Resumo: O presente trabalho tem o intuito de expor e consolidar os diversos entendimentos doutrinários acerca do contrato bancário de crédito documentário, bem como seus efeitos nas esferas jurídicas e comerciais. Devemos ressaltar o fato de que o contrato de crédito documentário surge de uma carência inerente à relação de compra e venda internacional, dado o fato de que por diversos fatores não existe uma plena confiança das partes no momento da concretização de uma relação de compra e venda, momento no qual o Banco exercerá papel essencial para garantir a relação contratual, funcionando como uma força vinculante entre as partes. Podemos classificar como objetivo principal do trabalho em pauta, estabelecer as relações que são criadas pelo contrato de crédito documentário, quais as responsabilidades jurídicas provenientes de tal relação e qual serão os impactos deste instrumento na esfera do Comércio Exterior.[1]
Palavras-chave: Direito Bancário e Comercial, Contratos Bancários, Crédito Documentário, Carta de Crédito, Comércio Exterior.
Abstract: The present dissertation has the purpose to expose and consolidate the various understandings concerning the Documentary Letter of Credit, as well as its effects in the commercial and Law spheres. It is important to highlight that the Documentary Letter of Credit was developed from a need inherent to the international purchase and sale relation, given the fact that, for various factors, a mutual trust between the parties in the moment of the establishment of the purchase and sale relation does not exist, at this moment the Bank shall exert an essential role to guarantee the relation, acting as a binding force to the parties. We can classify as the main purpose of the dissertation hereby discussed, to establish the relations created by the Documentary Letter of Credit, which legal responsibilities originates from such relations and which are the impacts of this instrument in the Foreign Trade sphere.
Keywords: Banking and Commercial Law, Banking Contracts, Documentary Credit, Letter of Credit, Foreign Trade.
Sumário: 1 Introdução.2 Origem do Crédito Documentário. 2.1 Primeiras Aparições. 2.2 Desenvolvimento Temporal. 2.3 Usos e Costumes. 2.4 A Lex Mercatoria e sua Corelação com o Crédito Documentário. 3 Natureza Jurídica e Legislação Aplicável. 3.1 A Natureza Jurídica do Crédito Documentário. 3.2 As UCPs e as Demais Legislações Aplicáveis aos Créditos Documentários. 3.2.1 A UCP 600. 3.2.2 O Código Civil Brasileiro e a UCP 600. 4 Conceito. 4.1 Modalidades. 5 Os Personagens do Crédito Documentário. 6 Considerações finais. Referências.
1. Introdução
Em meio ao fomento do mercado financeiro que hoje é pauta das maiores discussões de âmbito internacional, e a crescente demanda emergente das relações de comércio internacional, fica em destaque qual a forma regulatória destes meios comerciais e qual meio prático utilizado para garantir o negócio, e ainda, qual deve ser a legislação aplicável a tais relações de comércio.
Neste conturbado cenário internacional que surge o Crédito Documentário, que tem como objetivo principal garantir a realização do negócio internacional, que em sua maioria tem valores monetários extremamente expressivos, por meio de uma terceira parte que atuará como uma força vinculante entre as duas partes contrantes principais para que seja cumprida a obrigação de forma clara e concreta. Este terceiro será a instituição financeira, o Banco, que virá ao auxílio do exportador e importador para garantir o bom cumprimento daquela relação contratual que possui expressivo valor monetário, e por muitas vezes, recai sobre mercadorias que são essenciais para o funcionamento e/ou produção do importador do produto, se não houvesse tal garantia, e mais, se por algum motivo o negócio viesse a não ser cumprido além do prejuizo monetário referente ao pagamento da mercadoria, ficaria também o prejuízo do desfalque de produção do importador.
Fica claro, mesmo com esta breve sumarização do que é o Crédito Documentário, que esta forma de Carta de Crédito (“L/C”) funciona como uma vinculadora dos grandes negociadores internacionais, é por conta dela que o atual crescimento econômico internacional teve o desenvolvimento que pudemos ver à olhos nus nos últimos anos, e sem a sua existência o desenvolvimento das relações internationais ficaria muito mais restrito e embarreirado, sem o escopo e desenvoltura que tanto necessitava.
Contudo, apesar de sua imensa importância para o mercado internacional, a sua existência é relativamente recente, quando tratamos de legislação e regularização para o estabelecimento da relação contratual, tal fator munido da expectativa de que o comércio internacional é um meio extremamente propício à insegurança entre as partes, fez com que o Crédito Documentário tivesse sua evolução legislativa de forma notavelmente rápida e que foi, ao longo dos anos, se aprimorando, tendo como base para o seu desenvolvimento os usos e costumes comerciais bancários. Tal fato pode ser expressamente comprovado pela própria nomenclatura da legislação pertinente a regulamentação e utilização do Crédito Documentário em âmbito internacional Uniform Customs and Pratice for Documentary Credits – UCP 600 (Regras e Usos Uniformes Relativos a Créditos Documentários) elaborada pela CCI – Câmara de Comércio International – instituição que tem como principal objetivo regulamentar as diversas formas de Carta de Crédito, institutos estes que serão tratados no desenvolver desta pesquisa.
No mais, devemos ressaltar que na ótica brasileira o Crédito Documentário é um instituto muito novo, e que não recebeu o escopo e desenvolvimento doutrinário nacional que lhe cabe, ficando limitado a divagações doutrinárias diversas que tentam de forma complexa e afoita definir aquilo que há muito já foi estabelecido em um âmbito internacional, especialmente pelo fato de muitas das decisões que surgem de divergências dos Créditos Documentários serem resolvidas por meio da Arbitragem, e mais, muitas das Câmaras Arbitrais que acabam por solucionar tais conflitos não se encontram em território brasileiro, mesmo que uma das partes envolvidas seja de tal nacionalidade, dificultando, portanto, o desenvolvimento de entendimentos doutrinários pátrios acerca do tema.
Este trabalho pretende deixar explícito os diversos entendimentos acerca do Crédito Documentário, bem como expor, de forma clara e expressa, as suas modalidades, partes, forma, impactos e problemáticas, adentrando no campo das relações de comércio exterior, mas sem ignorar o fator principal desta dissertação, qual a abrangência jurídica das normativas relativas ao Crédito Documentário e até onde sua aplicabilidade pode ser resguardada pelo sistema jurídico brasileiro.
2. Origem do Crédito Documentário
2.1. Primeiras Aparições
A primeira aparição do Contrato de Crédito Documentário, propriamente dito, é relativamente recente e nos remete ao começo do século passado, contudo, a sua verdadeira origem de forma derivada é considerada incerta, existindo certa divergência quanto à sua real origem no ramo Comercial.
De acordo com a ilustre doutrinadora Lígia Maura Costa[2], o Crédito Documentário tem a sua origem datada a partir das relações comerciais que os antigos fenícios e gregos mantinham, e dadas tais relações houve a necessidade de se estabeler uma forma de cumprimento aos negócios que elaboravam, surgindo daí a primeira forma, rústica, e não muito complexa, de Crédito Documentário.
Para Nelson Abrão, a primeira aparição de uma forma análoga ao Crédito Documentário atual remonta as antigas Commercial Letter of Credit (Carta de Crédito) que surgem da demanda de uma forma regulatória de comércio na Idade Média, mais especificadamente das atividades dos merchant bankers existentes em Londres, durante o século XVIII conforme verificamos no desenrolar de sua obra
“A origem do crédito documentado “remonta à atividade dos merchant bankers, os quais operavam em Londres já no sécula XVIII, intrometendo-se nos negócios de importações, com o obrigar-se perante o vendedor estrangeiro, na vez e lugar do comprador nacional, por meio de cartas (commercial letters of credit), que representavam uma adaptação da carta de pagamento, que intervinha no contrato de câmbio, à assim chamada carta dos viajantes (traveller’s letter of credit) já em uso na Idade Média.”[3]
Podemos estipular que realmente é incerta a sua real origem, contudo a sua necessidade sempre foi essencial para a manutenção do comércio internacional, e mais, sempre foi essencial para que as relações internacionais estabelecidas entre entes privados tivesse, na medida do possível, uma chance de sucesso maior, afinal o negócio precisa ser concretizado e quanto maior a distância entre as partes, maior será a dificuldade para tal.
Mas na realidade, o fato que se torna mais claro a partir da análise destes pontos, é neste contexto e desta real necessidade de existir uma forma regulatória internacional para garantir que a relação negocial que vem à surgir se concretize, que surgem as primeiras formas de Crédito Documentário.
2.2. Desenvolvimento Temporal
Com o desenrolar das décadas, e a evolução das relações de comércio internacional, surge também uma demanda para reinventar o sistema contratual e seguratório das relações de compra e venda de produtos em âmbito internacional.
De tal demanda os antigos institutos da Commercial Letter of Credit, citada pelo professor Abrão, começam a se desenvolver e adentrar na intrínseca complexidade da relação internacional e iniciou o longo processo de criação e elaboração do que hoje conhecemos como Crédito Documentário (também conhecido como Carta de Crédito).
Para que possamos localizar o momento histórico que promoveu tal fomento do Mercado Internacional, acima mencionado, devemos nos remeter ao início do século passado, no desenrolar da Primeira Guerra Mundial, momento este que pudemos evidenciar um grande impacto nas relações comerciais ao redor do mundo, não só como efeitos da Guerra em si, mas também como a própria evolução das relações comerciais e nos sistemas de trocas que surgiram da necessidade que emanava do mercado. Munido a todos estes fatores, esta época foi alvo de uma grande evolução tecnológica que acabou por acelerar o comércio e proporcionar novas formas e produtos que foram rapidamente implantamos no mercado internacional.
Válido ressaltar, neste momento, que não existe divergência doutrinária quanto ao surgimento do Crédito Documentário moderno, fato este passificado pela doutrinadora Lígia Maura Costa em sua obra:
“Alguns autores afirmam que o crédito documentário é um derivado da antiga carta de crédito existente entre os fenícios, babilônios, os assírios, ou, ainda os gregos. Outros consideram que devemos procurar suas origens na antiga carta de crédito medieval do século XII. Todavia, tanto uns como os outros são unânimes em afirmar que a versão moderna de crédito documentário surgiu no início desse século.”[4] (g.n.)
Fato é que a relação entre fluxo comercial e a necessidade regulatória foi essencial para que houvesse a evolução do sistema comercial internacional e das relações de comércio internacionais, e neste contexto que o Crédito Documentário surge como uma forma de final pacificar, na medida do possível, as relações de comércio internacional.
2.3. Usos e Costumes
Posto o desenvolvimento do Crédito Documentário e o início de sua incidência nas relações de comércio internacional é necessário pontuar a sua forma regulatória, e como se deu sua formação não num contexto histórico, mas sim em relação ao seu desenvolvimento jurídico.
Primeiramente, devemos deixar aqui expresso que o contrato de compra e venda, negócio que veio à originar a necessidade do Crédito Documentário, normalmente envolve valores e partes contratuais que muito custam em criar uma confiança cega na boa-fé da parte contrária, logo, se mostrava necessário algum novo elemento, uma nova parte contratual, que de certa forma estabelecesse um vínculo extra por entre as partes do contrato de compra e venda principal. Desta necessidade, inerente ao cumprimento do negócio jurídico que aqui é discutido, que o Crédito Documentário, surge como uma forma de fornecer esse novo indíviduo que vem para garantir o cumprimento da obrigação do contrato, sendo este novo indíviduo uma Instituição Financeira.
Contudo, apesar do instituto inovador que surge a partir destas práticas e evoluções jurídico-econômicas, foram se criando costumes que eram utilizados para a realização destas práticas que aos poucos foram absorvidos pelo mercado internacional e rapidamente se tornaram comuns às grandes negociadoras do século XIX.
No desenrolar da década de 20, foi criado um movimento internacional que visava unificar e uniformizar, por fim, as normas e costumes bancários utilizados para a elaboração dos contratos de Crédito Documentário, sendo tal uniformização feita por meio dos usos e costumes utilizados à época, é muito claro e notório que os usos e costumes são considerados há muito uma fonte de direito, sendo exaustiva a aparição de tal definição na doutrina pertinente, porém é válido ressaltar que Miguel Reale[5] deixa explicita tal definição e incidência dos usos e costumes como forma de fonte do Direito.
Neste contexto que temos a aparição das primeiras formas regulatórias oficiais do Crédito Documentário, instituto este que se originou exclusivamente de usos e costumes internacionais quanto à elaboração e limites das responsabilidades das partes desta nova forma de contrato.
2.4. A Lex Mercatoria e sua Correlação com o Crédito Documentário
Devemos pontuar, de forma à complementar a estruturação história do Crédito Documentário, o conceito da Lex Mercatoria e sua incidência dentro das relações de comércio internacional, bem como a sua relação intrínseca com o Crédito Documentário.
Notório o fato de que a Lex Mercatoria é há muito objeto de discussões, especialmente em âmbito acadêmico, quanto a sua existência ou não e se existiria um vinculo normativo – proveniente da Lex Mercatoria – que viria por regular determinadas práticas mercantis em relações de comércio especificas que acabaram por emergir de ações repetitivas e costumeiras desenvolvidas por tais “mercados” que foram se solidificando com o passar dos anos, são estes os usos e costumes que foram abordados com mais afinco no ponto 2.3 deste capítulo. Partindo destes pressupostos podemos citar, de forma a auxiliar no entendimento das origens da Lex Mercatória a passagem da Profª. Odete Maria de Oliveira:
“Os portos constituíam sedes de centros de comércio onde tradicionalmente organizavam-se contratos de vendas, fixavam-se condições de mercado, ocupavam-se com as convergências de preços dos produtos entre as regiões, o que veio a originar um tipo de comércio transfronteiriço e a criar serviço bancário para financiar esse tipo de comércio, daí surgindo o sistema normativo que ficou conhecido como Lex Mercatoria e que buscava consolidar base jurídica internacional para o comércio”[6].
Neste sentido, podemos verificar que o surgimento da Lex Mercatoria se trata da evolução comercial europeia que veio por exigir praticas regulamentadoras para as relações de troca que abordaravam todo o continente europeu, em tais relações foram se solidificando os usos e costumes que acabaram por cercear toda relação de consumo praticada dentro da Europa e acaba por estabelecer o que passamos a conhecer como Lex Mercatoria.
Tendo em mãos uma definição básica do que é a Lex Mercatoria nos resta explanar qual a sua real relação com o Crédito Documentário e qual o seu papel na evolução deste instituto. Para tanto é imporante citar o Illmo. Prof. Dr. Cláudio Finkelstein em seu artigo “A Famigerada Lex Mercatoria”:
“Para que não paire dúvida sobre a existência, ou não, da lex mercatoria, nada melhor do que a apresentação de alguns exemplos de sua aplicação prática. O crédito bancário é um típico exemplo de lex mercatoria. Sua normatizão ocorreu por meio da Câmara Internacional de Comércio, que elaborou as UCPs, regulação essa que decorreu dos usos e costumes internacionais. O mesmo se pode dizer dos chamados Incoterms – regras oficiais da Câmara Internacional de Comercio para a interpretação de termos comerciais –, elaborados em 1936 e atualizados frequentemente. Trata-se de uma regulamentação das principais cláusulas contratutais utilizadas no comércio internacional, novamente resultante dos usos e costumes comerciais”. (g.n.)[7]
Podemos verificar, neste pequeno trecho extraído do referido artigo, que a Lex Mercatoria está diretamente ligada à origem dos textos regulatórios do crédito documentário, e por consequência do Crédito Documentário, uma vez que foi por intermédio dela que a International Chamber of Commerce (“ICC”) elaborou as UCPs – material que será estudado mais afundo no decorrer desta dissertação – que vieram a regulamentar, por fim, as práticas bancárias internacionais e consequentemente nos dias atuais, através da UCP 600, o contrato de Crédito Documentário.
3. Natureza Jurídica e Legislação Aplicável
Para que possamos entender com mais afinco qual o propósito do Crédito Documentário, e ainda, para uma melhor compreensão de seu conceito doutrinário é necessário que analisemos a sua natureza jurídica, e que encontremos suas principais problemáticas neste quesito. A natureza jurídica de um instituto tão essencial para o comércio internacional quanto o Crédito Documentário é essencial para que seja possível determinar com maior propriedade qual será sua aplicação e estabelecer os seus limites.
Ademais, é necessário que deixemos aqui uma breve análise daquilo que pode ser considerado como a legislação aplicável para os Créditos Documentários, sendo que esta é uniformemente estabelecida pelas UCPs que são elaboradas, publicadas e atualizadas pela Câmara Internacional de Comércio (“ICC”). Legislação esta que iremos estudar mais afundo no desenvolver deste capítulo.
3.1. A Natureza Jurídica do Crédito Documentário
Inicialmente devemos deixar claro aqui existe uma dificuldade ao primeiro analisarmos a natureza jurídica daquilo que vem a ser o Crédito Documentário, inicialmente por se tratar de um instituto relativamente novo dentro de nosso ordenamento jurídico moderno, especialmente para o brasileiro, e justamente por tal motivo passou a existir uma certa divagação doutrinária acerca desta temática e um ponto comum entre tais definições dificilmente acabava por ser estabelecido.
Aqui a Illm. Doutrinadora Ligia Maura Costa volta a nos fornecer uma importante conceituação doutrinária e vem questionar toda essa divagação doutrinária que o Crédito Documentário juntamente das Cartas de Crédito (“L/C”) acabam sendo vitimas:
“Em geral, e particularmente em direito, as idéias tradicionais são quase sempre inadequadas às inovações que acompanham o desenvolvimento da vida contemporânea e à multiplicação das transações comerciais internacionais. Por mais paradoxal que isto possa parecer, o fato de duas coisas pareceram semelhantes, poderem ser utilizadas para o mesmo fim, serem dificeis de se distinguir uma da outra, não significa que se tratem de uma mesma coisa e que não haja diferenças entre elas que, por mais sutis, não sejam menos importantes. É perigoso todo raciocínio analógico quando a técnica analisada é semelhante, embora distinta da uma instituição já conhecida”.[8]
Daqui conseguimos extrair que o Crédito Documentário é um instituto completamente independente e inovador, apesar de muitos quererem compará-lo com os demais instituto contratuais existentes é necessário que o tratemos com cautela e nos fixemos apenas em sua estruturação individual, não querendo mesclar tal instituto com os demais que possam se apresentar como semelhantes.
Contudo, mesmo existindo de fato tal divergência sobre a natureza jurídica do Crédito Documentário, existem aqueles que conseguiram determina-lá partindo da análise comparativa entre o direito brasileiro e diretivas estrangeiras que se assemelham à nossa.
Nesse sentido devemos citar Hilário de Oliveira, que em sua brilhante tese de doutorado[9], consegue expor a natureza jurídica trilareal dos Créditos Documentários, onde existe uma análise intrínseca entre as vendas sobre documentos – Crédito Documentário – e o trinômio mercadoria, papéis comerciais e moeda. Tal relação passou a criar três fases negociais para os créditos documentários confirmados e para as L/Cs, sendo tais fases expostas por Hilário de Oliveira da seguinte forma:
a) A fase preparatória é reconhecida pelos contratos preliminares, pelo dever de diligência e fidelidade em que as partes negociam os termos e condições para o fechamento da venda, assim compreendendo a confirmação do pedido e todos os momentos contratuais que antecedem a abertura do crédito irrevogável [comprador-vendedor].
b) A fase dúplice da abertura do crédito documentário e emissão da carta de crédito, pela sua “fattispecie” é direcionada aos momentos contratuais e cartulários, referendados pelos bancos integrantes da negociação [comprador-banco]. Nesta fase o importador procura o seu banco, formaliza a proposta de abertura do crédito, oferece garantias fidejussórias ou moeda em espécie para posterior emissão da carta de crédito que é encaminhada ao seu beneficiário, por swift transmitido ao banco avisador.
c) E por sua vez, a fase de execução é identificada em números cláusulos na apresentação da carta de crédito acompanhada de papéis [comerciais e financeiros], que comprovam o efetivo desembaraço aduaneiro da mercadoria e determinam a pronta exibilidade dos recursos na moeda negociada [banco negociador-banco reembolsador].”[10]
Aqui podemos perceber que o Crédito Documentário e a L/C são produzidas e originadas de uma relação contratual trifásica que necessita do cumprimento de fases preliminares para que possa ser finalmente concluída. É de essencial importância que cada uma dessas fases contratuais seja cumprida para que possa ser originado o Crédito Documentário e para que este possa se fazer cumprir no âmbito legal.
Partindo destas premissas, devemos novamente analisar aquilo que nos foi exposto por Hilário de Oliveira, agora em um novo trecho:
“Mais uma vez, não é demasiado afirmar que alicerçado em natureza jurídica trilaretal: i) os créditos documentários surgem da bilateralidade de propostas contratuais apresentadas pelo importador e sua aceitabilidade pelo banco emissor; ii) já na fase subsequente, a partir da emissão e apresentação da carta de crédito pertinente pela sua exibilidade e poder de saque do novo proprietário dos recursos (o banco negociador), estes novos instrumentos creditícios transmudam-se de natureza, agora com a primazia da realidade cartulária são reconhecidos como títulos causais; iii) aí está a sua trilateralidade jurídica [decorrente da bilateralidade do contrato antecedente e irreverente exibilidade unilateral, encontrada na carta de crédito].” (g.n.)[11]
Aqui finalmente temos de uma forma clara e explicíta a origem da natureza trilateral do Crédito Documentário, é uma forma derivada entre a relação estabelecida inicialmente entre as partes, para que esta se desenvolva pela emissão do instrumento contratual de fato, sendo ele a carta de crédito, dependendo da sua apresentação para que o saque possa ser realizado, tal relação e emissão novamente é dependente daquele conteúdo documental que é inerente ao Crédito Documentário. A junção destas relações vem por formar a complexa e extremamente elaborada natureza jurídica que existe nos Crédito Documentários e nas L/Cs.
Em suma, devemos deixar claro que ainda existe uma certa divagação doutrinária acerca da natureza jurídica do Crédito Documentário, contudo, é essencial que analissemos tal relação contratual como algo único e exclusivo, não tentando confudí-la com aquelas que já nos são há muito conhecidas. No mais, existem aqueles que conseguiram determinar uma natureza jurídica condizente e fiel àquilo que o Crédito Documentário vem apresentar e expor ao mundo Jurídico, demonstrando que existe uma natureza jurídica trilateral extremamente complexa e elaborada junto desta forma contratual.
3.2. As UCPs e as Demais Legislações Aplicáveis aos Créditos Documentários
Partindo para outro ponto que é de essencial importância para que possamos entender o que é o Crédito Documentário e como se dá a sua manutenção no mundo jurídico prático, devemos analisar quais são as legislações pertinentes ao Crédito Documentário e como se dá a sua aplicação em um contexto internacional e até mesmo nacional.
Aqui devemos deixar claro que dada à natureza das partes que compõem a relação contratual do Crédito Documentário, em sua grande maioria, tratam-se de partes em locais distintos do mundo, e mais, por muitas vezes acabam se deparando com dispositivos legais e processuais nacionais incompatíveis. Desta caracteristica surgiu uma necessidade de uma normatização internacional imparcial e efetiva, para a regulamentação das relações contratuais firmadas por meio do Crédito Documentário, afinal, este é o principal meio de comércio internacional utilizado na atualidade.
Partindo desta premissa devemos expor aqui do que se trata a nova UCP (Costumes e Práticas Uniformes relativos a Créditos Documentários) 600 e como se dá a sua utilização no mundo prático jurídico, ademais, devemos verificar como sua aplicação é apurada em território brasileiro quando confrontada ao Código Civil Brasileiro, que via de regra, deveria ser o tomo a ser seguido para as relações contratuais estabelecidas por partes brasileiras.
3.2.1. A UCP 600
Com a nova forma de como as relações internacionais vem se desenvolvendo, e levando em conta que a legislação aplicável para os casos de contratos e demais relações jurídicas, firmadas no âmbito internacional, sofriam de uma carência legislativa e isto, consequentemente, provocava um enorme conflito quanto à eventuais litigios que vinham a surgir destas relações jurídicas.
Surgiu então a necessidade de uma padronização da legislação para os negócios firmados sob a égide internacional, suprida por uma iniciativa da ICC – International Chamber of Commerce – para criar uma norma que vinha finalmente estabelecer padrões e diretrizes normativas que os Créditos Documentários deveriam seguir quando da sua formação.
Ademais, vale citar que para a Carta de Crédito ser análisada sob a égide da UCP 600 e suas normas, é necessário que no contrato esteja expressamente disposto que aquele instrumento encontra-se sujeito às regras e normativas expostas pela UCP 600, logo, podemos de pronto verificar que é completamente optativa sua adoção, tornando-a apenas um instrumento de “conselho” para aqueles que vierem a firmar novos contratos de Crédito Documentário:
“Artigo 1º
Aplicação da UCP
Os Costumes e Práticas Uniformes relativos a Créditos Documentários, Revisão 2007, Publicação nº 600 da CCI são as regras a serem aplicadas a todo Crédito Documentário (“crédito”) (inclusive, na medida em que forem aplicáveis, a qualquer Carta de Crédito Standby) sempre que o texto do instrumento de crédito expressamente indicar que o respectivo crédito está sujeito a estas regras, às quais estarão vinculadas todas as partes envolvidas, exceto modificação ou exclusão expressa constante do referido instrumento.” (g.n.)[12]
Apesar de tal normativa não ter força de Lei, especialmente para nós brasileiros, e necessitar da vontade expressa das partes no contrato em aderir a tal normativa, ela costuma ser adotada e seguida a risca por aqueles que vem a firmar os contratos de Crédito Documentário, tal fato se dá, especialmente, como uma consequencia da forma de resolução de litigios proveniente da relação desenvolvida pelo Crédito Documentário, esta que acaba por ser a arbitragem.
Por este simples fator, de enorme relevância para o entendimento deste assunto, acaba por ser de conveniência das partes contratuais e até uma forma de facilitar todo o processo litigioso, que se assuma como legislação principal para a resolução daquele que vir a ser o ponto de ebulição do conflito proveniente do Crédito Documentário, uma normativa internacional, elaborada e prontamente análisada por aqueles que dominam o conteúdo que vem a ser disposto naquela normativa. Impedindo, por muitas vezes, que as partes venham a se prejudicar por conta de uma legislação de determinado Estado que possa ter principios e aplicações contrários àquilo que o Crédito Documentário vêm resguardar.
Ademais, importante citar que a UCP 600 vem regular não somente quem serão as partes da relação contratual, ou como se dará a interpretação do contrato de Crédito Documentário, mas também desde os requisitos minimos de sua formação/estruturação, a até como se dará a embarcação da mercadoria que vem a ser objeto do contrato.
Por fim, podemos estabelecer e reconhecer que a UCP 600 é um instrumento essencial para que o contrato de Crédito Documentário possa ter seu cumprimento da forma mais fiel possível, seguindo as normativas internacionais, e tentar atingir a maior minimização de litigios inerentes à tal relação possíveis.
3.2.2. O Código Civil Brasileiro e a UCP 600
Importante que agora tratemos de uma temátiva que tem importante relevância para nosso direito pátrio, como se dá a resolução de litigios, quando estas fogem do meio arbitral e acabam por parar em cortes brasileiras para sua solução.
Neste sentido, de pronto devemos ressaltar que são rarissímos os casos em que litigios originários das relações de contratação de Crédito Documentário vêm a aparecer em cortes brasileiras, porém, quando tais litigos vêm a recair sob estas existe uma prerrogativa inicial, especialmente de iniciativa do STJ, para que sejam análisadas normas específicas para àquela relação contratual, no caso em estudo, tais normas seriam as UCPs, que em sua edição atual – como dito anteriormente – encontram-se com a numeração 600.
Contudo, apesar de existir tal iniciativa de se respeitar àquela que vem a ser a legislação internacional regente da relação contratual, existe ainda a necessidade de analisarmos o nosso Código Civil – que vem a regular relações contratuais pátrias – tentando aplicá-lo ao Crédito Documentário e provocando um possível conflito entre as duas normas.
Tais normativas não devem ser confundidas, mesmo que desafiadas em um mesmo conflito, é importante que o magistrado consiga separar aquilo que surge de uma relação internacional e necessita de uma legislação específica para tal, não contaminada por precedentes e princípios que são exclusivos de determinado país, como – querendo ou não – é o caso de nosso Código Civil.
A legislação pátria de um país, tende por muitas vezes, a criar beneficios para seus residentes e mesmo que não o faça é muito mais simples para que o residente daquele Estado, acostumado com àquela legislação, manipule o contrato a seu favor sem que a parte contrária o perceba.
Por fim, é necessário que tomemos um breve momento para analisarmos o Recurso Especial 885.674 RJ do STJ, que sabiamente trata do assunto:
“Comercial. Recurso especial. Operação de importação de mercadorias. Carta de crédito documentário. Análise das regras específicas relacionadas a tal forma de crédito. 'Brochura 500' da Câmara de Comércio Internacional. Limitação da responsabilidade do banco confirmador à análise formal dos documentos requeridos para o pagamento ao exportador. Prevalência da interpretação que confere maior segurança às operações internacionais. – O crédito documentário é utilizado em operações internacionais de comércio. Além da relação entre o importador e o exportador, envolve uma instituição financeira que garante o pagamento do contrato por intermédio de uma carta de crédito. Na prática, o banco emitente da carta de crédito é procurado por um cliente com o objetivo de efetuar o pagamento a um terceiro, beneficiário, ou, ainda, autorizar outro banco a fazer o pagamento ou a negociar. Precedente. – Como importante instrumento de fomento às operações internacionais de comércio, ao crédito documentário costuma-se atribuir as qualidades relativas à irrevogabilidade e à autonomia. Assim, uma eventual mudança posterior de idéia do tomador do crédito (importador) quanto à realização do negócio é irrelevante, pois, para que o banco confirmador honre seu compromisso perante o exportador, basta que este tenha cumprido os requisitos formais exigidos anteriormente pelo importador, salientando-se, ainda, que o banco sequer participa do contrato de compra e venda. – Na presente hipótese, o importador condicionou o pagamento à apresentação, pelo exportador, do boleto de embarque da mercadoria, a ser realizado antes de determinada data. A data do embarque, assim, foi erigida a requisito formal, a ser verificado antes do pagamento. Ocorre que, segundo o importador, o exportador apresentou um certificado de embarque ideologicamente falso, pois inverídica a data ali inserida. Em conseqüência, sustenta o importador que o pagamento foi indevido. – Nos termos da doutrina que trata dessa operação mercantil, a análise a ser realizada pelo banco, no sentido de verificar se está presente o dever de pagar ao importador, é limitada ao aspecto formal dos documentos exigidos. Em uma análise estrita, o certificado de embarque apresentado não contém nenhum vício aparente. A alegada falsidade na aposição de data pretérita não se confunde com algum defeito formal perceptível de plano. – O pretendido dever de não honrar a carta de crédito, na presente hipótese, significa atribuir ao banco a obrigação de realizar um verdadeiro juízo de valor sobre documento formalmente autêntico, de modo a desconsiderar seu aspecto formal exterior, privilegiar elementos fáticos que lhe são externos e concluir, em uma investigação em última instância verdadeiramente policial, que houve a prática de um ilícito grave. Recurso especial provido.” (g.n.)[13]
Podemos verificar neste acórdão que a terceira turma do STJ tratou a relação contratual proveniente do Crédito Documentário com muita cautela e sabedoria, adotando como principal instrumento legislativo aplicável para tal contrato a então vigente UCP 500. Contudo, apesar da Min. Nancy Andrighi promover tal decisão baseada, em um primeiro momento, exclusivamente na UCP 500 para solucionar a lide, devemos nos remeter ao Voto-Vista do Min. Ari Pargendler referente à tal processo:
“Ao efetuar o pagamento do valor equivalente ao do depósito em garantia (fl. 38, itens 10/11) a instituição financeira assumiu o risco do ressarciamento desse valor à segunda autora, já que não atentou para a anterior comunicação daquela rescição contratual. Há de responder, pois, por sua negligência e descontrole organizacional (art. 159, do Código Civil), não podendo impor a irrevogabilidade do ajuste. Deveria fazê-lo, ademais, na forma requerida na inicial da ação cautelar”. (g.n.)[14]
Aqui podemos verificar o breve lapso onde se esquecem da aplicação da UCP 500 para o caso prático em questão e passa o legislador a aplicar sanções e obrigações provientes do Código Civil Brasileiro.
Este assunto ainda é muito debatido, e não se tem atualmente uma precedência pacífica para este conflito legislativo, especialmente pelo fato de existirem tão poucas relações litigiosas que envolvam os contratos de Crédito Documentário nas cortes brasileiros, restando à abitragem a maioria das resoluções destes conflitos. Nos resta aguardar e observar na esperança de um entendimento pacífico acerca de qual deve ser a legislação aplicável para este caso e se continuarão as UCPs à prevalecerem para quando da análise destes conflitos.
4. Conceito
Após a análise de todos os conceitos e institutos estudados acima, devemos agora nos focar em mais um importante e essencial aspecto dos Créditos Documentários sendo este a sua conceituação doutrinária.
Para tanto, podemos nos voltar ao conceito que foi exposto pelo doutrinador Celso Marcelo de Oliveira, onde ele define como contrato de Crédito Documentário:
“Contrato financeiro pelo qual a Instituição Financeira emissoria em conformidade com as instruções de seu cliente ordenante se compromete a efetuar o pagamento ao beneficiário contra a entrega de documentos representativos dos bens objeto de uma operação comercial internacional.”[15]
Podemos ainda citar a diferenciação e definição, entre crédito e contrato, que é exposta no corpo da UCP 600 em seu art. 4º:
“Artigo 4º
Crédito vs. Contratos
a) Um crédito, por sua própria natureza, é uma transação separada do contrato de compra e venda ou outro no qual possa estar fundamentado. O contrato em questão não interessa nem vincula aos bancos, de modo algum, quer conste ou não qualquer referência a ele no instrumento de crédito. Como consequência, o compromisso do banco de honrar; negociar ou satisfazer qualquer outra obrigação nos termos do instrumento de crédito não está sujeito a reivindicações ou defesas por parte do requerente em decorrência de suas relações com o Banco Emitente ou com o Beneficiário…”[16]
Importante que este artigo seja levado em consideração para que possamos evitar eventuais confusões entre o contrato em si e o crédito bancário que foi disponibilizado pelo banco envolvido na relação contratual principal. São institutos diferentes e devem ser tratados como tal.
No mais, quanto ao contrato de Crédito Documentário, a partir da análise conceitual exposta acima, podemos verificar que trata-se de uma obrigação condicionada onde será necessário a apresentação de documentos específicos para que a relação contratual seja finalizada e o pagamento realizado, onde tais documentos representarão as mercadorias envolvidas na relação fornecendo à parte os direitos sobre o pagamento.
De outra parte, devemos destacar a figura representada pelo banco nesta relação contratual, ele entra na relação como um garantidor do negócio jurídico, ele virá à se comprometer a satisfazer a obrigação do tomador do crédito, criando uma nova segurança ao beneficiário e ao cumprimento do contrato.
Podemos, inclusive, visualizar a assertiva de que o banco, nesta relação contratual, tem uma importância essencial para que este instituto contratual fosse considerado válido, e mais, que este instituto fosse adotado tão vastamente pelas relações comerciais internacionais. Neste sentido, devemos, novamente, visualizar aquilo que foi exposto por Ligia Maura Costa:
“A intervenção do banqueiro numa operação de crédito documentário é caracterizada pela neutralidade absoluta, a qual elimina os riscos, assegurando solidez necessária à instituição de crédito. De fato, o banco é o intermédio em quem comprador e vendedor “vão confiar para vencer a desconfiança recíproca.”[17]
Verificamos que o contrato de Crédito Documentário é um instituto exclusivo, que não tem suas características mescladas com outros institutos contratuais, tornando então sua aplicação e adoção únicos e específicos.
Ainda devemos considerar que o banco é parte essencial para a formação deste instuto contratual, sendo ele quem irá garantir a relação e tornar-lá válida e verossímil, criando interesse de particulares para que estes venham à contratar desta forma e ter sua relação negocial garantida por uma instituição financeira, que por muitas vezes, consta de renome internacional e conduta ilibada quanto à realização destes contratos.
4.1. Modalidades
Além da conceituação formal do que é o instituto do Crédito Documentário, que foi apresentada acima, devemos pontuar que existem determinadas modalidades que definem os diferentes tipos de contrato, sendo eles[18]:
a) Revogável
O Crédito Documentário revogável é todo aquele que poderá, como sua nomenclatura já sugere, ser alterado ou revogado a qualquer momento, sem que seja necessário aviso prévio algum ao beneficiário, conforme pontuado na obra de Arnaldo Rizzardo:
“O primeiro (crédito documentário revogável) pode ser modificado ou cancelado a qualquer momento, sem que a necessidade de um anterior aviso beneficiário. Ou seja, é possível a modificação ou a revogação sem acordo ou o aviso do beneficiário ou vendedor das mercadorias.”[19]
Contudo, devido a insegurança que esta modalidade fornece ao exportador, ela está entrando em desuso pois poderá o contrato ser cancelado ou alterado unilateralmente sem aviso prévio algum, logo às vésperas do embarque da mercadoria já preparada.
A única possibilidade que ainda resta para a utilização da modalidade revogável recai sob as empresas que integram um mesmo grupo financeiro, em especial as multinacionais, pois aqui não irá existir um risco financeiro-economico às partes quando rescindindo o contrato unilateralmente, pois tal ato já será esperado e bem planejado pela diretoria do grupo antes de ser realizado.
b) Irrevogável
Esta é a modalidade mais usual de Crédito Documentário dentro do cenário de comércio internacional[20], é nesta modalidade que teremos a instituição financeira como uma parte interveniente na relação contratual, pois ele irá garantir o compromisso de pagamento uma vez que seja realizada a entrega dos documentos pertinentes.
Ademais, ele não poderá ser alterado ou cancelado sem o consentimento de todas as partes envolvidas na relação, uma mera aceitação parcial de uma alteração contratual não surtirá efeitos sem a concordância de todas as demais partes intervenientes interessadas.[21]
Nesta modalidade temos uma maior segurança ao exportador, pois ele terá a certeza que o contrato não poderá ser cancelado a qualquer momento sem o seu consentimento, e também fornece uma maior garantia de pagamento pois o banco entrará na relação contratual como um garantidor deste. Ademais fornece uma menor flexibilidade ao tomador, pois este não mais poderá cancelar o contrato quando bem lhe convir.
Aqui teremos duas subdivisões daqueles que vem a ser o crédito irrevogável, sendo eles o crédito irrevogável confirmado e o crédito irrevogável não-confirmado, para que possamos melhor entendê-los podemos utilizar a definição dada por Arnaldo Rizzardo:
“Para a confirmação do crédito exige-se a existência de um segundo banco, que será mandatário ou correspondente daquele que abre o crédito. O banco emissor autoriza ou solicita a um outro banco para confirmar o crédito irrevogável. Caso confirme, o banco intermediário se torna compromissado a satisfazer o crédito, podendo o exportador agir contra ele se não houver a satisfação do crédito. Por outras palavras, o banco intermediário se compromete, frente ao vendedor, a atender a obrigação assumida pelo banco que abriu o crédito.
Crédito não-confirmado (sic) considera-se aquele em que o banco se limita tão unicamente a notificar a abertura do crédito a seu beneficiário. Não se verifica o empenho direto ao banco correspondente, mas a função do banco intermediário se restringe em levar ao conhecimento do beneficiário que foi aberto um crédito a seu favor por um determinado banco, e dentro de certas condições.”[22]
Em suma, podemos determinar que o Crédito confirmado trata-se de uma nova promessa em relação ao compromisso original que foi firmado, pois haverá a ratificação de um outro banco para com aquela relação, reassegurando a obrigação do banco emitente de pagar, aceitar saques, comprar/negociar os saques e demais obrigações, sem direito de regresso contra o beneficiário.
Já o Crédito não-confirmado ocorre quando o banco notificador não assume nenhuma obrigação para aquela relação comercial, somento o banco emissor responde perante o beneficiário.
5. Os Personagens do Crédito Documentário
Nas relações que são estabelecidas nos contratos de Crédito Documentário, teremos ordinariamente – em suas formas mais simples – apenas três personagens participantes, sendo eles: o tomador do crédito, o beneficiário e finalmente o banqueiro[23].
Contudo, em suas formas mais complexas, o contrato em questão apresenta diversos novos personagens que terão papeis extremamente especificos para que este seja finalizado e todas as suas obrigações sejam devidamente cumpridas. Será no próprio diploma legal da UCP 600, em seu art. 2º, que teremos as suas respectivas definições, sendo tais partes: (a) Banco Emissor (Issuing Bank); (b) Banco Notificador (Advising Bank); (c) Banco Confirmador ou Avalista (Confirming Bank); (d) Banco Negociador (Negotiating Bank); (e) Banco Pagador (Reimbursing Bank); (f) Beneficiário ou Exportador (Beneficiary); e (g) Requerente ou Importador (Applicant).
O texto original da UCP 600 e de seu art. 2º, em sua publicação oficial pela International Chamber of Commerce (“ICC”), segue com a seguinte redação:
“UCP 600 – Article 2
Definitions
For the purpose of these rules:
Advising bank means the bank that advises the credit at the request of the issuing bank.
Applicant means the party on whose request the credit is issued.
Banking day means a day on which a bank is regularly open at the place at which an act subject to these rules is to be performed.
Beneficiary means the party in whose favour a credit is issued.
Complying presentation means a presentation that is in accordance with the terms and conditions of the credit, the applicable provisions of these rules and international standard banking practice.
Confirmation means a definite undertaking of the confirming bank, in addition to that of the issuing bank, to honour or negotiate a complying presentation.
Confirming bank means the bank that adds its confirmation to a credit upon the issuing bank's authorization or request.
Credit means any arrangement, however named or described, that is irrevocable and thereby constitutes a definite undertaking of the issuing bank to honour a complying presentation.
Honour means:
a. to pay at sight if the credit is available by sight payment.
b. to incur a deferred payment undertaking and pay at maturity if the credit is available by deferred payment.
c. to accept a bill of exchange ("draft") drawn by the beneficiary and pay at maturity if the credit is available by acceptance.
Issuing bank means the bank that issues a credit at the request of an applicant or on its own behalf.
Negotiation means the purchase by the nominated bank of drafts (drawn on a bank other than the nominated bank) and/or documents under a complying presentation, by advancing or agreeing to advance funds to the beneficiary on or before the banking day on which reimbursement is due to the nominated bank.
Nominated Bank means the bank with which the credit is available or any bank in the case of a credit available with any bank.
Presentation means either the delivery of documents under a credit to the issuing bank or nominated bank or the documents so delivered.
Presenter means a beneficiary, bank or other party that makes a presentation.”
Podemos tão logo verificar que há uma preocupação para que se estabeleça os termos e as partes que integram o contrato de Crédito Documentário, para que então não haja confusão no momento de interpretação pelas partes.
Vale ressaltar que na obra de Rômulo Francisco Vera Del Carpio temos as suas exposições e reflexões sobre os termos que são objeto do art. 2º da UCP 600, especialmente quanto às partes que integram esta forma contratual, e por conta de sua definição se torna mais facil de assimilar e conferir personalidade individual a cada um desses personagens contratuais:
“Issuing Bank (Banco emitente), também conhecido como Opening Bank, que fornece em favor do exportador as garantias bancárias da Carta de Crédito.
Advising Bank (Banco Avisador) é o banco na praça do exportador que transmite ou avisa ao exportador a chegada do Crédito Documentário, sem nenhuma responsabilidade quanto ao conteúdo, entregando o documento ao Beneficiary devidamente autenticado mediante a conferência do chamado Test Key mantido com o Issuing Bank.
Negotiating Bank (Banco Negociador) também conhecido como Paying Bank, é o banco autorizado pelo Issuing Bank a pagar, aceitar ou negociar os documentos da Carta de Crédito apresentados pelo exportador.
Confirming Bank (Banco Confirmador) é o banco normalmente estabelecido fora do país do Issuing Bank, que assume o compromisso junto ao Beneficiary de pagar o valor da Carta de Crédito em nome do Issuing Bank, sob qualquer circunstância em caso de impedimento por motivos do risco-país ou risco-banco. Em outras palavras, é o avalista do Issuing Bank.
Reimbursing Bank (Banco Reembolsador) é o caixa do Issuing Bank que efetuará o reembolso do valor da Carta de Crédito, desde que seja devidamente autorizado pelo Banco Emitente”.[24]
Nesta breve explanação fornecida por Del Carpio podemos verificar que cada um dos bancos envolvidos na relação contratual apresenta características extremamente específicas e exercem papéis igualmente necessários para o fiel cumprimento da obrigação contratual estabelecida pela Carta de Crédito, é importante que verifiquemos a todo momento quais são os bancos envolvidos na relação para que estes não sejam confundidos e acabe por existir alguma forma de cobrança indevida junto destes.
Em seguida, retorna Del Carpio com uma breve e concisa definição de quem seriam o Applicant e o Beneficiary nesta relação:
“Applicant (Tomador), também conhecido como requerente, opener, buyer ou importador, geralmente cliente do Issuing Bank.
Beneficiary (Exportador), também conhecido como seller.”[25]
Apesar de curta a definição promovida por Del Carpio, fica muito claro estabelecer quem seriam estes personagens na relação contratual, pois estes serão os pilares de formação da relação – em uma comparação ao contrato de compra e venda ordinário, seriam estes o comprador e o vendedor, respectivamente – pois serão estes que irão até o banqueiro para que este possa ingressar como parte interveniente da relação contratual em questão.
6. Considerações Finais
Uma vez analisadas todas as circunstâncias, características, personagens e condições do contrato de Crédito Documentário podemos classificá-lo como um complexo e importante meio jurídico para a solução de problemáticas que são inerentes às relações comerciais internacionais, quais sejam a falta de confiança entre as partes que compõe o contrato e a dificuldade em estabalecer um meio neutro de solução de eventuais ligitígios provenientes de tal relação.
Aquilo que virá a tornar o Crédito Documentário um instituto tão importante para o comércio internacional, e até mesmo à relação jurídica internacional existente, será a sua inovação em tornar o banqueiro uma parte interveniente nesta complexa relação contratual, sendo ele o garantidor do negócio uma nova esfera de confiança vira à surgir entre o Applicant e o Beneficiary e poderá então o negócio ser firmado entre eles com confiança e sem maiores temores.
Outrossim devemos nos voltar ao fato de que a regulamentação internacional promovida pela ICC – International Chamber of Commerce – é de vital importância para a compreensão e manutenção das relações promovidas pelo Crédito Documentário, é por meio das UCPs que conseguiremos determinar quando uma parte agiu de forma correta em relação às suas obrigações, e ainda como se dará a solução de enventuais conflitos provenientes desta forma de contrato. Existe também a delimitação das responsabilidades tanto dos bancos envolvidos na relação como também do Applicant e o Beneficiary.
Contudo, restará a problemática de qual seria a legislação aplicável no caso de solução de litígios derivados dos contratos de Crédito Documentário estabalecidos dentro de território brasileiro, será necessário adaptar as UCPs para nosso ordenamento pátrio ou deveriamos aplicar a legislação do Código Civil brasileiro de forma análoga ao caso prático. Ao analisarmos as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ – anteriormente foi possível verificar a existência de um entendimento no sentido de que será sim necessário adaptar o texto legal da UCP para o litígio proveniente da relação de Crédito Documentário, porém na mesma corte também eclodiu o entendimento da necessidade de aplicar o disposto no Código Civil brasileiro para a solução daquele litígio, demonstrando que ainda não foi promovido um entendimento completamente pacífico acerca desta questão.
Porém é importante ressaltar que são muito poucos os casos que acabam por recair sob os olhos do STJ, afinal, devido à natureza desta relação, quando surgir um litígio acerca do caso, em sua maioria, estes serão dirigidos para a arbitragem. Desta forma conseguimos impedir o favorecimento de uma das partes por utilizar-se de sua legislação pátria uma vez que o outro não teria conhecimento algum desta, podendo prejudicar-se de forma irreparável por conta deste fator, na arbitragem as partes acordam a legislação que será utilizada e consequentemente acabam por criar uma estabilidade jurídica entre elas na hora da solução do evetual litígio.
Finalmente podemos determinar que este é um instrumento indispensável para o comércio internacional e será por meio dele que a relação contratual estabelecida entre as partes seja devidamente cumprida, os meios de regulamentação internacional do Crédito Documentário acabam por garantir a sua eficácia no mundo jurídico e comercial, sem o Crédito Documentário as relações de importação/exportação de produtos num escopo internacional seriam praticamente impraticáveis atualmente, e este instrumento acaba por fazer o mercado financeiro e as relações de comércio internacional girarem perfeitamente de forma a alimenar os mercados que necessitam de um constantes giro comercial e negocial que envolva a troca de mercadorias internacional, ou seja, as relações de importação e exportação.
Acadêmica de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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