Resumo: Este artigo visa elucidar, com base na jurisprudência e doutrina nacionais, de que forma está sendo interpretado o art. 150, V, “d” da Constituição Federal, frente aos novos veículos de transmissão de informação escrita. Explana sobre imunidades e o seu alcance conforme entendimentos da doutrina nacional. Além disso, trás à baila o uso das mídias eletrônicas, tais: como e-books, kindle, revistas e jornais eletrônicos etc., e o seu tratamento frente à imunidade objeto da presente análise, além de discutir sobre a repercussão geral dada ao tema pelo Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: Imunidade. Constituição Federal. Papel. Mídias eletrônicas.
Abstract: This article seeks to elucidate, based on national jurisprudence and doctrine, how it is being interpreted art. 150, V, "d" of the Federal Constitution, in face of new vehicles of transmission of written information. Explains immunities and their scope as discussions of national doctrine. Also, back to the forefront the use of electronic media such as e-books, kindle, magazines and electronic journals etc., their treatment ahead immunity object of the present discussion, as well as discuss the general implications given to this issue by the Supreme Federal Court.
Keywords: Immunity. Federal Constitution. Paper. Electronic media.
INTRODUÇÃO
A educação e a cultura são conhecidos por serem processos sistematizados de transmissão de conhecimentos. O conhecimento concede as ferramentas necessárias às pessoas que compõem determinada sociedade para melhor utilizar os recursos científicos e tecnológicos que atenderão aos anseios da sociedade moderna.
O legislador constitucional nos trouxe a imunidade sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão, também conhecida como imunidade cultural, a fim de servir ao estímulo e à disseminação da cultura. Trata-se de uma imunidade objetiva, já que abrange exclusivamente o bem a que a norma se refere, ou seja, ao livro, jornal, periódico e ao papel utilizado na sua impressão.
Ocorre que a revolução tecnológica trouxe novas formas de disseminação do conhecimento: as mídias eletrônicas. Hoje, ouvir falar de escolas públicas utilizando-se de tablets, notebooks etc., para auxiliar os professores na sala de aula, é algo corriqueiro e comum. Ou seja, tais recursos estão sendo utilizados para ajudar os alunos e professores no processamento e transmissão de conhecimento, objetivo que assemelha-se ao vetor axiológico escolhido pelo legislador ao elaborar a norma do art. 150, V, “d” da Constituição Cidadã.
Frente a essa realidade, indaga-se: estão esses novos recursos tecnológicos também imunes à cobrança de impostos, tendo em vista que o espírito em que foi produzida a norma encontra-se latente?
2. TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL
De acordo com a jurisprudência do STF, resta patente a extensão da imunidade tributária aos insumos utilizados na confecção de jornais, pois além do próprio papel de impressão, a imunidade tributária conferida aos livros, jornais e periódicos, alcança também o chamado papel fotográfico (filmes não impressionados). (RE 203.859, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 11-12-2006, Plenário, DJ de 24-8-2001.) No mesmo sentido: RE 495.385-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-9-2009, Segunda Turma, DJE de 23-10-2009; RE 327.414-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-3-2006, Segunda Turma, DJE de 12-2-2010; RE 273.308, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 22-8-2000, Primeira Turma, DJ de 15-9-2000.
Podemos verificar que a extensão dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao tratar do tema, conforme citado no parágrafo anterior, deve-se ao vetor axiológico escolhido pelo legislador, senão, vejamos:
“‘Álbum de figurinhas’. Admissibilidade. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil.” (RE 221.239, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 25-5-2004, Segunda Turma, DJ de 6-8-2004. No mesmo sentido: RE 179.893, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 15-4-2008, Primeira Turma, DJE de 30-5-2008. (grifo nosso).
Apesar dessa posição quanto ao espírito da norma, o STF apenas o aplica no que se refere ao objeto em que está sendo veiculado, ou seja, ao papel, não o estendendo a outros meios de transmissão da informação, como o meio eletrônico, tendo em vista o caráter objetivo da imunidade.
Com foco no vetor axiológico da norma estampada no art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, a então Ministra Ellen Gracie expôs a finalidade a que ele se destina:
“O constituinte, ao instituir essa benesse, não fez reservas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil”. (grifo nosso).
O tributarista Andrei Pitten Velloso (2007), comentando julgado exarado do STF sobre o tema, aduz que:
“Entende-se que é inviável a restrição da imunidade com base num juízo subjetivo acerca da qualidade da publicação, uma vez que a imunidade é ampla, não se limitando às publicações de elevado valor cultural, científico, artístico ou didático”. (destaques no original).
3. POSIÇÃO DOUTRINÁRIA DO TEMA
Sempre foi controversa a posição da doutrina com respeito ao alcance da palavra “livro” constante da seguinte norma constitucional:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)
VI – instituir impostos sobre: (…)
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.”
Nessa seara, o ilustre professor Hugo de Brito Machado (2009) ensina que:
“A imunidade do livro, jornal ou periódico, e do papel destinado a sua impressão, há de ser entendido no sentido finalístico. E o objetivo da imunidade poderia ser frustrado se o legislador pudesse tributar qualquer dos meios indispensáveis à produção dos objetos imunes (…) Na interpretação da norma imunizante tem-se de atualizar o seu significado, ampliando-se quando necessário o seu alcance para que não reste a mesma inutilizada por uma espécie de esclerose que a dominaria se prevalente o sentido estritamente literal.” (MACHADO, 2009).
Assim, relevante é saber se as novas tecnologias estão sendo abrangidas pela regra imunizante.
A melhor interpretação é aquela que concede à norma a garantia da máxima efetividade, compatibilizando-a à realidade social. Nesse sentido, Hugo de Britto Machado (2009) leciona que:
“A melhor interpretação das normas da Constituição é aquela capaz de lhes garantir a máxima efetividade. Toda imunidade tem por fim a realização de um princípio que o constituinte considerou importante para a nação. A imunidade dos livros, jornais e periódicos tem por fim assegurar a liberdade de expressão do pensamento e a disseminação da cultura. Como é inegável que os meios magnéticos, produtos da moderna tecnologia, são hoje de fundamental importância para a realização desse mesmo objetivo, a afirmativa se impõe. O entendimento contrário, por mais respeitáveis que sejam, e são, os seus defensores, leva a norma imunizante a uma forma de esclerose precoce, inteiramente incompatível com a doutrina do moderno constitucionalismo, especialmente no que concerne à interpretação especificamente constitucional.” (MACHADO, 2009)
E arremata dizendo:
“É certo que o constituinte de 1988 teve a oportunidade de adotar redação expressamente mais abrangente para a norma imunizante, e não o fez. Isto, porém, não quer dizer que o intérprete da Constituição não possa adotar, para a mesma norma, a interpretação mais adequada, tendo em vista a realidade de hoje.” (MACHADO, 2009).
Destarte, a maioria da doutrina entende que as publicações em meio eletrônico, por também difundirem o conhecimento e a cultura (assim como o desejou o legislador constitucional), devem ser alcançadas pela imunidade elencada no art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal.
O professor Ricardo Alexandre (2013), ao falar sobre o tema, nos apresenta a seguinte conclusão:
“Esta corrente alega que a menção constitucional ao “papel destinado a sua impressão” não restringe o benefício apenas ao livro em papel, até porque a inexistência de menção expressa a outros meios de divulgação – principalmente eletrônicos – decorre de fato que, à época da elaboração da Constituição Federal de 1988, esses meios não eram tão difundidos como atualmente”. (ALEXANDRE, 2013)
Entretanto, relata o autor que esse argumento está sendo afastado por uma interpretação histórica da citada regra. É que a Assembleia Nacional Constituinte teve a oportunidade de estender a imunidade a outros meios de divulgação de conhecimento e não o fez, imunizando apenas o papel.
E segue afirmando:
“O problema é que, nos dias atuais, o mundo passa por uma rápida disseminação dos livros em meio eletrônico (e-books), o que deve justificar uma evolução na jurisprudência da Suprema Corte, sob pena de frustrar o objetivo que presidiu a elaboração da regra imunizante ora estudada, qual seja, baratear a difusão da cultura e do pensamento. Ao que parece, o mais adequado seria entender que o livro, o jornal e o periódico são imunes, não importando a forma de apresentação. Se for adotada a forma tradicional em suporte físico (papel, CD-ROM, e-reader etc.), de forma a imunizar todos os livros, mas apenas um suporte físico (papel). Nessa linha, a aquisição do leitor eletrônico (e-reader) não deve ser considerada imune, mas a aquisição do livro eletrônico, mediante download ou outra forma qualquer, deve ser considerada insuscetível de tributação.” (ALEXANDRE, 2013).
4. REPERCUSSÃO GERAL
Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) posicionar-se contrário ao tema, verificou-se no ano de 2012 que foi dada repercussão geral ao assunto, como se verifica do noticiário datado de 13 de novembro de 2012 daquela corte:
“A imunidade tributária concedida a livros, jornais, periódicos e ao papel destinação à sua impressão, prevista na alínea “d” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal, alcança os livros eletrônicos ou e-books? A resposta à controvérsia será dada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE 330817), de relatoria do ministro Dias Toffoli. O processo teve a repercussão geral reconhecida por meio de deliberação do Plenário Virtual e a decisão do STF no caso deverá ser aplicada às ações similares em todas as instâncias do Poder Judiciário.”
No citado processo, o estado do Rio de Janeiro recorre de decisão da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça daquele estado, que, julgando mandado de segurança impetrado por uma editora, reconheceu a imunidade relativa ao ICMS na comercialização de enciclopédia jurídica eletrônica. Segundo entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ):
“livros, jornais e periódicos são todos os impressos ou gravados, por quaisquer processos tecnológicos, que transmitem aquelas ideias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos”.
No recurso ao STF, o estado do Rio de Janeiro alega que o livro eletrônico é um meio de difusão de obras culturais distinto do livro impresso e que, por isso, não deve ter o benefício da imunidade, a exemplo de outros meios de comunicação que não são alcançados pelo dispositivo constitucional, fazendo, como se percebe, uma interpretação puramente literal da Constituição.
É de grande importância econômica e cultural o tema discutido, tendo o ministro Dias Toffoli afirmado, de acordo com o noticiário do STF, que “sempre que se discute a aplicação de um benefício imunitório para determinados bens, sobressai a existência da repercussão geral da matéria, sob todo e qualquer enfoque”, porque “a transcendência dos interesses que cercam o debate são visíveis tanto do ponto de vista jurídico quanto do econômico”.
Por ser bastante elucidativo, colaciono excerto da revista eletrônica do STF que noticiou a repercussão geral, no que tange à diferenciação das correntes doutrinárias:
“O ministro lembrou que essa controvérsia é objeto de “acalorado debate” na doutrina e na jurisprudência e citou as duas correntes (restritiva ou extensiva) que se formaram a partir da interpretação da alínea “d” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal. “A corrente restritiva possui um forte viés literal e concebe que a imunidade alcança somente aquilo que puder ser compreendido dentro da expressão ‘papel destinado a sua impressão’. Aqueles que defendem tal posicionamento aduzem que, ao tempo da elaboração da Constituição Federal, já existiam diversos outros meios de difusão de cultura e que o constituinte originário teria optado por contemplar o papel. Estender a benesse da norma imunizante importaria em desvirtuar essa vontade expressa do constituinte originário”, explicou.
Já a concepção extensiva destaca que o foco da desoneração não é o suporte, mas sim a difusão de obras literárias, periódicos e similares. “Em contraposição à corrente restritiva, os partidários da corrente extensiva sustentam que, segundo uma interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional, a imunidade serviria para se conferir efetividade aos princípios da livre manifestação do pensamento e da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação, o que, em última análise, revelaria a intenção do legislador constituinte em difundir o livre acesso à cultura e à informação”, acrescentou o relator.
5. CONCLUSÃO
O direito deve acompanhar os reclames da sociedade, que está em constante mudança. O uso de meios eletrônicos já é corriqueiro em todos os setores da economia, o que, aliado à responsabilidade ambiental, dá um novo colorido às relações sociais.
Assim, não seria de bom tom ao interprete constitucional, aguardar que o legislador modifique o texto da atual Constituição Federal para que o significado da norma seja estendido, pois, por simples regra de hermenêutica e aplicação de princípios interpretativos, tal qual o da máxima efetividade, fazendo o que se costuma chamar de “interpretação evolutiva”, esse objetivo pode ser alcançado.
O direito deve sempre acompanhar as mudanças na sociedade, por isso se diz que ele é mutável, e a sociedade avançou nos novos recursos de tecnologia de transmissão de informação, e por isso, os mesmos devem ser abarcados pela norma imunizante inserta no art. 150, V, “d”, da Constituição Federal de 1988.
Advogado. Formado pela Universidade Tiradentes. Pós Graduando em Direito Público
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