Da função pública

Sumário: 1. Noções básicas. 2. Teoria da Função Pública. 3. Conclusões.

 

1. Noções básicas

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Ao iniciar-se o tratamento do tema função pública, é obrigatório o estabelecimento da noção inicial de que a função pública trata-se da ligação, do relacionamento jurídico entre o Estado e os seus agentes.

Constataremos aqui, entretanto, as noções apresentadas por autores que analisam a função pública concomitantemente às funções do próprio Estado, ou seja, funções estatais ou dos poderes públicos.

Traremos a opinião de autores que analisam a presença de particulares exercendo as funções que seriam públicas sob as modalidades específicas de contratação com a Administração Pública, como nos casos das concessões de serviços públicos.

O que desejamos expor, entretanto, é como são tratados, pelos diversos autores de direito administrativo encontrados, os assuntos relativos à própria definição e classificação de função pública.

A consulta das obras de direito administrativo, constitucional e demais trabalhos sobre direito público traz aos leitores a noção diretamente relacionada entre o Estado politicamente organizado em funcionamento por meio de pessoas que nele exercitam seus deveres, fazendo-o operar na prática.

2. Teoria da Função Pública

A pesquisa dos tipos de vinculação a serem estabelecidas entre o Estado e seus agentes representa o tratamento da natureza jurídica da função pública. ARAÚJO constata a existência de diversas teorias que buscam a explicação de sua natureza1.

As teorias da função pública tratam da natureza do vínculo entre o servidor e o Estado e dividem-se, segundo o autor, entre as de direito público e as de direito privado2.

Também são estas últimas agrupadas em duas concepções chamadas unilateralista ou regulamentar e bilateralista ou contratual3.

Em relação às teorias da função pública, ARAÚJO faz longo estudo de cada uma como a seguir:4

Os aspectos gerais das teorias da função pública de direito privado indicam o vínculo jurídico entre o servidor e o Estado como uma relação contratual, de acordo com os modelos do direito civil. Presentes estão o livre consentimento, a capacidade de contratar e o objeto lícito, requisitos sem os quais não seria o contrato válido no mundo do direito5.

O cidadão não é obrigado a prestar serviços ao Estado em função de lei, salvo as exceções existentes6.

Devem estar também o Estado e o servidor com plena capacidade para contratar e, este último, para prestar serviços, sem nenhuma situação de subordinação à soberania do primeiro7.

Isto tudo acrescentado, é claro, da forma prescrita pela lei8.

São palavras do autor:

"As teorias de direito privado diferem quanto à caracterização do objeto9 da relação contratual entre servidor e Estado. Em função disto, podem ser divididas em teorias de direito real, que vislumbram o contrato de função pública como atribuidor de direitos e obrigações em torno de uma coisa; e as teorias de direito pessoal, que reconhecem apenas obrigações pessoais recíprocas"10.

"Pelas teorias de direito real, os ofícios públicos eram coisas sujeitas à apropriação. Devem estas sua existência ao modo pelo qual era apresentado o exercício dos ofícios públicos"11.

"Dentro desta teoria vislumbra o autor a teoria da posse como a que explica o contrato do ofício público como precário, ou como doação, ou como locação de coisa"12.

"No contrato precário, o proprietário de uma coisa cede o seu uso ou sua posse a outra pessoa que a solicita, devendo esta restituí-la assim que requisitada"13.

A teoria da propriedade entende o ofício público como uma propriedade de seu ocupante.14

"Já entre as teorias do vínculo pessoal – as quais entendem existir relação direta e pessoal entre o funcionário e o Estado – estão as de gestão de negócios, mandato, locação de serviços e contrato inominado"15.

"Pela teoria do mandato, existe um contrato deste tipo entre o servidor e o Estado, sendo o Poder Público o mandante e o servidor, o mandatário"16.

"A teoria da locação de serviços explica a relação Estado-funcionário desta forma. Foi fortalecida quando o Estado passou a assumir tarefas industriais, comerciais e de prestação de serviços, nos fins do século XIX , e a adotar normas similares às utilizadas para os trabalhadores do setor privado no relacionamento com os seus agentes. No século XX aplicou-se a certos servidores do Estado as normas trabalhistas do setor privado"17.

" A teoria da gestão de negócios tinha aplicação restrita às hipóteses em que não poderia ser caracterizado tanto o mandato quanto o contrato de prestação de serviços. Os exemplos citados pelo autor neste ponto são a destituição do poder constituído por movimentos de força ou a circunstancial atuação do agente público fora de seu âmbito regular de competência"18.

"Os teóricos que enxergavam na relação de função pública um contrato de direito privado que não correspondia aos já definidos em lei eram os que denominaram-no de contrato especial de serviço público. Também foram conhecidos como contratos inominados".

Porém, que no que concerne à adoção desta última teoria, a dificuldade para enquadramento da regulamentação do serviço ao Estado entre os contratos de direito privado à medida que crescia a tendência para o estabelecimento de regras legais específicas para a função pública no século XIX19.

As teorias analíticas ou complexas de função pública pertenciam ao campo do direito privado e atribuíam à relação entre o servidor e o Estado uma natureza específica e uma combinação de diferentes figuras jurídicas20.

"Em um ramo distinto do pensamento jurídico, as teorias de direito público não aceitavam fosse possível a existência do vínculo Estado-servidor dentro dos moldes do direito privado"21.

"Para estes últimos teóricos não era possível a coexistência e o relacionamento do direito privado e o exercício das prerrogativas de autoridade dos funcionários públicos sobre os cidadãos"22.

"Duas são as teorias de direito público. A primeira caracteriza o vínculo como ato contratual de poder público e a última como ato unilateral de poder público que institui relação unilateral"23.

A teoria do contrato de direito público sustenta tese de que o vínculo de função pública assinala-se como contrato originado da teoria do contrato inominado de direito privado24.

Para ARAÚJO, os autores que defendiam a teoria do contrato de direito público para a função pública o faziam também na defesa da própria existência deste tipo de contrato, com conjunto de caracteres especiais autônomas em relação aos contratos de direito privado25.

O que o autor acima destaca é que, mesmo possuindo características comuns como manifestação livre de vontade, capacidade das partes e objeto lícito, os contratos seriam de direito privado e de direito público. Porém, os de direito público refeririam-se aos interesses gerais enquanto os de direito privado refeririam-se aos interesses particulares26.

"Em relação às teorias que caracteriza o vínculo como ato unilateral de poder público que institui relação unilateral, pode-se dizer alguns aspectos gerais a seu respeito. Inicialmente que a função pública se estabelece em termos unilaterais, podendo-se exemplificar com a nomeação e o regime legal a que ela se submete"27.

Do dito acima nasceram as teorias que, embora aceitem todos a unilateralidade do ato de nomeação:
"…dividem-se quanto à natureza específica da relação criada por tal ato no âmbito do direito público."28

"As teorias que surgiram foram então as do vínculo de direito real, do vínculo de direito pessoal, do regime de coação legal e do regime legal especial"29.

A nomeação é ato unilateral por ser ato de autoridade e pelo seu objeto ser a atribuição a alguém de prerrogativas especiais de poder público. Tudo isto de acordo com a previsão legal, não gerando efeitos além dos já previstos30.

A exigência da aceitação da nomeação pelo indivíduo nomeado não modifica a unilateralidade do provimento. Isto porque ela só é necessária para o exercício da função31.

O próprio concurso público para a escolha de servidores também não traz em si a obrigatoriedade de nomeação após a seleção realizada32.

As teorias unilaterais da função pública dividem-se nas que atribuem ao vínculo criado com o servidor natureza de direito real e as que o qualificam como relação pessoal33.

Concluindo a respeito da teoria do direito real ARAÚJO expõe:

"A teoria do direito real originou-se na tese da propriedade privada sobre a função pública, característica do feudalismo e do Estado patrimonial, sendo, então, adaptada aos parâmetros do direito público. Embora ainda sustentada por Hauriou no final do século XIX, perdera prestígio a possibilidade de sustentação do exercício de direito de propriedade sobre os ofícios públicos desde as revoluções liberais, com a conseqüente afirmação do conceito de soberania, atribuída à nação. Constituindo-se o Poder Público em expressão da soberania, não mais se concebe que a função pública, manifestação deste Poder, possa apresentar-se como objeto de domínio particular, nem de domínio público transferível aos indivíduos"34.

As teorias do vínculo pessoal, por sua vez, negam a possibilidade de serem constituídos direitos sobre a função pública. Os direitos seriam constituídos apenas em relação a ela. São as teorias da coação legal ao exercício da função pública e a da relação legal especial e unilateral35.

Pela teoria da coação legal – desenvolvida a partir do contrato social – a coação legal partiria do pressuposto que o Estado é abstração necessária desejada por toda a nação36.

O Estado necessitaria, assim, de indivíduos a seu serviço. O dever de prestar serviços ao Estado seria impossível a todos quando fosse necessário37.

Na teoria da situação legal o indivíduo ingressaria no serviço público por livre aceitação, entretanto, sem formação de um contrato38.

A partir de meados do século XX, a teoria da situação legal ou estatutária passou a dominar na doutrina e na jurisprudência39.

No Brasil, a maioria dos autores do Direito Administrativo optou pela teoria estatutária. Foi aceito também que o vínculo estatutário é o mais apropriado à Administração Pública e que ele é caracterizado pela superioridade do Estado em relação ao servidor. Diferentemente das relações trabalhistas privadas, não há direito adquirido à manutenção dos direitos e obrigações existentes quando da investidura no cargo. O direito adquirido só surge quando da concretização de situação de fato criada em lei capaz de gerar um direito. Um bom exemplo disto é o que nos dá o autor em estudo:

"…se a lei estabelece o direito a um prêmio ao servidor que completa cinco anos de serviço, concretizada esta circunstância para determinado agente, este deverá recebê-lo, não podendo a Administração negá-lo ou pretender estabelecer outras condições para a sua quitação. Mas, se antes de decorridos os cinco anos sobrevém norma que prevê seja conferido o prêmio após decorridos dez anos de serviço, vale o novo prazo, pois não existe direito adquirido às condições gerais e hipotéticas preexistentes40."

As teorias do vínculo unilateral e a do vínculo legal adaptadas eram à teoria orgânica do Estado. Esta teoria nascida entre o fim do século XIX e o início do século XX ainda hoje influencia doutrina do Direito Administrativo41.

A teoria orgânica do Estado nasceu para explicar a relação do Estado com a sociedade. Veio como reação à concepção individualista do Estado e da sociedade42.

Dentro do contexto da teoria orgânica floresceu com mais força a tese da situação legal do funcionário público frente ao Estado. A definição unilateral e regulamentar deste vínculo, afastadas as teses contratualistas, foi a que mais se apresentou apropriada à idéia da função representativa do servidor público, predisposto a incorporar os próprios valores legais relativos ao Estado43.

Da conjugação entre a teoria da situação legal ou estatutária e a teoria orgânica do Estado, resultaram as diretivas básicas da teorização e explicação pelo Direito Administrativo da função pública44.

A partir desta concepção os seus traços principais seriam:

"a) automática ligação entre funcionário e cargo público, na sua concepção tradicional de parte determinada (inclusive numericamente) e indivisível dos órgãos públicos;45
b) concepção do funcionário como exclusivo meio de ação administrativa, ao qual cabe o status unilateralmente determinado pelo Estado;
c) recusa em conhecer a legitimidade do conflito entre interesses dos servidores públicos, principalmente os de natureza coletiva, e os do Estado e, conseqüentemente, inadmissibilidade de meios jurídicos capazes de compor tais conflitos;
d) pronta justificação da proibição de sindicalização e de greve na função pública e, quando previstos legalmente, como no regime da vigente Constituição brasileira, notória omissão em se dedicar a estes temas, mostrando que a tradição unilateralista e organicista ainda pesa mais que a dicção renovadora da norma jurídica."46

As teorias que admitiam a função pública apresentar elementos de direito público e de direito privado eram chamadas de teorias mistas47.

Algumas destas teorias consideravam a nomeação ato unilateral do Poder Público, entretanto, o regime criado a partir de então, um regime contratual de direito privado48.

Outras enxergavam as obrigações profissionais do funcionário como contrato de direito público, já os seus direitos pecuniários originados de um contrato de direito privado49.

No tratamento da natureza e do regime da função pública, após o estudo das teorias de direito privado, público e mistas, o autor em análise trata dos regimes estatutário e contratual50.

Inicia apontando a caracterização doutrinária da natureza do vínculo do Estado com seus servidores como de direito público face à sua sujeição à instabilidade das normas que o governam. Estas normas podem ser estabelecidas e alteradas somente pelo Poder Público51.

A teoria da situação legal acima é a de maior adesão no Brasil e em outros países52.

O regime contratual é característico do direito privado e, diferentemente do estatutário, pode ser distinguido pelo contrato entre o Estado e seu servidor. Este contrato é nascido da conjugação da vontade de ambas as partes e não pode ser unilateralmente modificado53.

Aponta o autor:

"…o servidor possui, neste caso, direito adquirido à manutenção das condições contratuais que regem seu vínculo com o Estado"54.

O contrato de trabalho é o que tem sido usado em diversos países.

Além do mais, este tipo não costuma atingir a totalidade dos servidores públicos. Desta situação nasce uma dualidade de regimes jurídicos na função pública55.

Uma das concepções do que se entende por função pública é a que a trata como o conjunto de atividades das pessoas que trabalham na Administração Pública. BARACHO trata do tema nos seguintes termos: "Entende-se como função pública, no sentido orgânico, o conjunto das atividades das pessoas da administração pública, sendo que sua composição é diversa e compreende categorias extremamente variadas"56.

É o que o falecido Professor de Minas Gerais e do Brasil, Paulo Neves de Carvalho falava a respeito do conjunto das atribuições dos servidores públicos.

Enfocando o sentido orgânico de função pública, ARAÚJO apresenta que pode se entender somente parte do pessoal que exerce trabalho para a Administração. Ressalta o mesmo que estes não se encontram submetidos às normas do direito comum do trabalho, mas sim a um estatuto de direito público. Há também outros tipos de ligação jurídica da Administração com o seu pessoal, denominados estes últimos funcionários públicos57.

No sentido formal, "…a função pública pode designar, ainda, o regime jurídico aplicável ao conjunto do pessoal administrativo. Esse regime é desprovido de unidade, desde que parte desse pessoal está submetido a um estatuto de direito público e outra parte está vinculada a um direito comum do trabalho, acrescentado por certas regras exorbitantes"58.

Por fim, o "regime da função pública é mais coerente e designa o conjunto de regras aplicáveis aos agentes de direito público"59.

Materialmente falando, função pública seria "…a atividade consistente em colaborar, de maneira permanente e a título profissional, das atividades das pessoas públicas da administração"60. A própria atividade administrativa de função pública seria a produção de serviços, produção possibilitada pela participação dos seus agentes. A atividade da administração passou por diversas modificações que a diferenciam das noções tradicionais. Isto em virtude das várias e distintas "…intervenções no domínio econômico, gerando a diversidade do pessoal participante em atividades do setor primário e secundário"61.

Neste momento de análise da função pública, é demonstrada a semelhança que existe até um certo grau entre o trabalho prestado nas administrações pública e privada: "Até certo ponto o trabalho que se processa na função pública é equivalente àquele que ocorre na administração privada. Tais circunstâncias explicam as perspectivas comuns das diversas formas do trabalho administrativo, pelo que as técnicas de organização científica do trabalho se apresentam de maneira análoga"62.

Analisando os motivos que levaram à formação crescente do pessoal administrativo, são lembradas as seguintes: a) causas econômicas decorrentes do progresso técnico, que geram numerosos serviços públicos; b) novas necessidades sociais, onde o Estado passa a intervir para satisfazer as necessidades da população, tendo em vista a carência ou insuficiência da iniciativa privada; c) simultaneamente, o Estado passa a ser promotor do progresso tecnológico, através de pesquisas científicas que geram a ampliação do quadro administrativo; d) o desequilíbrio econômico como fator motivador da intervenção estatal. Isto para a correção do jogo natural das leis econômicas. É o que pode ser denominado "dirigismo econômico", que ocorre junto com métodos de intervencionismo autoritário ou não63.

Outro aspecto posteriormente apresentado é o do crescimento demográfico que pode levar à necessidade de uma adequação e reforço do equipamento administrativo. Tal crescimento demográfico se dá também muito pelo fenômeno tão comum nos dias de hoje que é o da concentração urbana64.

As causas sociais também levam ao crescimento das necessidades administrativas. Isto porque são numerosas as atividades a serem reguladas pelo Estado. As atividades administrativas também crescem em virtude da necessária atuação da administração em certas situações sociais e jurídicas65.

BARACHO fala ainda das causas políticas e psicológicas que trazem verdadeiro aumento de importância e quantidade de atividades administrativas. Em virtude disto, ressalta o autor como conseqüências: "…a tendência crescente dos parlamentos a legiferar nos domínios mais variados. Muitas vezes, ocorre a inflação de textos administrativos. Outro tema que tem sido abordado é o da persistência de estruturas administrativas inúteis que precisam ser reformuladas"66.

Em matéria de causas psicológicas, ressaltada é a sua importância, também pelo concernente ao aumento dos diferentes empregos. Estas razões explicam o desenvolvimento quantitativo da administração. Aponta o autor que o "…desenvolvimento deve ser proporcional às necessidades da administração e das técnicas administrativas"67.

O autor mineiro demonstra que no processo evolutivo do Estado, "… a função administrativa não era conhecida como um meio de ação do executivo. Entretanto, com Duguit e Jèze, passou a ser considerada como fenômeno político fundamental da distinção entre governantes e governados." Traz às claras também, a distinção entre governantes e agentes. No caso, os agentes são executores das decisões dos governantes68.

Para o mesmo, aspecto de relevo da função pública é a subordinação ao poder legislativo. Isto porque é competência do Parlamento estabelecer regras de direito a serem impostas à administração, tudo conforme o princípio da legalidade. Diz o autor: "As constituições estabelecem que é competência do legislativo determinar o estatuto pessoal da administração. Esta questão está ligada a temas financeiros quando se trata da criação de empregos administrativos e na determinação das dotações. É nesse sentido que o parlamento exerce controle sobre a administração pública, inclusive de formas indiretas, no que se refere à responsabilidade política daqueles que exercem atividades e serviços. Também existe a subordinação ao Poder Executivo, desde que o governo dispõe da administração, sendo que esta matéria é definida de conformidade com os sistemas de governo, presidencial ou parlamentar.69"

São características da função pública: a) atividade habitual, normalmente permanente; b) corresponde habitualmente à totalidade da vida profissional, normalmente exclusiva; c) ela pode ser em tempo parcial e permitir o acúmulo com outros empregos; d) é uma atividade remunerada, exercida por uma prestação financeira, destinada a acorrer às necessidades da existência.

No tratamento de uma teoria geral da função pública, encontramos um sistema de emprego, ou seja, duas formas de função pública, exercitadas no Estado nos dias de hoje.
Uma é o sistema de carreira:

"…através do qual o funcionário exerce sua profissão, mediante certas condições. É recrutado em um corpo de membro que recebe empregos variados. Pode ser recrutado para um emprego determinado, através do qual é escolhido, não por sua aptidão para certo emprego, mas em função de certas atribuições. Nem sempre o recrutamento é efetuado normalmente por um contrato."70

O que acontece comumente é o servidor (antigo funcionário) consagrar a função pública à totalidade de sua vida.

No que se refere ao sistema e emprego:

"…ocorre o recrutamento para certa atividade, trazendo várias conseqüências para esta situação, em que o recrutado passa a ocupar determinado emprego, não podendo mudar do mesmo."

Várias são as diferenças entre os sistemas de função pública no direito comparado, tendo em vista o particularismo jurídico da função pública. Discute-se o princípio de submissão ou não da função pública ao direito comum do trabalho. Nessa situação, o funcionário é ligado a um contrato de trabalho, submetido a outros, com determinação salarial. Vários são os particularismos inerentes ao direito aplicável à administração, no que se refere às pessoas que participam funcionalmente da mesma: admite-se agentes públicos que têm uma situação legal e regulamentar, que exclui a existência de um contrato; consagra-se os estatutos dos agentes públicos, com base no direito público. Existem limites para a compreensão destes tipos quando se trata dos colaboradores da administração, onde surge agentes submetidos a um regime jurídico de direito privado.

Outros princípios são examinados para a caracterização da função pública, no que se refere ao princípio da neutralidade política da função pública, pelo que os funcionários não são recrutados por via de eleição; o recrutamento dos funcionários exclui toda a consideração política; as mudanças políticas não podem ter qualquer incidência sobre os funcionários; consagra-se a liberdade política dos funcionários.

Outro princípio inerente à teoria geral da função pública está ligado a noção de autoridade e hierarquia. O princípio da autoridade domina a concepção clássica da função pública, sendo que esta noção está ligada a hierarquia administrativa. Na modernização desses princípios, destaca-se a concentração das idéias democráticas e o princípio da participação. A concepção moderna de função pública, realiza uma conciliação entre o princípio democrático e a administração pública e o desenvolvimento dos seus direitos profissionais.

A composição do pessoal da administração, é bem diversa, tendo em vista sua origem e situação. A teoria contemporânea faz o elenco de diversas formas de participação na administração: os colaboradores da administração (colaboradores benévolos da administração; colaboradores requisitados; contratantes com a administração; contratos com associação de estabelecimentos privados).

Há uma pluralidade do pessoal da administração pública, alguns submetidos a um regime de direito público e outros a um regime de direito privado. Essa teoria geral também destaca a distinção dos agentes públicos e os salários privados da administração. Em certas ocasiões aplica-se ao pessoal da administração o regime do direito comum do trabalho. O particularismo da função pública e a repartição do pessoal da administração pública pode ser distinguida de duas maneiras: funções de autoridade que comportam poderes de comando e aplicação de um estatuto de direito público; as funções de gestão submetidas a um regime de direito privado.

Os agentes públicos apresentam certas particularidades no que se refere ao modo de recrutamento, a qualificação do contrato, as diferentes categorias de agentes públicos e os funcionários.

O termo funcionário, muitas vezes substituído por servidor, apresenta certa imprecisão, daí as diversas noções de funcionário. A lei francesa de 11 de janeiro de1984, tratando da noção de funcionário do Estado, apresenta algumas características referentes a nomeação e recrutamento, distinguindo também o emprego.

A titularização na grade da hierarquia administrativa é muito importante, surgindo discussões sobre a participação em um serviço público do Estado, administrações centrais e serviços exteriores, bem como estabelecimentos públicos nacionais. Existem diferentes categorias de agentes públicos, como agentes públicos não titulados. Ao mesmo tempo, a doutrina tem examinado os salários privados da administração e a tipologia desse regime.

Aspecto significativo na matéria é o exame do Estatuto do Funcionário, do Servidor ou o Regime Único, conforme certas nomeclaturas, onde são hoje examinadas as fontes internacionais ou européias, desde que o direito comunitário estabeleceu o princípio da livre circulação. O termo estatuto dos funcionários designa o conjunto de regras jurídicas que aplicam à atividade profissional do funcionário. A situação estatutária, legal e regulamentar do funcionário tem gerado diversas controvérsias, com as posições monistas (teoria do direito privado; teoria do direito público; situação contratual de direito público; situação legal e regulamentar). Ao lado das mesmas, ocorrem as posições dualistas (em princípio, os agentes públicos são colocados em uma situação legal e regulamentar, ou ainda estatutária; aceita-se, entretanto, agentes públicos contratados, de conformidade com a situação jurídica contratual).

O sistema da carreira dos funcionários do Estado apresenta várias particularidades, que partem do desenvolvimento da situação administrativa dos mesmos: suas colocações frente à administração (posições, atividade em tempo completo ou parcial; disponibilidades, proteção dos funcionários, funcionários e liberdades públicas, regime disciplinar, formas de recrutamento).

O regime estatutário consagra a primazia dos interesses do serviço público, com várias conseqüências: a situação do agente decorre de regras gerais; sua posição resulta de um estatuto do direito; este estatuto é modificável. Os estatutos da função pública do Estado, comportam diversas classificações como: estatutos que consagram a unidade e pluralidade da função pública; estatutos autônomos; estatutos dos militares; estatutos dos magistrados judiciários; estatutos particulares dos corpos de funcionários do Estado; estatuto dos congressistas e estatutos especiais.

BARACHO conclui o seu texto demonstrando que:

"Os caracteres gerais da função pública, têm certa especificidade e devem ser examinados, não apenas no seu aspecto apenas puramente jurídico."

E que:

"A função pública é uma atividade profissional, daí a palavra profissão ou funcionário usada por diversos autores."

MOREIRA NETO, ao tratar da teoria geral da função pública, começa por evidenciar estudo detalhado da natureza do vínculo que se estabelece entre o funcionário ou servidor e o Estado. Demonstra o autor a importância deste estudo, o estudo da relação jurídica administrativa da função pública e traz os dois grandes grupos de teorias que tratam do tema71.

São elas as teorias bilaterais e as teorias unilaterais.
As teorias bilaterais tratam da relação jurídica da função pública baseando-se no contrato entre o agente e o Estado72.

As teorias unilaterais estabelecem que a relação jurídica da função pública é baseada apenas na vontade unilateral do Estado73.

Aponta o autor que existem dois conceitos "estabilizados" no tocante à estrutura comum a todos os estatutos da função pública no Brasil: "1º) – os fixados constitucionalmente, nos princípios, (…) e, 2º) – aqueles sedimentados na doutrina estatutária que, entre nós, juntamente com outros grandes nomes, contou com o magistério de CAIO TÁCITO, CRETELLA JÚNIOR e HELY LOPES MEIRELLES.74"

3. Conclusões.

A despeito de se tratar na função pública, verdadeiramente, a natureza jurídica da relação de trabalho entre o Poder Público e os seus agentes, outras considerações há sob o ponto de vista doutrinário a respeito da mesma.

O que se assiste hoje, e sempre, é a inclusão nos Estados, em senso amplo, como entidade social politicamente organizada dotada de um governo próprio, de diferentes tipos de relações jurídicas para com os seus agentes.

Na própria história da administração pública brasileira e, quiçá, mundial, é a alternância

Notas de rodapé:

1.Araújo, Florivaldo Ob. cit. ant. p.55.
2.Ob. cit. ant. pp. 55-56.
3.Ob. cit. ant. pp. 56.
4.Ob. cit. ant., pp. 57-151.
5.Ob. cit. ant., pp. 57-58.
6.Ob. cit. ant. p.58.
7.Ob. loc. cit. ant.
8.Ob. loc. cit. ant.
9.Grifo do autor.
10.Ob. cit. ant. p. 59.
11.Ob. loc. cit. ant.
12.Ob. cit. ant. p. 60.
13.Ob. loc. cit. ant.
14.Ob. cit., ant. p. 61.
15.Ob. cit., ant. p. 62.
16.Ob. loc. cit. ant.
17.Ob. cit., ant. pp. 63-64.
18.Ob. cit., ant. pp. 64-65.
19.Ob. cit. ant. p. 65.
20.Ob. loc. cit. ant.
21.Ob. cit. ant. p. 66.
22.Ob. loc. cit. ant.
23.Ob. cit. ant. p.66.
24.Araújo (1998) Ob. cit. ant. p.67.
25.Ob. loc. cit. ant.
26.Ob. cit. ant. p. 68.
27.Araújo (1998), Ob. cit. ant. p.73.
28.Ob. loc. cit. ant.
29.Ob. loc. cit. ant.
30.Ob. loc. cit. ant.
31.Ob. loc. cit. ant.
32.Ob. cit. ant. p. 74.
33.Ob. loc. cit. ant.
34.Ob. cit. ant. p. 75.
35.Ob. cit. ant. p.76.
36.Ob. loc. cit. ant.
37.Ob. loc. cit. ant.
38.Ob. cit. ant. p. 78.
39.Ob. cit. ant. p. 79.
40.Ob. cit. ant. p. 80.
41.Ob. cit. ant. p. 81.
42.Ob. loc. cit. ant.
43.Ob. cit. p. 82.
44.Ob. cit. p. 85.
45.Grifos do autor.
46.Ob. cit. ant. pp. 85 – 86.
47.Ob. cit. ant. p. 87.
48.Ob. loc. cit. ant.
49.Ob. loc. cit. ant.
50.Ob. cit. ant. p. 90.
51.Ob. loc. cit. ant.
52.Ob. loc. cit. ant.
53.Ob. cit. ant. p. 91.
54.Ob. loc. cit. ant.
55.Ob. loc. cit. ant.
56.BARACHO, José Alfredo de Oliveira. "Teoria Geral da Função Pública do Estado: A Despublicização do Direito da Função Pública. Jornal "O Sino do Samuel", abril de 1998: FDUFMG, p.11.
57.Ob. loc. cit. ant.
58.Ob. loc. cit. ant.
59.Ob. loc. cit. ant.
60.Ob. loc. cit. ant.
61.Ob. loc. cit. ant.
62.Ob. loc. cit. ant.
63.Ob. loc. cit. ant.
64.Ob. loc. cit. ant.
65.Ob. loc. cit. ant.
66.Ob. loc. cit. ant.
67.Ob. loc. cit. ant.
68.Ob. loc. cit. ant.
69.Ob. loc. cit. ant.
70.Baracho. Ob. cit. ant.
71.Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. "Curso de Direito Administrativo"- 3ªedição revisada, atualizada e aumentada – RJ: FORENSE, 1976. pp. 213 – 256.
72.Ob. cit. ant. p. 213.
73.Ob. cit. ant. p. 214.
74.Ob. cit. ant. p. 215.


Informações Sobre o Autor

Francisco Mafra.

Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.


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Equipe Âmbito Jurídico

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