Resumo: Esse trabalho tem como objetivo demonstrar que a aplicação do princípio da insignificância, manifestação do princípio da intervenção mínima, nos crimes ambientais só beneficia o infrator. As características dessas lesões ao meio ambiente causa não apenas desequilíbrio ao ecossistema em si, afeta também toda a humanidade, que precisa do meio ambiente equilibrado que é necessário para a vida, à saúde e ao desenvolvimento. Portanto, a aplicação desse princípio é um erro jurídico e que deve ser evitado.
Palavras-chave: princípio da insignificância – crimes ambientais – princípio da intervenção mínima – lesão ambiental – desequilíbrio ambiental.
Abstract: This work aims to demonstrate the application of the principle of insignificance, manifestation of the principle of minimum intervention, in environmental crimes, that only benefits the offender. The characteristics of these lesions to the environment not only cause imbalance to the ecosystem itself, affects all of humanity, we need a balanced environment that is necessary for life, health and development. Therefore, the application of this principle is a legal mistake and should be avoided.
Keywords: principle of insignificance – environmental crimes – principle of minimum intervention – environmental damage – environmental imbalance.
Sumário: 1. Introdução – 2. Crime: conceito – 3. Princípios relativos à insignificância: 3.1. Princípio da intervenção mínima; 3.2. Princípio da proporcionalidade; 3.3. Princípio da insignificância – 4. Crimes ambientais: conceito e características: 4.1. Amplitude de vítimas; 4.2. Globalidade de seus impactos; 4.3. Aniquilação de vítimas; 4.4. Difícil reparação; 4.5. Difícil valoração; 4.6. Dificuldade na verificação do nexo causal – 5. Da não aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais – 6. Bibliografia.
1. Introdução
Matéria não regulada pela nossa legislação – mas nem por isso de pouca importância –, o princípio da insignificância é construção doutrinária do grande jurista alemão Claus Roxin, e sua aplicação no campo do direito penal é clara manifestação do princípio da intervenção mínima.
Ocorre que as características das lesões ambientais sai diferentes: causam desequilíbrio no meio ambiente, afetando, de uma forma ou de outra, todo o ecossistema, e por conseguinte, afeta o homem.
A aplicação, portanto, do princípio da insignificância, que exclui a tipicidade do fato delituoso, aos crimes ambientais é a posição mais correta?
2. Crime: conceito
Buscamos o conceito de crime na legislação. Dessa forma a Lei de Introdução ao Código Penal e da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº. 3.914/41) dispões em seu artigo 1º que “considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente”.
Assim, crime (usado aqui em seu sentido mais amplo) vem a ser aquela conduta antijurídica prevista em lei, seja no Código Penal ou qualquer lei especial, abrangendo tanto os crimes dolosos quanto os culposos, comissivos ou omissivos. A lei deve descrever o fato ilícito, transformando uma conduta em ato lícito ou ilícito. É o princípio da legalidade (nullum crime nulla poena sine previa lege), inscrito no artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal[1] e no artigo 1º do Código Penal[2].
3. Princípios relativos à insignificância
Em breves palavras, entendemos princípio como aquelas normas com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes[3]. São fundamentos que são extraídos da própria legislação ou do ordenamento jurídico em geral, visando suprir lacunas da lei.
Para José Afonso da Silva, princípio exprime a noção de “mandamento nuclear de um sistema”.[4]
Eles decorrem do próprio fundamento da legislação, e embora não estejam expressos na lei, tem grande importância no preenchimento das lacunas da lei, ou como entende Carlos Ari Sundfeld, “os princípios são as idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se” [5].
3.1. Princípio da intervenção mínima
Como ensina Alberto Silva Franco, “nem toda conduta causadora de um conflito, em nível de convivencialidade, é de seu interesse. Não basta que um comportamento humano entre em atrito com o grupo societário para que o Direito Penal passe a operar” [6].
Não deve então o direito penal tutelar qualquer bem jurídico, bem como qualquer ação ou omissão que possa lesar tal bem jurídico. O direito penal deve ser subsidiário, entrando em ação apenas quando outros ramos do direito não forem capazes de proteger o bem jurídico, resguardando apenas aqueles bens que são indispensáveis à sociedade.
Citando Juan Carlos Barbonell Mateu, Alberto Silva Franco entende que “A tarefa do Direito Penal é precisamente a de intervir mínimo possível para conseguir o máximo de liberdade” [7].
3.2. Princípio da proporcionalidade
Esse princípio significa o justo equilíbrio entre a gravidade do fato ilícito e a pena imposta. Dessa forma, não teria sentido uma punição severa por um fato insignificante, bem como uma pena levíssima por um fato grave, como por exemplo aplicar pena de multa para homicídio e pena perpétua para simples furto. É a proibição de qualquer forma de excesso.
“O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena)” [8].
3.3. Princípio da insignificância
Não basta apenas que determinada conduta, prevista em lei, seja considerada como crime ou contravenção penal; é preciso também que tal conduta seja grave, intolerável.
O princípio da insignificância (ou bagatela) não tem previsão legal em nosso direito; trata-se de construção jurisprudencial e doutrinária. O dicionário Larousse Cultural conceitua o vocábulo insignificância como aquela “coisa de pouco ou de nenhum valor, que não significa nada” [9]. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, a insignificância “tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação” [10].
Como podemos observar, tal princípio é bastante subjetivo. Assim, furtar folha de caderno, apesar de formalmente típico (furto, artigo 155 do Código Penal – “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”) é materialmente atípico. Entretanto se tal folha de caderno contenha dados pessoais da vítima ou de terceiros, dados bancários ou qualquer outro assunto que seja relevante, o que antes era materialmente atípico entendemos que torna-se materialmente típico.
Na identificação daquilo que pode ser considerado como insignificante, coube a jurisprudência o estabelecimento de vetores que devem ser seguidos. Citamos então a decisão pioneira do Ministro do Superior Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello, que no julgamento do Habeas Corpus nº. 84.412/SP, identificou quatro vetores a serem seguidos:
“PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – "RES FURTIVA" NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.
1 – O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR".
2 – O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. (STF – 2ª Turma. HC 84412/SP. Rel.: Ministro Celso de Mello. DJ: 19.10.2004)”. (Grifos nossos).
Como observamos no decisum do Ilustre Ministro, os vetores a serem observados para que seja reconhecido a aplicação do princípio são: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Por fim, o princípio da insignificância não se confunde com o furto de coisa de pequeno valor (artigo 155, parágrafo 2º, do Código Penal[11]).
Nesse caso, por menor que seja o valor, no caso do furto privilegiado supramencionado, o Estado ainda deve atuar na aplicação da lei penal, desde que o réu seja primário, além da coisa furtada ter pequeno valor (o entendimento jurisprudencial é de que este “pequeno valor” não pode ultrapassar um salário mínimo vigente[12]). Por outro lado, como já vimos, a lesão ao bem jurídico é tão ínfima que é materialmente atípico.
4. Crimes ambientais: conceito e características
Entendemos crime ambiental como a ação ou omissão que causa lesão ao meio ambiente. Tal lesão contém características muito particulares. São essas particularidades que tornam os danos ambientais difíceis de reparação, não se alcançando, em muitos casos, o retorno ao status quo ante.
4.1. Amplitude de vítimas
O dano ambiental afeta uma pluralidade de vítimas, não as distinguindo.
Se um lago é contaminado com mercúrio, por exemplo, não apenas suas águas ficam poluídas; é atingida também sua fauna e flora, bem como da população ribeirinha que vive perto e utiliza a água para beber e os peixes desse lago para sua subsistência.
É toda uma comunidade que é envenenada por consumir alimentos contaminados por agrotóxicos ou inseticidas.
Em sede de Embargos de Declaração no Recurso Especial nº. 1.120.117/AC, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, proferiu seu voto dizendo que: “o dano ambiental além de atingir de imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade local, não indígena e para futuras gerações pela irreversibilidade do mal ocasionado” [13].
4.2. Globalidade de seus impactos
O meio ambiente, bem como seus danos, não conhece as fronteiras políticas.
“Es el caso de las aves migratorias, protegidas por diversos compromisos de carácter internacional, así como también los sistemas hídricos compartidos o vecinos, respecto de los cuales la vigencia de una solución interna no permite resolver las cuestiones que le son atinentes” [14].
Apesar do efeito mais intenso do dano ambiental ser sentido no epicentro do desastre, alguns efeitos se estendem para além de sua área[15].
Ademais, justamente pela área objeto de lesão ambiental pode ser de extensão maior do que a referida na petição inicial, já se foi entendido que tal fato não importa em julgamento ultra ou extra petita, ou seja, nem além do pedido (isto é, concede algo a mais, quantitativamente, do que foi pretendido – ultra petita), nem coisa diversa da que foi requerida em sua petição inicial (extra petita) [16]. Essa, aliás, é a regra imposta pelo artigo 460 do Código de Processo Civil, que aduz o seguinte:
“É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”.
Ademais, já entendeu a jurisprudência que em se tratando de fatos autônomos que causam degradação do meio ambiente, não há a configuração do bis in idem, mesmo se tais fatos forem semelhantes uns aos outros[17].
4.3. Aniquilação de vítimas
Outra característica do dano ambiental é sua capacidade de aniquilar vítimas. É a floresta que deixa de existir, são os recursos naturais que se exaurem,é uma espécie animal que é abatida.
Dessa forma, é impossível de se efetuar a reparação, ou seja, mantém-se o desequilíbrio, não há o retorno ao estado anterior de antes da lesão ambiental.
4.4. Difícil reparação
Seja pela dificuldade ao retorno ao status quo ante (que em alguns casos pode ser impossível de ser alcançado), seja pelo fato de que eventual indenização, por si, não recupera o dano causado, a reparação do dano pode não alcançar todos os efeitos desejados.
Em outros casos, os danos ambientais podem nem ocorrer a olho nu, como é o caso de contaminação de lençol freático, ou ainda de danos que ocorrem apenas com o passar do tempo, dificultando ainda mais sua reparação.
Ademais, os efeitos do uso de substâncias tóxicas que causam danos ambientais podem se prolongar com o tempo continuando a prejudicar o meio ambiente. Assim, já foram encontrados, em 2005, traços em grande parte da Europa de Césio-137, proveniente da nuvem radioativa oriunda do acidente nuclear de Chernobyl em 1986[18], afetando um sem número de vítimas. Da mesma forma, foram encontrados traços de DDT (substância proibida desde a década de 1970 para uso externo em diversos países) em pingüins, em estudo feito em 2008[19].
Igualmente, entendemos que a demora em buscar uma melhor solução para a reparação do dano ambiental pode afetar ainda mais a eficácia da proteção.
Por fim, entendemos ainda a ocorrência de danos que são irreparáveis. Pensamos ser o caso, por exemplo, da poluição dos mares e a poluição atmosférica.
Não há efetiva reparação dos danos causados a esses dois sistemas. É impossível limpar a água dos mares ou o ar atmosférico. Não há como fabricar água do mar sem poluentes ou um ar atmosférico limpo para repor o que foi degradado.
Como trocar toda a água do mar ou o ar atmosférico? E onde armazenar o excedente poluído? Essas são perguntas que ainda não existem resposta.
O ideal nesses casos, e assim também entende Ana Paula da Cruz, é de haver uma tutela preventiva[20], buscando-se evitar que tais danos venham a ocorrer, atingindo o meio ambiente, reduzindo o equilíbrio ecológico.
4.5. Difícil valoração
Ainda não existem parâmetros econômicos estabelecidos para a reparação de um dano ambiental. Não à toa, o legislador prefere que a reparação in natura seja tentada primeiro (além de ser esse o objetivo – à volta ao status quo ante –, a indenização é uma tentativa meramente econômica de punir o poluidor, não restaurando o dano ambiental causado).
Não existe um valor econômico para o ar puro ou para uma paisagem. Apesar da importância, são bens que não são expressos através do mercado, não podem ser comprados ou vendidos.
Tampouco existe alguma fórmula para calcular o dano ambiental em toda sua extensão, devendo-se avaliar tais danos sobre todos os elementos do ecossistema que foi degradado[21]. Ademais, como já afirmamos, é difícil saber a real extensão do dano, seja o que foi atingido ou quem foi atingido.
No entanto, essa dificuldade não significa que a valoração do dano seja impossível de ser realizada. Caberá então à jurisprudência, com o auxílio dos conhecimentos técnicos e científicos adquiridos, a tarefa monumental de forjar critérios práticos para a solução do dano ambiental. Nesse sentido, citamos como exemplo o que já foi decidido pelo Tribunal Regional Federal da 3º Região:
“DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL PROPOSTA PELA UNIÃO, REPRESENTADA PELA PROCURADORIA DA REPÚBLICA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA AFASTADA. RESPONSABILIDADE POR DANO AMBIENTAL. ABATIMENTO DE MACACO BUGIO. ROBUSTA PROVA NOS AUTOS. CONFISSÃO DO DISPARO. ESTADO DE NECESSIDADE AFASTADO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NO JUÍZO CRIMINAL. IRRELEVÂNCIA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. VALOR DO DANO. CUSTO DA CRIAÇÃO DE UM BUGIO EM CATIVEIRO ATÉ A MATURIDADE. RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. (…)
2. Há farta prova nos autos no sentido de que os apelantes abateram um macaco bugio quando estavam na mata testando uma cartucheira, inclusive tendo sido flagrados pela Polícia Militar de posse do animal abatido, logo após uma denúncia anônima, ocasião em que foi apreendida a cartucheira usada para desferir o tiro. O réu José Alves efetivamente desferiu os disparos que mataram o macaco bugio, ao passo que o réu Antonio César estava junto com ele na mata no momento e emprestou a espingarda ao co-réu, possibilitando a prática do ilícito.
3. O laudo de necropsia realizado no animal comprova que o macaco sofreu perfurações múltiplas, retirando-se-lhe oito projéteis de chumbo. (…)
8. Quanto ao dano causado ao meio ambiente, considero que a r. sentença o fixou com razoabilidade, não havendo que se falar em excesso, dado que dentre os valores apontados pelo Laudo de Valoração de Dano Ambiental, adotou o menor, por não se saber o sexo do animal abatido. O valor do dano deve ser o do custo de reposição de um macaco bugio no meio ambiente, criado em cativeiro até que atinja a idade que lhe permita condições de sobrevivência. No entanto, como o laudo aponta os custos de criação de macho e fêmea, e considerando-se que não há prova nos autos do sexo do animal abatido, cumpre adotar-se o de menor valor.
9. Apelação improvida.” (TRF-3 – 2ª Turma. AC 18603/SP 2002.03.99.018603-4. Rel.: Desembargador Federal Cotrim Guimarães. DJ: 07.12.2010). (Grifos nossos).
4.6. Dificuldade na verificação do nexo causal
Uma das características do dano ambiental é a dificuldade da verificação do nexo causal.
A responsabilidade pelo dano ambiental, como sabemos, é objetiva e impõe o dever de reparar o dano ambiental a todos que, por ação ou omissão, contribuíram para a sua ocorrência, prescindindo, assim, da demonstração da culpa, sendo necessária para a sua configuração, da demonstração do dano e do nexo causal.
Afinal, quem mora numa área altamente industrializada, com altos graus de poluição atmosférica, por exemplo, obviamente sofre os danos por viver em tal área. Mas como saber quem exatamente é o responsável pela poluição? Quem é o responsável pela causação de chuva ácida?
Entendemos que não havendo a comprovação do nexo de causalidade, impossível haver responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar e reparar as lesões. Nesse diapasão é o entendimento jurisprudencial:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO COMPROVADO. HONORÁRIOS ADVOCATICIOS.
Correta a sentença que rejeita ação civil pública de reparação de dano ambiental causado pela pesca de sardinhas em período defeso, quando a escolha do réu se mostra absolutamente aleatória e alheia à realidade da proteção ecológica. Indicou-se réu humílimo, com apenas quatro dentes, cujos ganhos são ínfimos, e que jamais participou da pesca, e apenas foi contratado para ajudar em um transporte. Em suma: vê-se de tudo.
Apelação e remessa parcialmente providas, apenas para afastar a verba honorária”. (TRF-2 – 6ª Turma Especializada. REEX 200951010156435. Rel.: Desembargador Guilherme Calmon Nogueira da Gama. DJ: 02.07.2012) [22].
Não é simples a prova técnica e inequívoca de dano ambiental, uma vez que os danos ambientais podem não se manifestar no local da ação ou omissão, ou ainda que se manifeste apenas com o passar do tempo.
Ademais, muitas vezes a lesão é causada por múltiplos agentes poluidores, sendo impossível individualizar a conduta de cada um. Assim é no caso da poluição atmosférica, ou a poluição de rios como o Tietê, em São Paulo, que além de advir de múltiplas fontes, foram se acumulando com o passar do tempo.
Geralmente cabe ao autor o ônus da prova. Essa é a regra do artigo 333 do Código de Processo Civil. Entretanto, diante da possibilidade em se provar a autoria da lesão, entendemos que deve o juiz da causa eximir o autor da prova de tal lesão, invertendo o ônus em desfavor do agente poluidor, aplicando a regra do artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, que aduz: “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. Assim já foi decidido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO AMBIENTAL – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO – REALIZAÇÃO DE PERÍCIA TÉCNICA – HONORÁRIOS PERICIAIS – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
I – Se o desastre ambiental que contaminou o lençol freático – em razão de vazamento de produto que, como fornecedoras, era comercializado pelas empresas rés/agravadas -, restou incontroverso nos autos; e se está evidenciado o fato de que os autores residiam próximo ao local que possivelmente foi afetado pelo desastre em época próxima à sua descoberta, são, em tese, vítimas desse evento danoso e, portanto, nos termos do art. 17 do CDC, equiparadas aos consumidores.
II – Reconhecida a verossimilhança da alegação do consumidor e a sua hipossuficiência em relação ao fornecedor, deve lhe ser facilitada a defesa de seu direito com o benefício processual da inversão do ônus da prova (inciso VIII do art. 6º do CDC).
III – Recurso de agravo de instrumento conhecido e provido.” (TJDF – 2ª Turma Cível. AGI 20060020099271/DF. Rel.: Desembargador Benito Tiezzi. DJ: 25.04.2007) [23]. (Grifos nossos).
Entretanto, nos casos de danos ambientais causados por múltiplos agentes, entendemos ser possível adotar a regra da responsabilidade solidaria, assim como institui o artigo 942 do Código Civil: “os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.
Nesse sentido é a jurisprudência que temos a oportunidade de colacionar:
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO E FACULTATIVO. POSSIBILIDADE.
Hipótese em que a agravante pretende afastar determinação judicial para que fossem trazidos aos autos de Ação Civil Pública documentos necessários para a citação do IBAMA, IMA, UNIÃO, CRA e ADEMA, dada a presença de litisconsórcio passivo necessário haja vista a discussão naqueles autos tratar de dano ambiental.
Irresignação da agravante porquanto entende tratar-se de matéria referente a litisconsórcio passivo facultativo, conforme previsto no art. 46 do CPC.
De acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial, em caso de dano ambiental a responsabilidade é de natureza solidária, admitindo-se o litisconsórcio necessário (art. 47 do CPC), outrossim, o litisconsórcio facultativo (art. 46 do CPC).
A permissão para quaisquer das modalidades de litisconsórcio assegura, portanto, a propriedade da medida judicial ora combatida uma vez que o MM. Juiz "a quo", ao agir "ex officio", não infringiu qualquer dispositivo legal. Ademais, a discussão concernente à legitimidade pode ser objeto de apreciação em qualquer momento processual, o que, nesta oportunidade, não configura "prima facie" prejuízos para a demanda.
Agravo de instrumento improvido.” (TRF-5 – 2ª Turma. AGTR 52484/SE 0031645-62.2003.4.05.0000. Rel.: Desembargador Federal Petrucio Ferreira. DJ: 17.0.2007). (Grifos nossos).
Contudo, entendemos que, mesmo que múltiplos os agentes, e que as ações poluidoras sejam da mesma espécie (por exemplo, poluição sonora), e embora sejam praticadas na mesma época e no mesmo local, mas não se confundem, podendo ser individualizadas a conduta de cada agente poluidor, não configura a responsabilidade solidária. Nesse caso, cada um responde pelo seu próprio ato.
5. Da não aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais
O princípio da insignificância, quando aplicado aos crimes comuns, exclui a tipicidade[24]: por ser uma inexpressiva lesão aos bens jurídicos, o ato praticado passa a não ser mais considerado como crime.
No entanto, o mínimo dano ao ambiente atinge algo maior que a coisa danificada, causando desequilíbrio ambiental, afetando todo um ecossistema e, consequentemente, o homem.
Apesar disso, encontramos na jurisprudência entendimentos a favor da aplicação desse princípio. Citamos por exemplo a decisão do Desembargador Federal Tadaaqui Hirose:
“Tratando especificamente da proteção ambiental, é possível a aplicação do princípio da insignificância diante do assim compreendido caráter instrumental do Direito Penal, sopesando-se, ainda, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. No entanto, para que a alegada lesão possa ser considerada insignificante, não basta que a pouca valia esteja no juízo subjetivo do julgador. É preciso que fique demonstrada no caso concreto. Nessa linha, interesses em princípio colidentes (restrição de direitos fundamentais em prol da conservação da natureza) apresentam-se, ao mesmo tempo, mutuamente dependentes, não se olvidando que a proteção constitucional do meio ambiente é realizada em prol da manutenção não só das futuras gerações, mas da vida humana presente (art. 225, caput, CF/88). Sob esse enfoque, o acolhimento da referida excludente atende aos parâmetros de razoabilidade exigíveis no caso concreto, sem atentar contra o caráter preventivo ínsito à proteção ambiental.” (TRF-4 – Sétima Turma. ApCrim 2006.71.00.001035-8/RS. Rel.: Desembargador Federal Tadaaqui Hirose. DJ: 20.11.2007). (Grifos nossos).
esse diapasão, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal já atuou no sentido da aplicabilidade do princípio da insignificância, absolvendo no caso, um pescador de Santa Catarina que havia sido condenado por crime contra o meio ambiente (o delito pelo qual foi condenado o paciente está previsto no art. 34, caput e parágrafo único, II, da Lei nº. 9.605/1998) por pescar utilizando-se de rede de pesca fora das especificações do IBAMA, sendo flagrado com 12 camarões, durante o período de defeso (STF – 2ª Turma. HC 112563/DF. Rel.: Ministro Ricardo Lewandowski. DJ: 21.08.2012).
O Douto Ministro relator do citado habeas corpus, foi voto vencido. Em seu voto, o Ministro Lewandowski entendeu que:
“Embora tenha sido pequena a quantidade de camarões apreendida em poder do paciente no momento em que foi detido, é notório que a pesca em período proibido e por meio da utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos, como no caso dos autos, pode levar a um prejuízo muito mais elevado ao meio ambiente, tendo em vista os graves riscos a que se expõem os ecossistemas, as espécies, além de se observar a necessidade de manutenção do equilíbrio ecológico, da preservação da biodiversidade e do uso sustentável dos recursos naturais.”
Concordamos com o Ministro. Embora o valor do bem (qual seja, 12 camarões) tenha sido realmente insignificante, o objetivo da Lei dos Crimes Ambientais é o da proteção ao meio ambiente.
Aliado ao entendimento do Ministro Lewandowski, nosso pensamento no que tange aos crimes ambientais, é o da não aplicabilidade do princípio da insignificância.
Citamos então a decisão do Desembargador Federal Tourinho Neto, que em sede de apelação criminal entendeu que:
“PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DANO CAUSADO PELA IMPLANTAÇÃO DO CONDOMÍNIO E NÃO PELA CONSTRUÇÃO DE CASA EM UM DOS LOTES. CONDOMÍNIO MINI GRANJA DO TORTO.
1. Inviável, na hipótese, a aplicação do princípio da insignificância na matéria ambiental, pois a biota, conjunto de seres animais e vegetais de uma região, pode se revelar extremamente diversificada, ainda que em nível local. Em pequenas áreas podem existir espécimes só ali encontradas, de forma que determinadas condutas, inicialmente insignificantes, podem conter potencialidade suficiente para causar danos irreparáveis ao meio ambiente.
2. É irrelevante a discussão sobre a localização do Condomínio Mini Granjas do Torto, se dentro do Parque Nacional de Brasília ou limítrofe a ele, pois que o tipo penal no qual o réu foi denunciado considera crime tanto os danos causados às unidades de conservação como, também, aqueles causados em um raio de dez quilômetros dessas unidades (Lei 9.605/98, art. 40, e Decreto 99.274/91, art. 27).
3. Não restando comprovado dano ambiental decorrente da construção realizada pelo denunciado em seu lote, não se pode condená-lo em virtude dos danos causados quando da implantação do condomínio, da qual não participou.
4. Apelação não provida”. (TRF-1 – 3ª Turma. ACR 24753/DF 2004.34.00.024753-1. Rel.: Desembargador Federal Tourinho Neto. DJ: 21.03.2006). (Grifos nossos).
Como observamos, o mínimo dano ambiental é capaz de causar alteração no equilíbrio ecológico e afetar os recursos naturais. Podemos exemplificar: na natureza grande parte das espécies são poligâmicas, ou seja, um macho se acasala com duas ou mais fêmeas. Um pássaro macho de uma espécie que seja poligâmica procria com determinado número de fêmeas, fertilizando-as. A subtração desse macho causa desequilíbrio, portanto. E esse desequilíbrio tende a aumentar, pois esse macho e os possíveis filhotes iriam se alimentar de determinada quantidade de insetos, além de ajudarem na polinização de espécies vegetais; ocorreria assim um aumento no número de insetos que podem devastar lavouras, além da diminuição da polinização das espécies vegetais.
Outrossim, pesquisadores descobriram que a extinção de aves pode afetar a evolução das plantas[25]. Nessa pesquisa, foi constatado que a extinção de aves de grande porte como os tucanos afeta a dispersão das dementes, diminuindo o tamanho das mesmas, trazendo como consequência, o aumento da mortandade de tais sementes, mais sujeitas ao ressecamento e não germinação. Podemos supor então que a retirada da natureza de espécie de aves de grandes portes pode afetar todo ecossistema
Ademais, existem espécimes, tanto animais quanto vegetais, que são encontradas apenas em determinados locais, as chamadas espécies endêmicas. Então, por menor que seja a conduta, esta pode conter potencialidade suficiente para causar danos irreparáveis ao meio ambiente.
O Desembargador Antônio Armando dos Anjos, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais já decidiu que:
“Sendo o meio ambiente um bem jurídico reconhecido como verdadeiro direito humano fundamental (art. 225, CF/88), em que se lhe reconhece a natureza de patrimônio de toda a humanidade, assegurando-se a esta e às futuras gerações sua existência e exploração racional, impossível acolher a tese de que eventual lesão seja insignificante aos olhos do direito penal”[26].
Finalmente, todas as espécies vivas, sejam elas representantes da fauna ou da flora vivem em equilíbrio, cada qual representando um papel, em perfeito equilíbrio. Acolher a insignificância em relação aos crimes ambientais seria colaborar com o desequilíbrio ambiental, seria não cumprir o objetivo de proteção do meio ambiente; e mais, seria não penalizar o infrator.
Advogado. Pós-Graduando em Gestão Ambiental e Economia Sustentável (PUCRS). Especialista em Direito Ambiental (FMU). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.
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