Resumo: Os princípios constitucionais, embora desprovidos de absolutismo, não podem ser flexibilizados na busca de um resultado jurisdicional a qualquer preço. As provas obtidas à margem da lei devem ser descartadas como inúteis, sob pena de termos um resultado final totalmente contrario ao que se espera do Estado judicante, ou seja, divorciado do devido processo legal. A garantia que o processo transcorrerá sob regras pré-estabelecidas e claras, preserva antes de qualquer coisa a dignidade do jurisdicionado, que dessa forma é tratado como um fim em si mesmo, e não como objeto. A teoria da proporcionalidade, que não pode ser desconsiderada na hermenêutica constitucional, deve ser vista e utilizada com muito cuidado pelo interprete, sob o risco de um atropelamento dos direitos e garantias que nós brasileiros levamos décadas para conseguir. A imposição constitucional do due process of law retira a possibilidade de mitigação da licitude dos meios persecutórios da prova, e assim o fez o legislador constituinte porque viu tal garantia como pilar de um Estado verdadeiramente de Direito.
Palavras chave: prova; ilícita; critica; relativização
Abstract: The constitutional principles, though devoid of absolutism can not be flexible in seeking a judicial result at any price. The evidence obtained outside the law should be discarded as useless, failing to have an end result completely opposite to what is expected of the state adjudicative, or divorced due process. Ensuring that the process was under pre-established rules and clear before anything preserves the dignity of the courts, so it is treated as an end in itself, not as an object. The theory of proportionality, which can not be dismissed on the hermeneutic constitution, must be seen and used very carefully by the interpreter, at the risk of trampling the rights and guarantees that we Brazilians take decades to achieve. The imposition of constitutional due process of law removes the possibility of mitigating the lawfulness of the means of proof of persecution, and so did the constituent legislator because he saw such assurance as a pillar of a truly state of law.
Keywords: proof; illegal; criticism; relativization
Sumário: Introdução; 1) Da relativização da prova ilícita; 2 ) Da ponderação; Conclusão
Introdução
Questão um tanto tormentosa no campo das provas guarda relação com a relativização daquelas obtidas por meio ilícito, mormente por excepcionar uma imposição Constitucional. A teoria da vedação do uso das provas ilícitas apóia-se no principio exclusionary rule, inserida pela quarta emenda à Constituição Norte Americana e recepcionada pelo ordenamento brasileiro através do inciso LVI do artigo 5º da CF. Antes de analisarmos a relativização deste postulado, façamos pequena digressão sobre alguns conceitos de prova. Prova é um meio “que se atesta a veracidade ou autenticidade de algo” [1]. Quanto a sua imprestabilidade, podemos defini-las como ilícitas e ilegítimas. A ilícita é aquela que viola normas de natureza material (penal ou constitucional), em sentido estrito. É a prova colhida infringindo normas ou princípios colocados pela Constituição e pelas leis, freqüentemente para proteção das liberdades públicas e especialmente dos direitos de personalidade e à intimidade. Na prova ilícita a violação ocorre no momento da colheita da prova, podendo ser anterior ou concomitante ao processo, mas externamente a este. Em suma, são as provas colhidas com violação v.g. às normas constitucionais que tutelam o direito à intimidade (inc. X da CF/88) assim como o direito ao sigilo das comunicações telefônicas (inc. XII da CF/88). A prova ilegítima conflita com normas de caráter processual. É aquela cuja colheita estaria ferindo normas de direito processual. Alguns dispositivos da lei processual penal contem regras de exclusão de determinadas provas, como, por exemplo, a proibição de depor em relação a fatos que envolvam o sigilo profissional (art. 207 CPP); ou a recusa de depor por parte de parentes e afins (art. 206 CPP). A sanção para o descumprimento dessas normas encontra-se na própria lei processual. Então, tudo se resolve dentro do processo, segundo os esquemas processuais que determinam as formas e as modalidades de produção da prova, com a sanção correspondente a cada transgressão, que pode ser pena ou nulidade. Na prova ilegítima a ilegalidade ocorre no momento de sua produção no processo. Temos ainda a prova moralmente ilegítima, que é uma subclassificação de prova lícita, pois uma prova moralmente ilegítima somente pode ser uma prova lícita, eis que se a prova for ilícita não há que se falar em prova moralmente legítima ou ilegítima. Para Marinoni a prova moralmente ilegítima, é inserida em um campo de subjetividade, que pode tornar a declaração divorciada do Texto Constitucional: “Uma vez que o conceito de prova moralmente ilegítima depende de um juízo que deve ser formado a partir do que é “moral”, admitir que o juiz possa taxar uma prova de “moralmente ilegítima” é o mesmo que dizer que o juiz tem o poder de negar que uma parte possa demonstrar o seu direito – que é constitucional e fundamental de todo cidadão (o direito à prova).” [2] A par disso, podemos separar a prova ilícita da moralmente ilegítima, em razão da primeira ofender o direito material, Constitucional ou legal, e a segunda, por nascer lícita mas por juízo valorativo do padrão comum de moral social, ser tida como ilegítima. A prova ilícita até poderá ser moralmente legitima, como v.g aquela que somente pode ser obtida por meios ilícitos, mas ajudaria a solucionar um crime.
1. Da relativização da prova ilícita
Fala-se atualmente na relativização da ilicitude das provas obtidas com ofensa ao direito material diante do principio da proporcionalidade.Trata-se na verdade de um cotejamento de princípios constitucionais em aparente conflito, valorando-se cada um para sub-julgar os menos importantes aos de maior relevância. No Brasil a teoria levantada com certa freqüência pelo Ministério Publico em questões criminais, não encontra amparo normativo idôneo, chegando em alguns casos à proximidade dos discursos sofismáticos. No direito comparado notamos no sistema da common law, o tratamento da matéria na Inglaterra e nos Estados Unidos com enfoques de sobremaneira conflitantes: o primeiro admite prova illegally obtained, e o ultimo a rejeita. De maneira genérica, podemos dizer que hodiernamente chegou-se ao convencimento de que a prova ilícita deve ser banida do processo, por mais relevância que tenha mormente frente aos princípios que defendem a intimidade. Inobstante surge a corrente que defende através da proporcionalidade o cotejamento do direito a intimidade, com a vedação das provas obtidas por meios ilícitos. A teoria da proporcionalidade, ou também chamada de teoria do balanceamento ou da preponderância de interesses, nascida na antiga Alemanha Federal, prega o balanceamento de valores de cada direito ou principio. A tese respalda-se na idéia da “razoabilidade”, fruto de edificação jurisprudencial da Suprema Corte dos Estados Unidos da América. A teoria germânica denominada de Verhaltnismassigkeitsprinzip materializou-se em decisão da Suprema Corte Alemã de 16/03/1971, que indica o seguinte enunciado: “O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível, para que seja atingido o fim almejado. O meio é adequado quando com o seu auxilio se pode promover o resultado desejado; ele é exigível quando o legislador não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria um meio não-prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível a direito fundamental.” [3] O doutrinador italiano Trocker comunga com a teoria nos seguintes termos: “A jurisprudência alemã admite excepcionalmente a admissão e utilização da prova formada ou obtida inconstitucionalmente quando se trata de realizar exigência superior de caráter publico ou privado merecedor de particular tutela” . [4] No Brasil o Texto Constitucional veda expressamente a utilização das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º LVI), exceção feita aquelas hipóteses expressas (art. 5º, XI e XII). A previsão em verdade deriva do devido processo legal (art. 5º, LIV), sendo uma garantia deste. Trata-se de um limitador constitucional ao direito de prova. O direito a produção das provas é amplo, porem ressalvadas as obtidas por meios ilícitos. A admissão dessas provas torna nulo o ato. Em nosso país já existem doutrinadores que defendem a teoria, v.g. Maria Sylvia Z. di Pietro, analisando a questão sob o âmbito administrativo: “(…) o poder de policia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas ao contrario assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social; só poderá reduzi-lo quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à convicção dos fins estatais.” [5] Reside o principio da proporcionalidade na avaliação a respeito da legitimidade dos fins e dos meios à consecução do objeto desejado, da necessidade de sua utilização e da razoabilidade de se sacrificar um direito fundamental em prol de outro. O não menos ilustre Guilherme de Souza Nucci assim se posiciona: “… Sob o nosso ponto de vista, não é o momento para o sistema processual penal brasileiro, imaturo ainda em assegurar, efetivamente, os direitos e garantias individuais, adotar a teoria da proporcionalidade. Necessitamos manter o critério da proibição plena da prova ilícita, salvo nos casos em que o preceito constitucional se choca com outro de igual relevância. (…) Dessa forma, se uma prova for obtida por mecanismo ilícito, destinando-se a absolver o acusado, é de ser admitida, tendo em vista que o erro judiciário precisaser, a todo custo, evitado.” [6] Pensa o citado doutrinador, que a proporcionalidade em regra não deve ser utilizada, porem no processo criminal, em favor do réu poderia se abrir a possibilidade. Essa posição doutrinaria atualmente é a mais defendida em nosso país. O STF em decisão da lavra do então Ministro Sepúlveda Pertence, afastou a aplicação da proporcionalidade para relativização de uma prova obtida por meio ilícito, no caso de escuta telefônica e ambiental por policiais não autorizadas judicialmente: “2. Da explicita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: consequente impertinência de apelar-se ao principio da proporcionalidade – à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira – para sobrepor à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objetio da investigação ou da imputação.” [7] No caso o STF afastou a proporcionalidade para servir de amparo à condenação do individuo, eis que o interesse tutelado era mais relevante. Já o STJ, em decisão similar, entendeu que a teoria germânica é passível de aplicação como defesa do interessado, vejamos: “II. Quando a gravação se refere a fato pretérito, consumado e sem exaurimento ou desdobramento, danoso e futuro ou concomitante, tem-se, normalmente e em prestigio, a hipótese de violação à privacidade. Todavia, demonstrada a investida criminosa contra o autor da gravação, a atuação deste – em razão, inclusive do teor daquilo que foi gravado – pode, às vezes, indicar a ocorrência de excludente de ilicitude (a par da quaestio do principio da proporcionalidade). A investida, uma vez caracterizada, tornaria, daí, licita a gravação (precedente do Pretório Excelso, inclusive do c. Plenário)” [8] A nosso ver, com todas as venias, embora parte da doutrina e jurisprudência se permitam seduzir pela aplicação da proporcionalidade, nosso ordenamento constitucional não contempla expressamente tal vertente. Embora não pretendendo ser positivista ao extremo, há de se ver com muita cautela à aplicação de um principio não previsto pela nossa Carta Republicana. Com a necessária flexibilidade hermenêutica, podemos admitir a relativização apenas para a prova ilícita por derivação, positivada pela Lei 11.690/2008, ao texto do artigo 157 do CPP, porem referida norma ratificou a inaplicabilidade quanto aquela originariamente ilícita: “Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) § 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)” Acolhemos com muita tranqüilidade, a posição de Rogério Lauria Tucci, que diverge diametralmente daqueles que se deixam embriagar pela teoria germânica, argumentando que as exceções à inadmissibilidade das provas ilícitas devem estar contidas no próprio Texto Constitucional, sendo necessariamente, taxativas, como é o caso dos incisos XI e XII do artigo 5º da atual Constituição, não comportando qualquer espécie de alargamento de seu conteúdo pela doutrina. Seu magistério assim se manifesta: :“Assim sendo – deve ser aduzido – não contestando, a Carta Magna da Republica, qualquer temperamento à preceituação determinante da inadmissibilidade de “provas obtidas por meios ilícitos”, uma vez conseguidas ou produzidas por outros meios que não os estabelecidos em lei, e, ainda, moralmente legítimos, por maior que seja a importância do direito individual a ser preservado, não têm elas como ser levadas em conta pelo órgão jurisdicional incumbido de definir a relação jurídica penal submetida à sua apreciação” [9] Pode-se ter como sustentável a flexibilização da prova ilícita, em razão do não absolutismo dos princípios constitucionais, porém há primeiramente necessidade de alteração da Constituição para que o cotejamento dos princípios tenha critérios de aplicação, e não somente pelo aspecto valorativo, como se defende, pois em tal viés entramos no campo da subjetividade em sua mais alta apresentação jurídica. O legislador constituinte quando quis excepcionou a regra, e o fez de maneira expressa, como nas hipóteses do artigo 5º, XI e XII: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; gnXII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; gn Se houvesse objetividade jurídica quanto à relativização em fomento, teríamos menção expressa, como foi feito nos incisos supra.O legislador constituinte certamente não quis permitir alem das hipóteses expressas, qualquer flexibilização, senão haveria previsão sobre o tema.O STF no RE 251.445 se deparou com uma situação inusitada, onde um dentista que em seu consultório, enquanto praticava estupro e atentado violento ao pudor fotografava as crianças, até que uma delas contou para os pais, e estes comunicando o Ministério Público deflagrou-se a ação penal.Ocorre que eles estavam sem prova documental, e os pais desesperados pediram ajuda para todos os amigos das crianças, foi então que um foi ao consultório e furtou as tais fotos. As fotos foram julgadas ilícitas, e desentranhas do processo, porque as provas foram tidas como ilícitas por derivação tese inspirada na doutrina americana fruits of the poisonous tree, ou fruit doctrine ou frutos da árvore envenenada. Note-se que a decisão faz analise tão somente da prova objeto de furto, remetendo o processo a origem para novo julgamento, com base nos demais elementos probantes: “PROVA ILÍCITA. MATERIAL FOTOGRÁFICO QUE COMPROVARIA A PRÁTICA DELITUOSA (LEI Nº 8.069/90, ART. 241). FOTOS QUE FORAM FURTADAS DO CONSULTÓRIO PROFISSIONAL DO RÉU E QUE, ENTREGUES À POLÍCIA PELO AUTOR DO FURTO, FORAM UTILIZADAS CONTRA O ACUSADO, PARA INCRIMINÁ-LO. INADMISSIBILIDADE (CF, ART. 5º, LVI). – (…):- Fotos surrupiadas de seu proprietário, que atentem contra a intimidade, direitoconstitucionalmente reconhecido, são imprestáveis para sustentar um provimento condenatório, pois ilícitas, devendo ser retiradas dos autos e devolvidas. Não aproveitável é, ainda, a ilegítima perícia de verificação do local do delito, realizada em desacordo com a legislação penal. – Sendo o processo uma seqüência coordenada de atos, no seu aspecto extrínseco, devem prevalecer aqueles atos não atingidos pelos viciados, preceitua o artigo 793, § 1º, Código de Processo Penal, inclusive a sentença (ato múltiplo), em consonância com o princípio da conservação dos atos jurídicos. – Com o expurgo das provas ilícitas e ilegítimas, deve prevalecer o provimento condenatório que guarda correlação com a sintética denúncia, somente quanto a uma das imputações, estribada nos elementos dos autos, consubstanciados na palavra coerente e concatenada da vítima em ambas as fases da persecução penal, corroborada pelas confissões extrajudiciais dos réus e demais provas documentais. – Merece diminuição a pena imposta, considerando várias condutas, por não mais existirem no mundo do processo. – Apelação parcialmente provida." (…) Existência, ademais, de outras provas suficientes à condenação dos réus em relação ao delito acima referido. Aplicação do princípio da proporcionalidade. Pelo conhecimento parcial e provimento do presente recurso extraordinário." Passo a apreciar o presente recurso extraordinário. E, ao fazê-lo, dele conheço, em parte, nos termos do parecer da douta Procuradoria-Geral da República, eis que o Ministério Público Estadual, ao pretender a restauração integral da sentença penal condenatória proferida em primeira instância, busca, na realidade, e no que se refere, especificamente, à absolvição dos ora recorridos quanto aos delitos de estupro (contra a menor D.P.M.F.) e de atentado violento ao pudor (contra os menores A.A.D. e A.O.M.), promover a reavaliação dos elementos fáticos produzidos no processo penal de conhecimento. (…). Sendo assim, limito-me a examinar o presente recurso extraordinário unicamente no ponto em que o Tribunal de Justiça local, ao reconhecer a ilicitude da prova fotográfica produzida contra os ora recorridos, veio a absolvê-los da imputação referente ao delito tipificado no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13/7/90).(…) A cláusula constitucional do due process of law – que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público – tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado. A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário. A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Publique-se. Brasília, 21 de junho de 2000 Ministro CELSO DE MELLO Relator. RE 251445 / GO.” [10] A despeito da opinião publica, e devemos ficar distantes dessa aura, a Suprema Corte julgou em sintonia com a previsão constitucional, ou seja, a prova que teve como origem um furto nasceu ilícita, o que impediu sua utilização.
2. Da ponderação
A falta de um critério constitucional para o cotejamento dos princípios, pode levar num primeiro momento o intérprete a um raciocínio precipitado, especialmente em casos como o citado que envolve crianças, mas se adotar-se a proporcionalidade em tais situações, de comoção popular, também deve ser utilizado naqueles em que longe dos holofotes um cidadão comum é torturado para confessar um crime. Neste ultimo caso, o Judiciário teria a prova inequívoca do ilícito, mas a qual custo ? O furto das fotos seria menos ilícito do que a tortura ? Poderia ter pena menor, mas seria crime da mesma forma. Nos dois casos o réu poderia ser culpado, mas jamais podemos admitir em uma sociedade que cultiva direitos de terceira geração, que os fins devem justificar os meios. Todos nós temos o direito fundamental de não ter uma prova ilícita contra si. O STJ tem afirmado incansavelmente que “as provas obtidas ilicitamente são destituídas de eficácia jurídica” [11] e o STF na voz do Min. Celso de Mello vem no mesmo sentido com a seguinte decisão: “A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável”. [12] Merece transcrição o voto do ilustre Ministro na ação penal nº 307-3 – DF: “Tenho reiteradamente enfatizado, em diversas decisões proferidas no âmbito desta Corte Suprema, que ninguém pode ser denunciado ou condenado com fundamento em provas ilícitas, eis que a atividade persecutória do Poder Público, também nesse domínio, está necessariamente subordinada à estrita observância de parâmetros de caráter ético-jurídico cuja transgressão só pode importar, no contexto emergente de nosso sistema normativo, na absoluta ineficácia dos meios probatórios produzidos pelo Estado. Impõe-se registrar, como expressiva conquista dos direitos instituídos em favor daqueles que sofrem a ação persecutória do Estado, a inquestionável hostilidade do ordenamento constitucional brasileiro às provas ilegítimas e às provas ilícitas. A Constituição da República, por isso mesmo, sancionou, com a inadmissibilidade de sua válida utilização, as provas inquinadas de ilegitimidade ou de ilicitude. (…) A cláusula constitucional do due process of law – que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público – tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado. A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário. A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica. Tenho tido a oportunidade de enfatizar, neste Tribunal, que a Exclusionary Rule – considerada essencial pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América na definição dos limites da atividade probatória desenvolvida pelo Estado – destina-se, na abrangência de seu conteúdo, e pelo banimento processual de evidências ilicitamente coligidas, a proteger os réus criminais contra a ilegítima produção ou a ilegal colheita de prova incriminadora (Garrity v. New Jersey, 385 U.S. 493, 1967; Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643, 1961; Wong Sun v. United States, 371 U.S. 471, 1962, v. g.). Essa questão – até mesmo em função das razões subjacentes ao tema da inadmissibilidade, em nosso sistema constitucional, das provas ilícitas – assume, a meu ver, inegável relevo jurídico.” [13] Não poderia ser de outra forma, pois quando se fala em devido processo legal, externa o texto constitucional, que as garantias advindas do direito material serão respeitadas. O magistério de Ada Pellegrini Grinover, é sempre oportuno: "A inadmissibilidade processual da prova ilícita torna-se absoluta, sempre que a ilicitude consista na violação de uma norma constitucional, em prejuízo das partes ou de terceiros. Nesses casos, é irrelevante indagar se o ilícito foi cometido por agente público ou por particulares, porque, em ambos os casos, a prova terá sido obtida com infringência aos princípios constitucionais que garantem os direitos da personalidade. Será também irrelevante indagar-se a respeito do momento em que a ilicitude se caracterizou (antes e fora do processo ou no curso do mesmo); será irrelevante indagar-se se o ato ilícito foi cumprido contra a parte ou contra terceiro, desde que tenha importado em violação a direitos fundamentais; e será, por fim, irrelevante indagar-se se o processo no qual se utilizaria prova ilícita deste jaez é de natureza penal ou civil. (…) (…) toda vez que uma prova for colhida em desrespeito aos princípios constitucionais, expressos ou implícitos, no que concerne à tutela do direito à intimidade e de seus desdobramentos, a referida prova não poderá ser admitida no processo, por subsumir-se no conceito de inconstitucionalidade." [14] A mesma autora, em outra obra da mesma magnitude, ratifica sua posição: "A Constituição brasileira toma posição firme, aparentemente absoluta, no sentido da proibição de admissibilidade das provas ilícitas. Mas, nesse ponto, é necessário levantar alguns aspectos: quase todos os ordenamentos afastam a admissibilidade processual das provas ilícitas. Mas ainda existem dois pontos de grande divergência: o primeiro deles é o de se saber se inadmissível no processo é somente a prova, obtida por meios ilícitos, ou se é também inadmissível a prova, licitamente colhida, mas a cujo conhecimento se chegou por intermédio da prova ilícita. Imagine-se uma confissão extorquida sob tortura, na qual o acusado ou indiciado indica o nome do comparsa ou da testemunha que, ouvidos sem nenhuma coação, venham a corroborar aquele depoimento. Imagine-se uma intercepção telefônica clandestina, portanto ilícita, pela qual se venham a conhecer circunstâncias que, licitamente colhidas, levem à apuração dos fatos. Essas provas são ‘ilícitas por derivação’, porque, em si mesmas lícitas, são oriundas e obtidas por intermédio da ilícita. A jurisprudência norte-americana utilizou a imagem dos frutos da árvore envenenada, que comunica o seu veneno a todos os frutos. (…). Outra tendência que se coloca em relação às provas ilícitas é aquela que pretende mitigar a regra de inadmissibilidade pelo princípio que se chamou, na Alemanha, da ‘proporcionalidade’ e, nos Estados Unidos da América, da ‘razoabilidade’; ou seja, embora se aceite o princípio geral da inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos, propugna-se a idéia de que em casos extremamente graves, em que estivessem em risco valores essenciais, também constitucionalmente garantidos, os tribunais poderiam admitir e valorar a prova ilícita. À primeira vista, a Constituição brasileira parece impedir essa solução, quando não abre nenhuma exceção expressa ao princípio da proporcionalidade (…).A Constituição preocupa-se com o momento da admissibilidade, pretendendo claramente impedir os momentos sucessivos, de introdução e valoração da prova ilícita. Mas, suponhamos que a prova, embora considerada inadmissível pela Constituição, venha a ser admitida no processo. E que a prova ingresse no processo, vulnerando a regra constitucional. De duas, uma: ou partimos para a idéia de que nesse caso a atipicidade constitucional acarreta, como conseqüência, a nulidade absoluta e, portanto, no plano processual, a prova admitida contra constitutionem será nula e nula será a sentença que nela se fundar; ou então, numa interpretação mais consentânea com a norma constitucional, firmamos o entendimento de que a Lei Maior, ao considerar a prova inadmissível, não a considera prova, tem-na como ‘não prova’, como prova inexistente juridicamente. Nesse caso, ela será simplesmente desconsiderada. O Código de Processo Penal Italiano de 88 fala, nesses casos, de proibição de utilizar a prova. Nosso ordenamento não prevê expressamente a conseqüência do ingresso, no processo, da prova ilícita, mas sua ineficácia como prova surge do sistema." [15] Se materialmente existem vedações, as exceções prescindem de um comando também vindo da Constituição Federal, o que atualmente ocorre nos incisos XI e XII do artigo 5º, somente. Não trata o pacto federal da proporcionalidade, ou pior, não deixa a critério do julgador a simples valoração de direitos em aparente conflito.Frise-se que a valoração simples dos direitos, cria em tese uma serie de decisões conflitantes, pois pela falta de um critério constitucional, cada julgador terá um parâmetro de analise. A relativização das provas obtidas por meios ilícitos deve ser analisada ainda sob o prisma da dignidade da pessoa humana.Muito embora a definição de Dignidade Humana, seja de difícil edificação, adotamos a posição do professor Ingo Sarlet: “Dignidade Humana é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.” [16]Citado autor se mostra alinhado com a corrente Kantiana, para qual: “No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade” [17]
Conclusão
Vivemos em um mundo no qual pactuamos regras para um convívio social pacifico. O desrespeito a essas regras retira de alguma forma um pouco da dignidade do ofendido, pois tal fato desprestigia o valor que deve ter por parte do Estado. Quando o regramento material veda expressamente a utilização de provas obtidas à margem do ordenamento, o desrespeito a essa imposição retira do cidadão um pouco de sua dignidade, colocando-o como paria de seus comuns. A utilização de uma prova obtida por meios ilícitos, fora das exceções constitucionais, ofende vários postulados da Carta Magna, como o direito ao devido processo legal, a intimidade e a vida privada, e principalmente divorcia-se de um principio do estado democrático de direito que é abarcado pela dignidade da pessoal humana. Por fim, rebatendo o argumento daqueles que sustentam que todos os princípios constitucionais não são absolutos, com o que concordamos, e por conseqüência a vedação a utilização da prova obtida por meio ilícito também prescindiria de uma flexibilização, deixamos claro que a Constituição Federal se encarregou de positivar as exceções a essa imposição, mais especificamente no artigo 5º, XI e XII, residindo somente nessas hipóteses à proporcionalidade quanto ao direito em questão. Se outra fosse a objetividade jurídica do legislador constituinte, o texto traria em seu bojo as possibilidades.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE 251445/GO, Relator Ministro Celso de Mello, Brasília, 21/06/2000.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ação penal nº 307-3 – DF, Relator Ministro Celso de Melo, Brasilia
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TUCCI, Rogério Lauria. Do corpo de delito no direito processual penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1978.
Notas:
[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Miniaurélio século XXI: o minidicionário de língua portuguesa, 4° ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
[2] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 303
[3] BVerfGE 30, 316, apud GUERRA Filho, Willis Santiago. Ensaios de Teoria Constitucional. Fortaleza: 1989. p. 75.
[4] TROCKER, Nicoló. Processo Civile e Constituzione. Milano: Giuffreé,. 1974. p. 619
[5] DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 116
[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p352
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Primeira Turma. Hábeas Corpus nº 80.949/RJ. Impetrante: Fernando Augusto Fernandes. Paciente: Francisco Agathos Trivelas. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 14 de dezembro de 2001.
[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Órgão Julgador: Corte Especial. Ação Penal nº 479/RJ. Relator: Ministro Felix Fischer. Brasília, 29 de junho de 2007.
[9] TUCCI, Rogério Lauria. Do corpo de delito no direito processual penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 238
[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE 251445/GO, Relator Ministro Celso de Mello, Brasília, 21/06/2000.
[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Relator. Ministro. Luiz Vicente Cernicchiaro, RBCCrim 18/228, apud GOMES, Luiz Flávio, Comentários às reformas do Código Penal e da Lei de Transito : novo procedimento do Juri (Lei 11.689/08) … Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha; Ronaldo Batista Pinto. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 282.
[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE 251445/GO, Relator Ministro Celso de Mello, Brasília, 21/06/2000.
[13] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ação penal nº 307-3 – DF, Relator Ministro Celso de Melo, Brasília
[14] Grinover, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 151 e 166
[15] Grinover, Ada Pellegrini: A eficácia dos atos processuais à luz da Constituição Federal, RPGESP, 1992, n.º 37, p. 46-47
[16] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10° ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009 p. 67
[17] KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. Paulo Quintela. São Paulo: 1986, p. 77
Graduado em Direito e Administração de Empresas, Pos Graduado com Especialização em Direito Tributario (UNIVEM) e Direito Publico (UNOPAR/IBDP). Mestrando em Teoria do Direito e do Estado (UNIVEM). Professor universitario em curso de Direito.
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