Resumo: No discurso da grande mídia em sintonia com as elites paulistanas, a corrupção do país fica em Brasília. São Paulo é um território ordeiro e do progresso traduzido em boas condições de vida para todos. A ação penal 470 cai como “uma luva” no resgate moralista das elites locais. É preciso resgatar o poder de mando local da locomotiva do país (centro financeiro). No entanto, se ignora as contradições sociais da cidade, em especial pela violência institucional no trato da pobreza.
Palavras-chave: Ação Penal 470; Elite Moralista; Violência Institucional; Pobreza.
Abstract: In the discourse of the mainstream media in line with the São Paulo elite, corruption in the country is Brasilia. São Paulo is a territory and orderly progress translated into good living conditions for all. The prosecution falls 470 as a "glove" moralist in the rescue of local elites. You must rescue the local command power locomotive of the country (the financial center). However, it ignores the contradictions of the city, especially the institutional violence in dealing with poverty.
Keywords: Criminal Action 470; Moralist Elite; Institutional Violence; Poverty.
Introdução
Tem sido recorrente na grande mídia o discurso do resgate ético do Brasil. Em especial a partir do julgamento da Ação Penal 470 (denominado de mensalão[1]) pelo Supremo Tribunal Federal com a aplicação da Teoria do Domínio do Fato[2] (exalta-se o papel de vanguarda da Suprema Corte pelo célebre ativismo judicial), as elites imbuídas do “nobre sentimento nacional” seriam o “último bastião” na luta contra a corrupção. Defende-se na verdade o moralismo burguês. Haja vista mais que palavras éticas, a realidade social dos pobres é de violência e não efetividade dos direitos sociais, como no caso de São Paulo, em que os governos locais tratam a questão da pobreza como caso de polícia (tradição repressiva dos governos em sufocar os movimentos sociais, sob o pretexto de combater a desordem). Mas recentemente identificamos a tentativa de criminalização do movimento estudantil, denominado “Passe Livre”, que protestam contra o aumento da tarifa nos transportes públicos[3]. Um movimento legítimo se levarmos em consideração o direito de participação política de todo cidadão para além da ida às urnas a cada quatro anos, e diante da precarização nas condições de vida e trabalho na cidade síntese do capitalismo nacional.
Embora apontem que as mazelas do país se situam no plano federal, sob o pretexto da condenação de membros do partido do governo central.
Ética, portanto, envolve o reconhecimento da alteridade na constituição da cidade assegurando-lhe dignidade mediante políticas públicas que com vistas a uma vida digna para todos, com educação de qualidade, saúde, moradia, emprego e não pelo uso da violência institucional contra os mais vulneráveis.
1. A Ação Penal 470 e o discurso moralista diante da realidade de violência institucional do centro às periferias em São Paulo
Observa-se a utilização da fala “ética” por parte da grande mídia em São Paulo para o afloramento de ideias retrógradas, em especial, capitaneado pelas elites em sintonia com setores conservadores. Tenta-se passar a opinião pública a partir da Ação Penal 470 uma tradição discursiva de pensar o Brasil de cima para baixo (concepção elitista de poder de mando). De acordo com esta visão, o país só se consolidaria no combate à corrupção quando instituições conduzidas por seres iluminados intelectualmente fossem capazes de “resgatar” a “identidade nacional”. Vislumbra-se assim o retorno a valores morais autoritários de uma tradição, família e propriedade privada dos meios de produção. Tais ideologias fazem refletir acerca do passado recente e sombrio da história do país. No caso paulistano da famosa marcha da família com Deus pela liberdade que antecedeu ao golpe militar de 1964 (impulsionado pela burguesia local).
Esse discurso “ético” cai por terra quando se muda o olhar do planalto central para o poder local, em especial na São Paulo atual, onde se verifica na condução das políticas públicas nos últimos anos ares não tão democráticos assim. Um olhar mais atento nos leva à nítida preocupação das elites em criar clima favorável ao controle do poder nas eleições nacionais. Pela ameaça de perda da hegemonia política, econômica e social da “locomotiva do país” na condução nos “novos velhos” rumos ideológicos das massas no século XXI.
Em São Paulo, a observação minuciosa do discurso midiático, governamental e elitista do presente conduz à percepção de cooptação dos novos estratos sociais em sintonia com as mutações do mundo global-local na condução das políticas públicas, e o choque representado de um lado pelo marketing consumista (inclusive da violência simbólica), e, de outro, pelos contrastes do cotidiano. No entanto, a realidade vivenciada pelos mais vulneráveis à repressão institucional esvazia qualquer discurso como no caso do massacre do Carandiru[4] que resultou na morte de 111 presos e decorridos 20 anos quem deu a ordem não foi responsabilizado, mesmo havendo sentença de condenação de 156 anos de prisão de 23 policiais[5]. Há previsão de julgamento de mais policiais ainda este ano.
Sobre o massacre do Carandiru Dráuzio Varella, (2013) entende que o culpado nunca será identificado[6].
Trata-se a nosso ver de exemplo de impunidade no país, haja vista a demora em julgar e condenar apenas parte dos envolvidos resulta no sentimento de injustiça. Haja vista os detentos “quase todos pobres” foram duplamente condenados pelo Estado à prisão e à pena de morte. Quando caberia assegurar-lhes o direito à vida e reinserção social. E revela o fracasso de governos que apostam na repressão policial e no encarceramento de pobres em presídios (criando um sistema prisional falido) ao invés de investir em políticas públicas que dê dignidade a pessoa humana.
As desigualdades do presente em nível local ficam mais evidentes quando se estabelece ações governamentais repressivas associadas à pobreza e se cria na sociedade ambiente propício à defesa da redução da maioridade penal[7] (quando nossas prisões já estão abarrotadas de pobres) ao invés de investir em medidas preventivas como educação de qualidade do centro às periferias.
Há um status crescente na onda de violência e na cobertura sensacionalista de programas policialescos em busca de audiência a qualquer custo, alimentando no “cidadão de bem” (acima de qualquer suspeita) a sensação de uma insegurança inaceitável. Aponta-se mais uma vez, na direção das periferias, o locus das ações policiais no combate aos “criminosos”.
Contudo, não se pode esquecer que o poder público é responsável pelo planejamento urbano e deve levar em conta a pluralidade social e cultural do conjunto da população e suas nuanças – necessidades, anseios, carências – e desenvolver ações que atendam a todos, inclusive os mais pobres, vítimas da desigualdade social criada pelo capitalismo periférico e mantida pelas elites.
Temos, aliás, uma herança histórica desde o início da República, em tratar a pobreza com violência institucional, e já na constituição da cidade paulistana se aposta na demolição dos cortiços localizados nas áreas centrais, em nome do combate às doenças e epidemias.
“O SURGIMENTO DA IDEOLOGIA DA HIGIENE
As classes pobres não passaram a ser vistas como classes perigosas apenas porque poderiam oferecer problemas para a organização do trabalho e a manutenção da ordem pública. Os pobres ofereciam também perigo de contágio. Por um lado, o próprio perigo social representado pelos pobres aparecia no imaginário político brasileiro de fins do século XIX através da metáfora da doença contagiosa: as classes perigosas continuaram a se reproduzir enquanto as crianças pobres permanecessem expostas aos vícios de seus pais. Assim, na própria discussão sobre a repressão à ociosidade, que temos citado, a estratégia de combate ao problema é geralmente apresentada como consistindo em duas etapas: mais imediatamente, cabia reprimir os supostos hábitos de não-trabalho dos adultos; a mais longo prazo, era necessário cuidar da educação dos menores.” (CHALHOUB, 2006, p. 29)
No presente, o que se vê é que as políticas governamentais priorizam o processo de “limpeza social” no centro de São Paulo, a fim de legitimar uma nova ordem social calcada no moralismo elitista conservador.
A questão da limpeza social se dá pela disciplina e controle social da pobreza sobre a informalidade, como o comércio informal, os dependentes químicos, moradores em situação de rua, em geral sujeitos em maior vulnerabilidade social, que precisam estar “circulando” e se estabelece a vigilância por câmeras e policiais sobre seus movimentos, passando a ser retirados dos seus territórios de vida, ao mesmo tempo em que se estimula a ocupação dessas áreas centrais por segmentos com poder socioeconômico compatível como perfil desejado aos padrões burgueses. O exemplo típico desse processo é a especulação imobiliária por corporações carentes de novas áreas, e o centro possui uma infraestrutura de bens e serviços altamente atrativos aos novos segmentos sociais com metrô, hospitais, escolas, shoppings, etc.
Vera da Silva Telles (2010, p.151-160), no primoroso estudo “Tramas da Cidade: fronteiras incertas do informal, ilegal, ilícito” em seu livro “A cidade nas fronteiras do legal e ilegal”, faz menção à questão social dos mais pobres no contexto global e local como consequência do marco de 11 de Setembro de 2001, e o papel local das “comunidades” na vigilância e controle social especialmente dos mais vulneráveis.
Entre os mecanismos de controle, Vera da Silva Telles (2010, p.151-160) identifica os “dispositivos gestionários” a partir da administração das “populações de risco”; os mecanismos de controle social a partir dos chamados dispositivos de exceção; e a configuração de ações que ferem a liberdade individual e exercem controle sobre o corpo. Apresenta-os como mecanismos antidemocráticos e que estariam acima da lei e do Direito.
No caso paulistano identificamos a violência institucional como um mal que aflige a sociedade do centro à periferia da cidade. Em especial nas ações policiais[8] temos o que Vera da Silva Telles, (2010, p. 151-160) denomina de “dispositivos de exceção” traduzidos nos “autos de resistência seguida de morte”.
Questão relevante no tocante à sociedade de controle é o “princípio gestionário” como forma de administrar a partir da “comunidade”, como acentua Vera da Silva Telles (2010, p. 159):
“Formas de gestão social regidas pelo primado de gestão dos riscos, administração das urgências: clivagens entre indivíduos governáveis, governamentalizados, de um lado, e, de outro, os que não se ajustam, se recusam ou são incapazes de se integrarem às “comunidades” […].” (TELLES, 2010, p. 159).
Verifica-se um conjunto de medidas que tratam a questão social como caso de polícia e revelam a face autoritária nas instituições paulistanas. Nem mesmo o discurso ético do governo local contra a corrupção e o marketing dos grandes meios de comunicação convence a população de melhorias sociais, diante da violência institucionalizada que assola especialmente os territórios da periferia da mancha urbana neste século XXI.
Em São Paulo a atual falta de efetividade da democracia e da justiça distributiva e social não deixa a desejar em regiões tradicionalmente conhecidas por sua indústria da seca, haja vista que tais regiões possuem como herança comum a cultura coronelista, reflexo da arraigada e velha República do café-com-leite, traduzida no orgulho paulistano das elites locais como condutor dos rumos do país a partir do seu mundo de privilégios.
2. O atual quadro das políticas públicas em São Paulo: a questão social dos pobres como caso de polícia
A questão social em São Paulo vem sendo tratada pelo governo estadual como caso de polícia no trato da pobreza por uma série de ações desastrosas. Caso emblemático diz respeito à ação governamental denominada “Operação Centro Legal” em janeiro de 2012, pela intervenção de “dor e sofrimento” com perseguição policial aos dependentes químicos da área conhecida como Cracolândia e tiros de bala de borracha na dispersão de pessoas indefesas jogadas à própria sorte, gerando a “Procissão do Crack” (dependentes químicos dando voltas nos quarteirões do centro sob os holofotes da polícia dia e noite).
“Cracolândia resiste após 1 ano de operação
[…] A Operação Centro Legal completa nesta quinta-feira, 3, um ano e, segundo o governo estadual, foram realizadas 1.363 internações de dependentes químicos na cracolândia, após 152.995 abordagens durante o período. As ruas da região central de São Paulo permanecem, porém, repletas de usuários, sem nenhum indicativo de que o controverso método de impor “dor e sofrimento” implementado no início de 2012 para afastar as pessoas do crack tenha surtido efeito.
[…] A operação terminou também em ação na Justiça, com o Ministério Público Estadual pedindo ao governo paulista R$ 40 milhões de indenização por danos morais coletivos. Segundo a ação, os usuários foram alvo de bombas, pancadas, cachorros e das caminhadas forçadas.” (CARDOSO, 2013).
A precariedade nas políticas públicas locais se verifica pelo aumento do número de moradores em situação de rua. Conforme dados obtidos a partir do Censo e da caracterização socioeconômica da população em situação de rua na municipalidade de São Paulo em (2009) identificaram um total de 13.666 pessoas, conforme principais resultados do censo da população em situação de rua da FIPE. (SCHOR; VIEIRA, 2009, p. 4). Posteriormente, em (2011), esse número saltou para 14.478 recenseados na condição social, conforme Núcleo de Pesquisas em Ciências Sociais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP (2012), em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
“A pesquisa do censo da população em situação de rua na municipalidade de São Paulo recenseou, no ano de 2011, um total de 14.478 (quatorze mil quatrocentos e setenta e oito) indivíduos, sendo 6.765 (seis mil setecentos e sessenta e cinco) em situação de rua e 7.713 (sete mil setecentos e treze) em centros de acolhida da capital.” (FESPSP; PMSP, 2012, p. 11)
O que chama atenção na pesquisa são os impactos na vida dos entrevistados (moradores em situação de rua) quanto às ações do poder público local em parceria com a polícia por meio da “Operação Centro Legal”, na região da Cracolândia.
“Impacto da recente “Operação Cracolândia”
Em janeiro deste ano foi iniciada a “operação cracolândia” no centro da cidade de São Paulo (principalmente na Rua Helvetia), onde até o mês de março de 2012 (momento em que este relatório é composto) a polícia está restringindo a circulação de usuários e traficantes de drogas naquela região. Dos indivíduos em situação de rua entrevistados, 83,2% ficaram sabendo ou assistiram a operação, 16,0% não e 0,8% não lembravam. Para os 83,2% que responderam afirmativamente, 40,9% circulavam ou pernoitavam próximo a região da Cracolândia (57,4% não e 1,7% se recusaram a responder). Para estes a vida dos indivíduos em situação de rua foi afetada por essa operação de forma positiva (para 10,5%), de forma negativa para 17,2% e os restantes 72,3% acham que não interferiu na sua vida – foi, portanto, indiferente […].” (FESPSP; PMSP, 2012, p. 80)
Dos dados apresentados, pode se observar que a população de rua é a mais exposta à violência policial, embora não esteja associada ao tráfico de drogas. Apesar disso, o discurso moralista o faz nas matérias veiculadas diariamente pela mídia, prática que reforça estereótipos e a criminalização da pobreza.
O sujeito que contribui econômica e socialmente, por sua vez, tem sua percepção da cidade baseada no pertencimento dos territórios em que vivem os moradores em situação de rua, haja vista o poder público não lhes dar visibilidade – exceto para estigmatizá-los ora como “cidadãos invisíveis”, ora como “suspeitos” com a aplicação dos “rigores da lei” (repressão policial), quando causam algum desconforto pelo fato de terem sido percebidos. Tal dinâmica revela o despreparo do poder público para lidar com a questão social dos mais vulneráveis. E a grande mídia, em sintonia com o governo, procura formar a opinião pública no sentido de que as ações policiais são benéficas por manter os mais pobres distantes dos olhares dos mais abastados, o que reforça o escamoteamento da realidade social daqueles para justificar que algo está sendo feito em seu benefício, quando sua realidade permanece cruel.
A cidade mais rica do país não se vale de seus recursos para solucionar de maneira justa e eficaz seus problemas sociais. Em vez disso, adota ações policialescas com grande apelo midiático para “limpar” o centro da cidade expulsando os pobres para áreas do entorno, na tentativa de empurrar a questão para debaixo do tapete. Promove-se o saneamento e disciplina da informalidade numa tentativa frustrada de agir na proximidade da Copa do Mundo de 2014, adotando decisões de cima para baixo, como o polêmico “Projeto Nova Luz”, sem ao menos ouvir os moradores dos territórios afetados – tudo na ânsia da especulação imobiliária dos endinheirados para transformar a região da Luz num bairro europeu “civilizado”.
Trabalha-se com técnicas de disciplinar e elitizar o centro, enquanto mecanismo de controle social sobre a pobreza associando-a a marginalidade, em especial na “Cracolândia”.
“[…] o conjunto das minúsculas invenções técnicas que permitiram fazer crescer a extensão útil das multiplicidades fazendo diminuir os inconvenientes do poder que, justamente para torná-las úteis, deve regê-las. Uma multiplicidade, seja uma oficina ou uma nação, um exército ou uma escola, atinge o limiar da disciplina quando a relação de uma para com a outra torna-se favorável […]”. (FOUCAULT, 2008, p. 181)
O aumento da repressão e limpeza social do centro constitui-se em instrumento de controle das massas. Em especial sobre os mais vulneráveis vigiados em suas ações, suas vidas, “suas almas, seu corpo”, sem que haja perspectivas de acolhimento. São assim sujeitos literalmente segregados dos espaços para áreas distantes dos olhares da população ou mesmo que somem sem que se saiba qual foi o destino. Na ideologia do progresso para poucos e de importação mal feita de hábitos estrangeiros como herança positivista do início do século passado, as transformações nos espaços foram se impondo de cima para baixo.
A afirmação orgulhosa dos governos locais de que somos uma democracia de fato e de direito não encontra consistência diante da negação da cidadania pela inexistência de políticas públicas que tratem com dignidade os mais vulneráveis mediante a sua visibilidade como cidadão, e não apenas como consumidores. Os discursos não colocam comida na mesa de quem não a tem, e não oferecem segurança àqueles que todos os dias têm que se submeter ao “toque de recolher” nas periferias.
Quando falamos de democracia e dignidade humana lembramos apenas do direito ao voto e esquecemos a princípio das causas da violência. Entre elas, o descaso com a educação da população periférica, maior vítima de um governo que prioriza a repressão policial em detrimento do oferecimento de uma educação de base qualificada. Em São Paulo, conforme os últimos dados do PISA[9] (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) há sérios contrastes entre o discurso ético oficial e a realidade educacional.
“São Paulo fica em 7º, atrás de ES e Região Sul
Resultado está longe de refletir o poder econômico do Estado mais rico do País; Minas Gerais apresenta melhora em pontuação. Os resultados da avaliação por Estados feita pelo Ministério da Educação com base nos dados do Pisa 2009 mostram que São Paulo subiu do 11.º para o 7.º lugar entre as 27 unidades da federação”. (PARAGUASSÚ; MANDELLI, 2010).
A situação da violência em São Paulo é endêmica. Recentemente assistimos atônitos ao denominado “caso Pinheirinho”, na região de São José dos Campos no qual o governo estadual tratou como caso de polícia uma questão que é social: o direito à moradia digna. Esse caso é relevante mencionar porque as decisões centrais tiveram participação dos poderes (executivo e judiciário) situados na capital que agiram num sinergia legalista, em 2012 cerca de oito mil pessoas socialmente vulneráveis foram retiradas à força numa reintegração de posse, o que acarretou denúncia às instâncias de direitos humanos da ONU. E, decorrido um ano, ninguém tem casa (CARDOSO, 2013). Assim, na falta do braço social do Estado, a repressão policial vai se fortalecendo como disciplinadora da pobreza pelo uso da violência institucional.
Não são poupadas nem mesmo as reivindicações de segmentos estudantis da Universidade de São Paulo (USP), o que resultou na prisão de alunos e gerou manifestações pela cidade.
“Protesto de alunos da USP reúne mil pessoas e fecha Av. Paulista
[…] Com gritos como “Rodas a culpa é sua, hoje a aula é rua”, “USP, sim; polícia, não” e “Pula, sai do chão, quem é contra a repressão”, os estudantes protestam contra a presença da Polícia Militar no campus da universidade, por um projeto alternativo de segurança e pela saída do reitor […]”. (Folha de S. Paulo, 24/11/2011. Disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1011497-protesto-de-alunos-da-usp-reune-mil-pessoas-e-fecha-av-paulista.shtml>. Acesso em 10 jan. 2013)
Surgem as “comunidades” como gestoras da violência, em articulação com a polícia para reprimir as pessoas “indesejadas” em determinados bairros, em geral em áreas enobrecidas por novos estratos sociais, como o entorno do centro. A cidade passa a ser gerida por dispositivos locais que utilizam a mídia como fomentadora de um Big Brother no qual as intervenções policiais são divulgadas por via aérea ou terrestre. Estimula-se o consumo de uma violência que tem a polícia como autora. Esse discurso se repete todos os dias em programas como “Polícia 24 horas”, “Operação de risco”, “Brasil Urgente”, “Cidade Alerta”, entre outros, reproduzindo a sensação de insegurança, e fomentando a institucionalização do medo.
As elites locais, por meio da mídia e do governo, procuram concentrar suas atenções na legitimação dos casos de violência policial contra os pobres do centro. E, dessa forma, desvia-se o olhar da população dos problemas sociais para a simples garantia da segurança dos “homens de bem”. Vende-se ao povo a ideia de luta contra a corrupção pelos defensores da “ética”, sujeitos acima do bem e do mal. Esquece-se intencionalmente de aprofundar a questão social local, como se o problema da corrupção existisse apenas em Brasília. Não se visualiza que a corrupção na política se estabelece a partir de relações de clientela pela apropriação do espaço público por particulares.
O governo central atual é figura exógena aos berços “civilizados” da tradicional elite paulistana e rompe com a tradição administrativa de um Estado que é considerado a “locomotiva do país”.
O discurso moralista da grande mídia na Ação Penal 470 (mensalão) atende aos interesses de setores dominantes que anseiam o poder como algo natural da constituição da grandeza de São Paulo, locus ordeiro e do progresso nacional para poucos. Nessa concepção elitista, os privilegiados (civilizados) nasceram para governar e a questão social é algo pontual e de desordeiros que a polícia resolve por meio da violência institucional. Portanto ao invés de o governo local garantir a proteção à vida com dignidade aos moradores do centro à periferia da cidade. Usa-se da repressão aos pobres enquanto prática autoritária das elites. Por sua vez, estas preferem apostar no discurso da corrupção em Brasília e ignorar a negação à cidadania em nível local como cultura autoritária e excludente.
Conclusão
O poder de mando das elites em São Paulo se revela como cultura autoritária do “orgulho paulistano”, característica do provincianismo (dos coronéis) arraigado às velhas tradições discursivas da “locomotiva do país”. São utopias da civilidade forjadas pela união entre tradição e modernidade, que apostam na imigração europeia como responsável pela grandeza da cidade ao mesmo tempo em que negam ao elemento nacional negro, indígena e nordestino o reconhecimento de sua importância na construção da cidade.
Verifica-se que o “resgate ético” (moralismo) capitaneado pela tradicional elite paulistana em sintonia com a grande mídia forma e reforça padrões estético-culturais de não visibilidade da pobreza. A questão social local é, então, tratada com violência, como caso de polícia, ao mesmo tempo em que, incoerentemente, elite e mídia exigem integridade institucional no âmbito federal, a exemplo do que se viu em relação à Ação Penal 470, o histórico caso “mensalão”.
Pensar a ética do humano envolve o respeito à diversidade étnico-cultural e a concepção de família para além dos laços tradicionais da ordem e progresso material para poucos. A cidade deve tratar seus contrastes sociais agudos e a violência institucionalizada com planejamento urbano, gestão social e mediante efetividade de direitos fundamentais, como educação, moradia, emprego, renda, alimentação, saúde, segurança. Tudo isso, entretanto, passa pela mudança na elaboração e aplicação das políticas públicas, que devem ter o todo como objeto, e não apenas partes privilegiadas.
Ética só existe com dignidade humana para todos os cidadãos, com a diversidade de sotaques e cultura, ultrapassando os discursos sectaristas. Somente uma sociedade democrática pode ser justa. E, portanto, íntegra e eficaz no combate à corrupção que alcança as esferas local e nacional para além da Ação Penal 470 e passa pela efetividade dos direitos sociais para todos em São Paulo.
Doutor em Direito – FADISP. Mestre em Políticas Sociais – UNICSUL. Advogado
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