Da prescrição da quota de condomínio

Resumo: objetiva o presente artigo defender a tese segundo a qual, desde o advento da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, se aplica o prazo de cinco anos para a consumação da prescrição da pretensão de cobrança da quota de condomínio.

Sumário: 01. Introdução. 02. Da Prescrição da Quota de Condomínio. 03. Conclusão. 04. Bibliografia.

1. Introdução:

Ensina-nos privilegiada pena que “consiste a prescrição na extinção de uma pretensão, resultante da violação de um direito subjetivo, em virtude da inércia do seu titular” (cf. JOSÉ DA SILVA PACHECO, Artigo: “Da Prescrição em face do Novo Código Civil”, disponível em www.gontijo-familia.adv.br).

Quadro em que, ao menos no direito civil, o objetivo do instituto da prescrição é neutralizar os conflitos de interesses surgidos entre os particulares.

Até mesmo porque, na clássica expressão, dormientibus non sucurrit jus.

E com o advento do vigente Código Civil foram reduzidos diversos prazos prescricionais, inclusive o prazo máximo da prescrição, que passou a ser de 10 (dez) anos, a saber, a metade do que previa o Código revogado.

Sendo que, em nosso estudo se irá enfrentar a questão do prazo prescricional que se aplica à chamada contribuição condominial.

Questão essa de relevo, que é ainda motivo de agudas discussões entre os estudiosos, não tendo alcançado a segurança desejada pelos operadores do direito.

Temática cuja importância não se pode olvidar desde que se tenha em mente que se trata o pagamento da cota de condomínio de um dever básico do condômino (cf. artigo 1336, inciso I, do Código Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 10.931/204) que, em função da coisa, deve contribuir para as despesas comuns (nesse sentido, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Primeira Câmara Cível, Apelação n. 0011668-24.2009.8.19.0203, Relator Desembargador MALDONADO DE CARVALHO, julgamento em 10/11/2010).

2. Da Prescrição da Cota de Condomínio:

Quando da vigência do Código Civil de 1916, se afirmava, sem grandes divergências, que o prazo prescricional a que se submetia a pretensão de cobrança de contribuição condominial era de vinte anos, por força dos seus artigos 179 e 177, uma vez que não existia norma específica que a regulasse.

Nesse sentido, se manifestou o Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento, pela 3ª Turma, do Recurso Especial 88885/RS, que teve por Relator o eminente Ministro Waldemar Zveiter, julgado em 25.11.96, DJ 17/02/1997, fls. 2165.

Igualmente, a 3ª Turma do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial 202618/SP, que teve por Relator o saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 09.11.1999, DJ 27/03/2000, fls. 96.

Mas, com o advento do vigente Código Civil, a jurisprudência que inicialmente se firmou, entendia que a prescrição extintiva, para a hipótese, se consumaria com o prazo de dez anos, por força do seu artigo 205, uma vez que continuaria a não existir norma específica que a regulasse.   

Nesse sentido, se manifestou a 35ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, quando do julgamento da Apelação n. 990100924734, pelo Desembargador ARTUR MARQUES, em 19/04/2010.

Não em outra marcha, a 15ª Câmara Cível do TJ-RJ, quando do julgamento da Apelação n. 0082206-25.2007.8.19.0001, pelo Desembargador SEBASTIAO BOLELLI, em 13/12/2011.

Igualmente, a 18ª Câmara Cível do TJ-RJ, quando do julgamento da Apelação n. 0024390-14.2009.8.19.0002, pelo Desembargador JORGE LUIZ HABIB, em 24/11/2011. 

Também assim, a 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, quando do julgamento da Apelação n. 0043730-54.2008.8.19.0203, pela Desembargadora DENISE LEVY TREDLER, em 17/12/2010.

Tese essa que, em nossa doutrina especializada, foi encampada pelo professor LUIZ ANTONIO SCAVONE JUNIOR (apud Direito Imobiliário, Teoria e Prática, 4ª edição, Forense, 2012, fls. 763).

Afirmando-se, em apoio, que o débito condominial não é líquido e nem executável (nesse sentido, expressivamente, João Batista Lopes, apud Condomínio, 10ª edição, Revista dos Tribunais, 2008, fls. 123, 175 e 76).

Não obstante majoritária tal exegese veio a ser combatida no seio do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pela Segunda Câmara Cível, quando do julgamento da Apelação n. 2005.001.51498, votação unânime, que teve por Relator o afamado Desembargador JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR, julgado em 28/12/2005.    

Quando se defendeu a aplicação do prazo prescricional de cinco anos para se regular a pretensão de cobrança de contribuição condominial.

     Nesse diapasão, o prestigioso civilista carioca Marco Aurélio Bezerra de Melo, propôs enunciado, que não veio a ser aprovado, à IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. O texto do enunciado era: “prescreve em cinco anos a pretensão de cobrança de cotas condominiais, aplicando-se o art. 2.028 do Código Civil quando o início do prazo prescricional se deu sob a égide do Código Civil revogado”.

Entendimento esse que, para grande alvoroço do meio jurídico, veio a ser adotado, pela 3ª Turma do STJ, sabidamente o interprete maior de nossa legislação infraconstitucional, consoante se pode observar do teor do Informativo nº 0481 (Período de 15 a 26 de agosto de 2011), nos seguintes termos:

“Terceira Turma.  Prescrição. Quotas Condominiais. CC/2002. A Turma deu parcial provimento ao REsp por entender que, na vigência do CC/1916, o crédito condominial prescrevia em 20 anos nos termos do seu art. 177. Entretanto, com a entrada em vigor do novo Código Civil, o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança das quotas condominiais passou a ser de cinco anos nos termos do art. 206, § 5º, I, do CC/2002, observada a regra de transição do art. 2.028 do mesmo codex. REsp 1.139.030-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/8/2011” (grifos nossos).

Sob sólidos argumentos, que se passa a expor:

“A redação do inciso I do § 5º do art. 206 do CC/02 estabelece que prescreve  em 5  anos  "a pretensão de  cobrança de dívidas líquidas  constantes de instrumento público ou particular". Observa-se, assim,  que,  para  que  a  pretensão submeta-se  ao  prazo prescricional  de  cinco  anos,  é  necessário  dois requisitos:  a)  dívida  líquida;  e  b) definida em instrumento privado ou público. A expressão “dívida líquida” deve ser compreendida como obrigação certa, com prestação determinada. No que tange ao  conceito de  “instrumento”, vale registrar a lição de Marinoni (MARINONI. Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo:  Editora  Revista  dos  Tribunais,  2009,  p.  534),  que  o  define  como documento  formado  com  o  fim  específico  de  servir  para  comprovar  o  fato jurídico nele representado. Assim,  considerando-se  o  texto  do  dispositivo  legal,  a  palavra “instrumento” deve ser interpretada como documento formado para registrar um dever jurídico de prestação” (Recurso Especial 1.139.030-RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 18/8/2011).

Leitura essa que, desde então, veio a ganhar maior vulto no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, como, por exemplo, quando dos seguintes julgamentos: Apelação n. 0016749-36.2009.8.19.0208, Desembargador PEDRO FREIRE RAGUENET, j. 26/03/2012, 6ª CAMARA CIVEL; Apelação n. 0117430-87.2008.8.19.0001, Des. GABRIEL ZEFIRO, j. 29/02/2012, 13ª CAMARA CIVEL; Apelação n. 0018021-77.2004.8.19.0002, Des. CRISTINA TEREZA GAULIA, j. 31/01/2012, 5ª CAMARA CIVEL; Apelação 0085490-33.2010.8.19.0002, DES. LETICIA SARDAS, j. 07/10/2011, 20ª CAMARA CIVEL.

Também sendo acolhida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul quando do julgamento da Apelação n. 70044918050, Décima Oitava Câmara Cível, Relator Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, j. 15/12/2011, publicação em 18/01/2012.

Tal exegese encontra guarida, em doutrina na moderna pena do professor Arnaldo Rizzardo, em sua prestigiada obra Condomínio Edilício e Incorporação Imobiliária, Editora Forense, 2011, fls. 131, in verbis:

“Nenhuma previsão específica existe no Código Civil e nem mesmo na Lei 4.591/1964 sobre a prescrição ou decadência em matéria que envolva o condomínio edilício. Daí se entender a incidência do tratamento comum do Código Civil quanto aos prazos para a cobrança de taxas ou contribuições condominiais, para a anulação de decisões de assembléia geral e dos atos em geral praticados ou omitidos pelos condôminos. No tocante à ação de cobrança das despesas, pensa-se que incide a regra do artigo 206, §5º, inciso I, do Código Civil, prevendo a prescrição em cinco anos para “a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular”. Realmente, as dívidas decorrentes de despesas condominiais estão lastreadas em documentos, pois correspondem a compras de mercadorias, ao pagamento de empregados e prestadores de serviços, e de toda a sorte de despesas havidas no edifício. Ademais, encontram amparo na convenção e em assembléias, e são calculadas em função da quantidade de condôminos existentes, já que divididas entre todos, em função da área da titularidade de cada um”.

Panorama em que não nos parece ser mais aceitável que se afirme ser aplicável à hipótese o artigo 205 do Código Civil, cláusula geral, que estampa o prazo prescricional de dez anos.

Salvo melhor juízo, esta não é a melhor interpretação, sendo ainda de se salientar que o síndico tem a obrigação de bem administrar e de ajuizar ação de cobrança (cf. artigo 1348, inciso VII, do Código Civil), dentro do suficiente prazo de cinco anos.

Assim, tendo-se em vista o fato de que a pretensão de cobrança de débito condominial é ostensivamente lastreada em documentos, se lhe é aplicável o prazo prescricional de cinco anos, firme no que estabelece o artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do CC/2002.

Até mesmo porque a cobrança das contribuições condominiais, que sejam exigíveis dos condôminos, deve estar assentada na previsão desse procedimento na respectiva convenção, sendo essa espécie de instrumento que ampara a pretensão do condomínio.

3. Conclusão:

Buscou-se, nessa singela pesquisa, defender que, desde o advento do vigente Código Civil se aplica à pretensão de cobrança de contribuição de condomínio o prazo prescricional de cinco anos.

Entendendo que por ser tal pretensão lastreada em documentos, se lhe é aplicável o que estabelece o artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do CC/2002.

Repudiando a tese de incidência do prazo de 10 (dez) anos para a consumação da prescrição da pretensão de cobrança de quota de condomínio.

 

Bibliografia:
Lopes, João Batista. Condomínio, 10ª edição, Revista dos Tribunais, 2008.
RIZZARDO, ARNALDO. Condomínio Edilício e Incorporação Imobiliária, Forense, 2011.
SCAVONE JUNIOR, LUIZ ANTONIO. Direito Imobiliário, Teoria e Prática, 4ª edição, Forense, 2012.

Informações Sobre o Autor

Alexandre Costa de Araújo

Especialista em Direito do Consumidor e em Direito Processual Civil. Membro Honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Advogado, no Rio de Janeiro.


Equipe Âmbito Jurídico

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