Da constitucionalidade da Lei Maria da Penha

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Sumário: 1)
Introdução; 2) Sujeito passivo do delito de violência doméstica; 3) Igualdade
formal e material; 4) Legitimidade para diferenciar o tratamento entre homens e
mulheres e 5) Conclusão.

1. Introdução

Discute-se,
tanto na doutrina quanto nos tribunais, a constitucionalidade da Lei 11.340/06,
conhecida como Maria da Penha.[1]
Ocorre que essa discussão tornou-se ainda mais calorosa com a divulgação da
sentença polêmica proferida pelo Juiz de Direito da Comarca de Sete Lagoas/MG,
que valeu-se de fundamentos de cunho jurídico, religioso, histórico,
filosófico, ético e moral.

O
diploma legal, em apreço, prescreve medidas protetivas às mulheres vítimas de
violência doméstica, sem, no entanto, dispor o mesmo tratamento aos homens.
Aliás, este em momento algum foi amparado pela sobredita lei.

Diante
disso, resta saber: (a) É possível que o homem seja vítima do delito de
violência doméstica? (b) A Lei Maria da Penha viola o princípio de igualdade ou
atenua o desnível existente entre o homem e a mulher? (c) É privativo da
Constituição estabelecer normas de tratamento diferenciado?

Doravante,
passemos a enfrentar o problema.

2. Sujeito
passivo do delito de violência doméstica

De
acordo com o art. 226, § 8º, da CF/88 a entidade familiar tem
especial proteção do Estado, competindo a este assegurar àquela assistência
para cada um de seus integrantes.

Todavia, a Lei Maria da Penha endereçou sua proteção apenas às mulheres,
sendo que, em seu art. 7º elencou de modo exemplificativo formas de violência
doméstica e familiar, tais como: violência física, entendida como qualquer
conduta que ofenda a integridade ou a saúde do corpo; violência psicológica
compreendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional, diminuição da
auto-estima, humilhação e outros.

Ora, é indubitável que os de sexo masculino também podem ser vítimas de
violência doméstica. Imaginemos, por exemplo, a situação de um homem que, em
virtude de seu desemprego, é humilhado pela sua mulher, ou, ainda, a hipótese
de uma mulher, campeã de

artes marciais, que, em um “dia de fúria”, agride o seu marido, de corpo franzino,
causando-lhe lesões corporais.

O fato de a Lei Maria da Penha não regulamentar a
situação do homem sugere a pseudo-idéia de que, por isso, seria
inconstitucional, mas esse não é o melhor entendimento.

Com efeito, o legislador falhou em inobservar o
mandamento inserto no art. 226, § 8º, da CF/88 que previu assistência a cada
um dos integrantes da entidade familiar. Contudo, à vista do princípio de
isonomia material, é possível afastar esse equívoco, e, via de conseqüência,
adequar a Lei 11.340/06 a ordem constitucional.

Frise-se, independente de ser constitucional a Lei 11.340/06, a
regulamentação da violência doméstica e familiar contra o homem faz-se
necessária. Mas, isso é tema para outra ocasião.

3. Igualdade
formal e material

O art. 5, I, da CF/88 estatui que, homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações. A interpretação literal do mencionado preceito veicula o
princípio de igualdade formal, que concerne tratar a todos da exata maneira, não
obstante as particularidades socioeconômicas de cada indivíduo.

Neste viés, João Mangabeira[2]
leciona
que a igualdade em face da lei não é suficiente para
dirimir os conflitos criados pela produção capitalista, conquanto, o ideal
seria a igualdade de oportunidades para a consecução dos objetivos da pessoa
humana, de sorte a suprimir as incongruências geradas pela riqueza ou pelo
status social.

Para Kelsen, “seria absurdo impor os mesmos deveres e conferir os mesmos direitos a
todos os indivíduos sem fazer quaisquer distinções, por exemplo, entre crianças
e adultos, sãos de espírito e doentes mentais, homens e mulheres”.[3]

Na
esteira deste raciocínio, vale destacar a lição de Maria Berenice Dias,
Desembargadora do TJRS e uma das maiores defensoras da lei em comento.

“A aparente incompatibilidade dessas
normas solve-se ao se constatar que a igualdade formal – igualdade de todos
perante a lei – não conflita com o princípio da igualdade material, que é o
direito à equiparação mediante a redução das diferenças sociais. Trata-se da
consagração da máxima aristotélica de que o princípio da igualdade consiste em
tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se
desigualam.”[4]

Destarte,
infere-se que a igualdade a ser auferida é a material, ou seja, aquela que
confere tratamento equânime e uniformizado às pessoas, levando em consideração
as disparidades existentes.

Entretanto,
oportuna a advertência de Alexandre de Morais: “A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável
ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas.[5]

Logo, a discriminação é legítima quando
necessária e balizada por parâmetros, de razoabilidade e de proporcionalidade.
Isso significa dizer, em uma determinada situação, há de se examinar se é o
caso de um tratamento diferenciado, pois, sendo, passa-se a verificar a
conexão, finalidade e efeitos da intervenção discriminatória. Deste modo,
justificável os efeitos decorrentes do tratamento desigual, válida é a
distinção. Em contrapartida, na hipótese do tratamento desigual, tendo em vista
seus efeitos, se revelar prepotente, exorbitante ou imoderado, a intervenção
será inválida.

Assim,
em razão de, em regra, ser a mulher fisicamente mais frágil do que o homem,
outrossim, ser a mesma a vítima mais comum dos delitos de violência doméstica,
depreende-se que declarar a Lei 11.340/06 inconstitucional seria “andar na
contra-mão” do moderno Direito Penal e Processo Penal.

4. Legitimidade
para diferenciar o tratamento entre homens e mulheres

Em
verdade, nada impede que a lei ordinária disponha tratamento diferenciado entre
homens e mulheres, desde que respeitados os princípios reitores da Lei Maior.

Nesta
perspectiva, Alexandre de Moraes, ao interpretar o art. 5º, I, da CF/88, com
precisão, esclarece:

“A correta interpretação desse
dispositivo torna inaceitável a utilização do discrímen sexo, sempre que o
mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem da
mulher; aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis.
Conseqüentemente, além de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres
previstos pela própria constituição (arts. 7º, XVIII e XIX; 40, § 1º, 143, §§
1º e 2º; 201, § 7º), poderá a legislação infraconstitucional pretender atenuar
os desníveis de tratamento em razão do sexo”[6]

Com efeito, a legitimidade da
legislação infraconstitucional, para discriminar o tratamento entre as pessoas,
com o fito de nivelar as relações jurídicas, advém da própria Constituição.
Isto porque o princípio de igualdade material, no âmbito de elaboração das
espécies normativas, orienta os parlamentares no sentido de que a lei, por eles
elaborada, deve distinguir as pessoas quando necessária à obtenção da justiça.

5. Conclusão

A
Lei 11.340/06, longe de ser perfeita, é constitucional, pois, efetiva o
princípio de isonomia na esfera familiar.[7]
Em outras palavras, revela-se conectada as peculiaridades da mulher, razão por
que lhe confere uma tutela mais expressiva.

Lado
outro, tem-se que o homem pode perfeitamente ser o sujeito passivo do delito de
violência doméstica, motivo pelo qual, de
lege ferenda,
sugere-se a elaboração de uma norma que regulamente essa
situação.

Corolário
da constitucionalidade da Lei Maria da Penha é a inferência de que o legislador
ordinário tem o poder-dever de, no exercício de sua função constitucional de
edição normativa, elaborar leis com tratamento desigual para casos desiguais,
na medida em que se desigualam, in casu,
através das diferenças físicas entre homens e mulheres.

Sem
embargo aos debates provocados pela Lei 11.340/06, certo é que todos devem se
conscientizar daquela máxima popular: “Em
uma mulher não se bate nem com uma pétala de rosa.”[8]


Notas:

[1]
A Lei 11.340/06 recebeu o nome de Maria da Penha em homenagem a uma cearense
que ficou paraplégica ao ser agredida pelo marido, que atentou contra a sua
vida por duas vezes.

[2]
MANGABEIRA, João. Apud. PINTO FERREIRA. Luís. Princípios Gerais do Direito
Constitucional Moderno
. São Paulo: Saraiva. 1983. p.771.

[3]
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Arménio Amado, 1974,
p.203.

[4]
DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha,
afirmação da igualdade
. Jus
Vigilantibus, Vitória, 15 out. 2007. Disponível em:
<http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/29068>. Acesso em: 18 nov. 2007

[5] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª Ed. São
Paulo: Atlas, 2003, p. 65.

[6] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª Ed. São
Paulo: Atlas, 2003, p. 67.

[7]
TJMG. Processo 1.0672.06.226445-8/001(1).
Relator: Des. Reynaldo Ximenes Carneiro. Julgamento: 27.09.07. Publicação: 10.10.07.
Disponível em: <http://tjmg.gov.br>.

[8]
Autor desconhecido.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Luiz Marcos Meira Jardim

 

Advogado criminalista em Belo Horizonte/MG

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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