Resumo: O objetivo do presente artigo é fazer uma analise comparada da caracterização do emprego doméstico entre o direito espanhol e o brasileiro, tendo-se em conta a nova regra espanhola que passou a viger a partir janeiro de 2012. A motivação para o presente artigo está na curiosidade científica da evolução do pensamento jurídico, considerando que nos dois países, demoraram muito para regular esta atividade e quando o fizeram estabeleceram situações menos favoráveis a essa categoria creditando menos direitos que às demais. Desta forma, sendo uma nova regra é relevante observar as inovações e nuanças que esse marco sinaliza para as relações laborais.
Palavras-chave: Empregado doméstico; Caracterização; Direito Comparado; Empregador.
Resumen: El objetivo de este trabajo es analizar la caracterización de forma comparativa del empleo doméstico entre la legislación brasileña y española, teniendo en cuenta la nueva norma española que entró en vigor a partir de enero de 2012. La motivación de este artículo está en la curiosidad científica de la evolución del pensamiento jurídico, teniendo en cuenta que los dos países tardaran mucho tiempo para regular esta actividad y cuando hecha establecieran condiciones menos favorables a la categoría acreditando menos derechos que las demás categorías. Por lo tanto, por ser una nueva regla es relevante examinar las innovaciones y matices que señale de este punto en las relaciones laborales.
Palabras clave: Empleado del hogar; Caracterización; Derecho Comparado, Empleadores
Sumário: Introdução 1 Da especialidade da relação laboral. 2.Da conceituação de empregado doméstico. 2.1 Caracterização dos serviços domésticos. 2.1.1 Os empregados domésticos de conceituação histórica. 2.1.2 Empregados domésticos por caracterização técnico-jurídico. 3. Da conceituação de empregador. 3.1 Características do empregador. 4. Conclusão. Referência bibliográfica.
Introdução
Historicamente os trabalhadores domésticos do Brasil e da Espanha possuíam menos direitos trabalhistas que a maioria das demais categorias. No Brasil os empregados domésticos só tiveram seus direitos regulados em 1972 com a regulamentação da categoria mediante a promulgação da Lei Nº 5.859, de 11 de Dezembro de 1972, uma vez que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943 de forma expressa excluiu estes trabalhadores das regras consolidadas[1]. Foi com a Constituição Federal de 1988 que foram conferidos os mais significativos direitos e garantias aos empregados domésticos, veiculado no artigo 7º, a saber: salário mínimo ( art. 7º, inciso IV); irredutibilidade do salário (art.7º, inciso VI); décimo terceiro salário (inciso VIII); repouso semanal remunerado (inciso XV); férias anuais remuneradas (inciso XVII); licença à gestante (inciso XVIII); licença paternidade (inciso XIX); aviso–prévio (inciso XXI); e aposentadoria (inciso XXIV).
Na Espanha, semelhantemente, a primeira regra dos empregados domésticos veio com o Real Decreto 1424 de 1985. Este decreto foi muito criticado pelos sindicatos e associações por regulamentar situações laborais desfavoráveis à uma categoria composta em sua maioria de mulheres[2]. Contudo, com o novo Real Decreto do Empregado Doméstico da Espanha[3] que passou a viger em 01 de janeiro de 2012 foram acrescentados novos direitos.
1. Da especialidade da relação laboral
No direito espanhol, o conjunto de regras que regula a atividade laboral é o Estatuto dos Trabalhadores[4]. Nele, a prestação de serviço doméstico, é uma relação laboral de caráter especial, nominando-o de serviço no lar familiar. Esta relação laboral especial foi inicialmente regulamentada pelo Real Decreto 1424/1985, tendo em vista as condições particulares de prestação de serviço e dos trabalhadores que se submetem ao serviço doméstico. No Brasil, por outro lado, o direito dos domésticos foi regulado pela Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, com modificações posteriores, em especial da Constituição Federal de 1988 que, por sua vez, acrescentou novos direitos sociais.
A última alteração na legislação dos empregados domésticos no Brasil foi em 2006[5] trazendo novos direitos e possibilidades, tais como: contribuição patronal à Previdência Social; proibição de descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia; direito a férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias com, pelo menos, 1/3 (um terço); e a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante.
O local de trabalho de qualquer obreiro é caracterizado por ser espaço profissional, cujas externalidades de comportamento, linguajar e vestimenta o caracterizam pela austeridade, neutralidade e pela ausência de intimidade e privacidade.
O trabalhador doméstico, por sua vez, exerce suas atividades num espaço que é caracterizado pela privacidade e intimidade dos integrantes da família que aí desenvolvem suas relações afetivas.
De per si o local de trabalho é externo para a empregada domestica, e por outro lado intimo e privado aos tomadores do serviço. A Constituição Federal (art. 5.º, inciso X) garante o direito à a intimidade, assim como ao da vida privada[6].
Vianna diz que:
“o direito à privacidade, concebido como uma tríade de direitos – direito de não ser monitorado, direito de não ser registrado e direito de não ser reconhecido (direito de não ter registros pessoais publicados) – transcende, pois, nas sociedades informacionais, os limites de mero direito de interesse privado para se tornar um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito”[7].
Ora os empregados domésticos estão presentes nesse ambiente de privacidade passando a ter acesso a informações e conhecimento de situações que, em conjunto, caracterizam o espaço de privacidade e intimidade de outrem. O tomador, por sua vez pode ser monitorado em suas saídas e chegadas, pode ser visto e ouvido, saber com quem fala ao telefone, e as visitas que recebem, entre outras situações.
É nesse ambiente, a saber, residência ou lar familiar, com essas características de intimidade, privacidade, informalismo, descontração, é que o empregado doméstico desenvolve suas atividades de forma profissional, com seriedade, aparência e comunicação que caracteriza um trabalho prestado para terceiros.
E por essas peculiaridades não raras vezes o empregado do doméstico passa a ser tratado como um membro da família. Essa proximidade vincula o trabalhador a uma condição especial de confiança, pois as atividades que desenvolvem, em sua prestação de serviço, mesclam habilidades como de administrador de uma casa, dos bens (móveis, consumíveis, inconsumíveis, etc.), educador dos filhos (babá), nutricionista sem título (cozinheiro), confidente, secretários particular, entre outras.
2. Da conceituação de empregado doméstico
Empregado, no Estatuto do Trabalhador espanhol, é o trabalhador que voluntariamente prestam serviços a terceiros de forma remunerada, sob organização e direção do seu empregador que pode ser pessoa física ou jurídica, denominado empresário[8].
O empregado doméstico na legislação brasileira[9] é a pessoa física que presta serviço contínuo a um ou mais empregadores (em suas residências, local sem fins lucrativos), de forma não eventual, contínua, subordinada, individual e mediante renumeração. Nesta conceituação[10] acentua-se a natureza não econômica do local onde se presta serviço doméstico, a saber, o ambiente familiar em que presta serviço não pode auferir qualquer natureza de lucro da atividade deste trabalhador[11].
Conforme Jesus Giron[12] a definição espanhola é muito abstrata e genérica, pois pretende aludir com umas poucas palavras infinita variedade de espécies concretas de trabalho humano compreendidas no âmbito da aplicação do Estatuto do Trabalhador, precisamente por tratar-se de trabalho dependente.
No Decreto Real que entrou em vigor em janeiro de 2012, o legislador espanhol tratou de distinguir o trabalho doméstico com contornos mais fortes. Elencou os trabalhadores que não fazem parte desta regra especial que regulou o trabalho doméstico, estabelecendo no Artigo 2º as situações em que não se caracterizam trabalhadores domésticos, a saber:
– Quando o trabalhador é contratado por pessoas jurídicas de trabalho temporal, de caráter civil ou mercantil, ainda que seu objeto seja prestação de serviços ou tarefas domésticas, que se rege pela norma laboral comum[13].
– Quando o trabalhador contar do rol de cuidadores profissionais ou autônomo (não profissional) de pessoal que necessitam de atenção ou que se encontra em situação de dependência.
– Também não são domésticos aqueles trabalhadores contratados entre parentes (consanguíneo ou por afinidade) para prestação de serviços domésticos, mas não tenham a condição de assalariado, ou ainda os trabalhos realizados nas residências a título de amizade, benevolência ou relação de boa vizinhança.
Portanto, com o desenho jurídico conceitual muito próximo, as regras dos dois países consideram empregado doméstico a pessoa física (homem o mulher) presta serviços de natureza contínua, de forma remunerada na dependência e por conta de seu contratante no âmbito residencial ou lar familiar.
2.1 Menores de 18 anos
No parágrafo 8º, e alíneas de “a” a “d” do Real Decreto regulou o direito dos menores (15 e 17) ao serviço doméstico estabelecendo que as mesmas normas contidas no Estatuto dos trabalhadores aplicam-se aos trabalhadores domésticos menores de idade, a saber:
– Os menores de 18 anos só poderão trabalhar o número máximo de 8 horas diárias sendo proibida a ativação em horas extraordinárias;
– O descanso intrajornada deve ser no mínimo de trinta minutos a cada quatro horas e meia de trabalho;
– O descanso semanal remunerado deve ser de dois dias ininterruptos (sábado e domingo), não se podendo acumular nem trasladar o sábado para outro dia;
– Proibição de trabalho noturno, entendendo-se este período como as horas compreendido entre as vinte e duas às seis horas da manhã.
Diferentemente da regra espanhola, na legislação brasileira é proibido o trabalho de menor de 18 anos como empregado doméstico desde a publicação do Decreto Nº 6.481, de 12 de junho de 2008. Este Decreto regulamentou os artigos 3º, alínea “d”, e 4º da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil. As razões para a proibição são os prováveis riscos ocupacionais que o menor estaria sujeito como empregado doméstico, destacando-se: “os esforços físicos intensos; isolamento; abuso físico, psicológico e sexual; longas jornadas de trabalho; trabalho noturno; calor; exposição ao fogo, posições antiergonômicas e movimentos repetitivos; tracionamento da coluna vertebral; sobrecarga muscular e queda de nível”.
2.2 Caracterização dos serviços domésticos
A dois tipos de trabalhadores domésticos: Os empregados domésticos de conceituação histórica e os empregados domésticos por caracterização técnico- jurídico.
2.2.1 Os empregados domésticos de conceituação histórica são aqueles que desempenham as atividades domésticas que estão mais ligados à atividade feminina, mas possuem o mesmo enquadramento legal do outro grupo (2.2.2, abaixo). São aquelas tarefas que se desenvolvem exclusivamente ao âmbito do lar, consideradas de estruturação básica para vida familiar, como: limpar, lavar, cozinhar, cuidar de crianças e passar, como babá, cozinheiro, motorista, governante, jardineiros, lavadeira, vigia e caseiros.
2.2.2 Os empregados domésticos por caracterização técnico-jurídico são aqueles que, embora técnico ou profissional liberal por excelência presta seus serviços no âmbito familiar, para um empregador (pessoa física), de forma contínua, remunerada e subordinada, em local que não explora atividade econômica[14]. Com base neste enquadramento legal, no direito brasileiro, poderá ser considerado empregado doméstico: maître, segurança particular, piloto de avião ou embarcação, professor, cuidador de idoso ou portador de necessidades especiais, médico, fisioterapeuta e enfermeiro.
A regra espanhola não nominou de forma taxativa as modalidades laborais domésticas, ante a dinâmica das relações sócio-laborais, tendo tão somente estruturado os elementos indicadores[15] deste tipo de prestação de serviço. Desta forma caracteriza atividade de serviço domestico, aquelas atividades realizadas exclusivamente em residências (sem fim lucrativo) em que desenvolvem as seguintes atividades:
– Ações de administração ou cuidado das coisas do lar familiar como um todo ou com algumas de suas partes;
– Prestar atendimento ou cuidar dos membros da família ou de pessoas que fazem parte do ambiente familiar
– Realizar trabalhos como parte de um conjunto de tarefas, como, por exemplo: cuidar das crianças, jardinagem, condução e assim por diante.
3. Da conceituação de empregador
Na legislação brasileira, empregador é a pessoa física, jurídica ou entidade sem personalidade jurídica que contrata o trabalhador de forma remunerada, tendo em contrapartida deste o seu trabalho. Segundo o Artigo 2º da CLT “considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”.
Para efeito do trabalho doméstico o Real Decreto estabeleceu a conceituação de forma direta e técnica. No Artigo 1º, §§ 2º e 3º, diz que é empregador a pessoa física que detém a responsabilidade ou aparência de ser o chefe da família ou do grupo de pessoas, parentes ou não, que vivem em um lar, ou ainda, é empregador aquele que assim está identificado no contrato de trabalho de prestação de serviço doméstico. Portanto não resta margem de dúvida que empregador é aquele que contrata ou que tem a aparência de ser o chefe da família ou grupo de pessoas que vivem sob o mesmo teto.
Este empregador passou a ter o status de empresário, pois a regra geral para as relações laborais (Estatuto dos Trabalhadores), no parágrafo § 2º, Artigo 1º[16] estabelece que é empresário toda pessoa, física ou jurídica, ou qualquer forma de associação[17] que receba a prestação de serviços de um trabalhador. Desta forma o empregador que contrata serviços domésticos passa a ser considerado empresário.
Neste ponto, o empregador espanhol para contratar um doméstico deverá registrar-se na tesouraria do Ministério do Trabalho e Imigração (MTI) obtendo chave eletrônica para procedimentos administrativos digitais, bem como ficou obrigado a registrar o contrato de trabalho doméstico na mesma tesouraria do MTI, e comunicar quando da rescisão contratual ou abandono do serviço.
Com esta nova regra o governo espanhol terá por reflexo o aumento na arrecadação do sistema de benefícios sociais e o controle da fonte de sustentação dos imigrantes ilegais ou os “sin papeles”. Segundo a última pesquisa do Instituto Nacional de Estadística[18], às vésperas da entrada em vigor da nova regra ora comentada, a Espanha contava com 686.100 pessoas, das quais 90,11% é constituída pela força de trabalho feminina. Desse número apenas 43,32% cotizavam para a previdência social espanhola[19].
3.1 Características do empregador
Tanto na regra espanhola quanto na brasileira o conceito de empregador é semelhante, senão vejamos: O artigo 1º do Estatuto dos Trabalhadores diz: “A presente Lei será aplicada aos trabalhadores que voluntariamente prestem seus serviços pagos como empregado dentro do domínio da organização e direção de outra pessoa ou entidade, chamada empregador”[20]. Já a CLT define no Artigo 2º: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.”
Assim, a principal característica do empregador é o poder hierárquico (de comando) garantido por força do contrato de trabalho e reconhecido por ambas legislações. Outras características que marcam as atividades do empregador são: o poder de admitir, assalariar e poder disciplinar.
Desta forma, o empregador ao admitir contrai a obrigação de pagar o salário combinado ao empregado pelos serviços prestados, sendo este no Brasil o salário mínimo e na Espanha o salário mínimo interprofissional.
Conforme Barros e outros[21], dirigir as atividades é um atributo necessário do tomador da prestação do serviço, o empregador, que deve controlar e administrar a prestação de serviços dos empregados. O poder de comando é a faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a prestação de serviço será realizada conforme sua conveniência e prioridades. Por fim, o poder disciplinar é o direito de impor sanções disciplinares aos seus empregados. O empregador tem a faculdade legal de punir o empregado pelas faltas graves por ele cometidas indo de advertência à demissão.
4. Conclusão:
A guisa de conclusão, resguardando as diferenças estruturais entre o direito brasileiro e o espanhol, pode-se observar que enquanto caracterização da relação laboral houve melhor enquadramento técnico do empregador.
No que diz respeito ao empregado doméstico a permissão do trabalho do menor de 18 anos para o serviço domestico, considerando que na maioria das vezes trata-se de mão de obra feminina, o legislador espanhol não seguiu sequer a orientação da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que poderá prejudicar o desenvolvimento desses trabalhadores.
Professor Mestre, ministra aula de Direito (obrigações, contratos), Vice Presidente da Comissão dos Advogados Professores da OAB/MT, Assessor Jurídico da Fundación Cauce (Burgos/Esp).
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