisão, em conformidade com o disposto no artigo 317 do Código Civil. Enquanto que ao se pretender a resolução dos contratos esta deve estar fundamentada pela teoria da onerosidade excessiva, em conformidade com o artigo 478 do mesmo dispositivo legal.
Para aqueles que adotam este posicionamento, sustentam, principalmente, que a justificativa para a aplicação de uma ou de outra teoria, está relacionada às consequências das causas supervenientes. Assim, firmam o entendimento de que ocorrendo desproporcional desequilíbrio entre as obrigações assumidas, esta daria causa a revisão contratual. Mas, se resultar onerosidade excessivamente das obrigações à uma das partes, seria caso de resolução do contrato.
Data vênia, ousamos em discordar de semelhante posicionamento, por entendermos que os negócios jurídicos podem ser revisados, alterados ou extintos sob o fundamento de qualquer uma das teorias apontadas. Compreensão que se justifica sob prisma dos princípios que regem as relações contratuais em nosso ordenamento jurídico, ou seja, os negócios jurídicos devem respeitar a função social, a boa-fé e o equilíbrio econômico entre as partes, além do interesse à solução de menor danosidade às relações contratuais.
Acreditamos que as partes contratantes possam renegociarem as obrigações, anteriormente, pactuadas, seja sob fundamento da teoria da imprevisão, seja pela teoria da onerosidade excessiva. As duas teorias oportunizam à manutenção dos contratos com alterações pontuais ou, não sendo possível, a sua resolução definitiva. Na prática observa-se que, estando presentes os elementos centrais de sua fundamentação, poder-se-á encontrar fundamento sob qualquer uma das duas teorias, visto que ambas permitem a revisão ou resolução do contrato.
Portanto, deve-se ser ponderado a decisão que melhor possa atender os interesses das partes envolvidas, direta ou indiretamente, na relação contratual, sem desconsiderar os princípios que regem as relações contratuais, em observância a solução de menor danosidade e pela possibilidade de se restabelecer o equilíbrio econômico entre às partes. Desta forma, sempre quando a situação fática permitir, independentemente se fundamentado na teoria da imprevisibilidade ou da onerosidade excessiva, deve-se evitar a resolução dos contratos que, preponderantemente, poderá mostrar-se prejudicial a todos os envolvidos.
Há diversos enunciados civilistas que alinham entendimento pelo reconhecendo da aplicação da teoria da imprevisibilidade e da teoria da onerosidade excessiva no ordenamento jurídico brasileiro, em que se permite, quando possível, adotar medidas de menor impacto às relações contratuais. Dentre eles, destacamos os enunciados da Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:
Enunciado 176 – Art. 478: Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.
Enunciado 365: Art. 478. A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena.
Enunciado 367 – Art. 479. Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada a sua vontade e observado o contraditório.
Para a correta aplicação da teoria da imprevisibilidade ou da onerosidade excessiva ao caso concreto, ser-se-á necessário demonstrar alguns requisitos para justificar a revisão, suspensão ou resolução de um contrato.
Inicialmente, é essencial que a obrigação pactuada apresente prestação de natureza continuada ou futura (trato sucessivo ou a termo), em que o vínculo contratual se prolonga no tempo futuro, exigindo o cumprimento de um fazer ou não fazer para satisfação do negócio jurídico.
Exige-se ainda a imprevisibilidade do evento, ou seja, um fato superveniente que, quando da celebração contratual, não era possível se esperar ou prever pelas partes contratantes. Neste ponto, faz-se necessário esclarecer que o fato imprevisível não tenha relação com os riscos da natureza obrigacional assumida. Nesse sentido, se um contrato possui obrigação indexada a uma moeda estrangeira e, quando do cumprimento, o valor dessa moeda tenha sofrido uma variação não esperada pelo devedor, a este não lhe servirá o fundamento da imprevisibilidade, visto que o fato superveniente integrava a álea do contrato.
Outro requisito a estar presente na fundamentação da teoria imprevisão ou da onerosidade excessiva é a demonstração de prejuízo desproporcional ou de sua excessiva onerosidade, capaz de causar desequilíbrio econômico entre as partes decorrente de um evento superveniente e imprevisível. Deve existir nexo de causalidade entre o dano econômico com o fato futuro extraordinário.
Assim, estando presente os requisitos mínimos, pode-se recorrer aos fundamentos da teoria da imprevisibilidade ou da onerosidade excessiva, que estão inseridas no ordenamento jurídico brasileiro, para arrazoar os conflitos contenciosos em busca de soluções que possam atender aos interesses das partes envolvidas nas relações contratuais.
Seguindo a proposta deste trabalho, importa fazer uma análise do artigo 393 do Código Civil que trata da responsabilidade do devedor pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior.
Ainda não se possui um consenso na doutrina quanto à definição conceitual dos termos: caso fortuito e força maior. Aliás, essa divergência é histórica. Neste contexto, por entendermos pela inexistência prática jurídica, torna-se dispensável, neste trabalho, apresentar a discussão conceitual dos termos, em consonância ao posicionamento adotado por Silvio de Salvo Venosa, a transcrever:
De todas as distinções feitas, concluímos que entre ambos os fenômenos há apenas uma diferença de grau, com idênticas consequências. Washington de Barros Monteiro (1979, v. 4:331), após enfileirar em síntese as distinções apresentadas na literatura, conclui que a força maior é o fato que resulta de situações independentes da vontade do homem, como um ciclone, um maremoto, uma tempestade; o caso fortuito é a situação que decorre de fato alheio à vontade da parte, mas proveniente de fatos humanos, como uma greve, uma guerra, um incêndio criminoso provocado por terceiros etc. É a posição mais homogênea. No entanto, para fins práticos, pouco importa a distinção. (2017, p. 350) (grifamos).
O dispositivo legal referenciado trata da possibilidade de resolução contratual quando advindo de força maior ou caso fortuito, excluindo a responsabilidade indenizatória do devedor desde que não tenha contribuído à causa impeditiva do cumprimento da obrigação. Conclui-se que, embora exista semelhança com os fundamentos da teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva, não se confundem.
A ocorrência de evento de força maior ou caso fortuito permite a resolução contratual e não exige como consequência, do evento, o desequilíbrio econômico entre as partes. Destaca-se que o objetivo é desobrigar o devedor da responsabilidade indenizatória pelo seu inadimplemento. Desta forma diferencia-se dos fundamentos e consequências pretendidos pela teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva.
Oportuno ainda, referenciar que, embora haja divergência doutrinária, encontra-se entendimento no sentido de afirmar que a teoria da imprevisão também foi consagrada pelo Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 6º, inciso V.
Em sentido diverso, defende-se que o dispositivo estaria relacionado a teoria da base objetiva pela ligação entre a pretensão revisional e as circunstâncias intrínsecas que envolveriam à formulação do vínculo contratual. No entendimento de Flávio Tartuce (2018, p. 152), entre outros, a previsão disposta no Código de Defesa do Consumidor trata-se de uma revisão contratual pura e simples, não havendo relação com à aplicação da teoria da imprevisibilidade.
Ressalta-se que a legislação consumerista não faz menção quanto à exigência de fato imprevisível ou extraordinário como requisito necessário a fundamentar à revisão contratual. Assim, torna-se possível rediscutir o contrato pactuado quando da ocorrência de evento futuro capaz de onerar o consumidor demasiadamente, sob a justificativa de se tratar de um direito básico do consumidor. Tanto que não se admite que o fornecedor de produtos e serviços utilize do dispositivo, anteriormente, mencionado para pretensão revisional.
Optamos por concluir, que o objetivo maior pretendido pela legislação consumerista é a proteção do consumidor, reconhecendo sua fragilidade nas relações frente aos fornecedores de produtos e serviços, possibilitando assim, a revisão de contratos que se tornem excessivamente onerosos.
Entretanto, encontram-se diversas decisões judiciais reconhecendo à aplicação da teoria da imprevisibilidade com base no dispositivo do Código de Defesa do Consumidor. Mas, não há entendimento uníssono quanto à compreensão das teorias adotadas pela legislação cosumerista. Ora se reconhece à aplicação da teoria da imprevisibilidade, (AgRg no AREsp 604.726/PR, julgado em 12/02/2015), ora se reconhece aplicável a teoria da base objetiva (REsp 1.321.614/SP, julgado em 16/12/14), nas relações de consumo.
Conclusões
Por todo o exposto, desprovido de qualquer pretensão de se esgotar a discussão sobre os assuntos apresentados, pretendeu-se apresentar tema jurídico atual e relevante frente a situação de crise decorrente da pandemia do coronavírus. De forma sugestiva, objetiva-se a reflexão de soluções aos conflitos contratuais que, previsivelmente, será posto em discussão judicial ou extrajudicialmente.
Diante o estudo apresentado, conclui-se que o princípio pacta sunt servanda dos contratos não é absoluto, podendo em situações excepcionais, ser mitigado sob fundamento aos princípios da função social dos contratos, da boa-fé, do interesse socioeconômico, entre outros, por meio da teoria da imprevisibilidade e a teoria da onerosidade excessiva.
Muito embora, encontra-se divergência doutrinária e nas decisões judiciais quanto à fundamentação e aplicação da teoria da imprevisibilidade e teoria da onerosidade excessiva, não há dissonância quanto ao reconhecimento e sua aplicabilidade no direito civil brasileiro. Entendimento que possibilita, as partes envolvidas em uma relação contratual, se protegerem contra eventos supervenientes e imprevisíveis que resulte em desproporção ou onerosidade excessiva capaz de impedir o cumprimento de uma obrigação anteriormente assumida, desde que os fatos não integrem a álea natural do negócio jurídico.
Conclui-se que é possível revisar, suspender ou extinguir os contratos celebrados por meio de evento superveniente e imprevisível que cause desequilíbrio econômico a uma ou ambas as partes de uma relação contratual. Nestas situações as partes envolvidas devem considerar, sempre que possível, a possibilidade pela revisão contratual, visando dar continuidade ao cumprimento do pacto acordado em busca da solução que melhor atenda aos interesses dos envolvidos direta e indiretamente.
Referências
BRASIL. Código Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 27 mar. 2020.
Código de Hamurabi. Disponível em: <https://www.portalsaofrancisco.com.br/historia-geral/codigo-de-hamurabi>. Acesso em: 27 mar. 2020.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 2. Teoria Geral das Obrigações. 22 ed.. São Paulo: Saraiva. 2007.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. Volume 4. Contratos. 2 ed. unificada. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
LÔBO, Paulo. Direito Civil. Volume 3. Contratos. 4 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
MELLO, Cleyson de Moraes. Direito Civil. Contratos. 2 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora. 2017.
NEVES, Geraldo Serrano. Teoria Da Imprevisão e Cláusula Rebus Sic stantibus. Reedição histórica. 1956. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/teoriarebus.html>. Acessado em: 27 mar. 2020.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III. Contratos. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2017.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2018.
____________. Direito Civil. Volume 3. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécies. 9 ed. São Paulo: Método. 2014.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil. 17 ed. São Paulo: Atlas. 2017.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…